Buscar

1 n BAREMBLITT, G Compêndio de Análise Institucional e Outras Correntes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 205 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 205 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 205 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Compêndio de análise institucional e outras           
correntes: teoria e prática
Gregorio F. Baremblitt 
 
5ª.ed. 
Belo Horizonte, MG: Instituto Felix Guattari, 2002 (Biblioteca Instituto Félix Guattari; 2) 
Baremblitt, Gregorio F. (2002) Compêndio de análise institucional e outras                   
correntes: teoria e prática, 5ed., Belo Horizonte, MG: Instituto Felix Guattari                     
(Biblioteca Instituto Félix Guattari; 2)
Copyright 1992 by Gregorio Baremblitt 1 ª edição: Editora Record, 1992
4 
 
SUMÁRIO 5
INTRODUÇÃO.............. 11 
CAPÍTULO I: O movimento institucionalista, a auto­análise e a autogestão..............13 
CAPÍTULO 11: Sociedades e instituições..............25 
CAPÍTULO III: As histórias..............37 
CAPÍTULO IV: O desejo e outros conceitos no institucionalismo..............53 
CAPÍTULO V: As tendências mais conhecidas do institucionalismo..............71 
CAPÍTULO VI: Roteiro para uma intervenção institucional padrão..............90 
CAPÍTULO VII: O institucionalismo na atualidade..............108 
GLOSSÁRIO..............133 
APÊNDICE..............174 
POST­SCRIPTUM..............195 
BIBLIOGRAFIA BÁSICA..............205 
BIBLIOGRAFIA DE CONSULTA..............207 
AGRADECIMENTOS 
No referente à primeira edição deste livro, o autor dá aqui                     
testemunho de sua profunda gratidão: ao Dispositivo Instituinte de                 
Minas Gerais, Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, João                   
Bosco Castro Teixeira, Cibele Ruas de MeIo, Alfredo Martin e                   
alunos do curso do qual o livro foi uma versão. 
Nesta quinta edição, o autor exprime seu agradecimento à                 
Margarete A. Amorim, que realizou inúmeras tarefas que pos                 
sibilitaram sua publicação e distribuição, assim como à Luisella                 
Ancis, que fez a tradução de novos capítulos, Nina Rosa                   
Magnani, que colaborou com a revisão, e Luciana Tonelli, que fez                     
a revisão final. O autor também agradece aos membros e                   
funcionários do Instituto Félix Guattari de Belo Horizonte pelas                 
diversas contri buições. Todos eles aportaram sua ajuda               
generosamente. 
O autor é grato a todos os amigos: professores universi tários,                     
pesquisadores, profissionais, estudantes e militantes da autogestão             
que colaboraram na distribuição das diversas edições deste               
escrito. 
9▲
INTRODUÇÃO 
Este livro corresponde à versão escrita de um curso pro ferido em Belo Horizonte no decorrer de                                 
1990, organizado pelo Movimento Instituinte de Minas Gerais. Curso que, por sua vez, foi requerido para                               
atender ao crescente interesse pelo Movimento Institucionalista ou Instituinte no Brasil e facilitar o acesso                             
aos textos dos fundadores das diferentes correntes. Os seis primei ros capítulos correspondem às seis                             
aulas que compuseram o cur so, enquanto o último foi escrito como artigo independente, ain da inédito. 
O Movimento Institucionalista é um conjunto heterogê neo, heterológico e polimorfo de                       
orientações, entre as quais é possível se encontrar pelo menos uma característica comum: sua aspiração a                               
deflagrar, apoiar e aperfeiçoar os processos auto­ana líticos e autogestivos dos coletivos sociais. 
Essa vocação libertária, o estatuto epistemológico e jurí dico absolutamente singular e a infinita                           
variedade de tendências que compõem o Movimento tornam extremamente difícil a tare fa de ensiná­lo. Se                               
se deseja ser coerente com os valores do Mo vimento, sua Pedagogia exige uma originalidade da qual já                                   
exis tem muitas tentativas, mas que, ao mesmo tempo, ainda está para ser produzida. 
11▲
Este curso, proferido com uma metodologia tradicional, tem apenas o propósito de aproximar os                           
leitores das finalidades e recursos mais conhecidos e do panorama atual do Institucionalismo. Mais                           
informativo que formativo, foi inspira do pelo desejo de estender e facilitar um saber e um fazer com plexo                                     
e arriscado, mas, no meu entender,  importantíssimo para o povo brasileiro. 
Apesar da superficialidade e rapidez com que os densos temas são apresentados, acredito que                           
este livro seja estimulante, discretamente esclarecedor e ainda minimamente instrumental para os futuros                         
institucionalistas. Para quem decidir continuar, ou, sejamos realistas, começar verdadeiramente sua                     
formação nesta fascinante proposta, a bibliografia final, integrada predo minantemente por textos em                         
português e castelhano encontráveis no Brasil, proverá boa parte da diretriz indispensável para tal fim. 
Entre as escolas não­incluídas neste volume devido à sua proposta introdutória, devo destacar as                           
correntes latino­ameri canas de Pichón­Riéver, Bleger, Ulloa, Malfe, Bauleo, Kaminsky, Pavlovsky, De                       
Brasi, Matrajt, Scherzer e tantos outros aos quais me proponho a destinar, em algum momento, um livro                                 
especial. 
12 ▲
 
Capítulo I 
O MOVIMENTO INSTITUINTE, A AUTO­ANÁLISE E A AUTOGESTÃO 
No início devemos esclarecer que esse livro não terá o nível que alguns esperariam, pois se                               
procura apresentar uma exposição de nível médio, para ser entendida pelo maior número possível de                             
pessoas. 
Vamos tratar do chamado Movimento Institucionalista ou Instituinte que, como o nome                       
aproximativamente indica, é um conjunto de escolas, um leque de tendências. Não existe nenhuma escola                             
ou tendência que possa dizer que encarna plenamente o ideário do Movimento Instituinte. Contudo,                           
pode­se encontrar em diversas dessas escolas algumas características em comum. E é a essas                           
características em comum que eu gostaria de referir­me agora, da maneira mais simples e mais didática                               
possível. Em capítulos sucessivos, teremos ocasião de complicar as coisas... Agora, a intenção é,                           
predominantemente, simplificá­las. 
Entre as características presentes em todas as tendências do Movimento Instituinte, há algumas                         
que são relativamente fáceis de se colocar. Eu diria que existe o que se chama de "ideais máximos" do                                     
Movimento. Podemos chamar a isto também de 
13 ▲
propósitos mais importantes, os objetivos mais ambiciosos dessas escolas. Os mesmos podem ser                         
enunciados através de duas palavras aparentemente simples, mas que são, como veremos depois, muito                           
complexas. 
As diferentes escolas do Movimento Instituinte se propõem a propiciar, apoiar e deflagrar nas                           
comunidades, nos coletivos e conjuntos de pessoas processos de auto­análise e de autogestão. O que                             
significam essas palavras? 
Depois, compreenderemos com mais detalhes que os processos de interação humana, os                       
processos de funcionamento social, têm sido sempre muito complexos. Mas em nossa civilização chamada                           
industrial, capitalista ou tecnológica, a complexidade da vida social atingiu seu máximo expoente em toda a                               
história da humanidade. Se compararmos, por exemplo, uma organização social dita "primitiva", ou uma                           
organização imperial, despótica, ou uma medieval com a nossa sociedade moderna, o graude                           
complexidade, de diversidade que as sociedades modernas atingem é infinitamente superior ao daquelas                         
civilizações, apesar delas não serem nada simples. Acontece, então, que nossa época, nossa civilização,                           
além de se caracterizar por uma grande diversidade, uma grande complicação interna, caracteriza­se                         
também por, de fato, ter produzido uma soma de saberes que propiciou, nesses últimos duzentos anos,                               
uma "evolução" maior do que a humanidade havia conseguido em dois mil anos; ou seja, houve um                                 
processo de produção de conhecimento e de aplicação do mesmo muito intenso. 
