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METODOLOGIA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA 1 Sumário Aula 01 – Produção Textual - Os Fatores De Textualidade - Coerência E Coesão Aula 02 – Produção Textual II - Intencionalidade, Aceitabilidade, Situacionalidade, Informatividade, Intertextualidade Aula 03 – A Produção Oral Aula 04 – A Leitura Aula 05 – A Literatura Infantil Em Questão Aula 06 – Breve Panorama Histórico Da Literatura Infantil Aula 07 – Alguns Apontamentos Sobre A História Da Literatura Infantil Brasileira Aula 08 – A Literatura Infantil Brasileira Contemporânea 2 Apresentação Caros acadêmicos, É um prazer tê-los conosco para mais uma importante etapa do curso. Quanto à parte de Metodologia do Ensino da Língua portuguesa, estudaremos conteúdos relacionados ao ensino da Língua Portuguesa nos anos iniciais, para tanto, as aulas focarão o ensino da produção textual (oral e escrita) e a pratica da leitura. No que diz respeito à Literatura Infantil, estudaremos os mais diversos aspectos que envolvem desde a discussão do conceito de Literatura Infantil, até as tendências contemporâneas brasileiras, além da leitura e análise de algumas obras. Lembramos que o material de Metodologia da Língua Portuguesa/ Literatura Infantil é de autoria do Prof. Neurivaldo Júnior que, gentilmente, nos cedeu para que pudéssemos dar início à disciplina, uma vez que não haveria tempo hábil para a produção de novo material. Vamos iniciar nossa trajetória? 3 Aula 01 Produção Textual - Os Fatores De Textualidade - Coerência E Coesão Dando prosseguimento aos nossos estudos sobre a produção textual e, mais precisamente, sobre as questões sobre a textualidade, veremos, agora, alguns fatores que devem ser observados na produção textual de nossos alunos, para que, dessa forma, haja coerência e coesão. Em primeiro lugar, vamos conceituar o termo textualidade, pois, de acordo com Maria da Graça Costa Val, “Chama-se textualidade ao conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma sequência de frases. Beaugrande e Dressler (1983) apontam sete fatores responsáveis pela textualidade de um discurso qualquer: a coerência, a coesão, que se relacionam ao material conceitual e linguístico do texto, e a intencionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade e a intertextualidade, que têm a ver com os fatores pragmáticos envolvidos no processo sócio comunicativo” (COSTA VAL, 1999, p. 5). Dois dos termos apresentados acima pela professora são nossos conhecidos de longa data – coerência e coesão textual. Quem de nós nunca se deparou com tais termos? Como explicá-los? Ou, ainda, como aplicá-los ao longo da produção textual? 4 Para que passemos à reflexão da aplicabilidade desses termos, é necessário, primeiramente, conceituá-los. De acordo com Koch e Travaglia (2002) A coerência teria a ver com a “boa formação” do texto, mas num sentido que não tem ainda a ver com qualquer idéia assemelhada à noção de gramaticalidade usada no nível da frase, sendo mais ligada, talvez, a uma boa formação em termos da interlocução comunicativa. Portanto, a coerência é algo que se estabelece na interação, na interlocução, numa situação comunicativa entre dois usuários. Ela é o que faz com que o texto tenha sentido para os usuários. (...) a coerência seria a possibilidade de estabelecer, no texto, alguma forma de unidade ou relação. Essa unidade é sempre apresentada como uma unidade de sentido no texto, o que caracteriza a coerência como global, isto é, referente ao texto como um todo. Mais adiante, Ingedore Koch e Luiz Carlos Travaglia observam que: Paralelamente ao conceito de coerência, formando com ele uma espécie de ar opositivo/distintivo, encontramos nos estudos textuais o conceito de coesão. Ao contrário da coerência, a coesão é explicitamente revelada através das marcas linguísticas, índices formais na estrutura da sequência linguística e superficial do texto, sendo, portanto, de caráter linear, já que se manifesta na organização sequencial do texto. (...) A coesão é, então, a ligação entre os elementos superficiais do texto, o modo como eles se relacionam, o modo como frases ou partes delas se combinam para assegurar um desenvolvimento proposicional (Koch & Travaglia, 2002). A seguir, apresentamos um artigo do Professor Cosme Batista dos Santos, publicado na Revista Educação e Sociedade, sobre a análise da coerência e coesão nos textos de alunos. (Confira as referências bibliográficas) A LINGÜÍSTICA TEXTUAL NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR 5 Palavras-chave: Linguística textual. Reformulação científica. Formação. TEXTUAL LINGUISTIC IN TEACHER TRAINING ABSTRACT: This paper focuses on the construction of the concept of Textual Linguistic (TL) by mother tongue teachers in the semi-arid region of Bahia. It specifically concentrates on the reformulation strategies of concepts from a scientific text for general public, considered as the base text, in 1) the oral discourse of the teacher trainer in the classroom and 2) the comments made by two training teachers about their students’ written texts. In the teacher trainer’s discourse, reformulations have an explicative or didactic nature aimed at learning. In the oral comments of the training teachers, concepts are reformulated with the help of terms typically used in the ordinary language, without risks of contradictions or reduction of the basic concepts. Reformulations thus have an appropriative nature since the scientificconcepts are reformulated according to the users’ way. Key words: Textual linguistic. Scientific reformulation. Formation. Introdução Este trabalho analisa o impacto de conceitos da linguística textual na formação do professor alfabetizador. Mais especificamente, ele analisa a reformulação de conceitos da linguística textual nas práticas, com o foco na relação entre o conceito de continuidade tópica, tal como é textualizado em um texto escrito utilizado como objeto de leitura durante a formação dos professores alfabetizadores, e as reformulações desse conceito pelo professor formador, na prática de formação, e pelos alfabetizadores em formação, no contexto escolar. Trata-se de uma análise com foco nas estratégias de reformulação didática da noção teórica de continuidade de um texto de divulgação científica, considerado como o texto escrito formador para o discurso oral da professora formadora, produzido em um curso de formação continuada para alfabetizadores e, ainda, para o discurso oral de duas alfabetizadoras em formação, produzido a partir de intervenções nas redações de seus alunos. Desejamos saber, 6 sobretudo, quais as transformações que esse conceito sofre todas as vezes que ele é atualizado em cada uma dessas instâncias específicas de enunciação. Estudos antecedentes mostram que a atividade de retextualização, transposição e reformulação de conceitos de um texto escrito acadêmico para outros textos ou usos (Marcuschi, 2001; Matêncio, 2002) ou, especificamente, para uma situação de ensino (Rafael, 2001; Aparício, 2001) tende a ser afetada por fatores linguísticos, sociais e cognitivos, dentre os quais podemos citar: (a) os gêneros e as modalidades em uso (da fala para a escrita etc.); (b) os eventos de letramento específicos em que o termo ou o conceito científico é reutilizado (nas práticas deformação, nas práticas escolares, nas práticas jornalísticas etc.) e (c) o letramento específico ou tipo de relação que os leitores, no papel de agentes reformuladores (Peytard, Jacobi & Petroff, 1984), mantêm com o conceito original (especialistas ou não especialistas na área de conhecimento tratada). Os resultados deste trabalho devem ampliar as descobertas acerca da retextualização e reformulação de conceitos na formação e no ensino, considerando alguns aspectos que ainda não foram devidamente focalizados nos estudos antecedentes, a saber: em primeiro lugar, focaliza a reformulação de definições da ciência linguística, em um contexto notadamente marcado pela tradição oral, como é o caso das pequenas cidades do semiárido baiano; em segundo lugar, focaliza as reformulações de uma mesma definição por leitores ou usuários com formação distinta (letras e magistério) em dois contextos diferentes (na prática de formação e na escola) e, por último, contribui com a formação linguística do professor alfabetizador, potencializando-o para a prática do ensino e avaliação da escrita do aluno. Estamos mobilizando, também, como pressuposto, a visão dialógica da leitura, ou seja, concebendo-a como atividade social situada nas interações específicas. Nesse sentido, a leitura de um texto acadêmico, mais do que uma simples decodificação e de uma pacífica coleta de definições no interior do texto, é uma atividade responsiva, no sentido bakhtiniano do termo, podendo envolver evidentemente reformulação e apropriação, no sentido dado por Certeau (1994). 