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Bruxaria entre os Azandes

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1 
Conceitos sobre a bruxaria Azande 
Marcela de Souza Silva1 
RESUMO 
Evans-Pritchard em seu livro “Bruxaria, Oráculo e Magia entre os Azandes” traz à reflexão 
sobre a misticidade nos povos. Entre os azande a bruxaria é um valor que está presente no 
cotidiano de cada um. Mas será que os bruxos tem consciência de seus atos? Por quê? Por que 
paira uma aura de mistério para os Azandes a respeito da bruxaria? Saiba porque entre os 
azandes a bruxaria se transforma em uma moral coletiva. 
PALAVRA-CHAVE 
Antropologia; Bruxaria; Azande; Moral coletiva; 
 
Pela bruxaria, nos Azandes, resgatamos características elementares da estrutura social. 
Quando o oráculo de veneno acusa alguém acontece uma culpa moral (EVANS-
PRITCHARD, 83). Para haver essa culpa moral, isto é, um sentimento que é encontrado em 
algo que é coletivo e não individual, é preciso que haja um conjunto de valores comuns em 
uma dada sociedade, no caso, na Azande. E é o que acontece na descrição de Evans-Pritchard. 
O veredito do oráculo de veneno é um ato social que implica uma sanção, dentro de uma 
moralidade social estabelecida, ou seja, o julgamento do ato derivado das regras de condutas, 
o qual requer uma sanção. Esta sanção na descrição de Evans-Pritchard está em assoprar com 
água a asa da galinha que o nativo recebeu no ritual (idem, 85) de forma humilde e sincera. 
Ato que por si só representa todo um conjunto de valores éticos e morais para esta sociedade. 
Porém, quando um nativo não aceita o veredicto do oráculo também acontece uma nova 
sanção, isto é, o sujeito é ridicularizado, e pode acabar por ser considerado por todos com um 
bruxo com más intenções (ibidem). 
Devido a bruxaria representar um poder simbólico e político, pois é um meio de 
dominação. Tanto a bruxaria como a instituição do oráculo de veneno representam um poder 
simbólico e político. Ela, a bruxaria, está baseada no uso da força, como no uso do poder, seja 
pelo tradicional – na figura do príncipe -, ou pelo elemento do coercitivo (EVANS-
PRITCHARD, 86) – como diria Weber é um tipo de dominação carismática (WEBER, 107). 
Se para Hobbes era preciso um Leviatã, o povo zande encontrou na bruxaria o seu bruxo 
leviatã. Sem dúvidas, a bruxaria é um elemento de coerção entre os homens zande. 
 
