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Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática
Gregorio F. Baremblitt 
 
5ª.ed. 
Belo Horizonte, MG: Instituto Felix Guattari, 2002 (Biblioteca Instituto Félix Guattari; 2) 
Baremblitt, Gregorio F. (2002) Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática, 5ed., Belo Horizonte, MG: Instituto Felix Guattari (Biblioteca Instituto Félix Guattari; 2)
Copyright 1992 by Gregorio Baremblitt 1 ª edição: Editora Record, 1992
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SUMÁRIO 5
INTRODUÇÃO.............. 11 
CAPÍTULO I: O movimento institucionalista, a auto-análise e a autogestão..............13 
CAPÍTULO 11: Sociedades e instituições..............25 
CAPÍTULO III: As histórias..............37 
CAPÍTULO IV: O desejo e outros conceitos no institucionalismo..............53 
CAPÍTULO V: As tendências mais conhecidas do institucionalismo..............71 
CAPÍTULO VI: Roteiro para uma intervenção institucional padrão..............90 
CAPÍTULO VII: O institucionalismo na atualidade..............108 
GLOSSÁRIO..............133 
APÊNDICE..............174 
POST-SCRIPTUM..............195 
BIBLIOGRAFIA BÁSICA..............205 
BIBLIOGRAFIA DE CONSULTA..............207 
AGRADECIMENTOS 
No referente à primeira edição deste livro, o autor dá aqui testemunho de sua profunda gratidão: ao Dispositivo Instituinte de Minas Gerais, Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, João Bosco Castro Teixeira, Cibele Ruas de MeIo, Alfredo Martin e alunos do curso do qual o livro foi uma versão. 
Nesta quinta edição, o autor exprime seu agradecimento à Margarete A. Amorim, que realizou inúmeras tarefas que pos​sibilitaram sua publicação e distribuição, assim como à Luisella Ancis, que fez a tradução de novos capítulos, Nina Rosa Magnani, que colaborou com a revisão, e Luciana Tonelli, que fez a revisão final. O autor também agradece aos membros e funcionários do Instituto Félix Guattari de Belo Horizonte pelas diversas contri​buições. Todos eles aportaram sua ajuda generosamente. 
O autor é grato a todos os amigos: professores universi​tários, pesquisadores, profissionais, estudantes e militantes da autogestão que colaboraram na distribuição das diversas edições deste escrito. 
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INTRODUÇÃO 
Este livro corresponde à versão escrita de um curso pro​ferido em Belo Horizonte no decorrer de 1990, organizado pelo Movimento Instituinte de Minas Gerais. Curso que, por sua vez, foi requerido para atender ao crescente interesse pelo Movimento Institucionalista ou Instituinte no Brasil e facilitar o acesso aos textos dos fundadores das diferentes correntes. Os seis primei​ros capítulos correspondem às seis aulas que compuseram o cur​so, enquanto o último foi escrito como artigo independente, ain​da inédito. 
O Movimento Institucionalista é um conjunto heterogê​neo, heterológico e polimorfo de orientações, entre as quais é possível se encontrar pelo menos uma característica comum: sua aspiração a deflagrar, apoiar e aperfeiçoar os processos auto-ana​líticos e autogestivos dos coletivos sociais. 
Essa vocação libertária, o estatuto epistemológico e jurí​dico absolutamente singular e a infinita variedade de tendências que compõem o Movimento tornam extremamente difícil a tare​fa de ensiná-lo. Se se deseja ser coerente com os valores do Mo​vimento, sua Pedagogia exige uma originalidade da qual já exis​tem muitas tentativas, mas que, ao mesmo tempo, ainda está para ser produzida. 
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Este curso, proferido com uma metodologia tradicional, tem apenas o propósito de aproximar os leitores das finalidades e recursos mais conhecidos e do panorama atual do Institucionalismo. Mais informativo que formativo, foi inspira​do pelo desejo de estender e facilitar um saber e um fazer com​plexo e arriscado, mas, no meu entender, importantíssimo para o povo brasileiro. 
Apesar da superficialidade e rapidez com que os densos temas são apresentados, acredito que este livro seja estimulante, discretamente esclarecedor e ainda minimamente instrumental para os futuros institucionalistas. Para quem decidir continuar, ou, sejamos realistas, começar verdadeiramente sua formação nesta fascinante proposta, a bibliografia final, integrada predo​minantemente por textos em português e castelhano encontráveis no Brasil, proverá boa parte da diretriz indispensável para tal fim. 
Entre as escolas não-incluídas neste volume devido à sua proposta introdutória, devo destacar as correntes latino-ameri​canas de Pichón-Riéver, Bleger, Ulloa, Malfe, Bauleo, Kaminsky, Pavlovsky, De Brasi, Matrajt, Scherzer e tantos outros aos quais me proponho a destinar, em algum momento, um livro especial. 
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Capítulo I 
O MOVIMENTO INSTITUINTE, A AUTO-ANÁLISE E A AUTOGESTÃO 
No início devemos esclarecer que esse livro não terá o nível que alguns esperariam, pois se procura apresentar uma exposição de nível médio, para ser entendida pelo maior número possível de pessoas. 
Vamos tratar do chamado Movimento Institucionalista ou Instituinte que, como o nome aproximativamente indica, é um conjunto de escolas, um leque de tendências. Não existe nenhuma escola ou tendência que possa dizer que encarna plenamente o ideário do Movimento Instituinte. Contudo, pode-se encontrar em diversas dessas escolas algumas características em comum. E é a essas características em comum que eu gostaria de referir-me agora, da maneira mais simples e mais didática possível. Em capítulos sucessivos, teremos ocasião de complicar as coisas... Agora, a intenção é, predominantemente, simplificá-las. 
Entre as características presentes em todas as tendências do Movimento Instituinte, há algumas que são relativamente fáceis de se colocar. Eu diria que existe o que se chama de "ideais máximos" do Movimento. Podemos chamar a isto também de 
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propósitos mais importantes, os objetivos mais ambiciosos dessas escolas. Os mesmos podem ser enunciados através de duas palavras aparentemente simples, mas que são, como veremos depois, muito complexas. 
As diferentes escolas do Movimento Instituinte se propõem a propiciar, apoiar e deflagrar nas comunidades, nos coletivos e conjuntos de pessoas processos de auto-análise e de autogestão. O que significam essas palavras? 
Depois, compreenderemos com mais detalhes que os processos de interação humana, os processos de funcionamento social, têm sido sempre muito complexos. Mas em nossa civilização chamada industrial, capitalista ou tecnológica, a complexidade da vida social atingiu seu máximo expoente em toda a história da humanidade. Se compararmos, por exemplo, uma organização social dita "primitiva", ou uma organização imperial, despótica, ou uma medieval com a nossa sociedade moderna, o grau de complexidade, de diversidade que as sociedades modernas atingem é infinitamente superior ao daquelas civilizações, apesar delas não serem nada simples. Acontece, então, que nossa época, nossa civilização, além de se caracterizar por uma grande diversidade, uma grande complicação interna, caracteriza-se também por, de fato, ter produzido uma soma de saberes que propiciou, nesses últimos duzentos anos, uma "evolução" maior do que a humanidade havia conseguido em dois mil anos; ou seja, houve um processo de produção de conhecimento e de aplicação do mesmo muito intenso. 
Esse saber, como ninguém ignora, resultou em aplicações tecnológicas que aceleraram o chamado "progresso" em igual proporção. E o progresso trouxe uma grande complexidade. Além desses conhecimentos produzidos pelas ciências da natureza, ciências formais, aplicações tecnológicas, existem disciplinas que versam sobre a organização social em si mesma. Ou seja, nossa civilização tem produzido um saber acerca de seu próprio funcionamento como objeto de estudo e tem gerado profissionais, intelectuais, experts que são os conhecedores dessa estrutura e do processo dessa sociedade em si. Esses conhecedores têm-se colocado, em geral, a serviço das entidadese das forças que são dominantes em nossa sociedade. Por exemplo, a serviço daquela instituição que representa o máximo 
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da concentração de poder, o extremo de concentração de controle e de hegemonia sobre a sociedade, que é o Estado. Além disso, por outro lado, já dentro da sociedade civil, esses experts têm-se colocado a serviço das grandes entidades proprietárias da riqueza, do poder, do saber e do prestígio, que são as organizações corporativas, as empresas nacionais e multinacionais etc. Essa situação, em que os "sábios", os conhecedores da estrutura e do processo da vida social estão predominantemente a serviço do Estado e das empresas, tem tido como conseqüência que os povos – em sentido amplo, a sociedade civil – têm-se visto despossuídos de um saber que tinham acumulado através de muitos anos acerca de sua própria vida, de seu próprio funcionamento. Esse saber, criado e acumulado pelas comunidades sociais durante tantos anos de experiência vital, a partir do surgimento do saber científico e tecnológico, fica relegado, colocado em segundo plano, como se fosse rudimentar e inadequado. Tanto é assim que temos técnicos que costumam chamá-lo de ideologia, num sentido vago, geral, visando a qualificá-lo como um falso conhecimento, pobre, infundado ou, no melhor dos casos, insuficiente. Então, as comunidades de cidadãos têm visto esse saber subordinado ao saber dos experts. Junto com seu saber, elas têm perdido o controle sobre suas próprias condições de vida, ficando alheias à espacidade de gerenciar sua própria existência. Elas dependem, então, quase incondicionalmente, dos organismos do Estado, empresariais, do saber e de serviços dos experts. E a quais experts refiro-me? Aos dos ramos produtivos, primários, secundários e terciários, aos especialistas de produção de bens materiais, ou seja, comida, vestuário, moradia, transporte: aqueles bens materiais indispensáveis à sobrevivência. Toda a produção desses bens está dirigida, gerenciada por "especialistas". Mas noutro plano, refiro-me aos problemas de saúde, de educação, aos assuntos familiares, aos psicológicos e subjetivos, em geral; às questões relativas ao lazer, às que atingem a comunicação de massa, aos assuntos próprios da religião. Cada um desses campos, cada um dos serviços que se prestam nessas áreas, os bens que se produzem e administram nesses territórios, ou seja, sua quantidade, sua qualidade, sua necessidade, sua conveniência, tudo é decidido pelos experts, é arbitrado por quem se supõe que saiba e conheça sobre o assunto. O mesmo acontece no plano de administração da justiça, nos tribunais, com os 
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advogados, despachantes, registros civis, leis: tudo isso feito por experts e administrado por eles. E o que falar do exercício da força, no sentido literal, porque todas essas outras entidades também usam da força, senão da força física, da força da persuasão, da força da sedução, mas o uso da força física está reservado a organizações como a polícia, as forças armadas, que também têm seus especialistas, oficiais, delegados, guardas etc. É claro que os experts conhecem e decidem prevalentemente segundo os interesses das classes, níveis hierárquicos e grupos dominantes aos quais pertencem parcialmente. Mas não se deve sempre supor uma intenção deliberada dos técnicos nesse sentido. Acontece, como veremos, que seu saber em si mesmo já está produzido por instrumentos e gera resultados que privilegiam os interesses e desejos citados. 
