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Compêndio de Análise Institucional

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10 
 
Compêndio de análise institucional e outras 
correntes: teoria e prática 
Gregorio F. Baremblitt 
5ª.ed. 
 
SUMÁRIO 5 
INTRODUÇÃO.............. 11 
CAPÍTULO I: O movimento institucionalista, a auto-análise e a 
autogestão..............13 
CAPÍTULO II: Sociedades e instituições..............25 
CAPÍTULO III: As histórias..............37 
CAPÍTULO IV: O desejo e outros conceitos no institucionalismo..............53 
CAPÍTULO V: As tendências mais conhecidas do institucionalismo..............71 
CAPÍTULO VI: Roteiro para uma intervenção institucional padrão..............90 
CAPÍTULO VII: O institucionalismo na atualidade..............108 
GLOSSÁRIO..............133 
APÊNDICE..............174 
POST-SCRIPTUM..............195 
BIBLIOGRAFIA BÁSICA..............205 
BIBLIOGRAFIA DE CONSULTA..............207 
 
 
 
 
 
11 
 
INTRODUÇÃO 
Este livro corresponde à versão escrita de um curso proferido em 
Belo Horizonte no decorrer de 1990, organizado pelo Movimento 
Instituinte de Minas Gerais. Curso que, por sua vez, foi requerido 
para atender ao crescente interesse pelo Movimento 
Institucionalista ou Instituinte no Brasil e facilitar o acesso aos textos 
dos fundadores das diferentes correntes. Os seis primeiros 
capítulos correspondem às seis aulas que compuseram o curso, 
enquanto o último foi escrito como artigo independente, ainda 
inédito. 
O Movimento Institucionalista é um conjunto heterogêneo, 
heterológico e polimorfo de orientações, entre as quais é possível 
se encontrar pelo menos uma característica comum: sua aspiração 
a deflagrar, apoiar e aperfeiçoar os processos auto-ana líticos e 
autogestivos dos coletivos sociais. 
Essa vocação libertária, o estatuto epistemológico e jurídico 
absolutamente singular e a infinita variedade de tendências que 
compõem o Movimento tornam extremamente difíceis a tarefa de 
ensiná-lo. Se se deseja ser coerente com os valores do Movimento, 
sua Pedagogia exige uma originalidade da qual já existem muitas 
tentativas, mas que, ao mesmo tempo, ainda está para ser 
produzida. 
Este curso, proferido com uma metodologia tradicional, tem 
apenas o propósito de aproximar os leitores das finalidades e 
recursos mais conhecidos e do panorama atual do Institucionalismo. 
Mais informativo que formativo, foi inspira do pelo desejo de 
estender e facilitar um saber e um fazer com plexo e arriscado, 
mas, no meu entender, importantíssimo para o povo brasileiro. 
12 
 
Apesar da superficialidade e rapidez com que os densos 
temas são apresentados, acredito que este livro seja estimulante, 
discretamente esclarecedor e ainda minimamente instrumental para 
os futuros institucionalistas. Para quem decidir continuar, ou, 
sejamos realistas, começar verdadeiramente sua formação nesta 
fascinante proposta, a bibliografia final, integrada predo 
minantemente por textos em português e castelhano encontráveis 
no Brasil, proverá boa parte da diretriz indispensável para tal fim. 
Entre as escolas não-incluídas neste volume devido à sua 
proposta introdutória, devo destacar as correntes latino-americanas 
de Pichón-Riéver, Bleger, Ulloa, Malfe, Bauleo, Kaminsky, 
Pavlovsky, De Brasi, Matrajt, Scherzer e tantos outros aos quais me 
proponho a destinar, em algum momento, um livro especial. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
Capítulo I 
O MOVIMENTO INSTITUINTE, A AUTOANÁLISE E A 
AUTOGESTÃO. 
 
No início devemos esclarecer que esse livro não terá o nível que alguns 
esperariam, pois se procura apresentar uma exposição de nível médio, para 
ser entendida pelo maior número possível de pessoas. 
Vamos tratar do chamado Movimento Institucionalista ou Instituinte que, 
como o nome aproximativamente indica, é um conjunto de escolas, um leque 
de tendências. Não existe nenhuma escola ou tendência que possa dizer que 
encarna plenamente o ideário do Movimento Instituinte. Contudo, pode-se 
encontrar em diversas dessas escolas algumas características em comum. E é 
a essas características em comum que eu gostaria de referir-me agora, da 
maneira mais simples e mais didática possível. Em capítulos sucessivos, 
teremos ocasião de complicar as coisas... Agora, a intenção é, 
predominantemente, simplificá-las. 
Entre as características presentes em todas as tendências do 
Movimento Instituinte, há algumas que são relativamente fáceis de colocar. Eu 
diria que existe o que se chama de "ideais máximos" do Movimento. Podemos 
chamar a isto também de propósitos mais importantes, os objetivos mais 
ambiciosos dessas escolas. Os mesmos podem ser enunciados através de 
duas palavras aparentemente simples, mas que são como veremos depois, 
muito complexas. 
As diferentes escolas do Movimento Instituinte se propõem a propiciar, 
apoiar e deflagrar nas comunidades, nos coletivos e conjuntos de pessoas 
processos de autoanálise e de autogestão. O que significam essas palavras? 
Depois, compreenderemos com mais detalhes que os processos de 
interação humana, os processos de funcionamento social, têm sido sempre 
muito complexos. Mas em nossa civilização chamada industrial, capitalista ou 
tecnológica, a complexidade da vida social atingiu seu máximo expoente em 
toda a história da humanidade. Se compararmos, por exemplo, uma 
14 
 