7 Com base nos aspectos apontados nesta introdução, organizamos este artigo em três partes. Na primeira, apresentaremos um quadro teórico reunindo e ampliando os pressupostos teóricos vinculados ao tema central reformulação científica; na segunda, analisaremos as reformulações do conceito de continuidade tópica no texto escrito formador, no discurso da professora formadora, nos comentários das professoras alfabetizadoras focalizadas e, além disso, as relações existentes entre cada reformulação realizada; na terceira e última parte, apresentaremos as nossas considerações finais relativas aos resultados do estudo. Reformulação e construção do conceito O quadro de pressupostos selecionados foi montado com base numa visão dialógica da escrita (Bakhtin, 1995; Koch, 1997; Marcuschi, 1999), a qual pode ser focalizada inclusive nas interações verbais mediadas pelos textos acadêmicos e/ou científicos. Nesse sentido, a divulgação de um conceito científico, seja pelo próprio autor, seja por terceiros, implica reformulações decorrentes das condições de difusão ou especificamente da influência dos interlocutores na construção da significação. A reformulação dos conceitos pode ocorrer nas situações diversas de difusão, a partir do momento em que os termos científicos ou técnicos são reutilizados em domínios distintos e, consequentemente, são adaptados para atender aos diversos níveis de compreensão dos destinatários (Brey, 1984; Petroff, 1984), ou pode ocorrer sob o efeito de uma transposição didática, a partir do momento em que tais termos são atualizados para fins específicos do ensino/aprendizagem escolar (Bronckart & Giger, 1998). A reformulação resultante das práticas de difusão pode se manifestar em situações variadas como, por exemplo, naquelas em que um determinado manual que contém termos altamente técnicos é reformulado para melhorar a compreensão dos seus leitores, na condição de destinatários preestabelecidos. A reformulação sob o efeito de uma transposição didática manifesta-se nas situações específicas de ensino como, por exemplo, nas situações em que os professores de língua portuguesa mobilizam terminologias de gramática tradicional para tornar os 8 conceitos teóricos da linguística mais acessíveis para os alunos (Rafael, 2001; Aparício, 2001). Neste estudo, considerando que os comentários das alfabetizadoras em formação sobre a escrita não se configuram propriamente numa situação de difusão ou de ensino, estamos sugerindo a possibilidade de outro tipo de reformulação que podemos chamar de reformulação apropriativa, considerando os casos em que o conceito científico é reformulado à maneira do leitor pelo uso que se faz dele (Certeau, Giard & Mayol, 1996). Esta estratégia pode se manifestar nos casos em que o leitor se apropria do conhecimento científico, mobilizando basicamente os termos da linguagem ordinária, resultando, muitas vezes, em um enriquecido processo de construção metafórica. Os conceitos podem ser reformulados não necessariamente sob o efeito de uma difusão ou de uma transposição, mas, sobretudo, sob a influência da ação responsiva do interlocutor (Bakhtin, 1995), ao inserir na sua interpretação as palavras e as vozes próprias que, por sua vez, sinalizam reformulação, construção e apropriação do conhecimento advindo do texto alheio. Continuidade tópica na formação e na escola Considerando que o foco principal de análise serão as reformulações do conceito de continuidade tópica pela professora formadora Luciana (nome fictício) e pelas alfabetizadoras em formação Laura e Indira (nomes fictícios), não vamos analisar a configuração desse conceito, tal como ocorre no texto escrito formador. O conceito textualizado no texto escrito formador será estrategicamente considerado como o ponto de partida das reformulações ulteriores, devendo ser, consequentemente, apenas objeto de comparação nesta análise. Assim, a análise dos dados está organizada da seguinte forma: a) apresentação do conceito de continuidade tópica, tal como é divulgado no texto escrito; b) análise das reformulações desse conceito na exposição da formadora Luciana e c) análise das reformulações desses conceitos nos comentários de Laura e Indira. O conceito de continuidade tópica no texto escrito formador 9 Inicialmente, é importante salientar que a denominação texto básico está sendo empregada, neste trabalho, por ser o ponto de partida ou a base de conceitos para as retextualizações. Trata-se de uma estratégia metodológica e, por isso, não deve ser entendido como a fonte ou a origem dos conceitos, tal como é concebida nos estudos acerca da reformulação e vulgarização científica (Peytard, Jacobi & Petroff, 1984). Para efeito de uma breve caracterização, o texto original, como já foi indicado na metodologia, é o capítulo II, “Como avaliar a textualidade”, da 2ª edição do livro Redação e textualidade, de Maria das Graças Costa Val, reeditado por Martins Fontes, em 1999. Neste capítulo, a autora textualiza, baseando-se em Charolles (1978), o conceito de continuidade tópica, conforme podemos ver no exemplo abaixo. (...) a continuidade diz respeito à necessária retomada de elementos no decorrer do discurso. Tem a ver com a sua unidade, pois um dos fatores que fazem com que se perceba um texto como um todo único é a permanência, em seu desenvolvimento, de elementos constantes. Uma sequência que trate a cada passo de um assunto diferente certamente não será aceita como texto. Quanto à coerência, esse requisito se manifesta pela retomada de conceitos e ideias. Quanto à coesão, pelo emprego de recursos linguísticos específicos, tais como a repetição de palavras, o uso de artigos definidos ou pronomes demonstrativos para determinar entidades já mencionadas, o uso de pronomes anafóricos e de outros termos vicários (como os pró-verbos ser e fazer e os pró-advérbios lá, ali, então etc.), a elipse de termos facilmente recobráveis, entre outros mecanismos. (p. 21) Assim, a continuidadeconsiste, segundo a autora, na retomada de elementos, ou seja, na retomada de tópicos ao longo do discurso, devendo ser 10 considerada um dos requisitos necessários para o estabelecimento da textualidade em um texto. O conceito de continuidade, embora seja, ao mesmo tempo, requisito de coesão e coerência, conforme a autora, pode se manifestar distintamente em cada um desses planos. No plano da coerência, a continuidade manifesta-se pelas retomadas de conceitos e ideias e, por outro lado, no plano da coesão, a continuidade manifesta-se pelo emprego de recursos lexicais e gramaticais utilizados para retomar os tópicos ao longo do texto. O conceito de continuidade tópica na formação O conceito de continuidade tópica foi transposto na situação de formação pela professora formadora Luciana, da seguinte forma: 1. /... continuidade de um texto... ela se dá pelos (2. pronomes...anafóricos...o estudo dos (3. pronomes... partindo do conceito básico... de (4. que pronome... é aquela palavrinha que (5. substitui o nome... é:::então... pelos (6. pronomes... pelas elipses... pelo artigo (7. definido... aquela questão que a gente (8. colocava... o sintagma nominal... o (9. determinante... mas o referencial... não (10. era?... as recorrências... ou seja... as (11. retomadas de ((itens)) lexicais ou (12. gramaticais... retomadas por substantivos (13. ou por termos gramaticais... lembram disso (14. também... né? (Luciana, 2001) No seu enunciado, a professora formadora Luciana define a continuidade como sendo as “recorrências ou retomadas de itens lexicais ou gramaticais” (linhas 10, 11, e 12), como também é definida no texto escrito. De acordo com o texto escrito, como vimos, a continuidade manifesta-se distintamente na coerência e na coesão. Na coerência, pela retomada de conceitos e ideias e, na coesão, pelo emprego de recursos lexicais e gramaticais específicos. Na reformulação desse conceito na sala de aula, Luciana não introduz o conceito nessa mesma ordem. Entretanto, em relação aos termos mobilizados, não constatamos diferenças muito marcantes. 11 No enunciado da formadora, há situações em que os termos ou opções lexicais do texto escrito formador são retomados e há uma situação em que um dos termos do conceito original é associado a termos da gramática tradicional, visando tornar o conceito mais compreensível para o destinatário, configurando a reformulação didática (Brey, 1984). A primeira situação justifica-se pela mobilização do termo “anafórico”, para designar os pronomes que são empregados no texto como mecanismos de continuidade, e pela mobilização dos termos “recorrências” e “retomadas”, para designar a função dos itens lexicais e gramaticais na configuração do requisito da continuidade, consequentemente na coerência e na coesão textuais. A segunda situação justifica-se pela inserção do termo “substantivos” (linha 12) da gramática normativa para substituir o termo “lexicais” na expressão “retomadas lexicais” do texto escrito. Neste caso, o termo “lexical” empregado no texto escrito na categorização da coesão lexical é atualizado com o apoio do termo “substantivo”, advindo da gramática normativa. No texto base, bem como na linguística do texto, o termo “lexical” é associado aos processos de nominalização (reiteração, substituição e associação), especificamente, apontados como a manifestação da continuidade na coesão textual. Na gramática normativa e na maioria dos livros didáticos, por outro lado, o termo substantivo é definido como a palavra que nomeia os seres, coisas e ideias. Trata-se de uma definição bastante presente no contexto do ensino de língua portuguesa. Dessa forma, a textualização do termo “substantivos” pela professora formadora, na aula, não obscurece o conceito de continuidade tópica do texto escrito formador e parece torná-lo ainda mais compreensível na prática de formação. Nesse caso, parece ocorrer uma reformulação didática do conceito original, em que o conceito é explicitado com apoio em um termo da gramática, tradicionalmente conhecido pelos alunos. O conceito de continuidade tópica na escola Nesta seção, analisaremos o conceito de continuidade tópica nos comentários das alfabetizadoras Laura e Indira. Em outros termos, a nossa preocupação nessa análise recai sobre as estratégias utilizadas por tais alfabetizadoras para reconfigurar o conceito acessado por meio do texto escrito formador e por meio do texto oral da professora formadora. 