Então, o que acontece? 
Há um conceito básico que vamos ver depois, na Análise Institucional e em outras escolas do Institucionalismo, que se chama demanda. É possível afirmar que as comunidades ou coletividades têm necessidades básicas indiscutíveis e universais. Essas necessidades são colocadas diariamente através de demandas espontâneas, através da exigência de produtos e de serviços correspondentes. Essa idéia é uma das tantas que vai ser questionada pelo Institucionalismo, porque ele vai tentar mostrar que em todas as épocas da história, mas particularmente na nossa, não existem necessidades básicas "naturais"; não existem demandas "espontâneas", pois em todas e em cada uma dessas organizações que acabamos de descrever, a noção das necessidades é produzida, assim como a demanda é modulada; isto é, aquilo que os povos pensam que todos os membros de uma população e todos os povos do mundo precisam como "mínimo" não existe. Esse "mínimo" é gerado em cada sociedade e é diferente para cada segmento da mesma. Mas ainda dentro do condicionamento histórico, as comunidades que têm alguma noção vivencial acerca de suas necessidades a perdem, de modo que já não sabem mais do que precisam e não demandam o que "realmente" aspiram, mas acham que necessitam daquilo que os experts dizem que elas necessitam e acham que pedem o que querem e como querem, mas, na verdade, precisam, querem e pedem o que lhes inculcam que devem necessitar, desejar e solicitar. É, então, muito evidente que nossos coletivos estão, 
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atualmente, nas mãos de um enorme exército de experts que acumulam o saber que lhes permite fazer com o que as pessoas achem que precisam e solicitem aquilo que os experts dizem que precisam e que os grupos e as classes dominantes lhes concedem. Então, os coletivos têm perdido, têm alienado o saber acerca de sua própria vida, a noção de suas reais necessidades, de seus desejos, de suas demandas, de suas limitações e das causas que determinam essas necessidades e essas limitações. Eles têm perdido um certo grau de compreensão e o controle sobre que tipos de recursos e formas de organização devem dispor para colocar e resolver seus problemas. Mal podem organizar-se para resolver seus problemas se não conseguem saber, com precisão, quais são seus verdadeiros problemas e o que se requer para resolvê-los. 
Falei que poderíamos enunciar dois objetivos básicos do Institucionalismo, um deles seria a auto-análise e o outro a autogestão. Agora já podemos explicar um pouco melhor em que consistiria o primeiro deles. A auto-análise consiste em que as comunidades mesmas, como protagonistas de seus problemas, necessidades, interesses, desejos e demandas, possam enunciar, compreender, adquirir ou readquirir um pensamento e um vocabulário próprio que lhes permita saber acerca de sua vida, ou seja: não se trata de que alguém venha de fora ou de cima para dizer-lhes quem são, o que podem, o que sabem, o que devem pedir e o que podem ou não conseguir. Este processo de auto-análise das comunidades é simultâneo ao processo de auto-organização, em que a comunidade se articula, se institucionaliza, se organiza para construir os dispositivos necessários para produzir, ela mesma, ou para conseguir os recursos de que precisa para a manutenção e o melhoramento de sua vida sobre a terra. Na medida em que essa organização é conseqüência e, ao mesmo tempo, um movimento paralelo com a compreensão dada pela auto-análise, ela também não é feita de cima para baixo, nem de fora, mas elaborada no próprio seio heterogêneo do coletivo interessado. Essa auto-análise e essa autogestão não significam necessariamente que os coletivos devam prescindir por completo dos experts porque, sem dúvida, com sua disciplina e seus instrumentos, eles têm acumulada uma quantidade de conhecimento importante e não inteiramente alienado, não necessariamente distorcido, ou seja: produtivo. Mas os experts 
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devem submeter seu saber, suas glórias, seus métodos, suas técnicas, suas inserções sociais como profissionais a uma profunda crítica que os faça separar, dentro dessas teorias, métodos e técnicas, dentro dos organismos aos quais pertencem, o que é produto de sua origem, de sua pertença ao bloco dominante das forças sociais e o que pode ser útil a uma auto-análise, a uma auto gestão, da qual os segmentos dominados e explorados sejam protagonistas. Para poderem efetuar essa autocrítica, os experts não podem fazê-lo no seio de suas torres de marfim, não podem fazê-lo nas academias ou exclusivamente nos laboratóriosexperimentais. Eles têm que entrar em contato direto com esses coletivos que estão se auto-analisando e autogestionando para incorporar-se a essas comunidades desde um estatuto diferente daquele que tinham. Esse estatuto deve resultar de uma crítica das posições, postos, hierarquias que eles têm dentro dos aparelhos acadêmicos ou jurídico-políticos do Estado, ou ainda das diretivas das grandes empresas nacionais e multinacionais. Eles têm de reformular sua condição profissional, seu saber específico. E só conseguirão reformulá-los numa gestão, num trabalho feito em conjunto com essas comunidades e na mesma relação de horizontalidade com que qualquer membro dessa comunidade o faz. Isso permitirá que, eventualmente, os experts, quando a comunidade conseguir organizar-se, tenham algum lugar dentro das organizações específicas que a comunidade se deu a si mesma para esses fins. Então seu saber, sua capacidade e sua potência produtiva estarão plenamente integrados ao movimento de auto-análise e auto gestão dessa comunidade. Eles poderão assim reformular, aprendendo e ensinando seu saber e sua eficiência nessa nova e inédita situação. À parte dessa reinvenção de sua disciplina, os experts poderão aprender como eles serão capazes de propiciar outros movimentos autogestivos e auto-analíticos quando forem chamados a participar. 
Esta é uma explicação sucinta dos propósitos fundamentais do Movimento Institucionalista que são sistematicamente compartilhados por todas as tendências que o integram. Ao mesmo tempo em que são os objetivos principais das propostas instituintes, eles são também os próprios meios para realizá-las. Por isso, é importante que esses dois objetivos e meios sejam não apenas superficial, mas profundamente conhecidos pelos leitores. 
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É óbvio que autogestão e auto-análise são dois processos simultâneos e articulados. Por quê? Porque auto-análise, para as comunidades, significa a produção de um saber, do conhecimento acerca de seus problemas, de suas condições de vida, suas necessidades, demandas etc., e também de seus recursos. Mas até para que a auto-análise seja praticada pelas comunidades, elas têm que construir um dispositivo no seio do qual essa produção seja realizável. Elas têm que organizar-se em grupos de discussão, em assembléias; elas têm que chamar experts aliados para colaborarem; elas têm que se dar condições para produzir esse saber e para desmistificar o saber dominante. Ao mesmo tempo, tudo o que elas descobrirem neste processo de auto-conhecimento só terá uma finalidade: a de auto-organizar-se para que possam operar as forças destinadas a transformar suas condições de existência, a resolver seus problemas. Mas não pode haver uma organização sem um saber; não pode haver um saber sem uma organização. São dois processos diferenciados, mas eles são concomitantes, simultâneos, articulados. 
Costuma-se crer que os processos autogestivos implicam uma falta completa de denominações, hierarquias, quadros, especificidades etc. Na realidade, é difícil pensar qualquer processo organizativo que não inclua uma certa divisão do trabalho e que não implique uma certa hierarquia de decisão, de deliberação. Esses são funcionamentos inerentes a qualquer processo produtivo. Deverão, então, existir hierarquias, gerências. Mas a existência de hierarquia não implica diferença de poder; não equivale a privilégio ou arbitrariedade na capacidade de decidir. Implica apenas uma certa especialização em algumas tarefas, porque estes dispositivos estão feitos de tal maneira que as decisões de fundo são tomadas coletivamente. Em todo caso, os quadros hierárquicos não são mais que expressão da vontade consensual. São executores. Mas não são executores do mandato das elites mediatizado por organismos burocráticos, por correias de transmissão. Na autogestão os coletivos mesmos deliberam e decidem. Eles têm maneiras diretas de comunicar as decisões. Existem hierarquias moduladas pela potência, peculiaridades e capacidade de produzir; mas não há hierarquias de poder, ou seja, a capacidade de impor a vontade de um sobre o outro. 
