Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O parto espontâneo por via vaginal do feto em apresentação cefálica é associado com um menor risco de comorbidade materna e fetal. O parto de via vaginal tem menor riscos de infecções, hemorragias, complicações anestésicas e histerotomia periparto. Uma desvantagem é que mulheres submetidas ao parto normal tem maior incidência de distúrbios do assoalho pélvico. No entanto, estudos sugerem que as vantagens de proteção do assoalho pélvico das mães que passaram por cesariana, se perdem ao passar do tempo. Classicamente, participam da mecânica do parto o conteúdo uterino em si, ou seja, o feto e seus anexos, a passagem materna representada pela bacia obstétrica e o motor, representado pelas contrações uterinas durante o trabalho de parto. O evento de contratilidade uterina com ritmo só é possível por ser precedido por notáveis modificações na estrutura miometrial, as quais determinam hipertrofia e hiperplasia das células. Essas fibras musculares estão dispersas dentro da matriz extracelular, formada principalmente por fibras colágenas, cuja principal função é facilitar a transmissão das forças contráteis geradas pelos feixes musculares. Nas fibras musculares: progesterona x prostaglandinas A progesterona, principal hormônio da gravidez, consolida as ligações do cálcio no retículo sarcoplasmático, reduzindo assim a fração livre disponível de cálcio intracelular e, consequentemente, elevando o limiar de excitabilidade da fibra miometrial. Esse fato toma o útero quiescente e foi descrito como bloqueio progestagênico. De forma inversa, as prostaglandinas também modulam o fluxo de cálcio por meio de alterações na permeabilidade da membrana celular, o que leva ao aumento dos níveis intracelulares de cálcio e favorece a contração das fibras. Somado a isso, as células musculares comunicam-se umas com as outras via conexões proteicas denominadas gap junctions. Essas conexões facilitam a sincronização e a transmissão dos estímulos eletrofisiológicos, aumentam em número com a progressão da gestação e estão sob a influência dos esteroides placentários, sendo o estrógeno o principal responsável pelo aumento da concentração dessas proteínas de conexão. Entre as principais características das células musculares miometriais, podem ser citadas a sua baixa sensibilidade a estímulos dolorosos, a excitabilidade, a capacidade elástica, a tonicidade e a capacidade contrátil. O diagnóstico de trabalho de parto se firma diante de contrações uterinas regulares e da modificação cervical progressiva. O início desse trabalho é considerado quando a dilatação atinge 2 cm. As contrações uterinas se iniciam na parte superior do útero, local em que são mais intensas, e se propagam com intensidade decrescente pelo corpo do útero até atingir o segmento inferior. Durante a fase de dilatação, a frequência das contrações uterinas é de duas a três em 10 minutos, com intensidade de aproximadamente 30 mmHg; já no período expulsivo, pode chegar a cinco contrações em 10 minutos, com intensidade de 50 mmHg. Nessa fase, soma-se às contrações uterinas a contração voluntária da musculatura abdominal, denominada puxo, cuja função é aumentar a pressão abdominal e facilitar a expulsão do feto. A cada contração uterina, durante o trabalho de parto, admite-se que sejam impulsionados do território placentário cerca de 300 mL de sangue, determinando aumento do retorno venoso ao coração e consequente incremento do volume ejetado na sístole cardíaca. Soma-se a esse incremento, após a expulsão do feto, a diminuição da pressão exercida pelo útero gravídico sobre a veia cava inferior. Esses fenômenos devem ser observados de forma cuidadosa, sobretudo em pacientes cardiopatas ou com síndromes hipertensivas graves, pois o aumento súbito do retomo venoso pode predispor a quadro de edema pulmonar agudo. Após a expulsão fetal, o útero continua a apresentar contrações rítmicas cuja função é propiciar a dequitação fisiológica. Todavia, essas contrações são indolores e, após duas ou três contrações, a placenta é impelida para o canal de parto. Esse primeiro momento do secundamento constitui o chamado tempo corpóreo e dura entre 6 e 10 minutos. As contrações que ocorrem no puerpério imediato têm como principal função auxiliar a dequitação e a hemostasia. Esse fenômeno de miotamponamento determina a "laqueadura viva" dos vasos uterinos e faz com que o útero fique devidamente contraído, o que foi denominado globo de segurança por Pinard. Contrações uterinas no puerpério Decorridas as primeiras 12 horas após o parto, registra-se uma contração em 10 minutos, e nos dias subsequentes sua intensidade e sua frequência reduzem-se. Vale salientar