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INTRODUÇÃO (B) B 1 1 DA DIFERENÇA ENTRE CONHECIMENTO PURO E CONHECIMENTO EMPIRICO Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência; efetivamente, que outra coisa poderia despertar e pôr em ação a nossa capacidade de conhecer senão os objetos que afetam os sentidos e que, por um lado, originam por si mesmos as representações e, por outro lado, põem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a compará-las, ligá-las ou separá- las, transformando assim a matéria bruta das impressões sensíveis num conhecimento que se denomina experiência? Assim, na ordem do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a experiência e é com esta que todo o conhecimento tem o seu início. Se, porém, todo o conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que todo ele derive da experiência. Pois bem poderia o nosso próprio conhecimento por experiência ser um composto do que recebemos através das impressões sensíveis e daquilo que a nossa própria capacidade de conhecer (apenas posta em ação por impressões sensíveis) produz por si mesma, acréscimo esse que não distinguimos dessa I matéria-prima, enquanto a nossa atenção não despertar por um longo exercício que nos torne aptos a separá-los. B 2 Há pois, pelo menos, uma questão que carece de um estudo mais atento e que não se resolve à primeira vista; vem a ser esta: se haverá um conhecimento assim, independente da experiência e de todas as impressões dos sentidos. Denomina-se a priori esse conhecimento e distingue-se do empírico, cuja origem é a posteriori, ou seja, na experiência. Esta expressão não é, contudo, ainda suficientemente definida para designar de um modo conveniente todo o sentido da questão apresentada. Na verdade, costuma dizer-se de alguns conhecimentos, provenientes de fontes da experiência, que deles somos capazes ou os possuímos a priori, porque os não derivamos imediatamente da experiência, mas de uma regra geral, que todavia fomos buscar à experiência. Assim, diz-se de alguém, que minou os alicerces da sua casa, que podia saber a priori que ela havia de ruir, isto é, que não deveria esperar, para saber pela experiência, o real desmoronamento. Contudo, não poderia sabê-lo totalmente a priori, pois era necessário ter-lhe sido revelado anteriormente, pela experiência, que os corpos são pesados e caem quando lhes é retirado o sustentáculo. Por esta razão designaremos, doravante, por juízos a priori, não aqueles que não dependem desta ou daquela experiência, I mas aqueles em que se verifica absoluta independência de toda e qualquer experiência. Dos conhecimentos a priori, são puros aqueles em que nada de empírico se mistura. Assim, por exemplo, a proposição, segundo a qual toda a mudança tem uma causa, é uma proposição a priori, mas não é pura, porque a mudança é um conceito que só pode extrair-se da experiência. B 3 II ESTAMOS DE POSSE DE DETERMINADOS CONHECIMENTOS A PRIORI E MESMO O SENSO COMUM NUNCA DELES É DESTITUIDO Necessitamos agora de um critério pelo qual possamos distinguir seguramente um conhecimento puro de um conhecimento empírico. É verdade que a experiência nos ensina, que algo é constituído desta ou daquela maneira, mas não que não possa sê-lo diferentemente. Em primeiro lugar, se encontrarmos uma proposição que apenas se possa pensar como necessária, estamos em presença de um juízo a priori; se, além disso, essa proposição não for derivada de nenhuma outra, que por seu turno tenha o valor de uma proposição necessária, então é absolutamente a priori. Em segundo lugar, a experiência não concede nunca aos seus juízos uma universalidade verdadeira e rigorosa, apenas universalidade suposta e comparativa (por indução), de tal modo que, em verdade, antes se deveria dizer: tanto quanto até agora nos foi dado I verificar, não se encontram exceções a esta ou àquela regra. Portanto, se um juízo é pensado com rigorosa universalidade, quer dizer, de tal modo que, nenhuma exceção se admite como possível, não é derivado da experiência, mas é absolutamente válido a priori. A universalidade empírica é, assim, uma extensão arbitrária da validade, em que se transfere para a totalidade dos casos a validade da maioria, como, por exemplo, na seguinte proposição: todos os corpos são pesados. Em contrapartida, sempre que a um juízo pertence, essencialmente, uma rigorosa universalidade, este juízo provém de uma fonte particular do conhecimento, a saber, de uma faculdade de conhecimento a priori. Necessidade e rigorosa universalidade são pois os sinais seguros de um conhecimento a priori e são inseparáveis uma da outra. Porém, como na prática é umas vezes mais fácil de mostrar a limitação empírica do que a contingência dos juízos e outras vezes mais conveniente mostrar a universalidade ilimitada, que atribuímos a um juízo, do que a sua necessidade, é aconselhável servirmo-nos, separadamente, dos dois critérios, cada um dos quais é de per si infalível. B 4 É fácil mostrar que há realmente no conhecimento humano juízos necessários e universais, no mais rigoroso sentido, ou seja, juízos puros a priori. Se quisermos um exemplo, extraído das ciências, basta volver os olhos para todos os juízos da matemática; se quisermos um exemplo, tirado do uso I mais comum do entendimento, pode servir-nos a proposição, segundo a qual todas a mudanças têm que ter uma causa. Neste último, o conceito de uma causa contém, tão manifestamente, o conceito B 5 de uma ligação necessária com um efeito e uma rigorosa universalidade da regra, que esse conceito de causa totalmente se perderia, se quiséssemos derivá-lo, como Hume o fez, de