Contudo, é evidente que o Institucionalismo, tanto quanto os processos auto-analíticos, são produtores de conhecimentos, 
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e que todo saber envolve, necessariamente, um poder, e ambos não são homogeneamente distribuídos. Mas este saber é um saber coletivo, produzido, distribuído e exercitado na vida coletiva. Na topografia deste saber, existem alguns elementos essenciais que são compartilhados por todo mundo. Então, quando esse saber compartilhado é delegado a alguns que se especializam nessa questão, já não é um saber produzido fora dos interesses e desejos do coletivo, já não é um saber que vai cair de cima para baixo, de fora para dentro. É já uma delegação, porque foi produzido dentro, por alguns especialistas no assunto, em estreita colaboração com os diretamente interessados nos benefícios que esse saber e suas aplicações terão, uma vez realizados. 
Isso garante que esses especialistas são verdadeiramente "especiais": delega-se a eles um saber que é a expressão dos interesses e das capacidades essenciais do coletivo. O coletivo conserva um saber básico acerca de seu campo que lhe permite julgar quando o especialista está exercitando o seu poder com sentido instituinte-organizante, e então a serviço do coletivo, ou, pelo contrário, de ambições de segmentos individualistas etc. Vou dar um típico exemplo da medicina, embora haja mil exemplos, muitos dos quais não poderemos mencionar aqui porque são muito complexos e extensos para expor. Quem conhece a situação da saúde no Brasil sabe perfeitamente que nosso país não precisa prioritariamente de, digamos, tomógrafos computadorizados, pelo menos a nível de sua problemática prevalente atual. O que o Brasil precisa é de uma política de saúde que não começa nem acaba no campo da medicina. Seus problemas, que têm efeitos médicos, têm suas causas diretas nos problemas de habitação, alimentação, vestuário e saneamento básico. Disso todos os experts sabem, o que não impede que a ênfase da política de saúde no Brasil esteja colocada na assistência e não na prevenção, principalmente se por prevenção entende​se algo que modifique radicalmente as condições de vida da população. Entretanto, há muitos centros paulistas e cariocas que se orgulham de ter os mais modernos aparelhos para resolver ou diagnosticar uma problemática altamente específica, circunscrita, que afeta 0,5% da população. Acontece que o povo, as organizações de base, não podem questionar de maneira eficiente as políticas médicas do Brasil porque a primeira coisa 
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que lhes seria respondida é que não sabem. Mas o que acontece quando o coletivo revitaliza seu saber, revaloriza o saber espontâneo que ele tem acerca do que precisa? Os índios têm, as comunidades negras têm, as comunidades das montanhas têm, as comunidades da planície têm, todo mundo tem um saber espontâneo acerca de quais são os sofrimentos, quais são as enfermidades e como devem ser tratadas, pelo menos, basicamente. Assim, também eles sabem quais problemas devem ser abordados – mesmo que não se exprimam em sofrimento, ou quando o sofrimento ainda não tenha se tornado doença, não devendo ser tratado como tal. Desde logo este saber também desconhece muita coisa, mas isso não pode afirmar-se a priori. Só que esse saber é permanentemente desqualificado pelo saber acadêmico, que atua predominantemente a serviço de interesses estatais, nacionais e multinacionais dominantes – um saber consubstancial com esses interesses. 
A primeira operação que as comunidades devem fazer é recuperar, revalorizar o saber espontâneo que elas têm sobre seus problemas; a segunda operação deve ser feita em conjunto com os experts, ajudando-os a criticar essa orientação – essa medula dominante reacionária-que o saber médico (nesse caso) e suas técnicas têm. Sobretudo em termos de hierarquização de prioridades: o que vem primeiro e o que vem depois, o que é prioritário e o que é secundário. Uma vez queo expert, integrado à comunidade, demonstra a capacidade de contribuir, em pé de igualdade, para este trabalho de reformulação, pode-se delegar a ele algumas áreas do saber com menos perigo de que ele o transforme em poder, e não numa potência de colaboração com o coletivo. Nesse caso, o coletivo já não está desqualificado – ele sabe julgar o que se faz e o que se acha que se sabe. Isso não descarta que possam acontecer novamente problemas de concentração de saber e de poder, porque este processo de auto-conhecimento e autogestão é interminável. Provavelmente, haverá necessidade de muitas gerações autogestivas e auto-analíticas para que o processo possa exercitar-se em sua plenitude. Se bem que este caminhar está orientado por uma Utopia Ativa que não está colocada num futuro longínquo, senão em cada ato do cotidiano. Como já dissemos, existiram e existem numerosas tentativas auto-analíticas e autogestivas que não apresentam o caráter purista que a gente pode imaginar em sentido abstrato. Por exemplo, as comunidades 
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eclesiásticas de base: pode-se dizer que têm um espírito institucionalista complexamente integrado a aspectos libertários do Cristianismo, embora limitados pelos processos burocráticos da Igreja Católica. Isso abre um tema que eu teria gostado de tratar neste primeiro capítulo, mas acho que vai complicar um pouco as coisas, porque eu queria enfatizar os conceitos essenciais básicos. Mas, enfim, em que consiste o tema aqui levantado? O Movimento Institucionalista reconhece uma gênese histórico​-social e uma gênese conceitual. A primeira é a história de todas as tentativas que houve na história da humanidade e as que hoje existem e exercitam um Institucionalismo espontâneo. Um desses movimentos é o das comunidades eclesiásticas de base no Brasil e em outros países. Mas muitas iniciativas autogestivas já existiram, existem e vão existir, e não precisam do Institucionalismo para se desenvolverem. O Institucionalismo é alguma coisa assim como o resultado do ensinamento dessas iniciativas históricas sobre os próprios experts. Nós, os experts – médicos, engenheiros, advogados, comunicólogos, psicólogos etc –, temos aprendido que isso existe e que poderíamos colaborar para seu desenvolvimento a partir das experiências históricas que já existiram neste sentido e das que estão existindo e se desenvolvem perfeitamente ou dificilmente sem a nossa participação. Por outro lado, a gênese conceitual refere-se ao campo das idéias, conceitos e funções: todas aquelas teorias, conceitos, idéias, categorias que têm sido produzidas pela humanidade no decorrer da história do conhecimento e podem contribuir para dar base, para fundamentar a proposta institucionalista. 
Agora, gostaria de referir-me à última questão, muito importante. Os leitores compreenderão que esses processos auto​-analíticos e autogestivos se dão em condições altamente desfavoráveis, severamente contraproducentes. Por quê? Naturalmente porque os coletivos em questão não são donos do saber, não são donos da riqueza, não são donos dos recursos que são propriedade e servem ao poder dos organismos e entidades de classe alta e grupos dominantes. Então, a consecução dos objetivos tem graves impedimentos que vão desde a privação de recursos (que são propriedade a serviço do poder dos organismos e entidades de classe dominante) até a morte física repressiva. Esses processos autogestivos e auto-analíticos são, para a 
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organização do sistema, um câncer, uma peste. Não há nada que seja mais temido e mais odiado pelo sistema social, porque os movimentos instituintes têm esse intuito: que os coletivos presidam a definição de problemas, a invenção de soluções, a colocação dos limites do que é possível, do que é impossível e do que é virtual, o que normalmente é feito pelas instituições, organizações e saberes de grupos e outros segmentos dominantes. Por isso a autogestão não é tarefa fácil: a prova está em que as iniciativas auto-analíticas e autogestivas não se caracterizam por seu sucesso. Elas têm aparecido muitas vezes na história e muitas vezes têm sido destruídas ou sufocadas. E as que hoje insistem em existir lutam duramente contra um conjunto de imensas forças históricas que tentam destruí-las. E quando não conseguem eliminá-las, tentam recuperá-las, incorporá-las. Isso faz com que os objetivos últimos do Institucionalismo – a auto-análise e a autogestão – não sejam atingidos nunca de forma definitiva. Eles são atingidos sempre na base da tentativa, do ensaio, da procura. Em geral têm maiores ou menores graus de fracasso. Mas isso não quer dizer que não sejam possíveis ou inventáveis. Então, esta última afirmação que faço refere-se ao seguinte: as diferentes escolas do Institucionalismo se distinguem entre si pelas teorias, pelos métodos, pelas técnicas com que elas tentam introduzir estes objetivos últimos, e pelo grau de realização com o qual se conformam. Quer dizer: há correntes, escolas" maximalistas", que buscam a instalação plena da autogestão e da auto-análise. Há outras que se satisfazem com a introdução relativa de alguns mecanismos, de alguns espaços, de alguns temas de auto-análise e autogestão. Ou seja, no Institucionalismo, como na política, existem correntes reformistas e existem correntes ultra-revolucionárias. De qualquer maneira, nada disso impede que as agrupemos em torno desses dois objetivos e recursos. Eles as diferenciam claramente da enorme maioria das propostas políticas, tanto das extremistas quanto das propostas social-democráticas. Provavelmente a tendência política tradicional que mais se aproxima das propostas institucionalistas, e com a qual o Institucionalismo está mais que em dívida, seja a de certas orientações do anarquismo. 