Esse saber, como ninguém ignora, resultou em aplicações tecnológicas que aceleraram o chamado                         
"progresso" em igual proporção. E o progresso trouxe uma grande complexidade. Além desses                         
conhecimentos produzidos pelas ciências da natureza, ciências formais, aplicações tecnológicas, existem                     
disciplinas que versam sobre a organização social em si mesma. Ou seja, nossa civilização tem produzido                               
um saber acerca de seu próprio funcionamento como objeto de estudo e tem gerado profissionais,                             
intelectuais, experts que são os conhecedores dessa estrutura e do processo dessa sociedade em si. Esses                               
conhecedores têm­se colocado, em geral, a serviço das entidades e das forças que são dominantes em                               
nossa sociedade. Por exemplo, a serviço daquela instituição que representa o máximo 
14 ▲
da concentração de poder, o extremo de concentração de controle e de hegemonia sobre a sociedade,                               
que é o Estado. Além disso, por outro lado, já dentro da sociedade civil, esses experts têm­se colocado a                                     
serviço das grandes entidades proprietárias da riqueza, do poder, do saber e do prestígio, que são as                                 
organizações corporativas, as empresas nacionais e multinacionais etc. Essa situação, em que os "sábios",                           
os conhecedores da estrutura e do processo da vida social estão predominantemente a serviço do Estado                               
e das empresas, tem tido como conseqüência que os povos – em sentido amplo, a sociedade civil –                                   
têm­se visto despossuídos de um saber que tinham acumulado através de muitos anos acerca de sua                               
própria vida, de seu próprio funcionamento. Esse saber, criado e acumulado pelas comunidades sociais                           
durante tantos anos de experiência vital, a partir do surgimento do saber científico e tecnológico, fica                               
relegado, colocado em segundo plano, como se fosse rudimentar e inadequado. Tanto é assim que temos                               
técnicos que costumam chamá­lo de ideologia, num sentido vago, geral, visando a qualificá­lo como um                             
falso conhecimento, pobre, infundado ou, no melhor dos casos, insuficiente. Então, as comunidades de                           
cidadãos têm visto esse saber subordinado ao saber dos experts. Junto com seu saber, elas têm perdido o                                   
controle sobre suas próprias condições de vida, ficando alheias à espacidade de gerenciar sua própria                             
existência. Elas dependem, então, quase incondicionalmente, dos organismos do Estado, empresariais, do                       
saber e de serviços dos experts. E a quais experts refiro­me? Aos dos ramos produtivos, primários,                               
secundários e terciários, aos especialistas de produção de bens materiais, ou seja, comida, vestuário,                           
moradia, transporte: aqueles bens materiais indispensáveis à sobrevivência. Toda a produção desses bens                         
está dirigida, gerenciada por "especialistas". Mas noutro plano, refiro­me aos problemas de saúde, de                           
educação, aos assuntos familiares, aos psicológicos e subjetivos, em geral; às questões relativas ao lazer,                             
às que atingem a comunicação de massa, aos assuntos próprios da religião. Cada um desses campos, cada                                 
um dos serviços que se prestam nessas áreas, os bens que se produzem e administram nesses territórios,                                 
ou seja, sua quantidade, sua qualidade, sua necessidade, sua conveniência, tudo é decidido pelos experts,                             
é arbitrado por quem se supõe que saiba e conheça sobre o assunto. O mesmo acontece no plano de                                     
administração da justiça, nos tribunais, com os 
15 ▲
advogados, despachantes, registros civis, leis: tudo isso feito por experts e administrado por eles. E o que                                 
falar do exercício da força, no sentido literal, porque todas essas outras entidades também usam da força,                                 
senão da força física, da força da persuasão, da força da sedução, mas o uso da força física está                                     
reservado a organizações como a polícia, as forças armadas, que também têm seus especialistas, oficiais,                             
delegados, guardas etc. É claro que os experts conhecem e decidem prevalentemente segundo os                           
interesses das classes, níveis hierárquicos e grupos dominantes aos quais pertencem parcialmente. Mas não                           
se deve sempre supor uma intenção deliberada dos técnicos nesse sentido. Acontece, como veremos, que                             
seu saber em si mesmo já está produzido por instrumentos e gera resultados que privilegiam os interesses e                                   
desejos citados. 
Então, o que acontece? 
Há um conceito básico que vamos ver depois, na Análise Institucional e em outras escolas do                               
Institucionalismo, que se chama demanda. É possível afirmar que as comunidades ou coletividades têm                           
necessidades básicas indiscutíveis e universais. Essas necessidades são colocadas diariamente através de                       
demandas espontâneas, através da exigência de produtos e de serviços correspondentes. Essa idéia é uma                             
das tantas que vai ser questionada pelo Institucionalismo, porque ele vai tentar mostrar que em todas as                                 
épocas da história, mas particularmente na nossa, não existem necessidades básicas "naturais"; não existem                           
demandas "espontâneas", pois em todas e em cada uma dessas organizações que acabamos de descrever,                             
a noção das necessidades é produzida, assim como a demanda é modulada; isto é, aquilo que os povos                                   
pensam que todos os membros de uma população e todos os povos do mundo precisam como "mínimo"                                 
não existe. Esse "mínimo" é gerado em cada sociedade e é diferente para cada segmento da mesma. Mas                                   
ainda dentro do condicionamento histórico, as comunidades que têm alguma noção vivencial acerca de                           
suas necessidades a perdem, de modo que já não sabem mais do que precisam e não demandam o que                                     
"realmente" aspiram, mas acham que necessitam daquilo que os experts dizem que elas necessitam e                             
acham que pedem o que querem e como querem, mas, na verdade, precisam, querem e pedem o que lhes                                     
inculcam que devem necessitar, desejar e solicitar. É, então, muito evidente que nossos coletivos estão, 
16 ▲
atualmente, nas mãos de um enormeexército de experts que acumulam o saber que lhes permite fazer com                                   
o que as pessoas achem que precisam e solicitem aquilo que os experts dizem que precisam e que os                                     
grupos e as classes dominantes lhes concedem. Então, os coletivos têm perdido, têm alienado o saber                               
acerca de sua própria vida, a noção de suas reais necessidades, de seus desejos, de suas demandas, de                                   
suas limitações e das causas que determinam essas necessidades e essas limitações. Eles têm perdido um                               
certo grau de compreensão e o controle sobre que tipos de recursos e formas de organização devem                                 
dispor para colocar e resolver seus problemas. Mal podem organizar­se para resolver seus problemas se                             
não conseguem saber, com precisão, quais são seus verdadeiros problemas e o que se requer para                               
resolvê­los. 
Falei que poderíamos enunciar dois objetivos básicos do Institucionalismo, um deles seria a                         
auto­análise e o outro a autogestão. Agora já podemos explicar um pouco melhor em que consistiria o                                 
primeiro deles. A auto­análise consiste em que as comunidades mesmas, como protagonistas de seus                           
problemas, necessidades, interesses, desejos e demandas, possam enunciar, compreender, adquirir ou                     
readquirir um pensamento e um vocabulário próprio que lhes permita saber acerca de sua vida, ou seja:                                 
não se trata de que alguém venha de fora ou de cima para dizer­lhes quem são, o que podem, o que                                         
sabem, o que devem pedir e o que podem ou não conseguir. Este processo de auto­análise das                                 
comunidades é simultâneo ao processo de auto­organização, em que a comunidade se articula, se                           
institucionaliza, se organiza para construir os dispositivos necessários para produzir, ela mesma, ou para                           
conseguir os recursos de que precisa para a manutenção e o melhoramento de sua vida sobre a terra. Na                                     
medida em que essa organização é conseqüência e, ao mesmo tempo, um movimento paralelo com a                               
compreensão dada pela auto­análise, ela também não é feita de cima para baixo, nem de fora, mas                                 
elaborada no próprio seio heterogêneo do coletivo interessado. Essa auto­análise e essa autogestão não                           
significam necessariamente que os coletivos devam prescindir por completo dos experts porque, sem                         
dúvida, com sua disciplina e seus instrumentos, eles têm acumulada uma quantidade de conhecimento                           
importante e não inteiramente alienado, não necessariamente distorcido, ou seja: produtivo. Mas os                         
experts 
17 ▲
devem submeter seu saber, suas glórias, seus métodos, suas técnicas, suas inserções sociais como                           
profissionais a uma profunda crítica que os faça separar, dentro dessas teorias, métodos e técnicas, dentro                               
dos organismos aos quais pertencem, o que é produto de sua origem, de sua pertença ao bloco dominante                                   
das forças sociais e o que pode ser útil a uma auto­análise, a uma auto gestão, da qual os segmentos                                       
dominados e explorados sejam protagonistas. Para poderem efetuar essa autocrítica, os experts não                         
podem fazê­lo no seio de suas torres de marfim, não podem fazê­lo nas academias ou exclusivamente nos                                 
laboratórios experimentais. Eles têm que entrar em contato direto com esses coletivos que estão se                             
auto­analisando e autogestionando para incorporar­se a essas comunidades desde um estatuto diferente                       
daquele que tinham. Esse estatuto deve resultar de uma crítica das posições, postos, hierarquias que eles                               
têm dentro dos aparelhos acadêmicos ou jurídico­políticos do Estado, ou ainda das diretivas das grandes                             
empresas nacionais e multinacionais. Eles têm de reformular sua condição profissional, seu saber                         
específico. E só conseguirão reformulá­los numa gestão, num trabalho feito em conjunto com essas                           
comunidades e na mesma relação de horizontalidade com que qualquer membro dessa comunidade o faz.                             