uma associação freqüente do fato atual com o fato precedente e de um hábito daí resultante (de uma necessidade, portanto, apenas subjetiva) de ligar entre si representações. Poder-se-ia também demonstrar, sem haver necessidade de recorrer a exemplos semelhantes, a realidade de princípios puros a priori no nosso conhecimento, que estes princípios são imprescindíveis para a própria possibilidade da experiência, por conseguinte, expor a sua necessidade a priori. Pois onde iria a própria experiência buscar a certeza, se todas as regras, segundo as quais progride, fossem continuamente empíricas e, portanto, contingentes? Seria difícil, por causa disso, dar a essas regras o valor de primeiros princípios. Neste lugar podemo-nos bastar com ter exposto, a título de fato, juntamente com os seus critérios, o uso puro da nossa capacidade de conhecer. Todavia não é apenas nos juízos, mas ainda em alguns conceitos, que se revela uma origem a priori. Eliminai, pouco a pouco, do vosso conceito de experiência de um corpo tudo o que nele é empírico, a cor, a rugosidade ou macieza, o peso, a própria impenetrabilidade; restará, por fim, o espaço que esse corpo (agora totalmente desaparecido) ocupava e que I não podereis eliminar. De igual modo, se eliminardes do vosso conceito empírico de qualquer objeto, seja ele corporal ou não, todas as qualidades que a experiência vos ensinou, não poderíeis contudo retirar-lhe aquelas pelas quais o pensais como substância ou como inerente a uma substância (embora este conceito contenha mais determinações do que o conceito de um objeto em geral). Obrigados pela necessidade com que este conceito se vos impõe, tereis de admitir que tem a sua sede a priori na nossa faculdade de conhecer. B 6 III A FILOSOFIA CARECE DE UMA CIÊNCIA QUE DETERMINE A POSSIBILIDADE, OS PRINCIPIOS E A EXTENSÃO DE TODO O CONHECIMENTO A PRIORI O que é mais significativo 1 ainda [do que as precedentes considerações] é o fato de certos conhecimentos saírem do campo de todas I as experiências possíveis e, mediante conceitos, aos quais a experiência não pode apresentarobjeto correspondente, aparentarem estender os nossos juízos para além de todos os limites da experiência. A 3 É precisamente em relação a estes conhecimentos, que se elevam acima do mundo sensível, em que a experiência não pode dar um fio condutor nem correção, que se situam as investigações da nossa razão, as quais, por sua importância, consideramos I eminentemente preferíveis e muito mais sublimes quanto ao seu significado último, do que tudo o que o entendimento nos pode ensinar no campo dos fenômenos. Por esse motivo, mesmo correndo o risco de nos enganarmos, preferimos arriscar tudo a desistir de tão importantes pesquisas, qualquer que seja o motivo, dificuldade, menosprezo ou indiferença. [Estes problemas inevitáveis da própria razão pura são Deus, a liberdade e a imortalidade e a ciência que, com todos os seus requisitos, tem por verdadeira finalidade a resolução destes problemas chama-se metafísica. O seu proceder metódico é, de início, dogmático, isto é, aborda confiadamente a realização de tão magna empresa, sem previamente examinar a sua capacidade ou incapacidade.] B 7 Ora, parece sem dúvida natural que, abandonando o terreno da experiência, se não proceda imediatamente à construção de um edifício, com os conhecimentos que se possuem sem saber donde e a crédito de princípios cuja origem se ignora, sem que primeiro se tenham assegurado os seus fundamentos mediante cuidadosas investigações e [o que é mais], sem que já ________________ ¹ A: Mas o que é mais significativo. de há muito se não tivesse levantado a questão de saber como poderia o entendimento ter atingido esses conhecimentos a priori e qual a extensão, o valor e o preço que possuem. I De fato, nada seria mais natural, se por esta palavra [natural] entendermos o que I de modo razoável e justo deveria suceder; mas, se por ela se entende o que habitualmente acontece, então nada de mais natural e compreensível do que se ter omitido por muito tempo esta indagação. Pois que uma parte desses conhecimentos, [como sejam os de] a matemática, há muito que é do domínio da certeza, dando assim favorável esperança para os outros, embora estes últimos possam ser de natureza completamente diferente. Além disso, quando se ultrapassa o círculo da experiência, há a certeza de não ser refutado pela experiência. O anseio de alargar os conhecimentos é tão forte, que só uma clara contradição com que se esbarre pode impedir o seu avanço. Esta contradição, porém, pode ser evitada se procedermos cautelosamente na elaboração das nossas ficções, sem que por isso deixem de ser menos ficções. A matemática oferece-nos um exemplo brilhante de quanto se pode ir longe no conhecimento a priori, independente da experiência. É certo que se ocupa de objetos e de conhecimentos, apenas na medida em que se podem representar na intuição. Mas facilmente se deixa de reparar nesta circunstância, porque essa intuição mesma pode ser dada a priori e, portanto, mal se distingue de um simples conceito puro. Seduzido ¹ por uma tal prova de força da razão, I o impulso de ir mais além não vê limites. A leve pomba, ao sulcar livremente o ar, cuja resistência sente, poderia crer que no vácuo melhor ainda conseguiria I desferir o seu vôo. Foi precisamente assim que Platão abandonou o mundo dos sentidos, porque esse mundo opunha ao entendimento limites tão estreitos 2 e, nas asas das idéias, abalançou-se no espaço vazio do entendimento puro. Não reparou que os seus esforços não logravam abrir caminho, porque não tinha um ponto de apoio, como que um suporte, em