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Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB INFECÇÕES DO SNC MENINGITES A meningite é a inflamação das meninges e geralmente acontece envolvendo o LCR, no espaço subaracnóide. Etiologia: a meningite pode ser decorrente de várias causas, desde doenças infecciosas (bacterianas, virais, fúngicas...), meningite química por vários irritantes, meningite por sangue no espaço subaracnóide (ex.: HSA). Falando das causas infecciosas, existem várias portas de entrada: ▪ Nervo periférico (ex.: varicela zoster, raiva) ▪ TGI (ex.: enterovírus) ▪ Trato Respiratório (ex.: pneumococo, pneumococo) ▪ Contiguidade (ex.: infecções de seios paranasais ou de ouvido) A partir daí ocorre invasão das meninges e replicação no espaço subaracnóide. Uma vez que o patógeno adentra no espaço subaracnoide, as defesas do hospedeiro são inadequadas para controlar a infecção. Isso ocorre porque no líquor temos baixas concentrações de complemento e baixas concentrações de imunoglobulinas, o que favorece a replicação do patógeno. Diagnósticos diferenciais para meningite aguda: Infecciosas: – Vírus – Protozoários – Bactérias Não infecciosas: – Tumores – Doenças sistêmicas – Medicações (azatioprina, AINES) – Procedimentos (pós-neurocirurgia, anestesia raquidiana) Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Quadro clínico: Meningite bacteriana Meningite viral – Cefaleia – Febre – Sinais meníngeos – Alterações do sensório – Vômitos – Convulsões – Sinais neurológicos focais (incomuns) (ex.: perda de sensibilidade, hemiplegia, paralisia facial) – Febre – Vômitos – Cefaleia – Meningismo – Letargia – Dor abdominal – Convulsões A rigor, o quadro clínico de uma meningite bacteriana e uma meningite viral é muito parecido. Todavia, na meningite viral os sinais meníngeos são menos. Além disso, existem sinais específicos que nos levam a pensar na etiologia, por exemplo: ▪ Meningite + conjuntivite = enterovírus (causa importante de meningite viral) ▪ Meningite + aumento de glândula salivar = caxumba ▪ Meningite + lesões típicas de um zoster = vírus varicela zoster ▪ Rombencefalite = Listeria Meningite bacteriana: TRÍADE DA MENINGITE BACTERIANA: Febre + Sinais de irritação meníngea + Alterações do sensório. (Na verdade, apenas 60% dos casos vão apresentar essa tríade e, na prática, muita coisa pode dar isso) Apesar de não estar presente em todos os casos, essa tríade possui alto valor preditivo negativo, isso significa que, a sua ausência completa afasta a possibilidade de meningite bacteriana com 99% de certeza. Pelo menos 01 sinal da tríade deve estar presente para considerarmos o diagnóstico clínico de meningite bacteriana. Se não houver nenhum dos 03 sinais, eu tenho 99% de certeza de não ser uma meningite bacteriana, posso optar por não puncionar e devo orientar o paciente para retornar caso os sintomas reapareçam. Neonatos geralmente não apresentam um quadro clínico típico: – Temperatura instável (hipotermia-hipertermia) – Irritabilidade – Icterícia – Vômitos – Sucção fraca – Diarreia – Desconforto respiratório – Abaulamento de fontanela Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Apresentação clínica da meningite bacteriana 1- Sinais de irritação meníngea: ▪ Rigidez de nuca (30%) ▪ Sinal de Kernig (5%) ▪ Sinal de Brudzinski (5%) A rigidez de nuca é o mais sensível dos três. Pode ser pesquisada de várias formas, uma delas é pedindo para o paciente encostar o queixo na parede torácica. Outra forma é com o paciente deitado em decúbito dorsal, pedir ao paciente para tirar toda força do pescoço e colocar a mão abaixo da nuca, tentando realizar o movimento de flexão do pescoço. Sinal de Kernig Sinal de Brudzinski Paciente em decúbito dorsal, quadril e joelho flexionados a 90º. Você faz o movimento de extensão do joelho e o paciente terá dor. Paciente em decúbito dorsal. Você faz o movimento de flexão do pescoço e o paciente flexiona o quadril e os joelhos. Vejam que esses sinais possuem uma sensibilidade que varia bastante. Se