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PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO I 
1) Por que o Institucionalismo é um movimento e não uma ciência, uma disciplina ou uma tecnologia? 
2) O que aconteceu com o saber e o saber-fazer que as comunidades primitivas ou os povos e grupos leigos em geral produziram e acumularam durante sua experiência de vida? 
3) O que significa" divisão social e técnica do trabalho e do saber", e por que se diz que as ciências, as disciplinas e seus experts estão em geral a serviço das classes e grupos dominantes? 
4) Existem "necessidades mínimas naturais" cuja satisfação é demandada pelas populações, ou é a oferta de bens e serviços que produz certas necessidades e desejos (e não outros) e modula as demandas? 
5) O que significa auto-análise e autogestão? 
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Capítulo II 
SOCIEDADES E INSTITUIÇÕES 
O Institucionalismo, à sua maneira, tem uma concepção própria do que é a Sociedade e do que é a História, a Sociedade como forma organizada de associação humana e a História como o devir da Sociedade no tempo. O Institucionalismo, sem considerar no momento as diferenças doutrinárias de escola para escola, afirma que a sociedade é uma rede, um tecido de instituições. E que são as instituições? 
As instituições são lógicas, são árvores de composições lógicas que, segundo a forma e o grau de formalização que adotem, podem ser leis, podem ser normas e, quando não estão enunciadas de maneira manifesta, podem ser hábitos ou regularidades de comportamentos. Alguns autores sustentam que leis, normas e costumes são objetificações de valores. As leis, em geral, estão escritas; as normas e os códigos também. Mas uma instituição não necessita de tal formalização por escrito: as sociedades ágrafas também têm códigos, só que eles são transmitidos verbal ou praticamente, não figurando em nenhum documento. 
O que essas lógicas significam? Significam a regulação de uma atividade humana, caracterizam uma atividade humana e se pronunciam valorativamente com respeito a ela, esclarecendo 
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o que deve ser, o que está prescrito, e o que não deve ser, isto é, o que está proscrito, assim corno o que é indiferente. Essas lógicas, esses corpos discriminativos, são vários, e é curioso que os institucionalistas têm dificuldades para chegara um acordo acerca de quais e quantos são. 
Vamos examinar algumas ilustrações mais ou menos indiscutíveis. Um exemplo de urna instituição: a instituição da' linguagem. Ela caberia nesta definição que formatamos quando a pensamos em termos gramaticais. A gramática não é nada mais que um conjunto de leis, de normas que regem a combinatória de elementos fônicos, de unidades de significação na linguagem. Com a combinação desses elementos, conforme indicado por essas leis, pode construir-se um infinito número de mensagens, de tal modo que estas mensagens são compreensíveis para qualquer falante ou ouvinte dessa língua. Então, corno se pode ver, no final das contas, urna gramática é urna instituição que explicita as opções de acordo com as quais se vão produzir mensagens, consideradas gramaticais ou agramaticais, os prescritos ou os proscritos. É claro que, no caso da língua, não estarão estipulados também os prêmios e os castigos para quem usa de forma correta ou incorreta a língua, que é o que acontece em outros tipos de instituição. Mas o preço de seu desconhecimento ou transgressão é óbvio: a incomunicabilidade dentro do universo humano, pelo menos dentro desse universo humano em particular. 
Outro exemplo são as instituições de regulamentação do parentesco, as que definem os lugares tais corno: pai, mãe, filho, nora, genro etc. Elas são as que prescrevem entre quais membros dessa classificação podem se dar uniões, entre quais membros não podem se dar uniões e que tipo, que característica de vínculo. de descendência e aliança relaciona cada uma destas posições com a outra. Isso também é um código que, formalizado ou não, regula a relação de parentesco e tem prescrições – o que é indicado; e também proscrições – o que é proibido; assim como o que é indiferente ou não abrangido por essa lógica. Outra instituição pouco discutível entre os institucionalistas é a da divisão do trabalho humano. O trabalho humano está dividido segundo os momentos e as especificidades de cada tipo de produção e tarefa (divisão técnica). Mas, por outro lado, essa divisão vem acompanhada de urna hierarquia que institui diferenças de poder, 
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prestígio e lucro – não necessariamente justificadas pela importância produtiva daqueles que detêm esses lugares (divisão social). Por exemplo: trabalho manual e intelectual, do campo e da cidade, assalariados e autônomos, feminino e masculino etc. 
Há também as instituições da educação, isto é, aquelas leis, normas e pautas que prescrevem corno se deve socializar, instruir um aspirante a membro de nossa comunidade para que ele possa integrar-se à mesma com suas características efetivas. 
Ternos também a instituição da religião, que é a que regula as relações do homem com a divindade, divindade sobrenatural para uns ou imanente à vida terrena para outros, mas com respeito à qual existe toda urna série de comportamentos indicados e toda urna série de comportamentos contra-indicados. 
Ternos também as instituições de justiça, as instituições da administração da força, e assim por diante. Em um plano formal, urna sociedade não é mais que isso: um tecido de instituições que se interpenetram e se articulam entre si para regular a produção e a reprodução da vida humana sobre a terra e a relação entre os homens. Agora, entendidas assim, as instituições são entidades abstratas, por mais que possam estar registra das em escritos ou conservadas em tradições. 
Para vigorar, para cumprir sua função de regulação da vida humana, as instituições têm de realizar-se, têm de "materializar-se". E em que elas se materializam? Em dispositivos concretos que são as organizações. As organizações, então, são formas materiais muito variadas que compreendem desde um grande complexo organizacional tal como um ministério ​Ministério da Educação, Ministério da Justiça, Ministério da Fazenda etc. – até um pequeno estabelecimento. Ou seja, as organizações são grandes ou pequenos conjuntos de formas materiais que concretizam as opções que as instituições distribuem e enunciam. Isto é, as instituições não teriam vida, não teriam realidade social senão através das organizações. Mas as organizações não teriam sentido, não teriam objetivo, não teriam direção se não estivessem informadas como estão, pelas instituições. 
Por sua vez, urna organização (que, como insisti, costuma ser um complexo grande, vultoso) está composta de unidades menores. Estas são de naturezas muito diversas e é difícil enunciá-las todas. Mas, pelo menos, há algumas que são muito 
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características, como, por exemplo, os estabelecimentos. Estabelecimentos seriam as escolas, um convento, uma fábrica, uma loja, um banco, um quartel. Há diversos tipos de estabelecimentos, de características muito diferentes. Mas é um conjunto de estabelecimentos o que integra uma organização. 
Os estabelecimentos, em geral, incluem dispositivos técnicos cujos exemplos mais básicos são a maquinaria, as instalações, arquivos, aparelhos. Isso recebe o nome de equipamento. O equipamento pode ter uma realidade material que coincide com o estabelecimento, ou seja, as máquinas de um estabelecimento – ou pode ter uma realidade muito mais ampla, de maneira que forme um grande sistema de máquinas, um grande equipamento. Isso é o que acontece, suponhamos, com os equipamentos das organizações da comunicação de massa, que, por sua vez, são organizações que realizam as prescrições de uma grande instituição que é a instituição da Comunicação Social. 
Instituição – Organização – Estabelecimento – Equipamento. Tudo isso, naturalmente, só adquire dinamismo através dos agentes. Nada disso se mobiliza, nada disso pode operar senão através dos agentes. Os agentes são "seres humanos", são os suportes e os protagonistas de toda essa parafernália. E os agentes protagonizam práticas. Práticas que podem ser verbais, não-verbais, discursivas ou não, práticas teóricas, práticas técnicas, práticas cotidianas ou inespecíficas. Mas é nas ações que toda essa parafernália acaba por operar transformações na realidade. Então, estas unidades (instituição – organização – estabelecimento – equipamento – agente – práticas) não podem ser confundidas. Mas, infelizmente, com freqüência isso ocorre. E não são confundidas apenas pelos leigos, mas também pelos institucionalistas. Então, quando se estuda uma escola institucionalista, esta escola pode chamar de instituição às organizações; de organização a um estabelecimento. Isso não é nada recomendável porque a primeira coisa a se fazer para se entender este complexo panorama é criar uma nomenclatura mais ou menos universal e compartilhada. A que proponho aqui é a que grande parte dos institucionalistas aceita. 
Isso não é apenas o exercício de um desafio, mas algo importante. Se começamos a dizer, por exemplo, que essa escola é uma instituição, o assunto se complica, pois essa escola não é 
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uma instituição, e sim um estabelecimento que faz parte de urna grande organização – provavelmente do Ministério da Educação, que, por sua vez, realiza uma grande instituição: a instituição da Educação, que é uma lógica, uma série de prescrições ou leis. 