que se pudesse firmar e aplicar as A 4 B 8 A 5 B 9 ____________________ ¹ A: Encorajado. ² A: opõe ao entendimento demasiados obstáculos diversos. suas forças para mover o entendimento. É, porém, o destino corrente da razão humana, na especulação, concluir o seu edifício tão cedo quanto possível e só depois examinar se ele possui bons fundamentos. Procura então toda a espécie de pretextos para se persuadir da sua solidez ou [até] para impedir [inteiramente] semelhante exame, tardio e perigoso. Enquanto construímos, algo nos liberta de todo o cuidado e suspeita, e até falsamente nos convence de aparente rigor. E que uma grande parte, talvez a maior parte da atividade da nossa razão, consiste em análises dos conceitos que já possuímos de objetos. Isto fornece-nos uma porção de conhecimentos que, não sendo embora mais do que esclarecimentos ou explicações do que já foi pensado nos nossos conceitos (embora ainda confusamente), são apreciados, pelo menos no tocante à forma, como novas intelecções, embora, no tocante à matéria ou ao conteúdo, não ampliem os conceitos já adquiridos, apenas os decomponham. I Como este procedimento dá um conhecimento real a priori e marca um progresso seguro e útil, a razão, sem que disso se aperceba, faz desprevenidamente afirmações de espécie completamente diferente, em que acrescenta a conceitos dados ¹ outros conceitos de todo alheios [e precisamente a priori,] ignorando como chegou a esse ponto e nem sequer lhe ocorrendo pôr semelhante questão. Eis porque tratarei primeiramente da distinção dessa dupla forma de conhecimento. B 10 [IV] DA DISTINÇÃO ENTRE JUIZOS ANALITICOS E JUIZOS SINTÉTICOS Em todos os juízos, nos quais se pensa a relação entre um sujeito e um predicado (apenas considero os juízos afirmativos, porque é fácil depois a aplicação aos negativos), esta relação é possível de dois modos. Ou o predicado B pertence ao sujeito A _____________________ ¹ Em A acrescenta-se: a priori. como algo que está contido (implicitamente) nesse conceito A, ou B está totalmente fora do conceito A, embora em ligação com ele. No primeiro caso chamo analítico ao juízo, no segundo, I sintético. Portanto, os juízos (os afirmativos) são analíticos, quando a ligação do sujeito com o predicado é pensada por identidade; aqueles, porém, em que essa ligação é pensada sem identidade, deverão chamar-se juízos sintéticos. I Os primeiros poderiam igualmente denominar-se juízos explicativos; os segundos, juízo extensivos; porque naqueles o predicado nada acrescenta ao conceito do sujeito e apenas pela análise o decompõe nos conceitos parciais, que já nele estavam pensados (embora confusamente); ao passo que os outros juízos, pelo contrário, acrescentam ao conceito de sujeito um predicado que nele não estava pensado e dele não podia ser extraído por qualquer decomposição. Quando digo, por exemplo, que todos os corpos são extensos, enuncio um juízo analítico, pois não preciso de ultrapassar o conceito que ligo à palavra corpo para encontrar a extensão que lhe está unida; basta-me decompor o conceito, isto é, tomar consciência do diverso que sempre penso nele, para encontrar este predicado; é pois um juízo analítico. Em contra-partida, quando digo que todos os corpos são pesados, aqui o predicado é algo de completamente diferente do que penso no simples conceito de um corpo em geral. A adjunção de tal predicado produz, pois, um juízo sintético. A 7 B 11 [Os juízos de experiência, como tais, são todos sintéticos, pois seria absurdo fundar sobre a experiência um juízo analítico, uma vez que não preciso de sair do meu conceito para formular o juízo e, por conseguinte, não careço do testemunho da experiência. Que um corpo seja extenso é uma proposição que se verifica a priori e não um I juízo de experiência. Porque antes de passar à experiência já possuo no conceito todas as condições para o meu juízo; basta extrair-lhe o predicado segundo o princípio de contradição para, simultaneamente, adquirir a consciência da necessidade do juízo, necessidade essa que a experiência nunca me poderia ensinar. Pelo contrário, embora eu já não incluía no conceito de um corpo em geral o predicadodo peso, esse conceito indica, todavia, um objeto da experiência B 12 obtido mediante uma parte desta experiência, à qual posso ainda acrescentar outras partes dessa mesma experiência, diferentes das que pertencem ao conceito de objeto. Posso ainda previamente conhecer o conceito de corpo, analiticamente, pelas características da extensão, da impenetrabilidade, da figura, etc., todas elas pensadas nesse conceito. Ampliando agora o conhecimento e voltando os olhos para a experiência de onde abstraí esse conceito de corpo, encontro também o peso sempre ligado aos caracteres precedentes e, por conseguinte, acrescento-o sinteticamente, como predicado, a esse conceito. E pois sobre a experiência que se funda a possibilidade de síntese do predicado do peso com o conceito de corpo, porque ambos os conceitos, embora não contidos um no outro, pertencem, contudo, um ao outro, se bem apenas de modo contingente, como partes de um todo, a saber, o da experiência, que é, ela própria, uma ligação sintética das intuições.] 1. I Nos juízos sintéticos a priori falta, porém, de todo essa ajuda. Se ultrapasso o conceito A ² I para conhecer outro A 9 B 13 __________________ ¹ Em lugar desta alínea lia-se em A: Donde resulta claramente: 1.° que pelos juízos analíticos o nosso conhecimento não é ampliado mas o conceito, que já possuo, é desenvolvido e tornado compreensível para mim próprio; 2.