for uma meningite bacteriana mais avançada, talvez eu tenha sinais meníngeos em 70 a 80% dos casos. Se for uma meningite bacteriana menos avançada ou uma meningite viral, talvez eu tenha uma sensibilidade mais baixa. Existe ainda um outro sinal chamado “Jolt accentuation” em inglês: é um sinal feito em pacientes com cefaleia para verificar presença de irritação meníngea. Você pede para que o paciente gire o pescoço de um lado paro o outro em uma frequência de 2-3 vezes/segundo. Se a dor de cabeça piorar com o movimento, indica que há irritação meníngea. Alguns estudos, inclusive, indicam que isso pode ser até mais sensível do que a pesquisa da rigidez de nuca. 2- Rash cutâneo Se houver rash cutâneo associado eu posso estar diante de meningococo, ou então pneumococo ou Haemophilus em pacientes esplenectomizados. Ex.: nesse caso temos lesões purpúricas. São lesões >0,5 cm que provêm de extravasamento de sangue no subcutâneo. A meningite associada a meningococcemia cursa com esse tipo de manifestação. O meningococo é transmitido por gotículas, então é preciso fazer antibioticoterapia profilática em qualquer pessoa que tenha ficado em contato com o paciente num raio de 1-1,5m. Desse modo: Pré-hospitalar (moradores do mesmo domicílio ou colegas de escola) Intra-hospitalar (profissionais que fizeram intubação, aspiração de via aérea) IMPORTANTE: ESSES PACIENTES PRECISAM DE LEITO PRIVATIVO! Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB 3- Paralisia de nervos cranianos: III, IV, VI e VII Se houver paralisia de nervos cranianos (III, IV, VI e VII pares), é um indicativo de hipertensão intracraniana. Lembrando que o III par é o mais frequentemente acometido num quadro de HIC. 4- Sinais de HIC: bradicardia, hipertensão arterial, paralisia do III par craniano Diagnóstico O diagnóstico definitivo é pela ANÁLISE DO LÍQUOR Formas de obter o líquor: ▪ Punção lombar ▪ Punção suboccipital ▪ Se o paciente tiver um cateter, é possível coletar através dele Valores normais do líquor:* ▪ Células: <5/campo ▪ Proteínas: <40 mg/dL ▪ Glicose: até 2/3 da sérica (a glicemia no líquor deve estar acima de 60% da sérica) *Esses valores são para adultos! No período neonatal é muito complexo. RESULTADO DO EXAME DE LÍQUOR Bacteriana Viral Células: 1.000 a 5.000 | PMN > 80% Proteínas > 200 mg/dL Glicose < 40 mg/dL Células: 100 a 1.000Proteínas < 100 mg/dL Glicose inalterada ou pouco diminuída Geralmente, a bacteriana tem celularidade acima de 1000 e predomínio de polimorfonucleares Achados típicos no LCR em pacientes com Meningite Etiologia Celularidade Predomínio Glicose Proteínas Viral 50-1000 Mononuclear >45 <200 Bacteriana 1000-5000 Polimorfonuclear <40 100-500 Tuberculose 50-300 Mononuclear <45 50-300 Criptocócica 20-500 Mononuclear <40 >45 [?] Pode ter glicose sugestiva de bacteriana e baixa celularidade? Isso acontece as vezes. O paciente vem com um quadro muito sugestivo de bacteriana (febre, alteração do sensório, sinais de irritação meníngea), aí você punciona e vem 400 células associado a glicose baixa. Eu não vou deixar de tratar esse paciente. Veja que esses valores não são definitivos, mas retratam o que é mais comum. Na prática é muito complexo, às vezes, julgar esses casos. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Outra coisa importante é saber o tipo de bactéria esperada para determinada faixa etária: Categoria Etiologia Esquema terapêutico Neonatos Estreptococos do grupo B Escherichia coli Listeria monocytogenes* Ampicilina + Gentamicina ou Cefotaxima + Ampicilina 1 mês a 50 anos Streptococcus pneumoniae Neisseria meningitidis Haemophilus influenzae Ceftriaxona >50 anos Alcoolismo Comorbidades séricas Imunodeficiência Streptococcus pneumoniae Listeria monocytogenes* Bacilos gram-negativos Pós-trauma craniano aberto Pós-neurocirurgia DVP Streptococcus epidermidis Staphylococcus aureus Pseudomonas aeruginosa Coliformes Difeteróides Vancomicina + CTX ou CTZ *Reforçando: é preciso cobrir Listeria: Neonatos Pacientes > 50 anos OU Quadro de