Isso permitirá que, eventualmente, os experts, quando a comunidade conseguir organizar­se, tenham algum                         
lugar dentro das organizações específicas que a comunidade se deu a si mesma para esses fins. Então seu                                   
saber, sua capacidade e sua potência produtiva estarão plenamente integrados ao movimento de                         
auto­análise e auto gestão dessa comunidade. Eles poderão assim reformular, aprendendo e ensinando seu                           
saber e sua eficiência nessa nova e inédita situação. À parte dessa reinvenção de sua disciplina, os experts                                   
poderão aprender como eles serão capazes de propiciar outros movimentos autogestivos e auto­analíticos                         
quando forem chamados a participar. 
Esta é uma explicação sucinta dos propósitos fundamentais do Movimento Institucionalista que são                         
sistematicamente compartilhados por todas as tendências que o integram. Ao mesmo tempo em que são os                               
objetivos principais das propostas instituintes, eles são também os próprios meios para realizá­las. Por                           
isso, é importante que esses dois objetivos e meios sejam não apenas superficial, mas profundamente                             
conhecidos pelos leitores. 
18 ▲
É óbvio que autogestão e auto­análise são dois processos simultâneos e articulados. Por quê?                           
Porque auto­análise, para as comunidades, significa a produção de um saber, do conhecimento acerca de                             
seus problemas, de suas condições de vida, suas necessidades, demandas etc., e também de seus                             
recursos. Mas até para que a auto­análise seja praticada pelas comunidades, elas têm que construir um                               
dispositivo no seio do qual essa produção seja realizável. Elas têm que organizar­se em grupos de                               
discussão, em assembléias; elas têm que chamar experts aliados para colaborarem; elas têm que se dar                               
condições para produzir esse saber e para desmistificar o saber dominante. Ao mesmo tempo, tudo o que                                 
elas descobrirem neste processo de auto­conhecimento só terá uma finalidade: a de auto­organizar­se para                           
que possam operar as forças destinadas a transformar suas condições de existência, a resolver seus                             
problemas. Mas não pode haver uma organização sem um saber; não pode haver um saber sem uma                                 
organização. São dois processos diferenciados, mas eles são concomitantes, simultâneos, articulados. 
Costuma­se crer que os processos autogestivos implicam uma falta completa de denominações,                       
hierarquias, quadros, especificidades etc. Na realidade, é difícil pensar qualquer processo organizativo que                         
não inclua uma certa divisão do trabalho e que não implique uma certa hierarquia de decisão, de                                 
deliberação. Esses são funcionamentos inerentes a qualquer processo produtivo. Deverão, então, existirhierarquias, gerências. Mas a existência de hierarquia não implica diferença de poder; não equivale a                             
privilégio ou arbitrariedade na capacidade de decidir. Implica apenas uma certa especialização em algumas                           
tarefas, porque estes dispositivos estão feitos de tal maneira que as decisões de fundo são tomadas                               
coletivamente. Em todo caso, os quadros hierárquicos não são mais que expressão da vontade consensual.                             
São executores. Mas não são executores do mandato das elites mediatizado por organismos burocráticos,                           
por correias de transmissão. Na autogestão os coletivos mesmos deliberam e decidem. Eles têm maneiras                             
diretas de comunicar as decisões. Existem hierarquias moduladas pela potência, peculiaridades e                       
capacidade de produzir; mas não há hierarquias de poder, ou seja, a capacidade de impor a vontade de                                   
um sobre o outro. 
Contudo, é evidente que o Institucionalismo, tanto quanto os processos auto­analíticos, são                       
produtores de conhecimentos, 
19 ▲
e que todo saber envolve, necessariamente, um poder, e ambos não são homogeneamente distribuídos.                           
Mas este saber é um saber coletivo, produzido, distribuído e exercitado na vida coletiva. Na topografia                               
deste saber, existem alguns elementos essenciais que são compartilhados por todo mundo. Então, quando                           
esse saber compartilhado é delegado a alguns que se especializam nessa questão, já não é um saber                                 
produzido fora dos interesses e desejos do coletivo, já não é um saber que vai cair de cima para baixo, de                                         
fora para dentro. É já uma delegação, porque foi produzido dentro, por alguns especialistas no assunto,                               
em estreita colaboração com os diretamente interessados nos benefícios que esse saber e suas aplicações                             
terão, uma vez realizados. 
Isso garante que esses especialistas são verdadeiramente "especiais": delega­se a eles um saber                         
que é a expressão dos interesses e das capacidades essenciais do coletivo. O coletivo conserva um saber                                 
básico acerca de seu campo que lhe permite julgar quando o especialista está exercitando o seu poder                                 
com sentido instituinte­organizante, e então a serviço do coletivo, ou, pelo contrário, de ambições de                             
segmentos individualistas etc. Vou dar um típico exemplo da medicina, embora haja mil exemplos, muitos                             
dos quais não poderemos mencionar aqui porque são muito complexos e extensos para expor. Quem                             
conhece a situação da saúde no Brasil sabe perfeitamente que nosso país não precisa prioritariamente de,                               
digamos, tomógrafos computadorizados, pelo menos a nível de sua problemática prevalente atual. O que o                             
Brasil precisa é de uma política de saúde que não começa nem acaba no campo da medicina. Seus                                   
problemas, que têm efeitos médicos, têm suas causas diretas nos problemas de habitação, alimentação,                           
vestuário e saneamento básico. Disso todos os experts sabem, o que não impede que a ênfase da política                                   
de saúde no Brasil esteja colocada na assistência e não na prevenção, principalmente se por prevenção                               
entende se algo que modifique radicalmente as condições de vida da população. Entretanto, há muitos                             
centros paulistas e cariocas que se orgulham de ter os mais modernos aparelhos para resolver ou                               
diagnosticar uma problemática altamente específica, circunscrita, que afeta 0,5% da população. Acontece                       
que o povo, as organizações de base, não podem questionar de maneira eficiente as políticas médicas do                                 
Brasil porque a primeira coisa 
20 ▲
que lhes seria respondida é que não sabem. Mas o que acontece quando o coletivo revitaliza seu saber,                                   
revaloriza o saber espontâneo que ele tem acerca do que precisa? Os índios têm, as comunidades negras                                 
têm, as comunidades das montanhas têm, as comunidades da planície têm, todo mundo tem um saber                               
espontâneo acerca de quais são os sofrimentos, quais são as enfermidades e como devem ser tratadas,                               
pelo menos, basicamente. Assim, também eles sabem quais problemas devem ser abordados – mesmo                           
que não se exprimam em sofrimento, ou quando o sofrimento ainda não tenha se tornado doença, não                                 
devendo ser tratado como tal. Desde logo este saber também desconhece muita coisa, mas isso não pode                                 
afirmar­se a priori. Só que esse saber é permanentemente desqualificado pelo saber acadêmico, que atua                             
predominantemente a serviço de interesses estatais, nacionais e multinacionais dominantes – um saber                         
consubstancial com esses interesses. 