° que nos juízos sintéticos devo ter, além do conceito do sujeito, alguma coisa de diferente, X, sobre o qual se apóia o entendimento para conhecer que o predicado, que não está contido nesse conceito, todavia lhe pertence. Nos juízos empíricos, ou de experiência, não há dificuldade alguma, pois este X é a experiência completa do objeto que eu penso pelo conceito A, o qual exprime apenas uma parte dessa experiência. Na verdade, embora não inclua já no conceito de um corpo em geral o predicado do peso, esse conceito não designa menos uma parte da experiência total e a essa parte posso, pois, acrescentar ainda outras partes dessa mesma experiência, como pertencentes ao conceito do objeto. Posso previamente conhecer o conceito de corpo, analiticamente, pelos caracteres da extensão, de impenetrabilidade, de figura, etc., que são todos pensados nesse conceito. Se alargar agora o meu conhecimento e me voltar para a experiência, donde extraí este conceito de corpo, encontro também o peso, unido sempre aos caracteres precedentes. A experiência é, portanto, aquele X que está fora do conceito A e sobre o qual se funda a possibilidade de síntese do predicado B do peso com o conceito A. ² A: Se devo sair do conceito A. conceito B, como ligado ao primeiro, em que me apoio, o que é que tornará a síntese possível, já que não tenho, neste caso, a vantagem de a procurar no campo da experiência? Tomemos a proposição: Tudo o que acontece tem uma causa. No conceito de algo que acontece concebo, é certo, uma existência precedida de um tempo que a antecede, etc. e daí se podem extrair conceitos analíticos. Mas o conceito de causa está totalmente fora desse conceito e mostra algo de distinto do que acontece; não está, pois, contido nesta última representação. Como posso chegar a dizer daquilo que acontece em geral algo completamente distinto e reconhecer que o conceito de causa, embora não contido no conceito do que acontece, todavia lhe pertence e até necessariamente? Qual é aqui a incógnita X em que se apóia o entendimento quando crê encontrar fora do conceito A um predicado B, que lhe é estranho, mas todavia considera ligado a esse conceito? ¹. Não pode ser a experiência, porque o princípio em questão acrescenta esta segunda representação à primeira, não só com generalidade maior do que a que a experiência pode conceder, mas também com a expressão da necessidade, ou seja, totalmente a priori e por simples conceitos. Ora é sobre estes princípios sintéticos, isto é, extensivos, que assenta toda a finalidade última do I nosso conhecimento especulativo a priori, pois os princípios analíticos sem dúvida que são altamente importantes e necessários, mas apenas servem I para alcançar aquela clareza de conceitos que é requerida para uma síntese segura e vasta que seja uma aquisição verdadeiramente A 10 B 14 nova 2. _________________ ¹ A: mas que se encontra, contudo, ligado a esse conceito? ² Em A a este parágrafo seguia-se apenas a seguinte alínea, substituída em B pelos §§ V e VI: Há aqui, pois, um certo mistério *, cujo descobrimento tão-só pode fazer seguro e digno de confiança o progresso no campo ilimitado do conhecimento intelectual puro; a saber, descobrir, com a universalidade apropriada, o fundamento da possibilidade dos juízos sintéticos a priori, penetrar as condições que tornam possível cada espécie, e ordenar todo esse conhecimento (que constitui o seu gênero próximo) num sistema, englobando as suas fontes originais, divisões, extensão e limites, sem se restringir a um esboço rápido, mas [V] EM TODAS AS CIÊNCIAS TEÓRICAS DA RAZÃO ENCONTRAM-SE, COMO PRINCÍPIOS, JUÍZOS SINTÉTICOS A PRIORI 1. Os juízos matemáticos são todos sintéticos. Esta proposição parece até hoje ter escapado às observações dos analistas da razão humana e mesmo opôr-se a todas as suas conjecturas; é, contudo, incontestavelmente certa e de conseqüências muito importantes. Como se reconheceu que os raciocínios dos matemáticos se processam todos segundo o princípio de contradição (o que é exigido pela natureza de qualquer certeza apodítica), julgou-se que os seus princípios eram conhecidos também graças ao princípio de contradição; nisso se enganaram os analistas, porque uma proposição sintética pode, sem dúvida, ser considerada segundo o princípio de contradição, mas só enquanto se pressuponha outra proposição sintética de onde possa ser deduzida, nunca em si própria. Antes de mais, cumpre observar que as verdadeiras proposições matemáticas são sempre juízos a priori e não empíricos, porque comportam a necessidade, que não se pode extrair da experiência. I Se não se quiser admitir isso, pois bem, limitarei a minha tese à matemática pura, cujo conceito já de si exige que não contenha conhecimento empírico, mas um conhecimento puro e a priori. B 15 À primeira vista poder-se-ia, sem dúvida, pensar que a proposição 7 +5 = 12 é uma proposição simplesmente analítica, resultante, em virtude do princípio de contradição, do conceito ________________ determinando-o de maneira completa e suficiente para todos os usos. Basta por agora acerca dos caracteres particulares que têm em si os juízos sintéticos. * Se houvesse ocorrido a uma antigo levantar somente esta questão, ter-se-ia esta, por si só, fortemente oposto a todos os sistemas da razão pura até aos nossos dias e poupado tantos ensaios vãos, que tão cegamente se empreenderam, sem saber do que propriamente se tratava. da soma de sete e de cinco. Porém, quando se observa de mais perto, verifica-se que o conceito da soma de sete e de cinco nada mais contém do que a reunião dos dois números em um só, pelo que, de modo algum, é pensado qual é esse número único que reúne os dois. O conceito de doze de modo