12 (3) O comentário da alfabetizadora Laura: 1. o texto ta bom... tem (2. coerência... você não acha?... (3. (.) ta sempre no assunto... um (4. assunto está puxando o (5. outro... ela/ela... desviou que (6. tava convidando ela pra o (7. aniversário... eu acho que ta (8. combinando com o aniversário (9. ((o título do texto da aluna é “O (10. meu aniversário”)) não tem (11. palavras soltas... No enunciado acima, iniciando o seu comentário, Laura constata que o texto do seu aluno “ta bom” e, logo em seguida, acrescenta que o texto “tem coerência” (linhas 1 e 2). Nesse caso, parece ficar evidente que para Laura a coerência textual é um critério fundamental na organização do texto. A coerência é, nesse sentido, uma condição básica para a textualidade. Essa crença atravessa todos os discursos sobre a textualidade circulados na formação, principalmente o texto escrito formador que aponta que a coerência é o “fator fundamental da textualidade, porque é responsável pelo sentido do texto” (Costa Val, 1999, p. 21). No entanto, o que nos interessa no enunciado acima é o critério de coerência mobilizado por Laura para justificar a coerência textual, os termos empregados na construção do significado e a relação estabelecida com o conceito do texto escrito. No seu comentário sobre o texto do aluno, ela mobiliza apenas o requisito da continuidade tópica como critério para garantir a coerência do texto. Diferentemente de como ocorre no texto escrito formador e no texto oral da professora formadora, o conceito é construído com o apoio de termos advindos da linguagem cotidiana, envolvendo metáforas e rodeios próprios. O conceito de continuidade tópica, que é apresentado no texto escrito como sendo a “retomada de conceitos e ideias” e parcialmente reformulado no texto da professora formadora como sendo “as retomadas de itens lexicais e gramaticais”, é mantido no texto de Laura. No entanto, essa manutenção ocorre por meio da mobilização de estruturas bem mais distantes do conceito original, como mostram os seguintes exemplos: “tá sempre no assunto”, “um assunto tá puxando o outro” e “não tem palavras soltas” (linhas 3, 4 e 5). Os termos 13 “sempre” e “assunto” substituem, respectivamente, os termos “continuidade” e “tópico”, sinalizando que o texto apresenta continuidade de tópicos, de ideias e conceitos; o termo “puxando” substitui o termo “retomada”, sinalizando que, no texto, a continuidade manifesta-se pelas retomadas dos referentes ao longo do texto e, por último, a expressão “não tem palavras soltas”, sinalizando que o texto apresenta unidade ou coesão lexical. (4) O comentário da alfabetizadora Indira: 1. ... o texto não é coerente... eu não (2. achei não... (.) porque ela... ela (3. foge um pouco... muda (4. assim... não desenvolve as ideias (5. que ela coloca...ela vai pondo (6. assim... sobrepondo... é:::frases.... Neste enunciado, o foco central é a mobilização de critérios e termos pela alfabetizadora Indira para justificar a falta de coerência no texto do aluno. Retornando, então, à análise dos critérios de coerência mobilizadosno comentário de Indira, observamos que, ao justificar a falta de coerência no texto, são mobilizadas as seguintes estruturas: “ela foge um pouco... muda assim” (linha 2). Nessas expressões, os termos “foge” e “muda” são mobilizados para sinalizar a descontinuidade (ausência de continuidade das idéias) que compromete a coerência no texto do aluno. No comentário de Indira, portanto, está subentendido que, assim como é previsto nos textos formadores, um texto para ser coerente necessita da continuidade e, para isso, não foge e não muda o tópico tratado no texto. Nos enunciados das alfabetizadoras Laura e Indira, focalizando, especialmente, a mobilização dos termos para reconceituar a continuidade tópica, como requisito da coerência textual, constatamos a tendência a uma reformulação do tipo apropriativa, na medida em que o conceito é construído basicamente com apoio na linguagem oral, ou seja, com o emprego de palavras e expressões metafóricas da linguagem cotidiana. Nesse caso, configura-se uma cena em que as alfabetizadoras em formação, na condição de leitoras, demarcam o seu lugar como coautoras, na construção do saber sobre o texto, ou seja, do saber linguístico relevante para a sua formação. 14 Considerações finais A reformulação do conceito de continuidade tópica aqui analisada adquire configurações distintas, conforme o contexto de uso. Na formação, as reformulações tendem a ser menos salientes, considerando que a professora formadora, em seu discurso, conserva muitas estruturas e termos da escrita, tais como circulam no texto escrito: “retomada de ideias”, “tópico-comentário”, “recorrências de termos” etc. e, nas intervenções das professoras alfabetizadoras em formação, as reformulações são mais situadas, considerando que, em seus comentários, as estruturas e os termos empregados no texto escrito são praticamente substituídos por outros tipicamente usados na linguagem comum: “um assunto tá... puxando o outro”, “ela foge... do assunto”, “não tem palavras soltas” etc. Na primeira situação, configura-se uma reformulação com fins didáticos, uma vez que a mobilização de termos da gramática normativa, por exemplo, visa facilitar a compreensão da noção de continuidade tópica. Na segunda situação, por outro lado, configura-se uma reformulação de natureza apropriativa, considerando que os conceitos são reformulados à maneira dos usuários, com apoio em metáforas e expressões do cotidiano. Portanto, embora preliminares, tais resultados sugerem que o estudo do impacto das noções teóricas, em especial da linguística textual, na formação do professor de língua materna deve ter como foco não apenas as estratégias de retextualização e transposição dos conceitos linguísticos, como também as reformulações que o professor faz em tais noções para acomodá-las em suas manifestações orais. 15 Aula 02 Produção Textual II - Intencionalidade, Aceitabilidade, Situacionalidade, Informatividade, Intertextualidade Caros alunos, vamos retomar a reflexão da professora Maria da Graça Costa Val, que abre a aula 01? Lembram-se que a professora aponta para sete fatores responsáveis pela textualidade: • coerência; • coesão; • intencionalidade; • aceitabilidade; • situcionalidade, • informatividade; • intertextualidade. Na aula 01, estudamos a coerência e a coesão textual. Agora, daremos ênfase aos outros itens e que estão relacionados às questões de coerência e coesão. 16 INTENCIONALIDADE Para Koch, “A intencionalidade refere-se ao modo como os emissores usam textos para perseguir e realizar suas intenções, produzindo, para tanto, textos adequados à obtenção dos efeitos desejados. É por essa razão que o emissor procura, de modo geral, construir seu texto de modo coerente e dar pistas ao receptor que lhe permitam construir o sentido desejado. (...) A intencionalidade tem relação estreita com o que se tem chamado de argumentatividade. Se aceitamos como verdade que não existem textos neutros, que há sempre uma intenção ou objetivo por parte de quem produz um texto, e que este não é jamais uma “cópia” do mundo real, pois o mundo é recriado no texto através da mediação de nossas crenças, convicções, perspectivas e propósitos, então somos obrigados a admitir que existe sempre uma argumentatividade subjacente ao uso da linguagem”. (KOCH: 2004, p.98) ACEITABILIDADE Por outro lado, “a aceitabilidade constitui a contraparte da intencionalidade. Já se disse que, segundo o princípio Cooperativo de Grice, o postulado básico que rege a comunicação humana é o da cooperação, isto é, quando duas pessoas interagem por meio da linguagem, elas se esforçam por fazer-se compreender e procuram calcular o sentido do texto(s) interlocutor(es), partindo das pistas que ele contém e ativando seu conhecimento de mundo, da situação, etc. Assim, mesmo que um texto não se apresente, à primeira vista, como perfeitamente coerente, e não tenha explícitos os elementos de coesão, o rececptor vai tentar estabelecer a sua coerência, dando-lhe a interpretação que lhe pareça cabível, tendo em vista os demais fatores de textualidade” (KOCH: 2004, p.98) situacionalidade 17 De acordo com Ingedore Vilhaça Koch e Luiz Carlos Travaglia (2004, P.84): “A situacionalidade, outro fator responsável pela coerência, pode ser vista atuando em duas direções: a) da situação para o texto; b) do texto para a