rombencefalite, independente da idade Uso de Corticoides [?] Qual o papel do corticoide no tratamento das meningites? Parece que ocorre piora na reação inflamatória quando o antimicrobiano começa a fazer efeito, e sabe-se que a resposta inflamatória no espaço subaracnóide é um dos maiores fatores implicados em morbidade e mortalidade. A explicação para essa piora é que o patógeno começa a ser destruído e há liberação excessiva de antígenos que estimulam o sistema imunológico a tal ponto que o paciente começa a piorar. Isso foi visto inicialmente nas meningites por Haemophilus nas crianças. Então, viu-se que crianças com meningite por Haemophilus tratadas com corticoide tinham menos sequelas como surdez e menor mortalidade. Com pneumococo também já há evidências que diminui a morbi-mortalidade, e nos meningococos há uma tendência de redução também. Em adultos, foi também comprovada a eficácia dos corticoides com o patógeno pneumococo. [!] Importante: o corticoide deve ser usado ANTES do antibiótico. Quando o antibiótico agir, irá destruir o patógeno e terá aumento da reação inflamatória, então o lógico é que o paciente já esteja em uso de corticoides. Na pior das hipóteses, fazer corticoterapia junto com antibiótico. Se já administrou o antibiótico antes não vale mais a pena utilizar o corticoide, pois não terá mais o benefício. [?] Mas o corticoide não seria um imunossupressor e não prejudicaria o organismo no combate ao patógeno? O corticoide é usado por um período curto (de 1 a 2 dias). Nessa quantidade de tempo, não tem capacidade de imunossuprimir, só irá fazer o papel de anti-inflamatório. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Modelo abscesso A barreira hematoencefálica protege o espaço subaracnoide, tanto contra patógenos, como também impede a entrada excessiva de células e sangue. Para se ter ideia, um ser humano tem cerca de 4.000 a 10.000 leucócitos no sangue, e no espaço subaracnóide normalmente existem menos que 5 células. Quando a celularidade e as proteínas estão aumentadas no espaço subaracnóide, significa que houve ruptura da barreira hematoencefálica. De acordo com o modelo abcesso, é possível ter rompimento da barreira hematoencefálica, influxo de células e proteínas, mesmo que não haja infecção das meninges, ou seja, o patógeno não entra. Nesse caso, é uma infecção parameníngea (não é meningite, pois o patógeno não está dentro do LCR) ou uma inflamação (vai atrair as células inflamatórias, há liberação de citocinas, substâncias vasoativas que aumentam a permeabilidade capilar). Quando puncionar esse paciente, o médico irá achar células e proteínas aumentadas e pensará em meningite, porém não há o patógeno. Por exemplo, um paciente com AVE isquêmico ou com sinusite bacteriana pode ter o LCR alterado sem ter meningite. Esses pacientes possuem apenas aumento de células e proteínas devido à reação inflamatória perto das meninges ou da barreira hematocefálica. Obs. Nesses casos de infecção parameníngea, se o patógeno atingir o líquor, pode fazer uma meningite. Ex.: Abscesso cerebral (foco parameníngeo) Nesse caso, o processo não está nas meninges e sim dentro do parênquima cerebral, mas se puncionar, o líquor estará alterado. Por isso que para fazer a punção, é necessário que haja quadro clínico (febre + sinais de irritação meníngea + alterações do sensório), pois o LCR pode estar com proteínas e células aumentadas em decorrência de uma outra doença que não seja meningite. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Punção Lombar x Tomografia [?] O que deve ser avaliado antes de fazer a punção lombar? Indicação: suspeita clínica + pelo menos 01 critério da tríade Contraindicações: plaquetopenia, paciente anticoagulado, infecção de pele no local, etc Risco da punção lombar: existe um risco de herniação cerebral, caso o paciente tenha uma hidrocefalia não comunicante. Nesses casos, existe um gradiente pressórico que, caso seja realizada uma punção lombar, o vetor de forças apontando para baixo irá deslocar estruturas cerebrais para locais onde não deveriam. Isso pode ter um desfecho letal para o paciente. Para isso que serve a TC! [?] Quais pacientes devem ser submetidos à TC de crânio antes da punção lombar? Os pacientes que possivelmente terão lesões que podem causar alteração do LCR sem ser meningite ou se associam com hidrocefalia não comunicante! 