A primeira operação que as comunidades devem fazer é recuperar, revalorizar o saber espontâneo que                             
elas têm sobre seus problemas; a segunda operação deve ser feita em conjunto com os experts,                               
ajudando­os a criticar essa orientação – essa medula dominante reacionária­que o saber médico (nesse                           
caso) e suas técnicas têm. Sobretudo em termos de hierarquização de prioridades: o que vem primeiro e o                                   
que vem depois, o que é prioritário e o que é secundário. Uma vez que o expert, integrado à comunidade,                                       
demonstra a capacidade de contribuir, em pé de igualdade, para este trabalho de reformulação, pode­se                             
delegar a ele algumas áreas do saber com menos perigo de que ele o transforme em poder, e não numa                                       
potência de colaboração com o coletivo. Nesse caso, o coletivo já não está desqualificado – ele sabe                                 
julgar o que se faz e o que se acha que se sabe. Isso não descarta que possam acontecer novamente                                       
problemas de concentração de saber e de poder, porque este processo de auto­conhecimento e                           
autogestão é interminável. Provavelmente, haverá necessidade de muitas gerações autogestivas e                     
auto­analíticas para que o processo possa exercitar­se em sua plenitude. Se bem que este caminhar está                               
orientado por uma Utopia Ativa que não está colocada num futuro longínquo, senão em cada ato do                                 
cotidiano. Como já dissemos, existiram e existem numerosas tentativas auto­analíticas e autogestivas que                         
não apresentam o caráter purista que a gente pode imaginar em sentido abstrato. Por exemplo, as                               
comunidades 
21 ▲
eclesiásticas de base: pode­se dizer que têm um espírito institucionalista complexamente integrado a                         
aspectos libertários do Cristianismo, embora limitados pelos processos burocráticos da Igreja Católica.                       
Isso abre um tema que eu teria gostado de tratar neste primeiro capítulo, mas acho que vai complicar um                                     
pouco as coisas, porque eu queria enfatizar os conceitos essenciais básicos. Mas, enfim, em que consiste o                                 
temaaqui levantado? O Movimento Institucionalista reconhece uma gênese histórico ­social e uma gênese                           
conceitual. A primeira é a história de todas as tentativas que houve na história da humanidade e as que                                     
hoje existem e exercitam um Institucionalismo espontâneo. Um desses movimentos é o das comunidades                           
eclesiásticas de base no Brasil e em outros países. Mas muitas iniciativas autogestivas já existiram, existem                               
e vão existir, e não precisam do Institucionalismo para se desenvolverem. O Institucionalismo é alguma                             
coisa assim como o resultado do ensinamento dessas iniciativas históricas sobre os próprios experts. Nós,                             
os experts – médicos, engenheiros, advogados, comunicólogos, psicólogos etc –, temos aprendido que                         
isso existe e que poderíamos colaborar para seu desenvolvimento a partir das experiências históricas que                             
já existiram neste sentido e das que estão existindo e se desenvolvem perfeitamente ou dificilmente sem a                                 
nossa participação. Por outro lado, a gênese conceitual refere­se ao campo das idéias, conceitos e                             
funções: todas aquelas teorias, conceitos, idéias, categorias que têm sido produzidas pela humanidade no                           
decorrer da história do conhecimento e podem contribuir para dar base, para fundamentar a proposta                             
institucionalista. 
Agora, gostaria de referir­me à última questão, muito importante. Os leitores compreenderão que                         
esses processos auto ­analíticos e autogestivos se dão em condições altamente desfavoráveis, severamente                         
contraproducentes. Por quê? Naturalmente porque os coletivos em questão não são donos do saber, não                             
são donos da riqueza, não são donos dos recursos que são propriedade e servem ao poder dos                                 
organismos e entidades de classe alta e grupos dominantes. Então, a consecução dos objetivos tem graves                               
impedimentos que vão desde a privação de recursos (que são propriedade a serviço do poder dos                               
organismos e entidades de classe dominante) até a morte física repressiva. Esses processos autogestivos e                             
auto­analíticos são, para a 
22 ▲
 
organização do sistema, um câncer, uma peste. Não há nada que seja mais temido e mais odiado pelo                                   
sistema social, porque os movimentos instituintes têm esse intuito: que os coletivos presidam a definição de                               
problemas, a invenção de soluções, a colocação dos limites do que é possível, do que é impossível e do                                     
que é virtual, o que normalmente é feito pelas instituições, organizações e saberes de grupos e outros                                 
segmentos dominantes. Por isso a autogestão não é tarefa fácil: a prova está em que as iniciativas                                 
auto­analíticas e autogestivas não se caracterizam por seu sucesso. Elas têm aparecido muitas vezes na                             
história e muitas vezes têm sido destruídas ou sufocadas. E as que hoje insistem em existir lutam duramente                                   
contra um conjunto de imensas forças históricas que tentam destruí­las. E quando não conseguem                           
eliminá­las, tentam recuperá­las, incorporá­las. Isso faz com que os objetivos últimos do Institucionalismo                         
– a auto­análise e a autogestão – não sejam atingidos nunca de forma definitiva. Eles são atingidos sempre                                   
na base da tentativa, do ensaio, da procura. Em geral têm maiores ou menores graus de fracasso. Mas isso                                     
não quer dizer que não sejam possíveis ou inventáveis. Então, esta última afirmação que faço refere­se ao                                 
seguinte: as diferentes escolas do Institucionalismo se distinguem entre si pelas teorias, pelos métodos,                           
pelas técnicas com que elas tentam introduzir estes objetivos últimos, e pelo grau de realização com o qual                                   
se conformam. Quer dizer: há correntes, escolas" maximalistas", que buscam a instalação plena da                           
autogestão e da auto­análise. Há outras que se satisfazem com a introdução relativa de alguns mecanismos,                               
de alguns espaços, de alguns temas de auto­análise e autogestão. Ou seja, no Institucionalismo, como na                               
política, existem correntes reformistas e existem correntes ultra­revolucionárias. De qualquer maneira, nada                       
disso impede que as agrupemos em torno desses dois objetivos e recursos. Eles as diferenciam claramente                               
da enorme maioria das propostas políticas, tanto das extremistas quanto das propostas                       
social­democráticas. Provavelmente a tendência política tradicional que mais se aproxima das propostas                       
institucionalistas, e com a qual o Institucionalismo está mais que em dívida, seja a de certas orientações do                                   
anarquismo. 
23 ▲
PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO I 
1) Por que o Institucionalismo é um movimento e não uma ciência, uma disciplina ou uma tecnologia? 
2) O que aconteceu com o saber e o saber­fazer que as comunidades primitivas ou os povos e grupos                                     
leigos em geral produziram e acumularam durante sua experiência de vida? 
3) O que significa" divisão social e técnica do trabalho e do saber", e por que se diz que as ciências, as                                           
disciplinas e seus experts estão em geral a serviço das classes e grupos dominantes? 
4) Existem "necessidades mínimas naturais" cuja satisfação é demandada pelas populações, ou é a oferta                             
de bens e serviços que produz certas necessidades e desejos (e não outros) e modula as demandas? 
5) O que significa auto­análise e autogestão? 
24 ▲
 
Capítulo II 
SOCIEDADES E INSTITUIÇÕES 
O Institucionalismo, à sua maneira, tem uma concepção própria do que é a Sociedade e do que é                                   
a História, a Sociedade como forma organizada de associação humana e a História como o devir da                                 
Sociedade no tempo. O Institucionalismo, sem considerar no momento as diferenças doutrinárias de escola                           
para escola, afirma que a sociedade é uma rede, um tecido de instituições. E que são as instituições? 