algum ficou pensado pelo simples fato de se ter concebido essa reunião de sete e de cinco e, por mais que analise o conceito que possuo de uma tal soma possível, não encontrarei nele o número doze. Temos de superar estes conceitos, procurando a ajuda da intuição que corresponde a um deles, por exemplo os cinco dedos da mão ou (como Segner na sua aritmética) cinco pontos, e assim acrescentar, uma a uma, ao conceito de sete, as unidades do número cinco dadas na intuição. Com efeito, tomo primeiro o número sete e, com a ajuda dos dedos da minha mão para intuir o conceito de cinco, adicionei-lhes uma a uma,mediante este processo figurativo, as unidades que primeiro juntei I para perfazer o número cinco e vejo assim surgir o número doze. No conceito de uma soma de 7 + 5 pensei que devia acrescentar cinco a sete, mas não que essa soma fosse igual ao número doze. A proposição aritmética é, pois, sempre sintética, do que nos compenetramos tanto mais nitidamente, quanto mais elevados forem os números que se escolherem, pois então se torna evidente que, fossem quais fossem as voltas que déssemos aos nossos conceitos, nunca poderíamos, sem recorrer à intuição, encontrar a soma pela simples análise desses conceitos. B 16 Do mesmo modo, nenhum princípio de geometria pura é analítico. Que a linha reta seja a mais curta distância entre dois pontos é uma proposição sintética, porque o meu conceito de reta não contém nada de quantitativo, mas sim uma qualidade. O conceito de mais curta tem de ser totalmente acrescentado e não pode ser extraído de nenhuma análise do conceito de linha reta. Tem de recorrer-se à intuição, mediante a qual unicamente a síntese é possível. É certo que um pequeno número de princípios que os geômetras pressupõem são, em verdade, analíticos e assentam sobre o princípio da contradição; mas também apenas servem, como proposições idênticas, para o encadeamento do método e I não preenchem as funções de verdadeiros princípios; assim, por exemplo, a=a, o todo é igual a si mesmo, ou (a + b) > a, o todo é maior do que a parte. E,contudo, mesmo estes axiomas, embora extraiam a sua validade de simples conceitos, são admitidos na matemática apenas porque podem ser representados na intuição. O que geralmente aqui nos faz crer que o predicado destes juízos apodíticos se encontra já no conceito e que, por conseguinte, o juízo seja analítico, é apenas a ambigüidade da expressão. Devemos, com efeito, acrescentar a um dado conceito determinado predicado e essa necessidade está já vinculada aos dois conceitos. Mas o problema não é saber o que devemos acrescentar pelo pensamento ao conceito dado, é antes o que pensamos efetivamente nele, embora de uma maneira obscura. Então é manifesto que o predicado está sempre, necessariamente, aderente a esses conceitos, não como pensado no próprio conceito, antes mediante uma intuição que tem de ser acrescentada ao conceito. B 17 2. A ciência da natureza (physica) contém em si, como princípios, juízos sintéticos a “priori”. Limitar-me-ei a tomar, como exemplo, as duas proposições seguintes: em todas as modificações do mundo corpóreo a quantidade da matéria permanece constante; ou: em toda a transmissão de movimento, a ação e a reação têm de ser sempre iguais uma à outra. Em ambas as proposições é patente não só a necessidade, portanto a sua origem a priori, mas também que são proposições sintéticas. Pois no conceito de matéria não penso a permanência, penso apenas a sua presença no espaço que preenche. Ultrapasso, assim, o conceito de matéria para lhe acrescentar algo a priori que não pensei nele. A proposição não é, portanto, analítica, mas sintética e, não obstante, pensada a priori; o mesmo se verifica nas restantes proposições da parte pura da física. B 18 3. Na metafísica, mesmo considerada apenas como uma ciência até agora simplesmente em esboço, mas que a natureza da razão humana torna indispensável, deve haver juízos sintéticos a priori; por isso, de modo algum se trata nessa ciência de simplesmente decompor os conceitos, que formamos a priori acerca das coisas, para os explicar analiticamente; o que pretendemos, pelo contrário, é alargar o nosso conhecimento a priori, para o que temos de nos servir de princípios capazes de acrescentar ao conceito dado alguma coisa que nele não estava contida e, mediante juízos sintéticos a priori, chegar tão longe que nem a própria experiência nos possa acompanhar. Isso ocorre, por exemplo, na proposição: o mundo tem de ter um primeiro começo, etc. Assim, a metafísica, pelo menos em relação aos seus fins, consiste em puras proposições sintéticas a priori. VI B 19 PROBLEMA GERAL DA RAZÃO PURA Muito se ganha já quando se pode submeter uma multiplicidade de investigações à fórmula de um único problema, pois assim se facilita, não só o nosso próprio trabalho, na medida em que o determinamos rigorosamente, mas também se torna mais fácil a quantos pretendam examinar se o realizamos ou não satisfatoriamente. Ora o verdadeiro problema da razão pura está contido na seguinte pergunta: como são possíveis os juízos sintéticos a priori? O fato da metafísica até hoje se ter mantido em estado tão vacilante entre incertezas e contradições é simplesmente devido a não se ter pensado mais cedo neste problema, nem talvez mesmo na distinção entre juízos analíticos e juízos sintéticos. A salvação ou a ruína da metafísica assenta na solução deste problema ou numa demonstração satisfatória de que não há realmente possibilidade de resolver o que ela pretende ver esclarecido. David Hume, o filósofo que, entre todos, mais se aproximou deste problema, embora estivesse longe de o