situação. a) da situação para o texto - neste caso, trata-se de determinar em que medida a situação comunicativa interfere na produção/recepção do texto e, portanto, no estabelecimento da coerência. A situação deve ser aqui entendida quer em sentido estrito - a situação comunicativa propriamente dita, isto é, o contexto imediato da interação -, quer em sentido amplo, ou seja, o contexto sócio-político-cultural em que a interação está inserida. Sabe-se que a situação comunicativa tem interferência direta na maneira como o texto é construído, sendo responsável, portanto, pelas variações linguísticas. É preciso, ao construir um texto, verificar o que é adequado àquela situação específica: grau de formalidade, variedade dialetal, tratamento a ser dado ao tema, etc. O lugar e o momento da comunicação, bem como as imagens recíprocas que os interlocutores fazem uns dos outros, os papéis que desempenham, seus pontos de vista, o objetivo da comunicação, enfim, todos os dados situacionais vão influir tanto na produção do texto, como na sua compreensão. b) do texto para a situação - também o texto tem reflexos importantes sobre a situação comunicativa: o mundo textual não é jamais idêntico ao mundo real. Ao construir um texto, o produtor recria o mundo de acordo com seus objetivos, propósitos, interesses, convicções, crenças, etc. O mundo criado pelo texto não é, portanto, uma cópia fiel do mundo real, mas o mundo tal como é visto pelo produtor a partir de determinada perspectiva, de acordo com determinadas intenções. É por isso que, quando várias pessoas descrevem um mesmo objeto, as descrições nunca vão ser exatamente iguais; quando diversas testemunhas relatam um fato, os depoimentos vão divergir uns dos outros. Os referentes textuais não são idênticos aos do mundo real, mas são construídos no interior do texto. O receptor, por sua vez, 18 interpreta o texto de acordo com a sua ótica, os seus propósitos, as suas convicções - há sempre uma mediação entre o mundo real e o mundo textual. Assim, na construção da coerência,a situacionalidade exerce também um papel de relevância. Um texto que é coerente em dada situação pode não o ser em outra: daí a importância da adequação do texto à situação comunicativa”. INFORMATIVIDADE É, novamente, de Koch e Travaglia que colhemos a definição e informatividade, pois, de acordo com esses autores: “Outro fator que interfere na construção da coerência é a informatividade, que diz respeito ao grau de previsibilidade (ou expectabilidade) da informação contida no texto. Um texto será tanto menos informativo, quanto mais previsível ou esperada for a informação por ele trazida. Assim, se contiver apenas informação previsível ou redundante, seu grau de informatividade será baixo (exemplo 52); se contiver, além da informação esperada ou previsível, informação não previsível, terá um grau maior de informatividade (exemplo 53); se, por fim, toda a informação de um texto for inesperada ou imprevisível, ele terá um grau máximo de informatividade, podendo, à primeira vista, parecer incoerente por exigir do receptor um grande esforço de decodificação (exemplo 54). Os exemplos foram retirados de Beaugrande e Dressler (l981): (52) O oceano é água. (53) O oceano é água. Mas ele se compõe, na verdade, de uma solução de gases e sais. (54) O oceano não é água. Na verdade, ele é composto de uma solução de gases e sais. Ao afirmar (52), que é óbvio para todo e qualquer leitor, não fica claro nenhum propósito comunicativo do produtor do texto: o oceano não seria oceano se não fosse constituído de água. 19 Tal informação é tão previsível e redundante que o texto chega a parecer desviante. Mais adiante, porém, o produtor declara que “na verdade, o oceano é constituído de uma solução de gases e sais” (exemplo (53)), o que revaloriza o evento comunicativo, fazendo-o passar de um grau baixíssimo a um grau mais alto de informatividade. Por outro lado, em (54), o início do texto causaria estranheza a qualquer leitor, por conter o grau máximo de informatividade, grau que vai ser “rebaixado” quando se prossegue a leitura. Tanto o início “O oceano é água”, como o início “O oceano não é água” são informacionalmente desestabilizadores, um por ser excessivamente óbvio e o outro, por ser excessivamente informativo. A estabilização vai ocorrer na seqüência do texto, ou por uma valoração ou por um “rebaixamento” do grau de informação. O grau máximo de informatividade é comum na literatura e na linguagem metafórica em geral. Veja-se o exemplo (55): (55) O tempo voa como um bólido. Mas também são frequentes, tanto em textos poéticos como em textos publicitários ou manchetes jornalísticas, casos de informatividade aparentemente nula, que vai ser promovida a um grau mais alto na sequência do texto ou na matéria que a manchete encabeça, como se pode observar em (56): (56) E o facínora parecia sempre humano quando conversava. É evidente que o facínora, sendo um homem, pertence ao gênero humano - e também são apenas os seres humanos que conversam (a não ser em fábulas e outros textos do gênero). Mas a informação será revalorizada se o indivíduo a que o texto se refere for caracterizado de modo tão diferente dos seus semelhantes, que dele não se possam esperar comportamentos humanos. É a informatividade, portanto, que vai determinar a seleção e o arranjo das alternativas de distribuição que o receptor possa calcular-lhe o sentido com maior ou menor facilidade, dependendo da intenção do produtor de construir um texto mais ou menos hermético, mais ou menos polissêmico, o que está, evidentemente, na dependência da situação comunicativa e do tipo a ser produzido”. 20 INTERTEXTUALIDADE Outro importante fator de coerência é a intertextualidade, na medida em que, para o processamento cognitivo (produção/ recepção) de um texto, recorre-se ao Conhecimento prévio de outros textos. A intertextualidade pode ser de forma ou de conteúdo. A intertextualidade de forma ocorre quando o produtor de um texto repete expressões, enunciados ou trechos de outros textos, ou então o estilo de determinado autor ou de determinados gêneros de discurso. Exemplo de intertextualidade de forma pode ser detectado entre a “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias e trechos do “Hino Nacional Brasileiro” e da “Canção do Expedicionário”. (63) Do que a terra mais garrida Teus risonhos lindos campos têm mais flores Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida em teu seio mais amores. (Hino Nacional Brasileiro Letra: Osório Duque Estrada) (64) Por mais terras que eu percorra Não permita Deus que eu morra Sem que volte para lá ... (Canção do Expedicionário) Outro exemplo interessante, citado por Affonso Romano de Sant’Anna em sua obra Paródia, Parafrase & Cia., é o de um poema de Oswald de Andrade, da série “Pero Vaz Caminha” (Oswald suprime o de do nome de Caminha), composto de parágrafos distintos do início da carta do escrivão da armada de (65) A descoberta Seguimos nosso caminho por este mar de longo Até a oitava Páscoa Topamos aves E houvemos vista de terra. 21 É ainda Romano de Sant’Anna que aponta a intertextualidade formal entre versos de Petrarca e de Camões, numa época em que a técnica da imitação era valorizada: (66) Petrarca: L’Amante nell’amato se transforma Camões: Transforma-se o amador em cousa amada. (67) Petrarca: Che chontra il ciel non val difesa umana Camões: Que contra o céu não val defesa humana. Um subtipo de intertextualidade formal é a intertextualidade tipológica, que também é importante para o processamento adequado do texto. Como já dissemos, os conhecimentos de mundo são armazenados em nossa memória sob forma de blocos - os modelos cognitivos globais, entre os quais estão as superestruturas ou esquemas textuais, que são conjuntos de conhecimentos que se vão acumulando quanto aos diversos tipos de textos utilizados em dada cultura. Assim, por exemplo, de tanto ouvir contar histórias, a criança constrói seu “modelo de história”, que lhe permite reconhecer e produzir histórias, e será o ponto de partida para a construção do esquema ou da superestrutura narrativa. O mesmo vai ocorrer com relação aos outros tipos textuais. É evidente que alguns deles vão ser desenvolvidos através de uma aprendizagem mais sistemática, na escola, por exemplo. Isto não significa, porém, que uma pessoa que nunca tenha freqüentado o banco escolar seja incapaz de narrar, de descrever, de argumentar ou de escrever (ou ditar) uma carta. O conhecimento dos tipos textuais, portanto, permitirá ao leitor “enquadrar” o texto em determinado esquema, o que lhe poderá dar pistas importantes para a sua interpretação. Quanto ao conteúdo, pode-se dizer que a intertextualidade é uma constante: os textos de uma mesma época, de uma mesma área de conhecimento, de uma mesma cultura, etc., dialogam, necessariamente, uns com os outros. Essa intertextualidade pode ocorrer de maneira explícita ou implícita. No primeiro caso, o texto contém a indicação da fonte do texto primeiro, como acontece com o discurso relatado; as citações e referências no texto científico; resumos e resenhas; traduções; retomadas da fala do parceiro na 22 conversação face-a-face, etc. Já no caso da intertextualidade implícita não se tem indicação da fonte, de modo que o receptor deverá ter os conhecimentos necessários para recuperá-la; do contrário, não será capaz de captar a significação implícita que o produtor pretende passar. É o caso de alguns tipos de ironia, da paródia, de certas paráfrases, etc. São exemplos de intertextualidadeexplícita: (68) Segundo Beaugrande & Dressler (1981), “a coerência diz respeito ao modo como os elementos subjacentes à superfície textual são entre si mutuamente acessíveis e relevantes, entrando numa configuração veiculadora de sentidos”. (69) Concordamos com Charolles (1983), quando afirma ser a coerência um princípio de interpretabilidade do discurso. (70) a) Hoje vai chover. b) Hoje vai chover? Então vamos deixar o passeio para amanhã. Não havendo indicação da fonte do texto original, caberá ao receptor, através de seu conhecimento de mundo, não só descobri-la como detectar a intenção do produtor do texto ao retomar o que foi dito por outrem. São comuns, por exemplo, textos que imitam a linguagem da Bíblia. O leitor desses textos que não conheça a Bíblia não chegará, evidentemente, a captar todas as significações pretendidas pelo autor. 