Em uma instituição podem-se distinguir duas vertentes importantes. Uma é a vertente do instituinte, e outra a do instituído. Apesar de as origens das instituições serem muito difíceis de se determinar – ou seja, fazer a história de uma instituição, particularmente a de seu começo, é urna tarefa às vezes impossível, corno se costuma dizer, "perde-se no começo dos tempos". Inclusive há muitas instituições, como a instituição da língua, das relações de parentesco, da religião e da divisão do trabalho, das quais não se pode dizer qual veio primeiro e qual veio depois. Mas podemos afirmar que para uma sociedade humana existir é preciso haver no mínimo essas quatro instituições humanas, ou seja, humanidade é sinônimo de coletivo regido por essas instituições, e essas instituições são sinônimo de existência de um coletivo humano. Então, é difícil saber como eram oscoletivos antes que aparecessem essas instituições. É o mesmo que perguntar como era o homem antes de ser homem, pelo menos como o entendemos. Então, situar a origem dessas instituições é muito difícil. Só se pode dizer que uma instituição supõe outra, precisa da outra, e o seu conjunto é o que constitui uma civilização ou uma sociedade humana. Agora, se freqüentemente não se pode dizer como essas grandes instituições começaram, sem dúvida se pode distinguir nelas uma potência, um movimento de transformação constante que tende a modificar, a operar mutações nas suas características. Em poucas ocasiões privilegiadas pode-se assistir historicamente ao nascimento de uma grande instituição. Mas, em geral, não é isso o que acontece. O que se pode presenciar são grandes momentos históricos de revolução de uma instituição, de profundas transformações de urna instituição. Então, a esses momentos de transformação institucional, a essas forças que tendem a transformar as instituições ou também a estas forças que tendem a fundá-las (quando ainda não existem), a isso se chama o instituinte, forças instituintes. São as forças produtivas de lógicas institucionais. 
Este grande momento inicial do processo constante de produção, de criação de instituições, tem um produto, geram 
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um resultado, e este é o instituído. O instituído é o efeito da atividade instituinte. Se vocês prestarem atenção a esses nomes, eles mesmos já estão dizendo alguma coisa com relação à diferença entre o instituinte e o instituído. O instituinte aparece como um processo, enquanto o instituído aparece como um resultado. O instituinte transmite uma característica dinâmica; o instituído transmite uma característica estática, estabilizada. Então, é evidente que o instituído cumpre um papel histórico importante, porque as leis criadas, as normas constituídas ou os hábitos, os padrões, vigoram para regular as atividades sociais, essenciais à vida da sociedade. Mas acontece que essa vida é um processo essencialmente cambiante, mutante; então, para que os instituídos sejam funcionais na vida social, eles têm de estar acompanhando a transformação da vida social mesma para produzir cada vez mais novos instituídos que sejam apropriados aos novos estados sociais. Tem-se que evitar uma leitura do tipo maniqueísta, que pensa que o instituinte é bom e o instituído é ruim, embora seja verdade que o instituído apresente, por natureza, uma tendência à resistência, uma disposição que se poderia chamar a persistir em seu ser, a não mudar, que quando se exacerba, se exagera, se conhece politicamente pelo nome de conservadorismo, reacionarismo. Pelo contrário, o instituinte aparece como atividade revolucionária, criativa, transformadora por excelência. Na realidade, não é exatamente assim, porque o instituinte careceria completamente de sentido se não se plasmasse, se não se materializasse nos instituídos. Por outro lado, os instituídos não seriam efetivos, não seriam funcionais, se não estivessem permanentemente abertos à potência instituinte. 
Por sua vez, o mesmo acontece a nível organizacional. Existe o organizante e o organizado. Há uma atividade permanentemente crítica e transformadora, otimizadora das organizações – o organizante. E há o organizado, que se pode ilustrar com o famoso organograma ou fluxograma, que é necessário, mas que tem uma tendência "natural" a cristalizar-se (entre aspas porque nada tem a ver com o natural), uma tendência histórica a esclerosar-se e a adotar uma série de vícios, entre os quais o mais conhecido é a burocracia, embora não seja o único. Então, é importante saber que a vida social – entendida como o processo em permanente transformação que deve tender ao aperfeiçoamento e visar a maior felicidade, maior realização, 
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maior saúde e maior criatividade de todos os membros – só é possível quando ela é regulada por instituições e organizações e quando nessas instituições e organizações a relação e a dialética existentes entre o instituinte e o instituído, entre o organizante e o organizado (processo de institucionalização-organização) se mantêm permanentemente permeáveis, fluidas, elásticas. 
Outra maneira de referir-se a isso é dizer que nas instituições, organizações, estabelecimentos, agentes, práticas, pode-se distinguir uma função e um funcionamento. Para poder entender essa terminologia, tem-se que compreender que nas civilizações e nos conjuntos humanos, e na vida humana tomada num sentido muito amplo, há a tendência a adquirir sempre características históricas que comprometem este objetivo utópico ativo. Essas características históricas, muito diferentes de uma sociedade para outra, de uma fase histórica para outra, podem ser resumidas em três grandes situações viciosas conhecidas por todo mundo: são os processos de exploração, de dominação e de mistificação (desinformação ou engano). Essas são as deformações do percurso da vida social e de seus objetivos mais nobres, de suas finalidades mais altas, que cada sociedade coloca à sua maneira, e que são chamadas de utopias sociais: como uma sociedade tenta, deseja, deve chegar a ser. É claro que, à exceção de algumas sociedades em particular, desde que existem sociedades, as utopias sociais incluem diferentes formas de liberdade, diferentes formas de igualdade, diferentes formas de veracidade e fraternidade, apesar de eu estar usando, para referir​-me a isso, a utopia da Revolução Francesa, chamada de revolução burguesa, que não é nem a única nem a melhor das utopias, mas é a mais conhecida por nós. Então, cada sociedade, em seus aspectos instituintes e organizantes, sempre tem uma utopia, uma orientação histórica de seus objetivos, que é desvirtuada ou comprometida por uma deformação que se resume em: exploração de alguns homens pelos outros (expropriação da potência e do resultado produtivo de uns por parte de outros); 
dominação, ou seja, imposição da vontade de uns sobre os outros e desrespeito à vontade coletiva, compartilhada, de consenso; e mistificação, ou seja, uma administração arbitrária ou deformada do que se considera saber e verdade histórica, que é substituída por diversas formas de mentira, engano, ilusão, sonegação de informação etc. Assim, se se compreende esta oposição entre a 
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utopia, o aperfeiçoamento da vida social e suas deformações ​exploração, dominação, mistificação-, então se pode compreender mais facilmente uma divisão que se estabelece entre função e funcionamento. O dito não significa que as utopias sejam sempre inocentes e acabem traídas, mas em geral elas são mesmo traídas. 
As instituições, organizações, estabelecimentos, agentes e práticas desempenham uma função. Esta função está sempre a serviço das formas históricas de exploração, dominação e mistificação que se apresentam nesta sociedade. Toda instituição, toda organização, todo estabelecimento apresenta esta função a serviço dos exploradores, dos domina dores, dos mistificadores. Só que esta função raramente se apresenta como ela é, justamente por causa da questão da mistificação... A função apresenta-se deformada, disfarça da, mostra-se como o objetivo natural, desejado e lógico das instituições e das organizações. Isto é, não se manifesta claramente ao nível do instituído e do organizado. Ou seja, os instituídos e os organizados apresentam, predominantemente, freqüentemente, funções a serviço da exploração, da dominação, da mistificação. E as exprimem de tal maneira que as fazem parecer "naturais", desejáveis e eternas, ao passo que o instituinte e o organizante são sempre inspirados pela utopia, estão sempre a serviço dos objetivos que, provisoriamente, chamamos de Justiça, de Igualdade e Fraternidade. Podem ser chamados de outra maneira. Essas forças, esses processos, recebem o nome de funcionamento. Então, o funcionamento é sempre instituinte, é sempre transformador, é justiceiro e tende à utopia': A função, ela é predominantemente reacionária, conservadora, a serviço da exploração, da dominação e da mistificação, e se apresenta aosolhos não atentos como eterna, natural, desejável e invariável. 
Agora, pode-se definir outros termos que temos aqui presentes. O instituído, o organizado, enquanto produtivo, enquanto expressão apropriada, enquanto recurso operante o instituinte, é claro que é necessário. Acontece que, rapidamente, tendem a cair fora do seu sentido de funcionamento para adotar a característica da função, coisa que se compreenderá melhor quando se entender que a característica essencial do instituinte, do organizante e dos seus produtos operantes é serem propícios à produção, produção que é a geração do novo, daquilo que 
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almeja a utopia; funcionamento e produção são a mesma coisa. Função é sinônimo de reprodução: é a tentativa de reiterar o mesmo, de perpetuar o que já existe, aquilo que não é operativo para propiciar as transformações sociais. Então: instituinte e instituído, organizante e organizado, produção contra reprodução, funcionamento contra função. 