determinar com suficiente rigor e de o conceber na sua universalidade, pois se deteve apenas na proposição sintética da relação do efeito com suas causas (principium causalitatis), julgou ter demonstrado que tal proposição a priori era totalmente impossível; segundo o seu raciocínio, tudo o que denominamos metafísica mais não seria do que simples ilusão de um pretenso conhecimento racional daquilo que, de fato, era extraído da experiência e B 20 adquirira pelo hábito a aparência de necessidade; afirmação esta que destrói toda a filosofia pura e que nunca lhe teria ocorrido se tivesse tido em mente o nosso problema em toda a generalidade, pois então seria levado a reconhecer que, pelo seu raciocínio, também não poderia haver matemática pura, visto esta conter, certamente, proposições sintéticas a priori; o seu bom-senso, por certo, tê-lo-ia preservado dessa afirmação. Na solução do problema enunciado está, simultaneamente, inclusa a possibilidade do uso puro da razão na fundamentação e desenvolvimento de todas as ciências que contém um conhecimento teórico a priori dos objetos, isto é, a resposta às seguintes perguntas: Como é possível a matemática pura? Como é possível a física pura? Como estas ciências são realmente dadas, é conveniente interrogarmo-nos como são possíveis; que têm de ser possíveis demonstra-o a sua realidade*. No que respeita à metafísica, pelo seu escasso progresso até hoje realizado e porque não pode dizer-se de nenhuma até agora apresentada que tenha alcançado o seu propósito essencial, há motivo bastante para se duvidar da sua possibilidade. B 21 Em certo sentido, contudo, esta espécie de conhecimento tam- bém deve considerar-se como dada e a metafísica, embora não seja real como ciência, pelo menos existe como disposição natural (metaphysica naturalis), pois a razão humana, impelida por exigências próprias, que não pela simples vaidade de saber muito, prossegue irresistivelmente a sua marcha para esses problemas, que não podem ser solucionados pelo uso empírico da razão nem por princípios extraídos da experiência. Assim, em __________________ * No respeitante à física pura, poder-se-ia ainda duvidar da sua existência real. Mas basta dar um relance de olhos às diferentes proposições que aparecem ao princípio da física propriamente dita (empírica), como sejam as da permanência da mesma quantidade de matéria, da inércia, da igualdade da ação e reação, etc., para logo nos convencermos de que constituem uma physica pura (ou rationalis) que, como ciência especial, bem merece ser exposta, separadamente, em toda a sua extensão, quer esta extensão seja maior ou menor. todos os homens e desde que neles a razão ascendeà especulação, houve sempre e continuará a haver uma metafísica. E, por conseguinte, também acerca desta se põe agora a pergunta: I como é possível a metafísica enquanto disposição natural? ou seja, como é que as interrogações, que a razão pura levanta e que, por necessidade própria, é levada a resolver o melhor possível, surgem da natureza da razão humana em geral? B 22 Como, porém, até agora todas as tentativas para dar resposta a essas interrogações naturais, como seja, por exemplo, se o mundo tem um começo ou existe desde a eternidade, etc., sempre depararam com contradições inevitáveis, não podemos dar-nos por satisfeitos com a simples disposição natural da razão pura para a metafísica, isto é, com a faculdade pura da razão, da qual, aliás, sempre nasce uma metafísica (seja ele qual for); pelo contrário, tem que ser possível, no que se lhe refere, atingir uma certeza: a do conhecimento ou ignorância dos objetos, isto é, uma decisão quanto aos objetos das suas interrogações ou quanto à capacidade ou incapacidade da razão para formular juízos que se lhes reportem; consequentemente, para estender com confiança a nossa razão pura ou para lhe pôr limites seguros e determinados. Esta última questão, que decorre do problema geral acima apresentado, poderia justamente formular-se assim: como é possível a metafísica enquanto ciência? A crítica da razão acaba, necessariamente, por conduzir à ciência, ao passo que o uso dogmático da razão, sem crítica, leva, pelo contrário, a afirmações sem fundamento, a que se podem opor outras por igual verossímeis e, consequentemente, ao cepticismo. B 23 Esta ciência também não poderá ser de uma extensão desencorajante, pois não se ocupa dos objetos da razão, cuja variedade é infinita, mas tão-somente da própria razão, de problemas todos eles engendrados no seu seio e que lhe são propos- tos, não pela natureza das coisas, que são distintas dela, mas pela sua própria natureza; portanto, uma vez que tenha aprendido a conhecer a sua capacidade em relação aos objetos que a experiência lhe pode apresentar, ser-lhe-á fácil determinar de maneira completa e segura a extensão e os limites do seu uso, quando se ensaia para além das fronteiras da experiência. Podem e devem-se pois considerar sem efeito todas as ten- tativas empreendidas até hoje para constituir, dogmaticamente, uma metafísica, porque o que numa ou noutra há de analítico, ou seja, mera decomposição de conceitos que residem a priori na razão, não é ainda a finalidade, é apenas um preliminar à autêntica metafísica, que deve alargar sinteticamente o conhecimento a priori. Esta análise é imprópria para este fim, porque apenas mostra o que está contido nestes conceitos e não como os alcançamos a priori para depois podermos determinar a sua aplicação válida em relação aos I objetos de todo o conhecimento em geral. Para desistir destas pretensões pouca abnegação é necessária, porque as inegáveis contradições da razão