23 Aula 03 A Produção Oral Nas aulas anteriores, enfatizamos a produção escrita de nossos alunos. A partir de agora, procuraremos discutir o uso da produção oral na escola. Para isso, nos apoiaremos, uma vez mais, nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (Confira Referências Bibliográficas). LÍNGUA ORAL: USOS E FORMAS1 Não é papel da escola ensinar o aluno a falar: isso é algo que a criança aprende muito antes da idade escolar. Talvez por isso, a escola não tenha tomado para si a tarefa de ensinar quaisquer usos e formas da língua oral. Quando o fez, foi de maneira inadequada: tentou corrigir a fala “errada” dos alunos – por não ser coincidente com a variedade linguística de prestígio social –, com a esperança de evitar que escrevessem errado. Reforçou assim o preconceito contra aqueles que falam diferente da variedade prestigiada. Expressar-se oralmente é algo que requer confiança em si mesmo. Isso se conquista em ambientes favoráveis à manifestação do que se pensa, do que se sente, do que se é. Assim, o desenvolvimento da capacidade de expressão oral do aluno depende consideravelmente de a escola constituir-se num ambiente que respeite e acolha a vez e a voz, a diferença e a diversidade. Mas, sobretudo, depende de a escola ensinar-lhe os usos da língua adequados a diferentes situações comunicativas. De nada adianta aceitar o aluno como ele é mas não lhe oferecer instrumentos para enfrentar situações em que não será aceito se reproduzir as formas de expressão próprias de sua comunidade. É preciso, portanto, ensinar-lhe a utilizar adequadamente a linguagem em instâncias públicas, a fazer uso da língua oral de forma cada vez mais competente. 24 As situações de comunicação diferenciam-se conforme o grau de formalidade que exigem. E isso é algo que depende do assunto tratado, da relação entre os interlocutores e da intenção comunicativa. A capacidade de uso da língua oral que as crianças possuem ao ingressar na escola foi adquirida no espaço privado: contextos comunicativos informais, coloquiais, familiares. Ainda que, de certa forma, boa parte dessas situações também tenha lugar no espaço escolar, não se trata de reproduzi-las para ensinar aos alunos o que já sabem. Considerar objeto de ensino escolar a língua que elas já falam requer, portanto, a explicitação do que se deve ensinar e de como fazê-lo. Eleger a língua oral como conteúdo escolar exige o planejamento da ação pedagógica de forma a garantir, na sala de aula, atividades sistemáticas de fala, escuta e reflexão sobre a língua. São essas situações que podem se converter em boas situações de aprendizagem sobre os usos e as formas da língua oral: atividades de produção e interpretação de uma ampla variedade de textos orais, de observação de diferentes usos, de reflexão sobre os recursos que a língua oferece para alcançar diferentes finalidades comunicativas. Para isso, é necessário diversificar as situações propostas tanto em relação ao tipo de assunto como em relação aos aspectos formais e ao tipo de atividade que demandam – fala, escuta e/ou reflexão sobre a língua. Supõe também um profundo respeito pelas formas de expressão oral trazidas pelos alunos, de suas comunidades, e um grande empenho por ensinar-lhes o exercício da adequação aos contextos comunicativos, diante de diferentes interlocutores, a partir de intenções de natureza diversa. É fundamental que essa tarefa didática se organize de tal maneira que os alunos transitem das situações mais informais e coloquiais que já dominam ao entrar na escola a outras mais estruturadas e formais, para que possam conhecer seus modos de funcionamento e aprender a utilizá-las. Não basta deixar que as crianças falem; apenas o falar cotidiano e a exposição ao falar alheio não garantem a aprendizagem necessária. É preciso que as atividades de uso e as de reflexão sobre a língua oral estejam contextualizadas em projetos de estudo, quer sejam da área de Língua 25 Portuguesa, quer sejam das demais áreas do conhecimento. A linguagem tem um importante papel no processo de ensino, pois atravessa todas as áreas do conhecimento, mas o contrário também vale: as atividades relacionadas às diferentes áreas são, por sua vez, fundamentais para a realização de aprendizagens de natureza linguística. A produção oral pode acontecer nas mais diversas circunstâncias, dentro dos mais diversos projetos: • atividades em grupo que envolvam o planejamento e realização de pesquisas e requeiram a definição de temas, a tomada de decisões sobre encaminhamentos, a divisão de tarefas, a apresentação de resultados; • atividades de resolução de problemas que exijam estimativa de resultados possíveis, verbalização, comparação e confronto de procedimentos empregados; • atividades de produção oral de planejamento de um texto, de elaboração propriamente e de análise de sua qualidade; • atividades dos mais variados tipos, mas que tenham sempre sentido de comunicação de fato: exposição oral, sobre temas estudados apenas por quem expõe; descrição do funcionamento de aparelhos e equipamentos em situações onde isso se faça necessário; narração de acontecimentos e fatos conhecidos apenas por quem narra, etc. Esse tipo de tarefa requer preparação prévia, considerando o nível de conhecimento do interlocutor e, se feita em grupo, a coordenação da fala própria com a dos colegas – dois procedimentos complexos que raramente se aprendem sem ajuda. A exposição oral ocorre tradicionalmente a partir da quinta série, por meio das chamadas apresentações de trabalho, cuja finalidade é a exposição de temas estudados. Em geral o procedimento de expor oralmente em público não costuma ser ensinado. Possivelmente por se imaginar que a boa exposição oral decorra de outros procedimentos já dominados (como falar e estudar). No 26 entanto, o texto expositivo – tanto oral como escrito – é um dos que maior dificuldade apresenta, tanto ao produtor como ao destinatário. Assim, é importante que as situações de exposição oral frequentem os projetos de estudo e sejam ensinadas desde as séries iniciais, intensificando-se posteriormente. A preparação e a realização de atividades e projetos que incluam a exposição oral permitem a articulação de conteúdos de língua oral e escrita (escrever o roteiro da fala, falar a partir do roteiro, etc.). Além disso, esse tipo de atividade representa um espaço privilegiado de intersecção entre diferentes áreas do conhecimento, pois são os assuntos estudados nas demais áreas que darão sentido às atividades de exposição oral em seminários. O trabalho com linguagem oraldeve acontecer no interior de atividades significativas: seminários, dramatização de textos teatrais, simulação de programas de rádio e televisão, de discursos políticos e de outros usos públicos da língua oral. Só em atividades desse tipo é possível dar sentido e função ao trabalho com aspectos como entonação, dicção, gesto e postura que, no caso da linguagem oral, têm papel complementar para conferir sentido aos textos. Além das atividades de produção é preciso organizar situações contextualizadas de escuta, em que ouvir atentamente faça sentido para alguma tarefa que se tenha que realizar ou simplesmente porque o conteúdo valha a pena. Propostas desse tipo requerem a explicação prévia dos seus objetivos, a antecipação de certas dificuldades que podem ocorrer, a apresentação de pistas que possam contribuir para a compreensão, a explicitação das atitudes esperadas pelo professor ao longo da atividade, do tempo aproximado de realização e de outros aspectos que se façam necessários. Mais do que isso, é preciso, às vezes, criar um ambiente que convide à escuta atenta e mobilize a expectativa: é o caso, por exemplo, dos momentos de contar histórias ou relatos (o professor ou os próprios alunos). A escuta e demais regras do intercâmbio comunicativo devem ser aprendidas em contextos significativos, nos quais ficar quieto, esperar a vez de falar e respeitar a fala do outro tenham função e sentido, e não sejam apenas solicitações ou exigências do professor. 