que, durante as mamadas, a sucção do leite determina a liberação de ocitocina, o que causa aumento na frequência das contrações e ocasionalmente pode provocar desconforto na puérpera. Parto O parto é caracterizado por contrações uterinas para dilatação cervical e expulsão do feto através do canal de parto. Essas contrações são dolorosas, porém antes do início, o útero sofre modificações fisiológicas e bioquímicas concomitantes ao aumento da frequência de contrações indolores até o verdadeiro parto ser deflagrado. Esse processo fisiológico pode ser dividido em: quiescência (fase 1), ativação (fase 2), estimulação (fase 3) e involução (fase 4). A quiescência dura toda gestação, é caracterizada por ausência de resposta à estímulos, com poucas contrações que não modificam a estrutura cervical e nem causam dilatação. A ativação prepara o útero e o canal cervical para o trabalho de parto e dura aproximadamente 6 a 8 semanas. Esta preparação determina algumas modificações cervicais e caracteriza-se pela descida do fundo uterino. Esse processo é seguido pela estimulação, que pode ser clinicamente dividida em três períodos (dilatação, expulsão e dequitação) e cujo fenômeno mais importante são as contrações uterinas efetivas. Para um adequado trabalho de parto, essas contrações devem apresentar uma frequência regular entre duas e cinco contrações a cada 10 minutos, intensidade de 20 a 60 mmHg (média de 40 mmHg) e duração entre 30 e 90 segundos (média de 60 segundos). Finalmente, a involução destaca-se pelo retomo ao estado pré-gravídico (puerpério). Seu início ocorre após a dequitação e é caracterizado por uma contração persistente que promove a involução uterina. DILATAÇÃO Inicia-se com as contrações dolorosas que modificam a cérvice, e termina com a dilatação completa do colo uterino (10 cm). Essas modificações envolvem o esvaecimento cervical e a dilatação propriamente dita. Na primíparas respectivamente e em multíparas, simultaneamente. O esvaecimento consiste na incorporação do colo na cavidade uterina. Esse processo ativo é decorrente de alterações bioquímicas que levam à fragmentação e à redisposição das fibras de colágeno e à alteração na concentração de glicosaminoglicanas. Próximo ao termo, ocorre aumento de infiltrado inflamatório no canal cervical decorrente de mudanças locais que promovem a maturação cervical e da lise de fibras de colágeno. Em modelos animais, a colagenólise está sob a influência de prostaglandinas, principalmente da prostaglandina E2, e de alguns hormônios esteroides placentários. A progesterona inibe a invasão e a ativação de polimorfonudeares no estroma cervical, e essa ação anti-inflamatória pode ter relação com seu efeito inibidor sobre o esvaecimento cervical. A dilatação do orifício externo amplia o canal do parto e completa a continuidade do útero e vagina. A medida que a dilatação progride surge um espaço ente o polo cefálico e as membranas ovulares (âmnio e cório), no qual ficará coletado o líquido amniótico (bolsa das águas), cuja função é auxiliar nas contrações uterinas no deslocamento do istmo. Sua ruptura ocorre quando a dilatação cervical é superiora 6 cm. Diagnóstico de trabalho de parto O diagnóstico de trabalho de parto está condicionado à presença de contrações uterinas com ritmo e características peculiares, combinadas a alterações progressivas no colo uterino (esvaecimento e dilatação) e à formação da bolsa das águas. Dessa forma, nesse diagnóstico não se deve considerar isoladamente a presença de contrações ou mesmo quantificar a dilatação cervical, mas sim todo o conjunto: a presença de contrações uterinas (pelo menos duas em 10 minutos) associada a dilatação cervical (pelo menos 2 cm), esvaecimento cervical e/ou modificações progressivas no colo uterino. EXPULSÃO Nessa fase o feto é expelido do útero através do canal de parto por ação conjugada das contrações uterinas e contrações voluntárias dos m. abdominais. Tem início com a dilatação completa e fim com a saída do feto. Uma vez completada a dilatação, o útero fica imobilizado pela ação de contenção dos ligamentos largo (lateralmente), redondo (superiormente) e uterossacro (posteriormente); e a resultante de força das contrações miometriais converge sobre o orifício interno do colo uterino, contra o qual a apresentação fetal é impelida. A descida do polo cefálico pelo canal de parto compreende duas fases bem definidas: fase pélvica e fase perineal. A primeira caracteriza-se pela dilatação completa do colo uterino e pela apresentação acima do plano +3 de De Lee, enquanto a segunda apresenta a cabeça rodada e em um plano inferior a +3 de De Lee. A duração do período de expulsão está condicionada à proporção cefalopélvica e à