organização social dita "primitiva", ou uma organização imperial, despótica, ou 
uma medieval com a nossa sociedade moderna, o grau de complexidade, de 
diversidade que as sociedades modernas atingem é infinitamente superior ao 
daquelas civilizações, apesar delas não serem nada simples. Acontece, então, 
que nossa época, nossa civilização, além de se caracterizar por uma grande 
diversidade, uma grande complicação interna, caracteriza-se também por, de 
fato, ter produzido uma soma de saberes que propiciou nesses últimos 
duzentos anos, uma "evolução" maior do que a humanidade havia conseguido 
em dois mil anos; ou seja, houve um processo de produção de conhecimento e 
de aplicação do mesmo muito intenso. 
Esse saber, como ninguém ignora, resultou em aplicações tecnológicas 
que aceleraram o chamado "progresso" em igual proporção. E o progresso 
trouxe uma grande complexidade. Além desses conhecimentos produzidos 
pelas ciências da natureza, ciências formais, aplicações tecnológicas, existem 
disciplinas que versam sobre a organização social em si mesma. Ou seja, 
nossa civilização tem produzido um saber acerca de seu próprio funcionamento 
como objeto de estudo e tem gerado profissionais, intelectuais, experts que são 
os conhecedores dessa estrutura e do processo dessa sociedade em si. Esses 
conhecedores têm-se colocado, em geral, a serviço das entidades e das forças 
que são dominantes em nossa sociedade. Por exemplo, a serviço daquela 
instituição que representa o máximo da concentração de poder, o extremo de 
concentração de controle e de hegemonia sobre a sociedade, que é o Estado. 
Além disso, por outro lado, já dentro da sociedade civil, esses experts têm-se 
colocado a serviço das grandes entidades proprietárias da riqueza, do poder, 
do saber e do prestígio, que são as organizações corporativas, as empresas 
nacionais e multinacionais etc. Essa situação, em que os "sábios", os 
conhecedores da estrutura e do processo da vida social estão 
predominantemente a serviço do Estado e das empresas, tem tido como 
consequência que os povos – em sentido amplo, a sociedade civil – têm-se 
visto despossuídos de um saber que tinham acumulado através de muitos anos 
acerca de sua própria vida, de seu próprio funcionamento. Esse saber, criado e 
acumulado pelas comunidades sociais durante tantos anos de experiência vital, 
a partir do surgimento do saber científico e tecnológico, fica relegado, colocado 
15 
 
em segundo plano, como se fosse rudimentar e inadequado. Tanto é assim que 
temos técnicos que costumam chamá-lo de ideologia, num sentido vago, geral, 
visando a qualificá-lo como um falso conhecimento,pobre, infundado ou, no 
melhor dos casos, insuficiente. Então, as comunidades de cidadãos têm visto 
esse saber subordinado ao saber dos experts. Junto com seu saber, elas têm 
perdido o controle sobre suas próprias condições de vida, ficando alheias à 
espacidade de gerenciar sua própria existência. Elas dependem, então, quase 
incondicionalmente, dos organismos do Estado, empresariais, do saber e de 
serviços dos experts. E a quais experts refiro-me? Aos dos ramos produtivos, 
primários, secundários e terciários, aos especialistas de produção de bens 
materiais, ou seja, comida, vestuário, moradia, transporte: aqueles bens 
materiais indispensáveis à sobrevivência. Toda a produção desses bens está 
dirigida, gerenciada por "especialistas". Mas noutro plano, refiro-me aos 
problemas de saúde, de educação, aos assuntos familiares, aos psicológicos e 
subjetivos, em geral; às questões relativas ao lazer, às que atingem a 
comunicação de massa, aos assuntos próprios da religião. Cada um desses 
campos, cada um dos serviços que se prestam nessas áreas, os bens que se 
produzem e administram nesses territórios, ou seja, sua quantidade, sua 
qualidade, sua necessidade, sua conveniência, tudo é decidido pelos experts, é 
arbitrado por quem se supõe que saiba e conheça sobre o assunto. O mesmo 
acontece no plano de administração da justiça, nos tribunais, com os 
advogados, despachantes, registros civis, leis: tudo isso feito por experts e 
administrado por eles. E o que falar do exercício da força, no sentido literal, 
porque todas essas outras entidades também usam da força, senão da força 
física, da força da persuasão, da força da sedução, mas o uso da força física 
está reservado a organizações como a polícia, as forças armadas, que também 
têm seus especialistas, oficiais, delegados, guardas etc. É claro que os experts 
conhecem e decidem prevalentemente segundo os interesses das classes, 
níveis hierárquicos e grupos dominantes aos quais pertencem parcialmente. 
Mas não se deve sempre supor uma intenção deliberada dos técnicos nesse 
sentido. Acontece, como veremos que seu saber em si mesmo já está 
produzido por instrumentos e gera resultados que privilegiam os interesses e 
desejos citados. 
16 
 