27 1Extraído dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Brasília, 1996. 28 Aula 04 A Leitura Para discutirmos as questões que envolvem a prática de Leitura em sala de aula e, para que vocês tenham maiores subsídios teórico-metodológicos, transcreveremos, a seguir, um texto de autoria de João Teodoro D’Olim Marote & Gláucia D’Olim Marote Ferro, extraído da obra Didática da Língua Portuguesa (São Paulo: Ática, 1994). Aprender a ler, no sentido restrito, já é uma atividade complexa que envolve formas variadas de pensamento e de ação por parte da criança. Aprender a ler, no sentido amplo, parecerá, então, tarefa impossível. Não pensamos assim. Basta partir da realidade da criança e de seu pequeno mundo e convidá- la a falar a respeito. Naturalmente, será necessário obter a sua adesão e fazer com que ela se abra, se solte. A fala que brotará dos seus lábios será a sua leitura de mundo. O seu meio de expressão pode variar: a música, o canto, a dança, a expressão corporal, a mímica, o desenho, a pintura. A língua escrita deverá ser apresentada à criança a partir das suas produções orais e com base em seu universo linguístico. Uma vez introduzida no mundo das letras, a criança terá, por certo, a sua leitura da realidade cada vez mais ampliada. Além disso, conhecendo a outra face da língua e sendo capaz de descodificar-lhe os signos, ela poderá penetrar num texto escrito, com ele 29 dialogar e ouvir suas respostas. No início, sua capacidade de penetração será pequena e seu ritmo, lento. Aos poucos, porém, a prática ampliará os limites de seu campo visual e aumentará o ritmo de sua descodificação. Desse convívio com os textos dos outros, brotarão novos textos. Alguns, até, ela abraçará como seus, enriquecendo-se com eles e ampliando a sua capacidade linguística e o seu desempenho oral. A partir daí o tamanho dos textos poderá ir aumentando, na medida da fluência alcançada. É primordial que a criança sinta que não está sozinha, mas amparada, estimulada e premiada pelo incentivo e elogio constantes do professor. Este, longe de tentar ler para a criança ouvir embasbacada, sem oportunidade de fazer a sua leitura, procurará ler junto com ela e juntos partilhar dos resultados. O desenvolvimento da leitura após a alfabetização Considerações preliminares Inicialmente, que fique bem entendido: a formação de um leitor maduro depende em boa parte de cada um, desde criança. Os pais também têm um papel a desempenhar. A partir da entrada da criança na escola, o professor assume uma parte dessa responsabilidade, sem cessar, porém, a dos demais. Vamos ver como o professor, após a alfabetização propriamente dita, pode conduzir o desenvolvimento da leitura, isto é, ensinar a ler e a gostar de ler. Estamos pensando em leitura no sentido amplo e na valorização do ato de ler; e não somente na aula de Língua Portuguesa, mas também nas aulas de Matemática, Estudos Sociais e Ciências. 30 Uma concepção de ensino de leitura que privilegie a leitura no sentido amplo e o ato de ler, além de exigir usos variados da linguagem, implica uma nova postura metodológica que passaremos a esboçar. O filtro afetivo A leitura é um ato sumamente individual. Supõe a adesão voluntária do sujeito. Tratando-se de um movimento interior que se perfaz no intelecto do aluno, mas se estende e faz vibrar as suas cordas mais sensíveis, é necessário considerar-se a influência de fatores afetivos intervindo no processo. Antes de mais nada, a motivação do aluno, que deve ser a maior possível. Daí a necessidade do incentivo por parte dos pais e do professor. Em segundo lugar, a necessária autoconfiança do aprendiz. Além disso, muita tranquilidade, isto é, a ansiedade precisa ser banida ou minimizada. E por parte do professor, não se pode esquecer que ensinar, e, sobretudo, ensinar a ler é, fundamentalmente, um ato de amor. Amor calmo, paciente, persuasivo e confiante. O ambiente em sala de aula O professor deve criar e manter em sua aula um ambiente sadio de atenção, de ordem e de trabalho. Sua postura não deve ser nem permissiva nem autoritária. Deve pedir atenção quando fala, ouvir os alunos quando respondem e ensiná-los a se ouvirem uns aos outros; em suma, deve estabelecer na classe um clima de diálogo franco, ameno e interessado. 31 Obtida a interação professor-alunos e alunos-alunos e como resultado a troca de experiências, ele deve incentivar à leitura de textos. Textos lidos com interesse e prazer pelas crianças hão de propiciar a sua interação com eles e, em meio a uma atmosfera de reflexão, o desejo de criar novos textos, de ler outros e assim por diante. O material de leitura O material de leitura deve ser selecionado obedecendo a uma gradação e sequência, de acordo com a faixa etária, o gosto e a preferência dos alunos. Não basta, aliás, a faixa etária pura e simples. Junto com a faixa etária e independentemente dela, cumpre levar em linha de conta o desenvolvimento mental das crianças. Para facilitar o interesse, a aceitação e daí o gosto, cumpre não esquecer a correlação com o real de suas vidas, o contexto sociocultural em que vivem. Além disso, o material deve ser variado, com objetivos que vão fazer sentido (textos para a compreensão) à busca de informações ou instruções a seguir. O conteúdo deve espraiar-se por assuntos variados e atividades múltiplas. A forma deve diversificar-se no maior número de gêneros possível, desde que a organização textual não impeça o acesso. As variedades de linguagem devem estar ao alcance dos pequenos leitores, tanto no vocabulário como na gramática. É preciso, porém, que, aos poucos, cada texto acrescente algo às crianças. Dentro desses parâmetros, não somos contra a adoção do livro didático, naturalmente um bom livro, escolhido pelo próprio professore adequado à sua clientela. Temos certeza de que o professor capaz saberá escolher um livro didático que venha a ser um bom auxiliar em suas mãos hábeis, com a liberdade, porém, de omitir alguns textos e mudar a sequência de outros. E nada impede 32 que ele o complemente com textos outros, extraídos de livros, jornais, revistas, cartazes, publicidade, bulas ou manuais com instruções para o uso de um objeto, máquina ou aparelho. Isso vale não só para Língua Portuguesa, mas também para as demais matérias de ensino, pois todas elas exigem a leitura e o estudo de textos para a apresentação dos seus respectivos conteúdos. Por esse motivo, todas as matérias propiciam momentos de leitura e todos os professores nada mais são do que incentivadores e mediadores de leituras. De qualquer forma, com ou sem livro didático, só o professor que gosta de ler é que vai ser feliz na seleção do livro e/ou material de leitura. A escolha de textos Quer se trate de textos para complementar o livro didático adotado ou de textos para substituí-lo, o ideal é que eles sejam apresentados na íntegra. Não sendo possível um texto integral, isto é, tendo ele sido retirado de um livro ou de um texto maior, é preciso fazer o corte adequadamente, no começo e no fim, para que não resulte um trecho mutilado, sem pé nem cabeça. Mesmo no caso de pequenos textos, é essencial que eles formem um pequeno sistema significativo, com começo, meio e fim. Aconselham-se, de preferência, os textos originais. Só quando não for possível é que se toleram textos adaptados. Assim mesmo, adaptados com inteligência, de modo a não tirar as mensagens e as principais características dos originais. Selecionados os livros e/ou textos, convém que o professor os releia e reanálise uma vez mais. Como critérios norteadores da escolha, aconselha-se evitar: • textos que veiculem erros científicos; 33 • textos exclusivamente moralistas; • textos eivados de preconceitos raciais e/ou religiosos. Situações estimuladoras de leitura O bom professor é sempre um bom leitor e um incentivador da leitura. Para tal, ele não se cansará em criar situações deflagradoras, que estimulem os alunos a ler e gostar de ler. Como regra básica, ele procurará sempre fazer com que os alunos leiam o que gostam e sentindo prazer no que estão fazendo. Além disso, ele estabelecerá com a classe alguns horários destinados a atividades preparatórias ou estimuladoras de leitura. Eis alguns exemplos, à guisa de sugestão: • combinar com a classe um dia e hora de ouvir e contar histórias; • preparar e executar perante os alunos a leitura expressiva de uma história curta; • pedir a leitura de um mesmo livro por bimestre para toda a classe ou de um livro para cada grupo de alunos; • incentivar a livre escolha de um livro da biblioteca de classe ou da escola, para ler em casa. Para que o professor possa levar a bom termo o processo de aquisição do hábito de ler com prazer, recomenda-se uma avaliação constante, observando e registrando todas as reações dos alunos em relação aos textos lidos. Modalidades de leitura Quanto à forma como é feita, a leitura pode ser silenciosa (ou muda) e oral (ou em voz alta). A leitura silenciosa 34 Na leitura silenciosa, o leitor não precisa explicitar a conexão entre os sinais gráficos e o significado. Por isso, ela economiza tempo e esforço. É, portanto, mais rápida e permite ao leitor concentrar-se antes no conteúdo do que na forma. Dessa maneira, ela facilita muito a compreensão. Ora, a leitura é, fundamentalmente, um processo de compreensão. Daí a necessidade de se promover e estimular essa forma de leitura. A leitura oral A leitura oral compreende todas as operações que fazem parte da leitura silenciosa mais a produção de sons ou sequências de sons em respostas ao estímulo visual. Por isso mesmo é mais lenta do que a leitura silenciosa. Além disso, torna-se mais difícil, ante a preocupação do leitor em articular bem, acentuar (oxítono? paroxítono? proparoxítono?) corretamente e seguir o padrão de entoação adequado (afirmativo? interrogativo? exclamativo? ... ). Acrescente- se um complicador: a natural inibição causada pela presença dos colegas e do professor. Para obviar esses inconvenientes são aconselhadas três condições prévias: • estabelecer um propósito bem definido (apreciar e fazer sentir a beleza de um trecho, instruir-se, recrear-se, atingir uma velocidade média de leitura etc.); • preparar cuidadosamente a leitura (leitura silenciosa, leitura do professor, ensaio, gravação em fita etc.); • obter a cooperação da classe; A leitura oral tem duas maneiras de realização: individual ou coletiva. A leitura individual é feita em separado. O aluno lê e o professor ouve e faz a sua avaliação (observa, corrige, comenta, dá nota etc.). 