As instituições são lógicas, são árvores de composições lógicas que, segundo a forma e o grau de                                 
formalização que adotem, podem ser leis, podem ser normas e, quando não estão enunciadas de maneira                               
manifesta, podem ser hábitos ou regularidades de comportamentos. Alguns autores sustentam que leis,                         
normas e costumes são objetificações de valores. As leis, em geral, estão escritas; as normas e os códigos                                   
também. Mas uma instituição não necessita de tal formalização por escrito: as sociedades ágrafas também                             
têm códigos, só que eles são transmitidos verbal ou praticamente, não figurando em nenhum documento. 
O que essas lógicas significam? Significam a regulação de uma atividade humana, caracterizam uma                           
atividade humana e se pronunciam valorativamente com respeito a ela, esclarecendo 
25 ▲
o que deve ser, o que está prescrito, e o que não deve ser, isto é, o que está proscrito, assim corno o queé indiferente. Essas lógicas, esses corpos discriminativos, são vários, e é curioso que os institucionalistas                             
têm dificuldades para chegar a um acordo acerca de quais e quantos são. 
Vamos examinar algumas ilustrações mais ou menos indiscutíveis. Um exemplo de urna instituição: a                           
instituição da' linguagem. Ela caberia nesta definição que formatamos quando a pensamos em termos                           
gramaticais. A gramática não é nada mais que um conjunto de leis, de normas que regem a combinatória                                   
de elementos fônicos, de unidades de significação na linguagem. Com a combinação desses elementos,                           
conforme indicado por essas leis, pode construir­se um infinito número de mensagens, de tal modo que                               
estas mensagens são compreensíveis para qualquer falante ou ouvinte dessa língua. Então, corno se pode                             
ver, no final das contas, urna gramática é urna instituição que explicita as opções de acordo com as quais                                     
se vão produzir mensagens, consideradas gramaticais ou agramaticais, os prescritos ou os proscritos. É                           
claro que, no caso da língua, não estarão estipulados também os prêmios e os castigos para quem usa de                                     
forma correta ou incorreta a língua, que é o que acontece em outros tipos de instituição. Mas o preço de                                       
seu desconhecimento ou transgressão é óbvio: a incomunicabilidade dentro do universo humano, pelo                         
menos dentro desse universo humano em particular. 
Outro exemplo são as instituições de regulamentação do parentesco, as que definem os lugares tais corno:                               
pai, mãe, filho, nora, genro etc. Elas são as que prescrevem entre quais membros dessa classificação                               
podem se dar uniões, entre quais membros não podem se dar uniões e que tipo, que característica de                                   
vínculo. de descendência e aliança relaciona cada uma destas posições com a outra. Isso também é um                                 
código que, formalizado ou não, regula a relação de parentesco e tem prescrições – o que é indicado; e                                     
também proscrições – o que é proibido; assim como o que é indiferente ou não abrangido por essa lógica.                                     
Outra instituição pouco discutível entre os institucionalistas é a da divisão do trabalho humano. O trabalho                               
humano está dividido segundo os momentos e as especificidades de cada tipo de produção e tarefa                               
(divisão técnica). Mas, por outro lado, essa divisão vem acompanhada de urna hierarquia que institui                             
diferenças de poder, 
26 ▲
 
prestígio e lucro – não necessariamente justificadas pela importância produtiva daqueles que detêm esses                           
lugares (divisão social). Por exemplo: trabalho manual e intelectual, do campo e da cidade, assalariados e                               
autônomos, feminino e masculino etc. 
Há também as instituições da educação, isto é, aquelas leis, normas e pautas que prescrevem                             
corno se deve socializar, instruir um aspirante a membro de nossa comunidade para que ele possa                               
integrar­se à mesma com suas características efetivas. 
Ternos também a instituição da religião, que é a que regula as relações do homem com a                                 
divindade, divindade sobrenatural para uns ou imanente à vida terrena para outros, mas com respeito à                               
qual existe toda urna série de comportamentos indicados e toda urna série de comportamentos                           
contra­indicados. 
Ternos também as instituições de justiça, as instituições da administração da força, e assim por                             
diante. Em um plano formal, urna sociedade não é mais que isso: um tecido de instituições que se                                   
interpenetram e se articulam entre si para regular a produção e a reprodução da vida humana sobre a terra                                     
e a relação entre os homens. Agora, entendidas assim, as instituições são entidades abstratas, por mais que                                 
possam estar registra das em escritos ou conservadas em tradições. 
Para vigorar, para cumprir sua função de regulação da vida humana, as instituições têm de                             
realizar­se, têm de "materializar­se". E em que elas se materializam? Em dispositivos concretos que são as                               
organizações. As organizações, então, são formas materiais muito variadas que compreendem desde um                         
grande complexo organizacional tal como um ministério Ministério da Educação, Ministério da Justiça,                         
Ministério da Fazenda etc. – até um pequeno estabelecimento. Ou seja, as organizações são grandes ou                               
pequenos conjuntos de formas materiais que concretizam as opções que as instituições distribuem e                           
enunciam. Isto é, as instituições não teriam vida, não teriam realidade social senão através das                             
organizações. Mas as organizações não teriam sentido, não teriam objetivo, não teriam direção se não                             
estivessem informadas como estão, pelas instituições. 
Por sua vez, urna organização (que, como insisti, costuma ser um complexo grande, vultoso) está                             
composta de unidades menores. Estas são de naturezas muito diversas e é difícil enunciá­las todas. Mas,                               
pelo menos, há algumas que são muito 
27 ▲
características, como, por exemplo, os estabelecimentos. Estabelecimentos seriam as escolas, um                     
convento, uma fábrica, uma loja, um banco, um quartel. Há diversos tipos de estabelecimentos, de                             
características muito diferentes. Mas é um conjunto de estabelecimentos o que integra uma organização. 
Os estabelecimentos, em geral, incluem dispositivos técnicos cujos exemplos mais básicos são a                         
maquinaria, as instalações, arquivos, aparelhos. Isso recebe o nome de equipamento. O equipamento pode                           
ter uma realidade material que coincide com o estabelecimento, ou seja, as máquinas de um                             
estabelecimento – ou pode ter uma realidade muito mais ampla, de maneira que forme um grande sistema                                 
de máquinas, um grande equipamento. Isso é o que acontece, suponhamos, com os equipamentos das                             
organizações da comunicação de massa, que, por sua vez, são organizações que realizam as prescrições                             
de uma grande instituição que é a instituição da Comunicação Social. 
Instituição – Organização – Estabelecimento – Equipamento. Tudo isso, naturalmente, só adquire                       
dinamismo através dos agentes. Nada disso se mobiliza, nada disso pode operar senão através dos                             
agentes. Os agentes são "seres humanos", são os suportes e os protagonistas de toda essa parafernália. E                                 
os agentes protagonizam práticas. Práticas que podem ser verbais, não­verbais, discursivas ou não,                         
práticas teóricas, práticas técnicas, práticas cotidianas ou inespecíficas. Mas é nas ações que toda essa                             
parafernália acaba por operar transformações na realidade. Então, estas unidades (instituição –                       
organização – estabelecimento – equipamento – agente – práticas) não podem ser confundidas. Mas,                           
infelizmente, comfreqüência isso ocorre. E não são confundidas apenas pelos leigos, mas também pelos                             
institucionalistas. Então, quando se estuda uma escola institucionalista, esta escola pode chamar de                         
instituição às organizações; de organização a um estabelecimento. Isso não é nada recomendável porque a                             
primeira coisa a se fazer para se entender este complexo panorama é criar uma nomenclatura mais ou                                 
menos universal e compartilhada. A que proponho aqui é a que grande parte dos institucionalistas aceita. 
Isso não é apenas o exercício de um desafio, mas algo importante. Se começamos a dizer, por                                 
exemplo, que essa escola é uma instituição, o assunto se complica, pois essa escola não é 
28 ▲
 
uma instituição, e sim um estabelecimento que faz parte de urna grande organização – provavelmente do                               
Ministério da Educação, que, por sua vez, realiza uma grande instituição: a instituição da Educação, que é                                 
uma lógica, uma série de prescrições ou leis. 