eficiência contrátil do útero e da musculatura abdominal. Assim, pode durar em média 30 minutos nas multíparas e 60 minutos nas primíparas. DEQUITAÇÃO Nesse período, o útero expele a placenta e as membranas (após o nascimento do feto). Assim, após descolamento de seu leito uterino, a placenta desce através do canal de parto e é expelida pela rima vulvar. Seu descolamento ocorre em virtude da diminuição do volume uterino depois da expulsão fetal, associada às contrações uterinas vigorosas e indolores. Há dois tipos clássicos de descolamento, o central e o marginal ou periférico, definidos, respectivamente, quando começam no centro ou lateralmente. Classicamente, no descolamento central, a primeira face placentária visualizada na rima vulvar é a face fetal e no periférico visualiza-se na rima a face materna. O primeiro é mais frequente e apresenta sangramento após a dequitação, com formação de hematoma retroplacentário. O segundo, menos comum, tem escoamento de sangue antes da total expulsão da placenta. A dequitação ocorre entre 10 minutos e 1 hora após o parto. Fisiologicamente, sabe-se que ela deve ocorrer dentro de 20 a, no máximo, 30 minutos. Porém, em 80% dos partos a dequitação se dá nos primeiros 10 minutos. PRIMEIRA HORA PÓS-PARTO Inicia-se imediatamente após a dequitação, sendo, dessa forma, a primeira hora do puerpério e não um verdadeiro quarto período clínico do parto. Nesse período, ocorrem a estabilização dos sinais vitais maternos e a hemostasia uterina. Esta hora caracteriza-se pela ocorrência dos fenômenos de miotamponamento, de trombotamponamento, pela indiferença miouterina e pela contração uterina fixa que a segue. A redução do volume uterino causa angulação das artérias uterinas e ovariana, provocando diminuição da perfusão uterina. A contração do útero causa oclusão dos vasos miometriais (miotamponamento). O trombotamponamento é a segunda linha de defesa contra a hemorragia e tem como característica a formação de trombos nos grandes vasos uteroplacentários, os quais se prolongam pelos coágulos intrauterinos que recobrem o leito placentário. A retirada desses coágulos intrauterinos após o final do parto é um processo não fisiológico e, portanto, deveria ser evitada. A indiferença miouterina é caracterizada por contração e relaxamento das fibras miometriais e ocorre na primeira hora pós-parto. Assim, pode haver enchimento e esvaziamento de sangue no interior do útero, e a hemostasia uterina depende, principalmente, do trombotamponamento nessa fase. Esse estado de indiferença uterina pode ser prolongado nos trabalhos de parto laboriosos, nas grandes multíparas e quando há distensão excessiva do útero, como acontece nas gestações múltiplas ou com fetos macrossômicos ou, ainda, na presença de polidrãmnio. A contração uterina fixa surge com o fim desse período (depois de 1 hora) e o maior tônus uterino mantém a hemostasia pós-parto, auxiliando no retomo do útero ao estado pré-gravídico. MECANISMOS DE PARTO Mecanismo de parto é o conjunto de movimentos e fenômenos ativos e, principalmente, passivos do feto durante sua passagem pelo canal de parto. A progressão do parto é facilitada pelas características da forma e tamanho da pelve materna e as do concepto. ATITUDE Atitude consiste na relação das diversas partes fetais entre si. Assim, a atitude fetal depende da disposição dos membros e da coluna vertebral. Na maioria das vezes, o feto apresenta atitude de flexão generalizada durante toda a gestação e o parto. A coluna vertebral se curva ligeiramente, produzindo uma concavidade voltada para a face anterior do concepto, enquanto os membros se apresentam flexionados e anteriorizados. Assim, configura-se uma formação de aspecto oval ou ovoide, com duas extremidades representadas pelos polos cefálico e pélvico. Em situações anômalas, pode haver extensão da coluna com deflexão do polo cefálico, o que leva às apresentações defletidas de 1ª, 2ª e 3ª graus. A ausência persistente de flexão de todos os membros é anormal e pode significar sofrimento fetal grave por perda do tônus muscular. SITUAÇÃO A situação consiste na relação entre o maior eixo da cavidade uterina e o maior eixo fetal. Essa relação dá origem a três possibilidades de situação fetal: longitudinal, transversa e oblíqua. APRESENTAÇÃO A apresentação é definida como a região fetal que ocupa a área do estreito superior e nela se vai insinuar. Para que exista apresentação, é necessário que o volume da região fetal seja capaz de encontrar obstáculo na sua passagem pelo canal pelvigenital; portanto, não existe apresentação antes do sexto mês ou quando a parte fetal é um membro, visto que os respectivos diâmetros são muito inferiores aos da bacia. Quando a