Para concluir, exporemos definições que são um pouco áridas, abstratas, mas necessárias para entender os passos seguintes que vamos dar: digamos em que consiste, como entender, como analisar cada instituição, cada organização, e como intervir para favorecer a ação do instituinte e do organizante. Não se pode fazer este trabalho sem ter claras estas definições. Para concluir, os instituintes-instituídos, organizantes-​organizados que constituem a malha, a rede social, não atuam separadamente, mas sim em conjunto. E essa atividade em conjunto pode ser enunciada com uma fórmula pedagógica: cada um deles atua no outro, pejo outro, para o outro, desde o outro. Essa é uma tentativa de enunciar o entrelaçamento, a interpenetração que existe entre todos os instituintes e instituídos, entre todos os organizantes e organizados. Esta interpenetração acontece ao nível da função e ao nível do funcionamento; ao nível da produção e ao nível da reprodução; ao nível daquilo que funcionará a favor da utopia e ao nível daquilo que está contra. Então, essa interpenetração ao nível da função, do conservador, do reprodutivo, chama-se atravessamento. Essa interpenetração ao nível do instituinte, do produtivo, do revolucionário, do criativo chama-se transversalidade. Para dar apenas um exemplo, vou mostrar-lhes um caso de atravessamento de funções a nível organizacional. Nós dizemos, por exemplo, que uma escola é um estabelecimento das organizações do ensino, que por sua vez são uma realização da instituição da educação. Acontece que uma escola não só alfabetiza, não só instrui, não só educa dentro dos objetivos manifestos do organizado e do instituído, mas também prepara força de trabalho (alienado), ou seja, uma escola também é uma fábrica. Por outro lado, uma escola, de acordo com a concepção de ensino que ela tenha, também consegue manter os alunos presos durante seis a oito horas por dia, e além de ensiná-los a ler e escrever, o que fundamentalmente lhes ensina é a obedecer, e o que basicamente lhes transmite é um sistema de prêmios e punições, especialmente 
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de punições. Neste sentido é que uma escola é também um cárcere. Mas, além disso, o que a escola ensina é uma série de valores do que deve ser construído, do que deve ser destruído, ensina formas de exercício da agressividade. Então, de alguma maneira, também se pode dizer que uma escola é um quartel ou uma delegacia de polícia. Então, vocês vão vendo como uma escola, ao nível do instituído, do organizado, ao nível da função, ao nível da reprodução, está atravessada pelas outras organizações. Existe uma estreita colaboração na tarefa de reproduzir o que está, tal como está, e dessa maneira colaborar para a perpetuação da exploração, da dominação e da mistificação. Mas uma escola também é um âmbito onde se tem a ocasião de formar um agrupamento político-escolar,um clube estudantil; uma escola também é um lugar onde se pode aprender a lutar pelos direitos; uma escola também é um lugar onde se pode integrar um sistema de ajuda mútua entre os alunos; uma escola também é um lugar onde se pode adquirir elementos para poder materializar as correntes instituintes, produtivas; numa escola também se pode aprender a lutar contra a exploração, a dominação, a mistificação. Então, uma escola tem um lado instituinte, um lado organizante. Neste sentido, a escola pode ser também, por exemplo, uma frente de luta revolucionária, de luta sindical, um lugar de doutrinamento para a revolução, um lugar de exercício da solidariedade. Neste sentido é que uma escola tem também um funcionamento articulado, interpenetrado com muitas outras organizações, instituições, com muitos outros instituintes e organizantes da sociedade que atuam nela, através dela, para ela, por ela, e ela por outras, e ainda entre os diversos· quadros e segmentos desse mesmo estabelecimento. Essa interpenetração chama-se transversalidade. A interpenetração ao nível da função, da reprodução, como já vimos, chama-se atravessamento. A interpenetração a nível instituinte, produtivo, chama-se transversalidade, e esta se define também como uma dimensão da vida social e organizacional que não se reduz à ordem hierárquica da verticalidade nem à ordem informal da horizontalidade. Os efeitos da transversalidade caracterizam-se por criar dispositivos que não respeitam os limites das unidades organizacionais formalmente constituídas, gerando assim movimentos e montagens alternativos, marginais e até clandestinos às estruturas oficiais e consagradas. 
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Com isso temos definida, até certo ponto, a concepção institucionalista da sociedade. A sociedade é uma rede constituída pela interpenetração de forças e entidades reprodutivas e antiprodutivas cujas funções estão a serviço da exploração, dominação e mistificação (atravessamento), assim como também está constituída pela interpenetração das forças e entidades que estão a serviço da cooperação, da liberdade, da plena informação, ou seja, da produção e da transformação afirmativa e ativa da realidade (transversalidade). 
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PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO II 
1) O que são, para o Institucionalismo, as sociedades? 
2) O que implica dizer que as instituições são lógicas e que podem estar formalizadas em leis ou normas ou que se manifestam em hábitos? 
3) Quais seriam exemplos de instituições? Que são as organizações, os estabelecimentos, equipamentos, agentes e práticas? 
4) O que é o instituinte e o instituído, o organizante e o organizado, a função e o funcionamento, a produção, a reprodução e a antiprodução? 
5) O que é o atravessamento e a transversalidade? 
6) De que está composta a rede social? 
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Capítulo III 
AS HISTÓRIAS 
o que é para o Institucionalismo o termo "história"? Nós temos, empiricamente, alguma noção aproximada do que é história. Numa primeira instância, é importante diferenciar História de Historiografia. A historiografia é o registro dos fatos históricos que a gente encontra nos arquivos e, geralmente, é uma versão que foi conservada e foi publicada porque coincide com os interesses do Estado, das classes dominantes, do instituído e do organizado, que têm recursos para resgatar e promover estes documentos. Naturalmente, registram aquilo que lhes convém. Então, historiografia é esta versão que, em geral, se apresenta como sendo objetiva, neutra, impessoal e que, a rigor, é apenas uma versão tão interesseira, tão tendenciosa quanto qualquer outra, mas que aparece como descritiva, como meramente narrativa. Agora, História, propriamente, não é isso. 
Historiar é um processo de conhecimento que pretende reconstruir os acontecimentos nos tempos, mas que o faz assumindo que qualquer reconstrução é feita desde uma perspectiva, que qualquer registro inclui os desejos, os interesses, as tendências de quem faz História. Porque a versão que se tem da História é sumamente importante, enquanto justifica as ações 
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e paixões que se protagonizam no presente e, geralmente, justifica e propicia um projeto futuropara a vida social, ou seja, todos os movimentos sociais que se deflagram, que se impulsionam para chegar a este porvir. Algumas coisas que o Institucionalismo tem a dizer com respeito à História podem ser resumidas em poucas palavras: 
Primeiro: o Institucionalismo afirma que a História não é, apenas, a reconstrução do que já aconteceu e que já está, de alguma maneira, morto, obsoleto, definido – "o que foi, já foi"-, mas consiste em uma localização daquilo que, de alguma forma, começou, teve início em um passado. Mas o interesse da História institucionalista é o de reconstruir o passado enquanto ele está vivo no presente, enquanto ele está atuante e pode determinar ou já está determinando o futuro. Passado e futuro se constroem e reconstroem incessantemente desde os valores que inspiram a um presente crítico e revolucionário. 
Segundo: o Institucionalismo afirma que não existe uma História, uma História que seja como uma espécie de mangueira, de modo que totalize todo o devir da vida social em um espaço e em um tempo só; mas diz que existem "histórias" – multiplicidades econômicas, culturais, ideológicas, do desejo, da afetividade, da vontade, histórias raciais, histórias das gerações. Cada uma delas transcorre num tempo próprio que não se pode uniformizar, que não se pode totalizar, globalizar em um tempo único; de modo que não se pode estudar uma época como se essa época fosse um corte transversal, que se faz num único fluxo da História, como se faria no fluxo de um rio. Trata-se de tentar articular os diferentes tempos dos diferentes processos históricos em alguns momentos, eras ou etapas, que são localizáveis como tais, cronológica ou conceitualmente, no século XVI, no século XI, ou na Idade Antiga etc. Mas isso não significa que este seja o único tempo em que se transcorreram todos os processos. Quer dizer, os processos que constituem a História são processos policronológicos, cada um em sua duração, e é preciso ver como cada um se "adianta" ou se "atrasa" em relação aos outros. Outro aspecto importante da leitura institucionalista do tempo é que não é o passado que engendra o presente, mas o passado está composto de uma série de potencialidades que o presente ativa, que o presente ilumina, que o presente deflagra. Não é o passado que gera o presente, e sim o presente que explora, que aproveita 
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ou atualiza as potencialidades do passado para construir um porvir. Por outro lado, a História não é uma série de etapas fatais, ou mais ou menos determinadas, cada uma das quais origina a seguinte, que começam do zero e vão acabar em dez, cem ou qualquer número final. Não existe uma progressão predeterminada das etapas históricas e, por conseguinte, não existe um apogeu final dos tempos. O Institucionalismo não aceita a idéia de uma escatologia histórica, isto é, um final que pode ser entendido como final feliz – e que nesse caso confirme uma escatologia positiva, ou um final catastrófico ou apocalíptico. Não existe finalidade da História. O que pode ocorrer no dia-a-dia não está inteiramente predeterminado no passado e nem é certo que vá acontecer no futuro. Segundo alguns institucionalistas, o tempo, sempre policronológico, se produz, devém desde um presente em direção ao passado e ao futuro. 