Em uma instituição podem­se distinguir duas vertentes importantes. Uma é a vertente do instituinte,                           
e outra a do instituído. Apesar de as origens das instituições serem muito difíceis de se determinar – ou                                     
seja, fazer a história de uma instituição, particularmente a de seu começo, é urna tarefa às vezes impossível,                                   
corno se costuma dizer, "perde­se no começo dos tempos". Inclusive há muitas instituições, como a                             
instituição da língua, das relações de parentesco, da religião e da divisão do trabalho, das quais não se                                   
pode dizer qual veio primeiro e qual veio depois. Mas podemos afirmar que para uma sociedade humana                                 
existir é preciso haver no mínimo essas quatro instituições humanas, ou seja, humanidade é sinônimo de                               
coletivo regido por essas instituições, e essas instituições são sinônimo de existência de um coletivo                             
humano. Então, é difícil saber como eram os coletivos antes que aparecessem essas instituições. É o                               
mesmo que perguntar como era o homem antes de ser homem, pelo menos como o entendemos. Então,                                 
situar a origem dessas instituições é muito difícil. Só se pode dizer que uma instituição supõe outra, precisa                                   
da outra, e o seu conjunto é o que constitui uma civilização ou uma sociedade humana. Agora, se                                   
freqüentemente não se pode dizer como essas grandes instituições começaram, sem dúvida se pode                           
distinguir nelas uma potência, um movimento de transformação constante que tende a modificar, a operar                             
mutações nas suas características. Em poucas ocasiões privilegiadas pode­se assistir historicamente ao                       
nascimento de uma grande instituição. Mas, em geral, não é isso o que acontece. O que se pode                                   
presenciar são grandes momentos históricos de revolução de uma instituição, de profundas transformações                         
de urna instituição. Então, a esses momentos de transformação institucional, a essas forças que tendem a                               
transformar as instituições ou também a estas forças que tendem a fundá­las (quando ainda não existem), a                                 
isso se chama o instituinte, forças instituintes. São as forças produtivas de lógicas institucionais. 
Este grande momento inicial do processo constante de produção, de criação de instituições, tem                           
um produto, geram 
29 ▲
um resultado, e este é o instituído. O instituído é o efeito da atividade instituinte. Se vocês prestarem                                   
atenção a esses nomes, eles mesmos já estão dizendo alguma coisa com relação à diferença entre o                                 
instituinte e o instituído. O instituinte aparece como um processo, enquanto o instituído aparece como um                               
resultado. O instituinte transmite uma característica dinâmica; o instituído transmite uma característica                       
estática, estabilizada. Então, é evidente que o instituído cumpre um papel histórico importante, porque as                             
leis criadas, as normas constituídas ou os hábitos, os padrões, vigoram para regular as atividades sociais,                               
essenciais à vida da sociedade. Mas acontece que essa vida é um processo essencialmente cambiante,                             
mutante; então, para que os instituídos sejam funcionais na vida social, eles têm de estar acompanhando a                                 
transformação da vida social mesma para produzir cada vez mais novos instituídos que sejam apropriados                             
aos novos estados sociais. Tem­se que evitar uma leitura do tipo maniqueísta, que pensa que o instituinte é                                   
bom e o instituído é ruim, embora seja verdade que o instituído apresente, por natureza, uma tendência à                                   
resistência, uma disposição que se poderia chamar a persistir em seu ser, a não mudar, que quando se                                   
exacerba, se exagera, se conhece politicamente pelo nome de conservadorismo, reacionarismo. Pelo                       
contrário, o instituinte aparece como atividade revolucionária, criativa, transformadora por excelência. Na                       
realidade, não é exatamente assim, porque o instituinte careceria completamente de sentido se não se                             
plasmasse, se não se materializasse nos instituídos. Por outro lado, os instituídos não seriam efetivos, não                               
seriam funcionais, se não estivessem permanentemente abertos à potência instituinte. 
Por sua vez, o mesmo acontece a nível organizacional. Existe o organizante e o organizado. Há                               
uma atividade permanentemente crítica e transformadora, otimizadora das organizações – o organizante. E                         
há o organizado, que se pode ilustrar com o famoso organograma ou fluxograma, que é necessário, mas                                 
que tem uma tendência "natural" a cristalizar­se (entre aspas porque nada tem a ver com o natural), uma                                   
tendência histórica a esclerosar­se e a adotar uma série de vícios, entre os quais o mais conhecido é a                                     
burocracia, embora não seja o único. Então, é importante saber que a vida social – entendida como o                                   
processo em permanente transformação que deve tender ao aperfeiçoamento e visar a maior felicidade,                           
maior realização, 
30 ▲
maior saúde e maior criatividade de todos os membros – só é possível quando ela é regulada por                                   
instituições e organizações e quando nessas instituições e organizações a relação e a dialética existentes                             
entre o instituinte e o instituído, entre o organizante e o organizado (processo de                           
institucionalização­organização) se mantêm permanentemente permeáveis, fluidas, elásticas. 
Outra maneira de referir­se a isso é dizer que nas instituições, organizações, estabelecimentos, agentes,                           
práticas, pode­se distinguir uma função e um funcionamento. Para poder entender essa terminologia,                         
tem­se que compreender que nas civilizações e nos conjuntos humanos, e na vida humana tomada num                               
sentido muito amplo, há a tendência a adquirir semprecaracterísticas históricas que comprometem este                           
objetivo utópico ativo. Essas características históricas, muito diferentes de uma sociedade para outra, de                           
uma fase histórica para outra, podem ser resumidas em três grandes situações viciosas conhecidas por                             
todo mundo: são os processos de exploração, de dominação e de mistificação (desinformação ou engano).                             
Essas são as deformações do percurso da vida social e de seus objetivos mais nobres, de suas finalidades                                   
mais altas, que cada sociedade coloca à sua maneira, e que são chamadas de utopias sociais: como uma                                   
sociedade tenta, deseja, deve chegar a ser. É claro que, à exceção de algumas sociedades em particular,                                 
desde que existem sociedades, as utopias sociais incluem diferentes formas de liberdade, diferentes formas                           
de igualdade, diferentes formas de veracidade e fraternidade, apesar de eu estar usando, para referir ­me a                                 
isso, a utopia da Revolução Francesa, chamada de revolução burguesa, que não é nem a única nem a                                   
melhor das utopias, mas é a mais conhecida por nós. Então, cada sociedade, em seus aspectos instituintes                                 
e organizantes, sempre tem uma utopia, uma orientação histórica de seus objetivos, que é desvirtuada ou                               
comprometida por uma deformação que se resume em: exploração de alguns homens pelos outros                           
(expropriação da potência e do resultado produtivo de uns por parte de outros); 
dominação, ou seja, imposição da vontade de uns sobre os outros e desrespeito à vontade coletiva,                               
compartilhada, de consenso; e mistificação, ou seja, uma administração arbitrária ou deformada do que se                             
considera saber e verdade histórica, que é substituída por diversas formas de mentira, engano, ilusão,                             
sonegação de informação etc. Assim, se se compreende esta oposição entre a 
31 ▲
utopia, o aperfeiçoamento da vida social e suas deformações exploração, dominação, mistificação­, então                         
se pode compreender mais facilmente uma divisão que se estabelece entre função e funcionamento. O dito                               
não significa que as utopias sejam sempre inocentes e acabem traídas, mas em geral elas são mesmo                                 
traídas. 
As instituições, organizações, estabelecimentos, agentes e práticas desempenham uma função. Esta                     
função está sempre a serviço das formas históricas de exploração, dominação e mistificação que se                             
apresentam nesta sociedade. Toda instituição, toda organização, todo estabelecimento apresenta esta                     
função a serviço dos exploradores, dos domina dores, dos mistificadores. Só que esta função raramente se                               
apresenta como ela é, justamente por causa da questão da mistificação... A função apresenta­se                           
deformada, disfarça da, mostra­se como o objetivo natural, desejado e lógico das instituições e das                             
organizações. Isto é, não se manifesta claramente ao nível do instituído e do organizado. Ou seja, os                                 
instituídos e os organizados apresentam, predominantemente, freqüentemente, funções a serviço da                     
exploração, da dominação, da mistificação. E as exprimem de tal maneira que as fazem parecer "naturais",                               
desejáveis e eternas, ao passo que o instituinte e o organizante são sempre inspirados pela utopia, estão                                 
sempre a serviço dos objetivos que, provisoriamente, chamamos de Justiça, de Igualdade e Fraternidade.                           