consigo mesma, inevitáveis no processo dogmático, há muito que tiraram à metafísica todo o prestígio. Será necessária maior firmeza para não nos deixarmos tolher pela dificuldade intrínseca e pela resistência externa e, deste modo, estimularmos, finalmente, graças a um tratamento diferente e em total oposição ao seguido até agora, o crescimento próspero e fecundo de uma ciência imprescindível à razão humana, a que se podem cortar os ramos que se vão erguendo, mas a que não se podem extirpar as raízes. B 24 VII IDÉIA E DIVISÃO DE UMA CIÊNCIA PARTICULAR COM O NOME DE CRITICA DA RAZÃO PURA De tudo isto resulta a idéia de uma ciência particular [que se pode chamar Crítica da razão pura] ¹ . [Porque ²] a razão é a faculdade que nos fornece os princípios do conhecimento ___________________ ¹ A: que pode servir à Crítica da Razão Pura. Segue-se a alínea: Chama- se puro todo o conhecimento ao qual nada de estranho se encontra misturado. Porém, um conhecimento é denominado sobretudo absolutamente puro, quando não se encontra nele, em geral, nenhuma experiência ou sensação; quando é, por conseguinte, possível completamente a priori. ² A: Ora. a priori. Logo, a razão pura é a que contém os princípios para conhecer algo absolutamente a priori. Um organon da razão pura seria o conjunto desses princípios, pelos quais são adquiridos todos I os conhecimentos puros a priori e realmente constituídos. A aplicação pormenorizada de semelhante organon proporcionaria um sistema da razão pura. Como este sistema, porém, é coisa muito desejada e como resta ainda saber se também [aqui] em geral é possível uma extensão do nosso conhecimento e em que casos o pode ser, podemos considerar como uma propedêutica do sistema da razão pura, uma ciência que se limite simplesmente a examinar a razão pura, suas fontes e limites. A esta ciência não se deverá dar o nome de doutrina, antes o de crítica da razão pura e a sua utilidade [do ponto de vista da especulação] será realmente apenas negativa, não servirá para alargar a nossa razão, mas tão-somente para a clarificar, mantendo-a isenta de erros, o que já é grande conquista. Chamo transcendental a todo o conhecimento que em geral se ocupa menos dos objetos, que do nosso modo de os conhecer, na medida em que este deve ser possível a priori ¹ . Um sistema de conceitos deste gênero deveria denominar-se filosofia transcendental. Mas esta filosofia é, por sua vez, demasiado ambiciosa para podermos começar por ela. Como esta ciência deveria conter, integralmente, tanto o conhecimento analítico como o conhecimento sintético a priori, abrangeria, para o nosso desígnio, extensão demasiado vasta, pois não devemos levar a análise senão até ao ponto em que nos é indispensável para compreender, em toda a sua I extensão, os princípios da síntese a priori, único objeto de que nos ocupamos. Desta investigação tratamos presentemente. Não podemos verdadeiramente chamar-lhe doutrina, mas apenas crítica transcendental, porquanto a sua finalidade não é o alargamento dos próprios conhecimentos, mas a sua justificação, e porque deve fornecer-nos a pedra de toque que decide do valor ou não valor de todos os conhecimentos a priori. Semelhante crítica é, por conseguinte, uma preparação, tanto quanto possível, para um organon e, caso este organon não fosse viável, B 25 B 26 ____________________ ¹ A: do que dos nossos conceitos a priori dos objetos. pelo menos para um canon da razão pura, mediante o qual, em todo o caso, poderia ser exposto mais tarde o sistema completo da filosofia da razão pura, quer consista em extensão quer em limitação do conhecimento racional, tanto analítica como sinte- ticamente. Que isto seja possível e mesmo que um sistema como este possa ser de uma extensão bastante reduzida para que esperemos acabá-lo inteiramente, pode-se já conjecturar antecipadamente pelo fato de o nosso objeto não ser aqui a natureza das coisas, que é inesgotável, mas o entendimento que julga a natureza das coisas, e ainda o entendimento considerado unicamente do ponto de vista dos nossos conhecimentos a priori, cujas riquezas não podem ficar-nos escondidas, pois não precisamos de as buscar fora de nós e tudo faz presumir que serão assaz restritas, para que possam ser totalmente captadas, julgadas quanto ao seu valor ou desvalor e apreciadas corretamente. I [Menos ainda se deverá esperar aqui uma crítica de livros e sistemas da razão pura; apenas fazemos a crítica da própria faculdade da razão pura. Só com fundamento nesta crítica se possui uma pedra de toque segura para apreciar o valor filosófico de obras antigas e modernas que se ocupam desta questão; de outro modo, o historiador e o crítico incompetentes ajuízam as asserções sem fundamento dos outros pelas suas próprias asserções, igualmenteinfundadas.] 1 . A 13 B 27 A filosofia transcendental é a idéia de uma ciência 2 para a qual a crítica da razão pura deverá esboçar arquitetonicamente o plano total, isto é, a partir de princípios, com plena garantia da perfeição e solidez de todas as partes que constituem esse edifício. [E o sistema de todos os princípios da razão pura]. Se esta mesma crítica já não se denomina filosofia transcendental é apenas porque, para ser um sistema completo, deveria conter uma análise pormenorizada de todo o conhecimento humano a priori. É certo que a nossa crítica deverá apresentar uma enumeração completa de todos os conceitos fundamentais, que __________________ ¹ Acrescentamento de B. Em sua vez, em A aparecia um título de parágrafo: II. Divisão da filosofia transcendental. ² A: é aqui apenas uma idéia de uma ciência. constituem esse conhecimento