1. Imunossupressos (AIDS ou em terapia com imunossupressor): esses pacientes têm mais chance de fazer lesão intraparenquimatosa (parameníngea). Por isso tem que fazer TC antes! Feita a TC e visto que não há esse tipo de lesão, podemos puncionar. 2. História de doença do SNC (lesões em massa, AVC, infecções focais, ou até trauma): fazer TC antes! 3. Convulsão de início recente (dentro de 1 semana): é um critério controverso ainda. Se uma criança chega com um quadro de meningite, mas teve uma convulsão de 30 segundos há 3 ou 4 horas, dá para julgar puncioná-la, mas por segurança maior, é melhor fazer um TC antes. 4. Papiledema: é precisofazer exame de fundo de olho, pois é um indicativo de HIC. 5. Alteração do nível de consciência (qualquer rebaixamento do sensório). 6. Déficit neurológico focal (incluindo uma pupila dilatada não reativa, anormalidades na motricidade ocular, campos visuais, paralisia ocular, alteração de força em membros...) Antibioticoterapia [?] Com que rapidez deve ser iniciada a antibioticoterapia em pacientes com meningite bacteriana? Quanto mais rápido iniciar a terapia antimicrobiana, melhor será o desfecho do paciente. Tem um estudo interessante do Reino Unido, no qual observou-se menor mortalidade em pacientes com meningite bacteriana quando o antibiótico foi feito antes da internação. A meningite é uma emergência neurológica! A antibioticoterapia apropriada deve ser iniciada o mais rápido possível após o diagnóstico ou após o diagnóstico ser provável, mesmo se você não tiver confirmação. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB ENCEFALITES Encefalite é uma inflamação do parênquima cerebral, associada a evidências clínicas de disfunção neurológica, sendo caracterizada por: 1. Disfunção cognitiva aguda 2. Rebaixamento do sensório 3. Alterações de personalidade e comportamento 4. Sinais neurológicos focais Tipos de alterações clínicas relacionadas com disfunção neurológica: – Alteração de memória, da fala, linguagem – Irritabilidade – Agressividade – Alterações motoras [?] Causas de rebaixamento do sensório? Por lesão estrutural ao SNC: 1. Lesão cortical bilateral 2. Lesão da substância reticular ativadora ascendente Sem lesão estrutural, várias causas, dentre elas: – Hipoglicemia – Hipernatremia – Hiponatremia – Hipercalcemia – Uremia [?] Na Meningite bacteriana pode haver uma hemiplegia (que é um sinal focal)? Pode, mas não é habitual. A meningite não está dentro, mas fora do parênquima, portanto ela não vai pegar um neurônio motor superior nem alguma determinada via encefálica. O paciente com meningite normalmente não vai chegar com hemiplegia, mas pode excepcionalmente quando tem uma vasculite associada, que é uma inflamação da parede do vaso, que pode levar a uma obstrução desse vaso, consequentemente causando um AVCi. Na encefalite pode ocorrer lesão neuronal de vários tipos, pois tem-se um processo inflamatório infeccioso dentro do encéfalo. Desse modo, pode afetar a cognição (processo mental de aquisição do conhecimento e envolve a sensopercepção através dos sentidos), atenção, memória, julgamentos, tomada de decisão e produção de linguagem. Isso, a rigor, no início, a meningite não vai afetar. O paciente com meningite vai chegar talvez um pouco sonolento, mas vai falar, te entender. Pode chegar em coma em um quadro mais avançado, mas num quadro puro de meningite não vai afetar nada disso. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Rombencefalite A rombencefalite é uma encefalite específica do rombencéfalo (tronco cerebral e cerebelo). Uma romboencefalite, portanto, vai ter alterações associadas ao tronco cerebral e ao cerebelo. Basicamente vai ter acometimento de nervos cranianos e do cerebelo, com todo o cortejo clínico associado: ▪ Espasmos mioclônicos ▪ Tremores ▪ Ataxia ▪ Envolvimento de pares cranianos ▪ Alterações ventilatórias ▪ Choque ▪ Coma A Listeria também pode causar encefalite tem tendência a fazer esse quadro de rombencefalite. Repetindo, vamos pensar em Listeria quando se tratar de meningite em: ▪ Neonatos ▪ > 50 anos ▪ Quadro de romboencefalite, em qualquer idade Encefalite ≠ Encefalopatia Encefalite: processo inflamatório dentro do parênquima cerebral. Encefalopatia: definida como uma disruptura nas funções cerebrais, na ausência de um processo inflamatório direto dentro do parênquima cerebral. Pode ser secundária a distúrbios metabólicos (ex.: uremia), hipóxia, isquemia, intoxicação por drogas, infecção orgânica ou infecções sistêmicas. Por exemplo, um paciente com encefalopatia hepática está com o cérebro normal, mas ele tem um processo metabólico que altera as funções cerebrais. Isso não é encefalite, é encefalopatia! Lembrando que, não dá pra dizer que um paciente só com acometimento de par craniano tem rombencefalite. Não basta o acometimento de pares cranianos (que pode ser explicado por HIC, por exemplo). É preciso que haja associação com outros componentes de uma rombencefalite como ataxia ou déficit de equilíbrio. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Apresentação clínica Existe um núcleo comum de sintomas para meningite e encefalite: O núcleo comum tem febre, cefaleia, convulsões, rebaixamento do sensorium, vômitos e náuseas. Isso não distingue uma da outra. Sinais de irritação meníngea falam mais a favor de uma meningite. Para as encefalites, o mais característico é disfunção cognitiva aguda, alterações comportamentais e sinais neurológicos focais. Na encefalite as alterações do estado mental são mais precoces! Numa meningite você pode atender um paciente às vezes com um pouco de sonolência, ou uma alteração de fala, ou até mesmo chegar em como, mas isso é mais tardio na meningite. Já na encefalite essas alterações são muito mais precoces, costumam aparecer já no primeiro dia ou segundo dia. Porque meningite precisa de outros mecanismos para atingir o parênquima, como por exemplo uma vasculite ou aumento da pressão intracraniana. A encefalite não, ela já começa lá dentro e já pode causar lesão neuronal de início. Resumindo: ▪ Funções cerebrais inalteradas sugerem meningite. Pacientes com meningite podem estar letárgicos ou agitados, mas as funções cerebrais permanecem normais. ▪ Na encefalite, as alterações cerebrais são esperadas e incluem alterações do comportamento, déficits motores ou sensoriais, alterações da fala ou dos movimentos. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB O quadro abaixo mostra a frequência relativa de meningite e encefalite de cada patógeno: Etiologia Frequência relativa de Meningite X Encefalite Aspectos clínicos importantes Enterovírus Coxsackie A e B Meningite > Encefalite Herpangina, doença mão-pé-boca, conjuntivite, faringite, pleurodinia, miopericardite, rash Echovirus Meningite > Encefalite Rash Poliovirus Meningite > Encefalite Paralisia flácida Herpesvírus Herpes simples 1 Encefalite > Meningite Lesões orais Herpes simples 2 Meningite > Encefalite Lesões genitais, radiculopatia sacral (retenção urinária, constipação, parestesias, fraqueza)Citomegalovirus Encefalite > Meningite Hospedeiro imunossupresso Varicella-zóster Meningite > Encefalite Rash típico Epstein-Barr Encefalite > Meningite Outros HIV Meningite = Encefalite Comportamento sexual de risco, drogas IV Raiva Encefalite > Meningite Exposição a animais Influenza vírus Encefalite > Meningite Sintomas clássicos de influenza Mumps virus Meningite > Encefalite Parotidite dolorosa (em não vacinados ou incompletamente vacinados) Encefalite após história recente de doença infecciosa ou vacinação → Encefalomielite disseminada aguda (ADEM) Os enterovirus (polio, coxsakie, echo) tendem a fazer muito mais um quadro de meningite do que de encefalite. Por outro lado, o Herpes vírus tipo 1 faz