Podem ser chamados de outra maneira. Essas forças, esses processos, recebem o nome de                           
funcionamento. Então, o funcionamento é sempre instituinte, é sempre transformador, é justiceiro e tende à                             
utopia': A função, ela é predominantemente reacionária, conservadora, a serviço da exploração, da                         
dominação e da mistificação, e se apresenta aos olhos não atentos como eterna, natural, desejável e                               
invariável. 
Agora, pode­se definir outros termos que temos aqui presentes. O instituído, o organizado,                         
enquanto produtivo, enquanto expressão apropriada, enquanto recurso operante o instituinte, é claro que é                           
necessário. Acontece que, rapidamente, tendem a cair fora do seu sentido de funcionamento para adotar a                               
característica da função, coisa que se compreenderá melhor quando se entender que a característica                           
essencial do instituinte, do organizante e dos seus produtos operantes é serem propícios à produção,                             
produção que é a geração do novo, daquilo que 
32 ▲
 
almeja a utopia; funcionamento e produção são a mesma coisa. Função é sinônimo de reprodução: é a                                 
tentativa de reiterar o mesmo, de perpetuar o que já existe, aquilo que não é operativo para propiciar as                                     
transformações sociais. Então: instituinte e instituído, organizante e organizado, produção contra                     
reprodução, funcionamento contra função. 
Para concluir, exporemos definições que são um pouco áridas, abstratas, mas necessárias para                         
entender os passos seguintes que vamos dar: digamos em que consiste, como entender, como analisar                             
cada instituição, cada organização, e como intervir para favorecer a ação do instituinte e do organizante.                               
Não se pode fazer este trabalho sem ter claras estas definições. Para concluir, os instituintes­instituídos,                             
organizantes­ organizados que constituem a malha, a rede social, não atuam separadamente, mas sim em                             
conjunto. E essa atividade em conjunto pode ser enunciada com uma fórmula pedagógica: cada um deles                               
atua no outro, pejo outro, para o outro, desde o outro. Essa é uma tentativa de enunciar o entrelaçamento,                                     
a interpenetração que existe entre todos os instituintes e instituídos, entre todos os organizantes e                             
organizados. Esta interpenetração acontece ao nível da função e ao nível do funcionamento; ao nível da                               
produção e ao nível da reprodução; ao nível daquilo que funcionará a favor da utopia e ao nível daquilo                                     
que está contra. Então, essa interpenetração ao nível da função, do conservador, do reprodutivo,                           
chama­se atravessamento. Essa interpenetração ao nível do instituinte, do produtivo, do revolucionário, do                         
criativo chama­se transversalidade. Para dar apenas um exemplo, vou mostrar­lhes um caso de                         
atravessamento de funções a nível organizacional. Nós dizemos, por exemplo, que uma escola é um                             
estabelecimento das organizações do ensino, que por sua vez são uma realização da instituição da                             
educação. Acontece que uma escola não só alfabetiza, não só instrui, não só educa dentro dos objetivos                                 
manifestos do organizado e do instituído, mas também prepara força de trabalho (alienado), ou seja, uma                               
escola também é uma fábrica. Por outro lado, uma escola, de acordo com a concepção de ensino que elatenha, também consegue manter os alunos presos durante seis a oito horas por dia, e além de ensiná­los a                                     
ler e escrever, o que fundamentalmente lhes ensina é a obedecer, e o que basicamente lhes transmite é um                                     
sistema de prêmios e punições, especialmente 
33 ▲
de punições. Neste sentido é que uma escola é também um cárcere. Mas, além disso, o que a escola                                     
ensina é uma série de valores do que deve ser construído, do que deve ser destruído, ensina formas de                                     
exercício da agressividade. Então, de alguma maneira, também se pode dizer que uma escola é um quartel                                 
ou uma delegacia de polícia. Então, vocês vão vendo como uma escola, ao nível do instituído, do                                 
organizado, ao nível da função, ao nível da reprodução, está atravessada pelas outras organizações. Existe                             
uma estreita colaboração na tarefa de reproduzir o que está, tal como está, e dessa maneira colaborar para                                   
a perpetuação da exploração, da dominação e da mistificação. Mas uma escola também é um âmbito onde                                 
se tem a ocasião de formar um agrupamento político­escolar,um clube estudantil; uma escola também é um                               
lugar onde se pode aprender a lutar pelos direitos; uma escola também é um lugar onde se pode integrar                                     
um sistema de ajuda mútua entre os alunos; uma escola também é um lugar onde se pode adquirir                                   
elementos para poder materializar as correntes instituintes, produtivas; numa escola também se pode                         
aprender a lutar contra a exploração, a dominação, a mistificação. Então, uma escola tem um lado                               
instituinte, um lado organizante. Neste sentido, a escola pode ser também, por exemplo, uma frente de luta                                 
revolucionária, de luta sindical, um lugar de doutrinamento para a revolução, um lugar de exercício da                               
solidariedade. Neste sentido é que uma escola tem também um funcionamento articulado, interpenetrado                         
com muitas outras organizações, instituições, com muitos outros instituintes e organizantes da sociedade                         
que atuam nela, através dela, para ela, por ela, e ela por outras, e ainda entre os diversos∙ quadros e                                       
segmentos desse mesmo estabelecimento. Essa interpenetração chama­se transversalidade. A                 
interpenetração ao nível da função, da reprodução, como já vimos, chama­se atravessamento. A                         
interpenetração a nível instituinte, produtivo, chama­se transversalidade, e esta se define também como                         
uma dimensão da vida social e organizacional que não se reduz à ordem hierárquica da verticalidade nem à                                   
ordem informal da horizontalidade. Os efeitos da transversalidade caracterizam­se por criar dispositivos                       
que não respeitam os limites das unidades organizacionais formalmente constituídas, gerando assim                       
movimentos e montagens alternativos, marginais e até clandestinos às estruturas oficiais e consagradas. 
34 ▲
 
Com isso temos definida, até certo ponto, a concepção institucionalista da sociedade. A sociedade é uma                               
rede constituída pela interpenetração de forças e entidades reprodutivas e antiprodutivas cujas funções                         
estão a serviço da exploração, dominação e mistificação (atravessamento), assim como também está                         
constituída pela interpenetração das forças e entidades que estão a serviço da cooperação, da liberdade,                             
da plena informação, ou seja, da produção e da transformação afirmativa e ativa da realidade                             
(transversalidade). 
35▲
PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO II 
1) O que são, para o Institucionalismo, as sociedades? 
2) O que implica dizer que as instituições são lógicas e que podem estar formalizadas em leis ou normas ou                                       
que se manifestam em hábitos? 
3) Quais seriam exemplos de instituições? Que são as organizações, os estabelecimentos, equipamentos,                         
agentes e práticas? 
4) O que é o instituinte e o instituído, o organizante e o organizado, a função e o funcionamento, a                                       
produção, a reprodução e a antiprodução? 
5) O que é o atravessamento e a transversalidade? 
6) De que está composta a rede social? 
36 ▲
 
Capítulo III 
AS HISTÓRIAS 
o que é para o Institucionalismo o termo "história"? Nós temos, empiricamente, alguma noção aproximada                             
do que é história. Numa primeira instância, é importante diferenciar História de Historiografia. A                           
historiografia é o registro dos fatos históricos que a gente encontra nos arquivos e, geralmente, é uma                                 
versão que foi conservada e foi publicada porque coincide com os interesses do Estado, das classes                               
dominantes, do instituído e do organizado, que têm recursos para resgatar e promover estes documentos.                             
Naturalmente, registram aquilo que lhes convém. Então, historiografia é esta versão que, em geral, se                             
apresenta como sendo objetiva, neutra, impessoal e que, a rigor, é apenas uma versão tão interesseira, tão                                 
tendenciosa quanto qualquer outra, mas que aparece como descritiva, como meramente narrativa. Agora,                         
História, propriamente, não é isso. 