35 A leitura coletiva comporta três modalidades: Simultânea: o professor lê e os alunos repetem pausadamente ou o professor e os alunos lêem alternadamente ou, ainda, grupos de alunos se alternam na leitura. Algumas técnicas ajudam a tornar a leitura mais interessante. Ex.: leitura em coro falado, leitura dramatizada, leitura com pantomima. Um aluno lê e os outros seguem no livro. O professor pode orientar a leitura por meio de instruções ou deixar o aluno escolher o trecho que quer ler. Um aluno lê e os outros não têm livro e apenas ouvir A leitura simultânea ajuda a eliminar a timidez, porém alguns aconselham a não usar dela abusivamente, para evitar a monotonia. Entre as modalidades b e c acima, eles preferem a última, devido ao seu caráter social. Em qualquer de suas formas, a leitura oral é, sempre, uma leitura expressiva, animada por mímica e entoações marcantes. Para finalizar, a leitura oral é talvez a mais praticada em nossas escolas, quase a única. Entretanto, a leitura silenciosa também é importante. Ambas devem ser praticadas. Tipos de leitura No ensino de línguas estrangeiras, é tradicional distinguir três tipos de leitura: leitura intensiva, leitura extensiva e leitura suplementar. Parece-nos que seria interessante trazer a mesma distinção também para o ensino de língua materna. A leitura intensiva Consiste na leitura silenciosa e/ou oral de um pequeno trecho e do estudo das suas particularidades (vocabulário, estilo e gramática), culminando com uma 36 síntese e a aplicação das noções e conhecimentos adquiridos. É o tipo de leitura geralmente praticado em quase todas as escolas. A leitura extensiva Consiste na leitura de um texto bastante longo, no mínimo três vezes mais que o texto para leitura intensiva. O objetivo é a compreensão e a rapidez. A leitura extensiva pode ser feita em classe ou em casa. Em classe, o importante é que, convenientemente introduzida e começada, a leitura vá até o fim sem interrupções e só no fim seja avaliada por meio de algumas poucas perguntas lançadas antes e/ou depois. A leitura extensiva feita em casa pode voltar para a sala de aula, para verificação e controle dos progressos realizados. Pode até ser interrompida por uma leitura intensiva de algum trecho de compreensão mais difícil. Bem preparada e bem conduzida (embora de longe), a leitura extensiva é o meio mais indicado para inocular no coração e na alma dos alunos o amor à leitura. A leitura suplementar É a leitura extensiva em ponto maior, vale dizer, a leitura de um livro inteirinhocom o objetivo apenas da compreensão e, naturalmente, da fruição completa. Como já vimos, o livro a ser lido não deve ser imposto, mas sugerido e livremente escolhido pelo aluno. Naturalmente, após a leitura intensiva de um trecho, o professor pode incentivar a classe a que leia o livro todo. Etapas de uma aula de leitura intensiva 37 Não há um modelo único de sequência de atividades de uma aula de leitura. Cada texto e cada contexto poderão sugerir procedimentos diferentes. A título de sugestão apenas, apresentamos, aqui, um plano flexível, a critério do professor, conforme o trecho a ser lido, a classe e a situação em geral. A. Preparação para a leitura 1) Incentivo Antes da apresentação do texto, o professor deverá procurar incentivar os alunos à leitura. Incentivar os alunos à leitura de um texto é criar neles o desejo de lê-1o. É despertar neles o interesse pelos aspectos, fatos e sentimentos contidos no texto. É prepará-los para apreciar essa leitura. É mostrar o proveito que poderão tirar do conteúdo e da forma do texto. É justificar, de alguma forma, a atividade da leitura e o texto em si, pois os alunos leem com interesse redobrado quando sabem por que e para que estão lendo. O incentivo pode ser feito de diferentes maneiras. A forma ideal de motivação é a inerente à própria atividade e resultante das leituras anteriores feitas com prazer. Exemplificaremos, no entanto, algumas outras formas de motivação: Apresentar uma ilustração que se relacione com o conteúdo do texto. • Mostrar à classe um objeto relacionado ao texto e falar a respeito. • Relacionar as experiências dos alunos com o texto. • Conversar com os alunos, despertando a curiosidade para o texto. • Combinar com a classe um objetivo, um padrão a atingir. Em suma, o que realmente importa é despertar o interesse, qualquer que seja a forma de incentivo. Evidentemente, estamos pensando em motivação positiva. 38 2) Pré-apresentação das palavras novas Se o professor achar necessário, antes da apresentação do texto, poderá fazer uma pré-apresentação das palavras que ele supõe serem desconhecidas pelas crianças. Uma forma de fazê-lo é através de frases no quadro-negro ou em tiras de papel nele fixadas. As crianças poderão, também, consultar o vocabulário ou o dicionário. A nosso ver, a pré-apresentação é facultativa. Depende do nível do texto e da classe em questão. B. Leitura silenciosa ou leitura oral Aqui, as opiniões variam. Há quem preconize em primeiro lugar a leitura silenciosa dos alunos. Há quem sustente, ao contrário, a necessidade de que eles ouçam primeiro a leitura integral feita pelo professor. Qualquer que seja o modelo escolhido, é conveniente ter bem claro o objetivo dessa primeira leitura. Um texto é um sistema, com uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão intrinsecamente ligados. É necessário que a criança tenha, logo de início, uma visão intuitiva do texto, ainda que confusa, porém global (síntese inicial), ponto de partida para as análises que ela vai operar. Suponhamos que o professor prefira começar pela leitura silenciosa (B). Teremos, então: C. Leitura silenciosa dos alunos 1) Orientação da postura dos alunos Antes da leitura, é importante que o professor oriente a postura dos alunos: 39 • posição correta: cabeça, tronco, braços e pernas; • distância adequada entre o texto e os olhos; • leitura só com os olhos, sem mexer os lábios ou a cabeça e sem acompanhar com o dedo; • movimentação dos olhos, da esquerda para a direita. 2) Direção da leitura A leitura silenciosa pode ser dirigida através de ordens que variam conforme o objetivo. Tais direções podem ser dadas oralmente ou por escrito, porém uma de cada vez. Durante a leitura, o professor apenas observa. Se ocorrer alguma dificuldade de vocabulário não prevista e não explicada, o professor pode remeter o aluno ao dicionário ou explicá-la através de sinônimos, antônimos, exemplos ou ainda recursos visuais. 3) Comentário oral Terminada a leitura silenciosa, convém promover um comentário oral sobre o texto. No início, o professor pode dirigir o comentário: - Você gostou do texto? - Por que você gostou? - Fale sobre o texto. Depois, os alunos devem ter oportunidade de expressar livremente suas ideias e sentimentos sobre o que acabam de ler. D. Leitura expressiva do professor 40 Se a leitura expressiva do professor vier depois da leitura silenciosa dos alunos e do comentário oral que lhe dá um fecho; nesse caso ela servirá para confirmar e ampliar a compreensão alcançada com a leitura silenciosa. Além disso, ajudará a preparar a interpretação e a leitura expressiva dos alunos. Com efeito, a leitura expressiva do professor aponta a linha do pensamento e os movimentos emotivos que estão na mensagem do texto e faz evitar os erros de articulação, prosódia, entoação e ritmo da frase. Normalmente, aconselha-se que os alunos escutem a leitura do professor com o livro fechado, para poderem perceber a mímica e as diversas entoações com que ele anima o texto. Neste modelo de sequência das etapas de trabalho com o texto, terminada a leitura expressiva do professor, vem a compreensão, ou interpretação (D), do texto. Antes, porém, voltemos atrás e suponhamos que o professor prefira começar não pela leitura silenciosa, mas pela leitura expressiva feita por ele. Nesse caso teremos: 1) Leitura expressiva do professor Se a leitura expressiva do professor vier em primeiríssimo lugar, é ela que vai proporcionar ao aluno aquela visão de que já falamos. Além disso, ajudará a preparar a interpretação e a leitura expressiva dos alunos, como vimos acima. Naturalmente, nesta hipótese, a leitura do professor funciona também como forma de incentivo à leitura e ao trabalho com o texto. Também, e sobretudo aqui, aconselha-se que os alunos escutem a leitura do professor com o livro fechado, para poderem acompanhar a sua mímica e as entoações com que ele modulará as frases. 