puro. Contudo, como é razoável, dispensa-se da análise exaustiva desses mesmos conceitos, bem como da recensão completa dos que deles são derivados; em parte, porque essa análise não seria conforme à finalidade da crítica, não tendo a dificuldade que se depara na síntese, seu verdadeiro objeto; em parte, porque seria contrário à unidade do plano empreender a justificação de tal analise e de tal derivação, o que, tendo em vista o fim visado, pode muito bem dispensar-se. Tanto a integridade da análise dos conceitos a priori, como da dedução dos que mais tarde deles derivem, são de resto fáceis de obter, desde que esses conceitos tenham sido de início expostos como princípios pormenorizados da síntese e nada lhes falte com respeito a este fim essencial. A 14 B 28 À crítica da razão pura pertence, pois, tudo o que constitui a filosofia transcendental; é a idéia perfeita da filosofia transcendental, mas não é ainda essa mesma ciência, porque só avança na análise até onde o exige a apreciação completa do conhecimento sintético a priori. Na divisão desta ciência dever-se-á, sobretudo, ter em vista que nela não entra conceito algum que contenha algo de empírico, ou seja, vigiar para que o conhecimento a priori seja totalmente puro. Daí resulta, que os princípios supremos da moralidade e os seus conceitos fundamentais, sendo embora conceitos a priori, não pertencem à filosofia transcendental, [porque, não obstante não serem por si mesmos os fundamentos dos preceitos morais, os conceitos de prazer e desprazer, de desejos e inclinações, etc., todos de origem empírica, devem estar necessariamente incluídos na elaboração do sistema da moralidade pura, pelo menos no conceito do dever, enquanto obstáculos que deverão ser transpostos ou enquanto estímulos que não deverão converter-se em móbiles] 14. Por isso, a filosofia transcendental outra coisa não é que uma filosofia da razão pura simplesmente especulativa. Pois tudo o que é prático, na medida em que A 15 B 29 _______________ 14 A: porque nela deviam ser pressupostos os conceitos de prazer e desprazer, de desejos e de inclinações, de vontade de escolha, etc., que são todos de origem empírica. contém móbiles, refere-se a sentimentos que pertencem a fontes de conhecimento empíricas. Se quisermos agora proceder à divisão desta ciência a partir do ponto de vista universal de um sistema em geral, deverá a crítica, que agora empreendemos, conter, em primeiro lugar, uma teoria dos elementos, em segundo lugar uma teoria do método da razão pura. Cada uma destas partes principais deveria ter uma subdivisão, da qual, por enquanto não temos de expor os princípios. Parece-nos, pois, apenas necessário saber, como introdução ou prefácio, que há dois troncos do conhecimento humano, porventura oriundos de uma raiz comum, mas para nós desconhecida, que são a sensibilidade e o entendimento; pela primeira são-nos dados os objetos, mas pela segunda são esses objetos pensados. Na medida em que a sensibilidade deverá conter representações a priori, que constituem as condições I mediante as quais os objetos nos são dados, pertence à filosofia transcendental. A teoria I transcendental da sensibilidade deve formar a primeira parte da ciência dos elementos, porquanto as condições, pelas quais unicamente nos são dados os objetos do conhecimento humano, precedem as condições segundo as quais esses mesmos objetos são pensados. B 30 A 16 Em lugar dos dois primeiros artigos da edição B encontrava-se em A: INTRODUÇÃO A 1 I — Idéia da filosofia transcendental A experiência é, sem dúvida, o primeiro produto que o nosso entendimento obtém ao elaborar a matéria bruta das sensações. Precisamente por isso é o primeiro ensinamento e este revela-se de tal forma inesgotável no seu desenvolvimento, que a cadeia das gerações futuras nunca terá falta de conhecimentos novos a adquirir neste terreno. Porém, nem de longe é o único campo a que se limita o nosso entendimento. É certo, que a experiência nos diz o que é, mas não o que deve ser, de maneira necessária, deste modo e não de outro. Por isso mesmo não nos dá nenhuma verdadeira universalidade e a razão, tão ávida de conhecimentos desta espécie, I vê-se mais excitada por ela do que satisfeita. Ora, semelhantes conhecimentos universais, que ao mesmo tempo apresentam o carácter de necessidade interna, devem, independentemente A 2 da experiência, ser claros e cerros por si mesmos. Por esse motivo se intitulam conhecimentos a priori; enquanto tudo aquilo que, pelo contrário, é extraído simplesmente da experiência, é conhecido, como se diz, apenas a posteriori ou empiricamente. Agora se vê, o que é muito importante, que mesmo às nossas experiências se misturam conhecimentos que devem ter uma origem a priori e que talvez apenas sirvam para fornecer uma ligação às nossas representações sensíveis. Com efeito, se dessas experiências retirarmos tudo o que pertence aos sentidos, ainda ficam certos conceitos primitivos e os juízos deles derivados, conceitos e juízos que devem ser formados inteiramente a priori, isto é, independentemente da experiência, pois que, graças a eles, acerca dos objetos que aparecem aos nossos sentidos se pode dizer ou pelo menos se julga poder dizer mais do que ensinaria a simples experiência e essas afirmações implicam uma verdadeira universalidade e uma rigorosa necessidade, que o conhecimento empírico não pode proporcionar. Neste ponto inicia-se em B um novo artigo com o seguinte título: III A filosofia carece de uma ciência que determine a possibilidade, os princípios e a extensão de todo conhecimento a priori.
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