Finalmente, outra afirmação importante que o Institucionalismo pode aportar à teoria da História é que nós, com uma explicação claramente mecânica, baseada em paradigmas de ordem que se desenvolveram do século XVII em diante – que têm como modelo a mecânica celeste com suas trajetórias, suas parábolas, suas órbitas, e como correlato à máquina do relógio –, com este metamodelo mecanicista, tendemos a pensar a História em função de suas leis, sendo que os enunciados legais supostamente dão conta dos processos repetitivos que transcorrem na realidade. Somos levados a pensar que a História se desenvolve segundo uma ordem de características mais ou menos maquinais, que tende a repetir-se e que, em todo caso, quando não se repete é porque tem conseguido produzir alguma diferença em relação a uma provável repetição do idêntico ou do igual. Então, esta concepção da História que faz da diferença uma variação análoga ou semelhante do igual, ou do idêntico, não é compartilhada pelo Institucionalismo. O Institucionalismo diz que o que, predominantemente, retoma na História, não é o igual, não é o idêntico, não é o regular, não é aquilo que se pode captar por leis típicas da mecânica física ou da mecânica celeste, do relógio ou do calendário, mas que o que se repete na História é a diferença, é o acaso, é o inesperado, o acontecimento, o imprevisível, o aleatório. E que são estes grandes ou pequenos momentos de repetição do diferente (por exemplo: do instituinte) que depois 
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vão tentar ser capturados pelo instituído, pelo organizado e repetidos como idênticos. 
Bem, esta concepção da História que estou sintetizando ao máximo, com contribuições de diferentes tendências institucionalistas, não é apenas um exercício acadêmico, mas está estritamente relacionada com a concepção da práxis, da atividade político-social desejante que o Institucionalismo tem, e com a utopia ativa, quer dizer, o propósito, o objetivo, a finalidade e os recursos do Institucionalismo. Porque se bem o Institucionalismo interessa-se em estudar as leis do que tende a repetir-se, ele está mais implicado em assumir uma práxis que propicie o advento do inesperado, do acontecimento, da inovação absoluta. Então, trata-se de entender como a História é não apenas uma atividade ilustrativa, uma investigação erudita, mas uma tentativa de reconstruir os grandes momentos de imprevisto, os grandes momentos de acaso que transformaram o curso da humanidade, para a partir desses ensinamentos, produzir estratégias que permitam propiciá-los novamente. A História se estuda para aprender como militar a favor da transformação, não de uma transformação previsível, não de uma transformação pré-​figurada, mas da transformação em direção ao radicalmente novo e, portanto, absolutamente desconhecido. Tentemos agora definir outros conceitos importantes. 
O termo molar, outro termo que tínhamos de comentar e que se entende em contraposição ao termo molecular, é uma contribuição feita por algumas escolas institucionalistas e que vou tentar explicar brevemente. 
Para os institucionalistas não existe uma separação radical entre vida econômica, vida política, vida do desejo inconsciente, vida biológica e natural. O que existe são imanências – isto é, a inerência, a posição intrínseca de cada um destes campos em relação aos outros, que só se podem separar de uma maneira artificial para a finalidade de seu estudo. A rigor funcionam sempre, por assim dizer, um "dentro" do outro, incluindo-se no outro. Então, dentro desta concepção da vida social como uma rede, em que os diversos processos são imanentes um ao outro, pode se distinguir o molar, que, dito de uma maneira simples, é aquilo que é grande, que é evidente, que tem formas objetais ou formas discursivas, visíveis e enunciáveis. Por outra parte temos o molecular, que é o que na física se costuma chamar micro, por 
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oposição a macro, isto é, o mundo atômico e subatômico, o mundo das partículas, enquanto o mundo macro por excelência seria, por oposição, o universo, o cosmos, que é composto de grandes corpos. Então, tomando esses ensinamentos da microfísica, da microquímica, da microbiologia, da biologia molecular, o Institucionalismo afirma que as grandes mudanças históricas, as macromudanças, são sempre resultado de pequenas micromudanças, e que os grandes poderes em vigor na sociedade são apenas forças resultantes de pequenas potências que se chocam e conectam em espaços microscópicos de uma sociedade. Como até mesmo a física, a biologia e a química descobriram que as leis que regem os processos e as entidades macro não são capazes de dar conta da dinâmica que acontece nas micro. O macro é o lugar da ordem, é o lugar das entidades claras, dos limites precisos, é o lugarda estabilidade, da regularidade, da conservação. O micro, dito tanto no sentido físico, químico, biológico quanto no sentido social, político, econômico e desejante, é o lugar das conexões anárquicas, insólitas, impensáveis. O macro é o lugar da reprodução, e o micro é o lugar da produção; o macro é o lugar da conservação do antigo ou da propiciação do novo previsível, e o micro é o lugar da eclosão constante do novo; o macro é o lugar da regularidade e das leis, o micro é o lugar do aleatório e do imprevisível. Esta diferenciação também é importante porque, em geral, o Institucionalismo confia em analisar e propiciar as mudanças locais, as transformações microscópicas, as conexões circunstanciais, porque espera delas efeitos à distância que, ao generalizarem-se, resultam nas grandes metamorfoses, do instituído e do organizado, o detectável e consagrado. Dito com outras palavras, o Institucionalismo pensa que as pequenas conexões locais são o lugar do instituinte, e entendê-lo assim está estritamente relacionado com as estratégias de intervenção nos âmbitos, nos espaços de atuação que o Institucionalismo vai tentar propiciar. Eles são os pequenos lugares intersticiais da vida natural-social-técnica e subjetiva, e não os grandes blocos representativos dos territórios constituídos. 
Finalmente, é importante definir o termo antiprodução. Se não me engano, já tentamos reiteradamente definir e redefinir o termo produção. Produção é aquilo que processa tudo que existe, natural, técnica, subjetiva e socialmente. É a permanente 
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geração, enquanto não se cristaliza; é o devir, é a metamorfose, é o que, com uma terminologia ainda religiosa, chamaríamos de criação. Mas no momento em que as forças produtivas ​entendidas de maneira muito ampla, as forças instituintes​-organizantes, são capturadas em grandes organismos reprodutivos como o Estado ou o mercado capitalista, vigora a antiprodução. Por exemplo, elas são voltadas contra si mesmas, de maneira que a produção, as energias não orientadas, as matérias produtivas ainda não formadas são retidas pelos mecanismos, pelos equipamentos, pelos organismos e forças de toda ordem que propiciam a reprodução do mesmo, o impedimento ou a destruição do novo, elas tornam-se antiprodutivas, elas se destroem a si mesmas. É o que subjaz a grandes processos sociais como as guerras; é o que subjaz a célebres atitudes sociais como a de destruir os produtos porque o preço caiu no mercado; é o que subjaz à geração de enormes contingentes sociais que estão destinados a morrer, e que morrem não apenas por deficiência da provisão ou da organização, mas por atitudes ativas do poder destinadas a destruí-los, como é o caso da marginalidade, da mortalidade infantil, dos preconceitos sexuais e raciais, do alcoolismo, da tóxico-dependência, dos genocídios coloniais, neocoloniais e planetários contemporâneos etc. Essas são potências, são forças singulares, produtivas, que a sociedade não está em condições de incorporar porque não pode transformá-las em mercadoria, seres, bens, valores, serviços – não pode assimilá-las à lógica do sistema. Então, ou as deixa morrer, ou as mata por meio de mecanismos mais ou menos deliberados, mais ou menos premeditados. Esse processo de autodestruição das forças produtivas naturais, sociais, subjetivas e tecno-industriais que a sociedade faz chama-se antiprodução. Um desses processos característicos é o problema ecológico, que só agora se está" descobrindo", enquanto já era evidente desde meados do século passado com o processo produtivo industrial' mercantil baseado na geração de mercadorias, de bens de troca e não de bens de uso, que vem destruindo o reservatório fundamental de matéria-prima e de vida que é a natureza. Agora, isso se torna moda; mas foi sempre assim, e é uma das expressões mais radicais da capacidade antiprodutiva do sistema dominante no mundo. 