situação fetal é longitudinal, há duas possibilidades de apresentação: cefálica ou pélvica. Nas situações transversas, por sua vez, duas outras possibilidades ocorrem, nas quais se distinguem as apresentações córmicas (ou de ombro), em que o dorso fetal se apresenta anterior ou posteriormente, ou as apresentações dorsais superior e inferior. INSINUAÇÃO Insinuação é definida como a passagem do maior diâmetro da parte apresentada, perpendicular à linha de orientação fetal, pelo estreito superior da bacia materna. Dessa forma, nas apresentações cefálicas o diâmetro de insinuação corresponde ao biparietal e nas apresentações pélvicas, ao bitrocantérico. Na maioria das mulheres, quando a parte fetal apresentada está insinuada, significa que o ponto de referência ósseo fetal está no nível das espinhas isquiáticas maternas (plano O de De Lee ou terceiro plano de Hodge) ou muito próximo dele. A ocorrência de insinuação indica que o estreito superior é adequado para a passagem do feto. Em primigestas a insinuação ocorre, na maioria das vezes, por volta de 15 dias antes do parto. Já em multíparas, a insinuação pode ocorrer a qualquer momento, desde antes do início do trabalho de parto até após a dilatação completa do colo uterino. A ausência de insinuação em nulíparas requer exame cuidadoso no sentido de descartar desproporção cefalopélvica, apresentação anômala ou algo que possa estar bloqueando o canal de parto ( tumores, placenta etc.). ASSINCLITISMO E SINCLITISMO A articulaçãoda cabeça e coluna vertebral pode mover-se anteroposteriomente e lateralmente. Dessa forma, quando a sutura sagital se aproxima da pube e o parietal posterior desce até ultrapassar o promontório materno, diz-se que há assinclitismo posterior. Ao contrário, quando a sutura sagital está mais próxima ao sacro, mais baixo está o parietal anterior, e o assinclitismo é chamado de anterior. Durante o trabalho de parto, existe um momento em que o parietal insinuado ultrapassa o ponto de referência da bacia óssea e, com o aumento da área abaixo do estreito superior, é possível mover lateralmente o polo cefálico. Isso traz a sutura sagital à mesma distância entre o púbis e o promontório, e a cabeça fica em sinclitismo nesse momento. Além de flexão e assinclitismo, outro processo que contribui para o mecanismo de insinuação é o cavalgamento dos ossos do crânio fetal, fenômeno que reduz as dimensões do polo cefálico, posto que o maciço frontal e o occipital se locam por baixo dos parietais. Do mesmo modo, a borda interna de um dos parietais se sobrepõe à outra. O cavalgamento é mais acentuado nas cabeças com menor grau de ossificação e maior grau de deflexão. DESCIDA A descida ou progressão, também considerada segundo tempo do mecanismo de parto, é o momento definido pela passagem do polo cefálico do estreito superior para o estreito inferior da pelve materna. Ocorre de forma sincrônica com o primeiro tempo, o terceiro tempo ou ambos. Na prática clínica, usa-se o esquema de De Lee, com os planos ditos em centímetros, a partir das espinhas isquiáticas: • Móvel: > -3 cm. • Ajustada ou fixada: -3, -2 ou -1 cm. • Insinuada: O cm. • Fortemente insinuada: + 1, +2 ou +3 cm. • Baixa: +4 ou +5 cm (já aflorando na vulva). Em primíparas, ainda que a insinuação possa ocorrer antes do desencadeamento do trabalho de parto, a descida pode não ocorrer até a cervicodilatação se completar. Em multíparas, por sua vez, a descida usualmente começa com a insinuação. ROTAÇÃO INTERNA O objetivo da rotação interna é coincidir o diâmetro anteroposterior do polo cefálico com o maior diâmetro da bacia materna. Os diâmetros com maiores proporções variam, dependendo do estreito em que se encontra a cabeça fetal. Assim, o estreito superior apresenta maior dimensão no sentido transverso; no estreito médio, o sentido anteroposterior é maior ou eles têm iguais proporções; e no inferior, o anteroposterior é maior. A rotação normalmente traz o ponto de referência fetal para a frente, junto ao púbis, o que é denominado rotação anterior (ou púbica). Quando, excepcionalmente, o feto roda para trás, diz-se que ocorreu rotação posterior (ou sacra). Nas apresentações cefálicas fletidas, o occipício é o ponto de referência que irá percorrer a distância de um arco de circunferência, necessária para sua locação no subpúbis. DESPRENDIMENTO CEFÁLICO Por meio de duas forças antagônicas (contração uterina e resistência perineal), o feto é impulsionado para baixo e para fora do canal de parto. Ao vencer tal resistência, a cabeça fetal desfere movimento abrupto de extensão, externando os diâmetros anteroposteriores do polo cefálico na sequência: suboccipitobregmático (9,5 cm), suboccipitofrontal {10,5 cm) e
Compartilhar