2) Leitura silenciosa dos alunos 41 Terminada a leitura expressiva do professor, deve ele pedir que os alunos leiam o texto em silêncio, seguindo os mesmos procedimentos que já vimos: Orientação da postura dos alunos. Direção da leitura. Comentário oral. Neste último modelo sequencial de atividades, o comentário oral verifica a compreensão e desemboca naturalmente na interpretação. No outro modelo, o comentário apenas testa a compreensão. A interpretação fica para depois da leitura expressiva do professor. Vejamos, pois, a interpretação, em qualquer dos modelos apontados. 3) Interpretação Vimos que a leitura em sentido amplo oferece ao leitor a oportunidade de dar sentido ao texto, recriando um novo texto. É exatamente no momento da interpretação que isso acontece. Normalmente, as etapas anteriores - preparação, leitura silenciosa dos alunos e/ou leitura expressiva do professor - garantem a compreensão do texto. A criança tem a sua interpretação da mensagem recebida. Cabe ao professor estimular e conduzir as diferentes manifestações. Naturalmente, sempre de acordo com as possibilidades da turma. Lembremos que interpretar não é reproduzir o texto com as suas próprias palavras. Interpretar é debruçar-se no texto, mergulhar nele em profundidade e trazer à tona a idéia essencial e as secundárias. Não é fácil, masnão é impossível. O professor hábil consegue. 42 Aula 05 A Literatura Infantil Em Questão Nessa nossa primeira aula da disciplina Literatura Infantil refletiremos sobre algumas questões que consideramos serem bastante significativas para a compreensão do que seja a Literatura Infantil. Ora, todos nós temos uma ideia do que seja literatura infantil, pois, de certa forma, “a maior parte das pessoas tem algo a ver com criança – seja filho, vizinho, sobrinho, aluno – e, razão inquestionável, todos já foram crianças” (Cademartori, 1986, p.7). Diante disso, poderíamos intuir que seria fácil conceituar a literatura infantil. Mas . . . será? Vejamos, então !!! Para Ligia Cadermatori, 43 A principal questão relativa à literatura infantil diz respeito ao adjetivo que determina o público a que se destina. A literatura, enquanto só substantivo, não predetermina seu público. Supõe-se que este seja formado por quem quer que esteja interessado. A literatura com adjetivo, ao contrário, pressupõe que sua linguagem, seus temas e pontos de vista objetivam um tipo de destinatário em particular, o que significa que já se sabe, a priori, o que interessa a esse público específico (Cadermatori, 1986, p.8). Assim, poderíamos dizer que todos aqueles que se propõem a escrever literatura infantil conhecem muito bem a linguagem, os temas e os pontos de vista desse tipo de público. Será??? Vejam só, isso nem sempre acontece, pois, o autor de literatura infantil não é criança mas escreve para criança. Assim, pode ocorrer, em alguns casos, a ausência de correspondência entre autor e leitor. Com isso, já começamos a nos deparar com uma questão bastante delicada relativa à Literatura Infantil. Com ela, muitas outras aparecerão. A questão tem seus melindres, suas peculiaridades e sua necessidade. Seu exame exige que se considere a importância que o assunto está ganhando no Brasil de hoje; a questão do adjetivo – infantil – como uma definição de gênero; o momento em que surgiu a literatura infantil, por que isso permite identificar peculiaridades que acompanham o gênero desde seu nascimento; autores e obras que fazem a literatura infantil brasileira. Por último, como esses aspectos não conseguem se distanciar muito da preocupação com a educação e com o desenvolvimento, há que se considerar o papel da literatura nos primeiros anos (Cadermatori, 1986, p.9-10). Além das questões mencionadas acima, a reflexão acerca da literatura infantil passa, necessariamente, pela reflexão do que seja Literatura. Assim, podemos dizer que “a literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno de criatividade que representa o Mundo, o Homem, a Vida, 44 através da palavra. Funde os sonhos e a vida prática; o imaginário e o real; os ideais e a sua possível/impossível realização...” (Coelho, 1991, p.24). Assim, podemos pensar com Nelly Novaes Coelho e registrar que: Literatura é uma linguagem específica que, como toda linguagem, expressa uma determinada experiência humana; e dificilmente poderá ser definida com exatidão. Cada época compreendeu e produziu Literatura a seu modo. Conhecer esse “modo” é, sem dúvida, conhecer a singularidade de cada momento da longa marcha da humanidade, em sua constante evolução. Conhecer a literatura que cada época destinou às suas crianças é conhecer os Ideais e Valores ou Desvalores sobre os quais cada Sociedade se fundamentou (e fundamenta...) (Novaes, 1991, p. 24). Mas, e a Literatura Infantil???? Bem, “em essência, sua natureza é a mesma da que se destina aos adultos. As diferenças que a singularizam são determinadas pela natureza do seu leitor/receptor: a criança” (Novaes, 1991, p.26). Mais adiante, Nelly Coelho Novaes, grande especialista em Literatura Infantil, observa que: Vulgarmente, a expressão “literatura infantil” sugere de imediato a idéia de belos livros coloridos destinados à distração e prazer das crianças em lê-los, folheá-los ou ouvir suas estórias contadas por alguém. Devido a essa função básica, até bem pouco tempo, a Literatura Infantil foi minimizada como criação literária e tratada pela cultura oficial como gênero menor. Ligada desde a origem à diversão ou ao aprendizado das crianças, obviamente sua matéria deveria ser adequada ao nível da compreensão e interesse desse peculiar destinatário. E como a criança era vista como um “adulto em miniatura”, os primeiros textos infantis resultaram da adaptação (ou da minimização) de textos escritos para adultos (Novaes, 1991, p. 26). 45 Para finalizar, a crítica brasileira, ao discorrer sobre a redescoberta da Literatura Infantil, enfatiza que: O Caminho para a redescoberta da Literatura Infantil, em nosso século, foi aberto pela Psicologia Experimental, que, revelando a Inteligência como o elemento estruturador do universo que cada indivíduo constrói dentro de si, chama a atenção para os diferentes estágios de seu desenvolvimento (da infância à adolescência) e sua importância fundamental para a evolução e formação da personalidade do futuro adulto (Novaes, 1991, p. 26). Assim, podemos dizer, com base no raciocínio proposto por Nelly Coelho Novaes, que a valorização da literatura infantil, como fenômeno significativo e de amplo alcance na formação das mentes infantis e juvenis, bem como da vida cultural das Sociedades, é conquista recente (Veremos, mais adiante, um pouco sobre a história da literatura infantil). Como vocês podem ter percebido nesta primeira aula, uma das questões nucleares da Literatura Infantil está relacionada ao emprego do adjetivo: infantil. Vejamos, então, o que Ligia Cadermatori diz sobre essa questão. A QUESTÃO DO ADJETIVO O adjetivo, já ensinava nossa antiga professora, determina o substantivo, qualificando-o. Quando se fala em literatura infantil, através do adjetivo, particulariza-se a questão dessa literatura em função do destinatário estipulado: a criança. Desse modo, circunscreve-se o âmbito desse tipo de texto: é escrito para a criança e lido pela criança. Porém, é escrito, empresariado, divulgado e comprado pelo adulto. A especificidade do gênero vem dessa assimetria, sendo que todas as diferenças, tensões e intenções da relação adulto/criança manifestam-se, também, na literatura infantil. A relação adulto/criança é caracterizada por um jogo de forças no qual a criança é a dependente, marcada que é física, intelectual, afetiva e financeiramente pela carência. A identificação dessas faltas na criança se 46 dimensiona a partir da afirmação da moderna Antropologia de que o homem é o único animal que não traz, ao nascer, um padrão inato de comportamento. Ao contrário de um pássaro, de um peixe ou de um chimpanzé, que já nascem com estruturas comportamentais, o comportamento do ser humano depende dos padrões que lhe foram oferecidos. Para o animal não existe processo de formação, pois desde o nascimento ele tem seu comportamento determinado, não dependendo de um processo de formação do mundo. O homem, pelo contrário, compõe, ao longo do desenvolvimento, seu mundo e seu padrão comportamental. A oferta de padrões de interpretação para a construção do mundo do homem, em sentido lato, é o que se chama de educação: a apreensão de padrões que modificam o comportamento. O homem constrói seu meio ambiente à medida dos padrões de interpretação que lhe forem oferecidos. Portanto, o processo de constituição de um homem depende de sua formação conceitual e essa, por
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