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Para qualquer tendência sociológica, científica-política ou econômica clássica, já é completamente evidente que não se pode pensar os processos característicos de cada área – não se pode conceber o que acontece em economia, em política ou sociologia​ – com independência do psiquismo dos homens, prescindindo do que antigamente se chamava as almas dos homens. Ou seja, apesar de se poder acreditar que é o econômico que determina, em última instância, as características da vida e da morte social, ou que se possa supor que é o político o tal determinante, hoje se sabe, e ninguém pode negá-la, que por mais determinados, por mais submetidos às leis econômicas e políticas que estejam os homens, eles só entram nesses processos de dominação, de exploração, de mistificação ou, pelo contrário, em processos revolucionários, se estes, de algum modo, coincidem com suas crenças, representações, convicções acerca da vida social. E também não entram se suas expectativas, suas vontades, seus desejos não se encaminham nessa direção. Isso é claríssimo. O Institucionalismo tende a não privilegiar a priori nenhuma determinação mais que outra, isto é, são tão importantes as vontades, os desejos e as representações com que os homens entram nos processos históricos quanto as estruturas "materiais", econômicas, políticas ou naturais que os determinam. Mas a isso temos de acrescentar que a partir da contribuição psicanalítica, sabe-se que as vontades, os desejos mais potentes que dirigem a conduta ou a vida dos homens, são inconscientes, isto é, não fazem parte de seu saber, de seu querer deliberado. Em última instância, os homens entram nos processos históricos e sociais determinados por forças desejantes, por vontades que eles não controlam e não conhecem, mas que têm a ver com o prazer, que têm a ver com o sofrimento e têm a ver com vivências e mecanismos subjetivos ainda mais profundos. Hoje, por exemplo, está cada vez mais evidente para os economistas que o "melhor" plano econômico não funciona se não se consegue mobilizar as forças desejantes dos integrantes de uma população, não só seus interesses, para provocar o consenso dos agentes em torno deste plano; e ainda mais, que o "pior" dos planos é capaz de funcionar quando se consegue essa mobilização. E não se trata apenas de conseguir uma adesão consciente ou uma credibilidade voluntária, mas de mobilizar forças inconscientes às quais se apela, ainda passando por cima das crenças e convicções dos agentes 
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sociais. Isso também não é novidade. Já a partir de Reich, o grande psicanalista marxista, nós nos interrogamos constantemente porque, em lugar de colocar-se o problema de que ocasionalmente os operários estejam em greve ou que circunstancialmente os soldados se rebelem contra seus superiores, não nos perguntamos porque os operários não estão sempre em greve, porque os soldados não se unem para executar definitivamente seus superiores. Por que os povos atuam contra seus reais interesses e vontades? Então, não se trata apenas de dizer que o fazem por medo, porque os acontecimentos históricos demonstram que os povos quando se mobilizam, quando as forças inconscientes se ativam, não têm medo de nada e têm como se fosse uma plena consciência de sua potência. Eles correm perigos tremendos ou – combatem lutas desiguais, mas eles operam as transformações sociais. Não se trata também de dizer apenas que os povos são ignorantes, porque se é certo que o sistema se ocupa de manter os povos ignorantes ou erradamente informados, já se tem visto processos históricos em que os povos são capazes de produzir um saber acerca de suas condições de existência que não precisa, passar pelo saber transmitido pelos meios de divulgação, nem necessita submeter-se ao saber acadêmico. Os povos checam seu próprio saber sobre suas condições de vida na luta cotidiana pela transformação desses campos de existência e levam à frente movimentos de imenso poderio, de incalculável potência social, sem apelar para os saberes instituídos e estabelecidos. Então, o importante a ser reconhecido é a existência dessas forças inconscientes que o Institucionalismodenomina desejo, por ressonância ou por uma re-elaboração do conceito de desejo inconsciente da Psicanálise. A diferença consiste em que o desejo inconsciente em Psicanálise está sempre relacionado com uma estrutura chamada Complexo de Édipo: é um desejo que atua primeiro na vida familiar, nas relações ou nas fantasias incestuosas ou parricidas do inconsciente infantil e que, depois, se translada para a vida social com as mesmas características. O desejo segundo a Psicanálise é um impulso que tende a reconstituir estados perdidos a se realizarem em fantasmas imaginários, é uma tendência reprodutiva, é um anseio que tende a restaurar o narcisismo, que supostamente, em algum momento, foi o estado em que o proto-sujeito esteve integralmente. O desejo no Institucionalismo não tem essas peculiaridades. O desejo do 
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Institucionalismo é imanente à produção, é (digamos provisoriamente) o aspecto subjetivo (mas não apenas psíquico) da mesma força que no social é o instituinte. É uma força que tende a criar o novo, entendido como o imprevisível, é uma força de conexões insólitas, é uma força de invenção e não é uma força restauradora de estados antigos. Mas é inconsciente. Só que este inconsciente não se entende exclusivamente como um inconsciente edipiano, familiarista, repetitivo, mas também como um inconsciente pré-pessoal, pré-social e pré-cultural, objeto de um saber que toma elementos de todos saberes existentes; trata​-se de matérias não-formadas e energias não-vetorizadas que são capazes de gerar transformação. A força desse inconsciente não está submetida apenas por um recalque psíquico, mas por um recalque complexo que é simultaneamente político, libidinal, semiótico etc. Então, para o Institucionalismo não existe o que seria um homem universal, não existe uma estrutura, uma essência-homem. Também não existe uma estrutura, uma essência-sujeito, um sujeito psíquico que seria o mesmo em todas as sociedades, em todos os momentos históricos, em todas as classes sociais, em todas as raças etc. O que se passa é que esse sujeito psíquico, mesmo que se aceite como sendo universal, teria representações ou teria recursos que variariam segundo a sociedade, segundo a classe social ou o grupo a que pertencesse. Para o Institucionalismo não existe esse sujeito eterno e universal, apenas preenchido com conteúdos históricos sociais variáveis. Para o Institucionalismo, o que existe são processos de produção de subjetivação ou de subjetividade. Mais adiante explicarei em que consistem essas duas denominações, mas essa produção é absolutamente contingente, é absolutamente própria de cada lugar, de cada momento, de cada conjuntura histórica etc. Ou seja, produzem-se sujeitos em cada acontecimento-devir-sujeitos para esse acontecimento-devir, sujeitos variavelmente protagonistas desse acontecimento, ou, se pode dizer, é o acontecimento-devir que os produz. E podem existir analogias, podem existir semelhanças entre esses sujeitos. O que importa não é a produção das semelhanças ou de analogias entre os sujeitos, mas a produção de diferenças, a singularidade de cada sujeito produzido em cada lugar, a cada momento. Então, quando nessa produção predomina o instituído, a reprodução de um sujeito do desejo assujeitado aos interesses dominantes, aos 
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interesses exploradores, aos interesses mistificantes, ele adota as características de um sujeito mais ou menos universal e eterno. A isto se chama produção de subjetividade assujeitada, subjetividade submetida. Quando o que predomina neste processo é a geração do novo absoluto, de subjetivação absolutamente original, absolutamente singular, absolutamente instituinte, absolutamente contingente, circunstancial e gerada pelos eventos revolucionários, a isto se chama produção de subjetivação livre, não assujeitada, primigênia, produtiva, revolucionária, em que o desejo se realiza em conexões locais, micro, e se efetua gerando o novo, não se concretiza restituindo o antigo, processa-se não reproduzindo o instituído, o organizado, o estabelecido, mas se realiza gerando o instituinte e o organizante. 
Por que esta discriminação é importante? Porque na leitura que o Institucionalismo vai fazer de cada organização, de cada estabelecimento, movimento ou proposta, ele vai privilegiar a intelecção de dispositivos que são capazes de produzir subjetivações. E não vai privilegiar, a não ser para denunciá-los, a leitura de aparelhos ou equipamentos que estão destinados a produzir a reprodução de subjetividades submetidas. O mesmo vai acontecer nas montagens técnicas, organizativas, políticas, com as formas de militância, com a "maquinaria de guerra" que o Institucionalismo pretende propiciar em suas intervenções, porque as mesmas têm de estar protagonizadas por novas produções de subjetivação, circunstanciais, transitórias, capazes de encarar o sentido desejante e revolucionário e depois autodissolver-se para deixar seu lugar a outras. Evidentemente, todas essas definições necessitariam de exemplos muito precisos que, pela natureza elementar deste livro, não poderemos dar nesta exposição. Mas a discriminação que tem de ficar claramente estabelecida é que o Institucionalismo, em geral, não .se propõe "pegar" um sujeito reprodutivo que é sempre o mesmo, eterno e universal e invariável em todo tempo e lugar, e trabalhá-lo para torná-lo produtivo. O objetivo institucionalista é criar campos de leitura, de compreensão, de intervenção para que cada processo produtivo desejante, revolucionário, seja capaz de gerar os "homens" (ou sujeitos) de que precisa. Não ajeitá-los a partir de uma suposição de que já estão feitos, mas aceitar a idéia de que os novos homens se fazem a cada momento, em cada circunstância. 
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Essa exposição que se acaba de ler não segue ao pé da letra as teorias sistemáticas da Psicanálise, o Marxismo ou as psico-sociologias de cunho fenomenológico, positivista, culturalista ou estrutural-funcionalista. Em muitas passagens, pode ficar sincrética ou imprecisa demais. A intenção não é dar uma série de definições acadêmicas fiéis a seus textos de origem. Este é o caso, por exemplo, de quando falamos do inconsciente ou do desejo. O contexto em que falei dessa questão ainda é um espaço teórico algo clássico, que habitualmente se aborda com o nome de ideologia. É verdade que há uma certa definição de ideologia que a considera como uma série de representações erradas, de crenças, de convicções acerca do mundo, que está animada pela ilusão, pela esperança e pelo medo. Costuma-se reconhecer que existem ideologias dominantes que são as ideologias da classe dominante, ou seja, que são ideologias conservadoras, reacionárias. Por outro lado, existem ideologias revolucionárias, que são ideologias das classes, dos grupos que procuram uma drástica transformação social. Em geral fala-se dessas ideologias como sinônimo de consciência falsa ou distorcida. São crenças, convicções ou expectativas e desejos conscientes. Ademais, afirma-se que a ideologia dominante na sociedade é a ideologia dos grupos dominantes, é uma ideologia que se impõe pela ignorância ou a distorção, apesar de ser contrária aos interesses da maioria. Então, costuma-se dizer que a maneira de reverter essa situação é instruir, é educar, é modificar essas representações, é criar outro tipo de expectativa ou vontade, é conscientizar acerca dos limites da potência que tem a classe dominante, conscientizar acerca do potencial de prazer, de gozo, de eliminação do sofrimento que teria uma transformação social protagonizada pela classe dominada. Mas é importante recordar que desde um bom tempo atrás já existem pesquisas e produções teóricas que mostram que não é apenas por medo ou esperança, por ignorância, informações erradas ou manipuladas que as classes, os grupos e sujeitos submetem-​se aos interesses das classes dominantes. Eu citava o célebre psicanalista Reich quando ele, estudando o movimento nazista da Alemanha, afirmava que o povo alemão não estava desinformado; talvez estivesse incorretamente

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