muito mais encefalite do que meningite. Varicella-zoster faz mais meningite do que encefalite… O Herpes simples tipo 1 é o vírus mais isolado nas encefalites agudas. Por isso que diante da suspeita de encefalite é feito o tratamento com aciclovir, porque é a etiologia mais comum. O HSV-1 pode fazer um quadro de encefalite puro, com tendência a pegar lobo temporal, mas ele pode fazer um quadro de encefalite associado a meningite. Nesses casos, vão ter algumas alterações no líquor que não terão as mesmas características da meningite bacteriana (não vai ter uma celularidade e proteínas tão elevadas) e nesses casos eu posso chamar de meningoencefalite, pois você tem como componente principal a encefalite, mas você tem alguma coisa de meningite também. No caso da raiva, é um vírus muito interessante, pelo mecanismo de doença. Habitualmente é preciso ter uma exposição a mordedura de um animal (vários animais podem transmitir raiva), aí o vírus ascende por via neuronal, pega um nervo periférico e vai subindo até chegar no Sistema Nervoso Central. Lá no Sistema Nervoso Central, o vírus causa uma encefalite com todos esses comemorativos que a gente viu aí, só que provoca um comportamento agressivo (daí que vem o termo “raiva”) e no caso, até do ser humano, essa agressividade estimula a mordedura. Isso significa que você pode contrair raiva por transmissão de um humano que te mordeu, por exemplo, durante os cuidados de um paciente. E outra coisa que o vírus faz, ele se concentra em grandes quantidades nas glândulas salivares e, consequentemente, na saliva. Então olha que vírus arrojado, não é? Além de promover o comportamento agressivo com mordeduras, ele se concentra na saliva e assim facilita muito a sua própria propagação. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Então vejam que é muito difícil ter encefalite sem ter meningite associada, porque de alguma forma… a encefalite é um processo inflamatório dentro do parênquima cerebral. Eu mostrei pra vocês o modelo abscesso, que é o da sinusite. Você tem uma inflamação para-meníngea (próxima à meninge) que faz ruptura na barreira hematoencefálica e você tem uma alteração no exame de líquor sem ter uma meningite, sem ter infecção lá dentro. Agora imaginem que o processo infeccioso está dentro do cérebro, é muito comum quebrar a barreira hematoencefálica e ter alguma alteração liquórica. Mas, primordialmente, você tem um quadro de encefalite. [?] O prognóstico de uma encefalite é pior do que de uma meningite? É pior. Todas as encefalites têm prognóstico pior do que as meningites. Tratamento Mesmo em locais em que você pode pesquisar por biópsia cerebral, PCR no líquor... a maioria dos casos não tem diagnóstico etiológico. Então você sabe que é encefalite, mas não sabe qual é o vírus. A conduta de todos os locais é a seguinte: Quadro clínico de encefalite = tratamento para herpes simples Pois é o mais comum, embora possa variar de acordo com o local, além de ser um dos poucos que tem tratamento. A Raiva, por exemplo, você não tem como tratar. Parêntesis sobre MENINGITES CRÔNICAS INFECCIOSAS Os principais patógenos das meningites crônicas são: tuberculose e o criptococo. Na meningite crônica, esses outros patógenos como pneumococo, listeria, meningococo, estafilococos coagulase-negativos... nenhuma dessas bactérias faz meningite crônica, todas são agudas Na meningite aguda, o paciente vai chegar pra você com alguns dias de evolução. Nas meningites crônicas, habitualmente os pacientes tem uma história mais arrastada, de 2 semanas ou 1 mês de cefaleia, que pode estar associada aos mesmos sinais que a gente viu de irritação meníngea, febre, vômitos... Aí é uma questão temporal. Além disso, junto com essa história mais arrastada, o estudo do líquor vai mostrar uma celularidade não tão alta com predomínio de mononucleares. [?] Tem alguma quantidade de dias que eu considero que a meningite é crônica? Não sei, mas, com certeza, uma meningite bacteriana aguda não vai chegar pra você com 15 dias de evolução. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Caso clínico 1 Homem, 45 anos, cefaleia, febre e rigidez de nuca há 5 dias. Convulsão há 5h da chegada ao PA. Glasgow de 13 (desorientado e com abertura ocular ao chamado). Discussão: O estudo do líquor é indicado pois ele apresenta rigidez de nuca e febre. Junto com o rebaixamento do sensório, fecha os 03 critérios da tríade de meningite bacteriana. Lembrando que há indicação de se fazer TC antes da punção, pois o paciente apresenta rebaixamento do sensório, além de apresentar convulsões dentro do período de uma semana. Digamos que a TC veio sem alterações e você puncionou. O resultado foi: ▪ Celularidade: 2.300 cel/mm3 (72% de mononucleares) ▪ Glicose: 25mg/dL ▪ Proteínas: 170mg/dl. ▪ GRAM: aguardando. [?] Qual o diagnóstico? Meningite bacteriana! A quantidade de células está acima de 1.000, é muito sugestivo, embora tenha predomínio de mononucleares, pode acontecer. Analisando o contexto todo temos uma meningite bacteriana. [?] Quais os prováveis patógenos dessa meningite? Pensando que ele tem 45 anos, meningococo e estreptococo, além do Haemophilus (mas nem consideramos porque somos vacinados). [?] Tratamento? O esquema de tratamento empírico é ceftriaxona. Agora vamos dizer chegou o resultado do GRAM (lembrando que no líquor o GRAM tem tem alto valor, porque normalmente no líquor a gente não tem bactéria): São diplococos GRAM positivos, é pneumococo [?] Diante desse resultado, mudamos o antibiótico? NÃO! Para nossa realidade tratamos com ceftriaxona, pois ela serve muito bem para meningococo ou pneumococo. Então ainda que não viesse nada no GRAM, pela faixa etária dele e quadro clinico eu pensaria que a ceftriaxona sozinha já resolve. Mesmo que eu saiba que é pneumococo eu posso manter a ceftriaxona, até poderia ir pra uma penicilina, eu vou ter que fazer de 4 em 4 horas cada dose, sendo mais complicado pra equipe, dá mais flebite, mais efeitos colaterais no local. Aqui eu mantenho ceftriaxona e dou duas doses num dia. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e ParasitáriasMedicina – UFOB Caso clínico 2 RN, sexo masculino, de 15 dias, evoluindo com febre, choro fácil e abaulamento de fontanela há 02 dias. Discussão: Não há necessidade de realizar uma TC antes da punção, pois ele não tem nenhum sinal que indique ser necessário. Então dá pra fazer a punção lombar sem TC antes. Resultado do exame de líquor: ▪ Celularidade: 800 cel/mm³ (70% de PMN) ▪ Glicose: 31 mg/dL ▪ Proteínas: 84 mg/dL ▪ Gram: aguardando [?] Diagnóstico? Meningite. A celularidade está aumentada, a glicose baixa, mas não tem como afirmar só com isso se é bacteriana ou viral. Nesse caso eu tenho que encarar como bacteriana e tratar. Existe um grande risco de eu não tratar uma meningite bacteriana. [?] Quais os prováveis patógenos dessa meningite? Em neonatos, Strepto do grupo B, E. coli e Listeria monocytogenes. [?] Tratamento? Posso usar Ampicilina+Gentamicina ou Cefotaxima+Ampicilina. Digamos que veio o resultado do Gram: Essa é a Listeria monocytogenes (bacilo gram-positivo), que pode ter essa característica pleomórfica no gram. Então vejam que, nesse caso, é uma meningite bacteriana, mas a celularidade foi de 800. O que é bem plausível. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Caso 3 Homem, 10 anos, em uso de derivação ventrículo-peritoneal* (hidrocefalia), evoluindo com febre há cerca de 10 dias, sem foco aparente. Discussão: Em qualquer corpo estranho que a gente tenha (prótese ortopédica, válvula cardíaca, DVP...) existe sempre o risco de infecção. Não precisa de tomografia para esse paciente, antes da punção. Então dá pra fazer a punção lombar sem TC antes. Resultado do exame de líquor: ▪ Celularidade: 2.000 cel/mm³ (65% de PMN) ▪ Glicose: 15 mg/dL ▪ Proteínas: 150 mg/dL ▪ Gram: aguardando. [?] Diagnóstico? É mais provável que seja meningite bacteriana! [?] Quais os prováveis patógenos dessa meningite? uma criança com DVP, pode ser Estafilococo beta-coagulase negativa (S. epidermidis), Staphylococcus aureus, os Bacilos gram-negativos, principalmente Pseudomonas. [?] Tratamento? Vancomicina+Cefotaxima ou Vancomicina+Cefepima. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Caso clínico 4 Mulher, 48 anos, branca, dona de casa. Segundo acompanhante há 4 dias ela apresenta cefaleia occipital de forte intensidade de caráter intermitente, sem irradiação. Há 2 dias febre alta, mas não aferida, náuseas e vômitos. E há 1 dia, queda do estado geral, dificuldade de deambulação, não reconhecimento de familiares e comportamento inadequado (agressividade). Exame físico: Estado geral ruim, hipocorada +/4+, hidratada, acianótica, anictérica. PR: 96bpm, FR: 21 ipm, PA: 130x90 mmHg, Temp axilar: 38,7Cº Exame neurológico: M (Estado mental): Glasgow 10 (O: 3 V:2 M:5) N (Pares cranianos): pupilas isocóricas e fotorreagentes R (reflexos): diminuição da força muscular em hemicorpo esquerdo M (Motricidade): # S (Sensibilidade): # Rigidez de nuca Discussão: A paciente apresenta febre e diminuição de força muscular no hemicorpo esquerdo (sinal focal) além de alteração do comportamento. [?] Diagnóstico? Esse quadro é sugestivo de Encefalite! Importante lembrar que nesses casos é preciso primeiro de um exame de imagem, , porque nessa circunstância pode-se ter uma lesão focal com edema associado e risco de herniação. Se houver disponibilidade para estudar especificamente a etiologia, é possível por exemplo colher o líquor e fazer um PCR de vírus (quadro de encefalite é muito mais provável que seja viral). [?] Tratamento? Deve-se iniciar o tratamento empírico para herpes simples, pois é o patógeno mais comum da encefalite. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Caso clínico 5 Homem, 27 anos, evoluindo com cefaleia súbita há cerca de 12 horas. Ao exame: rigidez de nuca. Discussão: Na apresentação das meningites, dificilmente haverá cefaleia súbita. Além disso, dificilmente haverá convulsão. Tanto a cefaleia súbita, quanto a convulsão muito precoce não é o clássico da meningite bacteriana. As patologias que cursam com cefaleia súbita são AVC (geralmente o hemorrágico), hemorragia subaracnóidea (um tipo de AVC), glaucoma de ângulo fechado... O importante é ter em mente que meningite dando cefaléia súbita é improvável. [?] Diagnóstico? Esse caso é mais provável que seja um AVC hemorrágico, ou uma hemorragia subaracnoidea, que também podem causar rigidez de nuca. O sangue no espaço subaracnoide pode causar irritação das meninges, gerando uma meningite não infecciosa. A conduta é fazer uma TC primeiro e, se não for conclusivo, puncionar. Lembrando que o diagnóstico de hemorragia subaracnoidea pode ser feito pela punção também! Caso clínico 6 Menina, 7 anos, evoluindo com cefaleia holocraniana intensa e vômitos há cerca de 2 dias. Foi feita a punção lombar que evidenciou: ▪ Células: 75 cel/mm3 (predomínio de polimorfonucleares) ▪ Glicose: 50 mg/dL ▪ Proteínas:120 mg/dL Discussão: Não teria necessidade de puncionar nesse caso, pois não fechava a tríade de meningite bacteriana, então era viral, não precisava ter puncionado! Claro que mesmo na ausência de quadro, pode haver algo que lhe chame a atenção e te faça puncionar, mesmo estando fora das evidências. Entretanto não dá para jogar fora as evidências e sair puncionando todo mundo, porque é possível que a pessoa não tenha nada e ainda acabar tendo uma complicação da punção, como uma fístula liquórica, que por sua vez pode causar cefaleia pós-puncional (cefaleia que piora quando o paciente fica em pé e melhor quando ele está deitado), pode ter ainda uma radiculite quando se faz a punção em uma raíz nervosa (leva uns dias para melhorar). Se houvesse no quadro uma febre, o que ainda não tornaria o quadro muito específico na verdade, e na ausência de outra explicação e depois de uma observação aí eu poderia puncionar, porque a febre abre a possibilidade de uma meningite bacteriana. [?] Diagnóstico? Meningite viral! Uma viral pode ter predomínio de polimorfonucleares no início.
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