1 Marcela de Souza é graduanda do Curso de Ciências Sociais na Universidade Federal do Maranhão. 
 2 
É costumeiro - e considerado polido e amigável - que, quando uma pessoa vá visitar 
um amigo enfermo, pare à porta da cabana deste e peça à sua esposa que traga água 
numa cabaça. O visitante toma um gole, bochecha e sopra a água em jorro sobre o 
solo, dizendo: "ó, Mbori, este homem que está doente, se sou eu que o está matando 
com minha bruxaria, que ele se recupere." Deve-se observar, contudo, que tal 
discurso é mera formalidade, e embora ele sugira o reconhecimento cultural da 
possibilidade de um homem prejudicar outrem inconscientemente, seria errado 
deduzir que o homem que disse aquelas palavras tenha alguma dúvida sobre sua 
própria inocência no caso. Segundo as noções azande, é quase certo que um bruxo 
não iria visitar um homem que ele próprio embruxou. (EVANS-PRITCHARD, 87). 
Esse espectro, a bruxaria, nos deixa admirados pela capacidade de envolver a 
sociedade zande. Ela ao mesmo tempo aproxima e distancia a comunidade, pois percebemos 
que um se preocupa com o outro, principalmente pela relação da bruxaria, já que nunca se 
deseja que aconteça a bruxaria, mas é sabido que ela sempre existirá. Por esse motivo a 
bruxaria está tão envolvida na vida cotidiana e na cultura dos Azandes, ela deve orientar a 
sociabilização de crianças e jovens, isto é, representa um meio disciplinador que orienta os 
novos integrantes da sociedade zande como viver (idem, 85). 
Quando Evans-Pritchard pergunta “os bruxos tem consciências de seus atos?” fica 
claro que ele percebe essa estrutura social e política da sociedade zande em respeito à bruxaria 
como uma instituição reguladora da moral. Há diversas características entre os zande que 
demostram que há momentos em que um bruxo é consciente ou não de sua bruxaria. Por 
exemplo, para um critério de consciência da bruxaria; o bruxo zande sabe que existe a 
hereditariedade da bruxaria – neste caso é feito autopsias em sua parentela para chegar ao 
elemento da bruxaria encontrado dentro da barriga (idem, 88). Outro momento em que o 
bruxo pode ser consciente de sua bruxaria é nas repetidas acusações do oráculo de veneno 
(84). Ou até mesmo pelo critério transcendente da bruxaria. Como descreve Evans-Pritchard: 
A maneira pela qual os bruxos realizam seus feitos é um mistério para os Azande, e 
como eles não podem derivar das atividades normais da vigília nenhum material 
sobre o qual basear uma teoria da ação da bruxaria, terminam apoiando-se na noção 
transcendental de alma. Os sonhos são sobretudo percepções de bruxarias; em 
sonhos, um homem pode ver e falar com bruxos. Mas para um zande a vida onírica é 
um mundo de nebulosas interrogações. Por isso se pode entender por que um 
homem acusado de embruxar alguém hesita em negar a acusação, chegando até a se 
convencer por algum tempo dessa evidente inverdade. Ele sabe que muitas vezes os 
bruxos estão dormindo quando a alma de sua substância-bruxaria parte em sua 
empresa macabra; talvez quando ele estava dormindo, inconsciente, algo desse tipo 
tenha acontecido, e sua bruxaria funcionara independentemente de sua consciência. 
Em tais circunstâncias, um homem pode perfeitamente ser um bruxo e não saber 
disso. Contudo, nunca soube de um zande que admitisse sua bruxaria. (idem, 86) 
Ou seja, a bruxaria é transcendente ao indivíduo, pois a qualquer momento ela pode se 
revelar e poderá até manifestar-se sem a autorização do sujeito, mas o mesmo sabe que é 
possível isso acontecer. Já para os critérios de inconsciência da bruxaria, Evans-Pritchard 
descreve que pode acontecer através dos sonhos, já que estes são a própria inconsciência 
 3 
(segundo Freud o inconsciente diversas vezes se manifesta pelos sonhos), podendo até 
embruxar alguém por esse meio (idem, 86). Outra maneira de ser um bruxo inconsciente de 
sua bruxaria é pela incerteza da bruxaria na barriga (idem, 84). E outro modo é por meio da 
responsabilidade moral, isto é, quando um sujeito é acusado pelo veredicto do oráculo de 
veneno, ele tem de assumir que é culpado, se desculpar e soprar água na asa da galinha. Nesse 
ritual, segundo Evans-Pritchard, é muito provável que o indivíduo assuma a culpa, pelo efeito 
coercitivo do processo, mesmo sem que ele seja culpado, pois “o oráculo de veneno não erra” 
(idem, 86). 
Contudo, é notável como a análise desse sistema de crenças não somente estabiliza e 
harmoniza a ordem social, mas é racional e coerente. “Evans-Pritchard demostra que 
pensamento e fé não são processos abstratos, fora dos eventos concretos da vida de cada dia, 
mas uma parte inseparável desses eventos” (ERIKSEN & NIELSEN, 88). A de se ressaltar 
que ele demostra o conhecimento ou as crenças são produtos sociais em toda parte. A 
antropologia de Evans-Pritchard está relacionada as organizações sociais internas nas 
sociedades, por isso epistemologicamente a antropologia de Evans-Pritchard se orienta pelas 
representações institucionais. 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
WEBER, Max. Conceitos Básicos de Sociologia. São Paulo: Editora Moraes, 1987. 
ERIKSEN, Thomas & NIELSEN, Finn. História da Antropologia (sobre Evans-Pritchard p. 
72 e 73; 87-89). 2° ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2007. 
EVANS-PRITCHARD, E.E. Bruxaria, Oráculo e Magia entre os Azandes. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar, 2005. 
LAPLANTINE, François.Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.

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