Historiar é um processo de conhecimento que pretende reconstruir os acontecimentos nos tempos,                         
mas que o faz assumindo que qualquer reconstrução é feita desde uma perspectiva, que qualquer registro                               
inclui os desejos, os interesses, as tendências de quem faz História. Porque a versão que se tem da                                   
História é sumamente importante, enquanto justifica as ações 
37 ▲
e paixões que se protagonizam no presente e, geralmente, justifica e propicia um projeto futuro para a vida                                   
social, ou seja, todos os movimentos sociais que se deflagram, que se impulsionam para chegar a este                                 
porvir. Algumas coisas que o Institucionalismo tem a dizer com respeito à História podem ser resumidas                               
em poucas palavras: 
Primeiro: o Institucionalismo afirma que a História não é, apenas, a reconstrução do que já                             
aconteceu e que já está, de alguma maneira, morto, obsoleto, definido – "o que foi, já foi"­, mas consiste                                     
em uma localização daquilo que, de alguma forma, começou, teve início em um passado. Mas o interesse                                 
da História institucionalista é o de reconstruir o passado enquanto ele está vivo no presente, enquanto ele                                 
está atuante e pode determinar ou já está determinando o futuro. Passado e futuro se constroem e                                 
reconstroem incessantemente desde os valores que inspiram a um presente crítico e revolucionário. 
Segundo: o Institucionalismo afirma que não existe uma História, uma História que seja como uma espécie                               
de mangueira, de modo que totalize todo o devir da vida social em um espaço e em um tempo só; mas diz                                           
que existem "histórias" – multiplicidades econômicas, culturais, ideológicas, do desejo, da afetividade, davontade, histórias raciais, histórias das gerações. Cada uma delas transcorre num tempo próprio que não                             
se pode uniformizar, que não se pode totalizar, globalizar em um tempo único; de modo que não se pode                                     
estudar uma época como se essa época fosse um corte transversal, que se faz num único fluxo da História,                                     
como se faria no fluxo de um rio. Trata­se de tentar articular os diferentes tempos dos diferentes processos                                   
históricos em alguns momentos, eras ou etapas, que são localizáveis como tais, cronológica ou                           
conceitualmente, no século XVI, no século XI, ou na Idade Antiga etc. Mas isso não significa que este seja                                     
o único tempo em que se transcorreram todos os processos. Quer dizer, os processos que constituem a                                 
História são processos policronológicos, cada um em sua duração, e é preciso ver como cada um se                                 
"adianta" ou se "atrasa" em relação aos outros. Outro aspecto importante da leitura institucionalista do                             
tempo é que não é o passado que engendra o presente, mas o passado está composto de uma série de                                       
potencialidades que o presente ativa, que o presente ilumina, que o presente deflagra. Não é o passado                                 
que gera o presente, e sim o presente que explora, que aproveita 
38 ▲
 
ou atualiza as potencialidades do passado para construir um porvir. Por outro lado, a História não é uma                                   
série de etapas fatais, ou mais ou menos determinadas, cada uma das quais origina a seguinte, que                                 
começam do zero e vão acabar em dez, cem ou qualquer número final. Não existe uma progressão                                 
predeterminada das etapas históricas e, por conseguinte, não existe um apogeu final dos tempos. O                             
Institucionalismo não aceita a idéia de uma escatologia histórica, isto é, um final que pode ser entendido                                 
como final feliz – e que nesse caso confirme uma escatologia positiva, ou um final catastrófico ou                                 
apocalíptico. Não existe finalidade da História. O que pode ocorrer no dia­a­dia não está inteiramente                             
predeterminado no passado e nem é certo que vá acontecer no futuro. Segundo alguns institucionalistas, o                               
tempo, sempre policronológico, se produz, devém desde um presente em direção ao passado e ao futuro. 
Finalmente, outra afirmação importante que o Institucionalismo pode aportar à teoria da História é                           
que nós, com uma explicação claramente mecânica, baseada em paradigmas de ordem que se                           
desenvolveram do século XVII em diante – que têm como modelo a mecânica celeste com suas                               
trajetórias, suas parábolas, suas órbitas, e como correlato à máquina do relógio –, com este metamodelo                               
mecanicista, tendemos a pensar a História em função de suas leis, sendo que os enunciados legais                               
supostamente dão conta dos processos repetitivos que transcorrem na realidade. Somos levados a pensar                           
que a História se desenvolve segundo uma ordem de características mais ou menos maquinais, que tende a                                 
repetir­se e que, em todo caso, quando não se repete é porque tem conseguido produzir alguma diferença                                 
em relação a uma provável repetição do idêntico ou do igual. Então, esta concepção da História que faz                                   
da diferença uma variação análoga ou semelhante do igual, ou do idêntico, não é compartilhada pelo                               
Institucionalismo. O Institucionalismo diz que o que, predominantemente, retoma na História, não é o igual,                             
não é o idêntico, não é o regular, não é aquilo que se pode captar por leis típicas da mecânica física ou da                                             
mecânica celeste, do relógio ou do calendário, mas que o que se repete na História é a diferença, é o                                       
acaso, é o inesperado, o acontecimento, o imprevisível, o aleatório. E que são estes grandes ou pequenos                                 
momentos de repetição do diferente (por exemplo: do instituinte) que depois 
39 ▲
vão tentar ser capturados pelo instituído, pelo organizado e repetidos como idênticos. 
Bem, esta concepção da História que estou sintetizando ao máximo, com contribuições de diferentes                           
tendências institucionalistas, não é apenas um exercício acadêmico, mas está estritamente relacionada com                         
a concepção da práxis, da atividade político­social desejante que o Institucionalismo tem, e com a utopia                               
ativa, quer dizer, o propósito, o objetivo, a finalidade e os recursos do Institucionalismo. Porque se bem o                                   
Institucionalismo interessa­se em estudar as leis do que tende a repetir­se, ele está mais implicado em                               
assumir uma práxis que propicie o advento do inesperado, do acontecimento, da inovação absoluta.                           
Então, trata­se de entender como a História é não apenas uma atividade ilustrativa, uma investigação                             
erudita, mas uma tentativa de reconstruir os grandes momentos de imprevisto, os grandes momentos de                             
acaso que transformaram o curso da humanidade, para a partir desses ensinamentos, produzir estratégias                           
que permitam propiciá­los novamente. A História se estuda para aprender como militar a favor da                             
transformação, não de uma transformação previsível, não de uma transformação pré­ figurada, mas da                           
transformação em direção ao radicalmente novo e, portanto, absolutamente desconhecido. Tentemos                     
agora definir outros conceitos importantes. 
O termo molar, outro termo que tínhamos de comentar e que se entende em contraposição ao                               
termo molecular, é uma contribuição feita por algumas escolas institucionalistas e que vou tentar explicar                             
brevemente. 
Para os institucionalistas não existe uma separação radical entre vida econômica, vida política, vida do                             
desejo inconsciente, vida biológica e natural. O que existe são imanências – isto é, a inerência, a posição                                   
intrínseca de cada um destes campos em relação aos outros, que só se podem separar de uma maneira                                   
artificial para a finalidade de seu estudo. A rigor funcionam sempre, por assim dizer, um "dentro" do outro,                                   
incluindo­se no outro. Então, dentro desta concepção da vida social como uma rede, em que os diversos                                 
processos são imanentes um ao outro, pode se distinguir o molar, que, dito de uma maneira simples, é                                   
aquilo que é grande, que é evidente, que tem formas objetais ou formas discursivas, visíveis e enunciáveis.                                 
Por outra parte temos o molecular, que é o que na física se costuma chamar micro, por 
40 ▲
 
oposição a macro, isto é, o mundo atômico e subatômico, o mundo das partículas, enquanto o mundo                                 
macro por excelência seria, por oposição, o universo, o cosmos, que é composto de grandes corpos.                               
Então, tomando esses ensinamentos da microfísica, da microquímica, da microbiologia,

Outros materiais