Então, o que acontece? 
Há um conceito básico que vamos ver depois, na Análise Institucional e 
em outras escolas do Institucionalismo, que se chama demanda. É possível 
afirmar que as comunidades ou coletividades têm necessidades básicas 
indiscutíveis e universais. Essas necessidades são colocadas diariamente 
através de demandas espontâneas, através da exigência de produtos e de 
serviços correspondentes. Essa ideia é uma das tantas que vai ser questionada 
pelo Institucionalismo, porque ele vai tentar mostrar que em todas as épocas 
da história, mas particularmente na nossa, não existem necessidades básicas 
"naturais"; não existem demandas "espontâneas", pois em todas e em cada 
uma dessas organizações que acabamos de descrever, a noção das 
necessidades é produzida, assim como a demanda é modulada; isto é, aquilo 
que os povos pensam que todos os membros de uma população e todos os 
povos do mundo precisam como "mínimo" não existe. Esse "mínimo" é gerado 
em cada sociedade e é diferente para cada segmento da mesma. Mas ainda 
dentro do condicionamento histórico, as comunidades que têm alguma noção 
vivencial acerca de suas necessidades a perdem, de modo que já não sabem 
mais do que precisam e não demandam o que "realmente" aspiram, mas 
acham que necessitam daquilo que os experts dizem que elas necessitam e 
acham que pedem o que querem e como querem, mas, na verdade, precisam, 
querem e pedem o que lhes inculcam que devem necessitar desejar e solicitar. 
É, então, muito evidente que nossos coletivos estão, atualmente, nas mãos de 
um enorme exército de experts que acumulam o saber que lhes permite fazer 
com o que as pessoas achem que precisam e solicitem aquilo que os experts 
dizem que precisam e que os grupos e as classes dominantes lhes concedem. 
Então, os coletivos têm perdido, tem alienado o saber acerca de sua própria 
vida, a noção de suas reais necessidades, de seus desejos, de suas 
demandas, de suas limitações e das causas que determinam essas 
necessidades e essas limitações. Eles têm perdido um certo grau de 
compreensão e o controle sobre que tipos de recursos e formas de 
organização devem dispor para colocar e resolver seus problemas. Mal pode 
organizar-se para resolver seus problemas se não conseguem saber, com 
17 
 
precisão, quais são seus verdadeiros problemas e o que se requer para 
resolvê-los. 
Falei que poderíamos enunciar dois objetivos básicos do 
Institucionalismo, um deles seria a autoanálise e o outro a autogestão. Agora já 
podemos explicar um pouco melhor em que consistiria o primeiro deles. A 
autoanálise consiste em que as comunidades mesmas, como protagonistas de 
seus problemas, necessidades, interesses, desejos e demandas, possam 
enunciar compreender, adquirir ou readquirir um pensamento e um vocabulário 
próprio que lhes permita saber acerca de sua vida, ou seja: não se trata de que 
alguém venha de fora ou de cima para dizer-lhes quem são o que podem o que 
sabem o que devem pedir e o que podem ou não conseguir. Este processo de 
autoanálise das comunidades é simultâneo ao processo de auto-organização, 
em que a comunidade se articula, se institucionaliza se organiza para construir 
os dispositivos necessários para produzir, ela mesma, ou para conseguir os 
recursos de que precisa para a manutenção e o melhoramento de sua vida 
sobre a terra. Na medida em que essa organização é consequência e, ao 
mesmo tempo, um movimento paralelo com a compreensão dada pela 
autoanálise, ela também não é feita de cima para baixo, nem de fora, mas 
elaborada no próprio seio heterogêneo do coletivo interessado. Essa 
autoanálise e essa autogestão não significam necessariamente que os 
coletivos devam prescindir por completo dos experts porque, sem dúvida, com 
sua disciplina e seus instrumentos, eles têm acumulada uma quantidade de 
conhecimento importante e não inteiramente alienado, não necessariamente 
distorcido, ou seja: produtivo. Mas os experts devem submeter seu saber, suas 
glórias, seus métodos, suas técnicas, suas inserções sociais como 
profissionais a uma profunda crítica que os faça separar, dentro dessas teorias, 
métodos e técnicas, dentro dos organismos aos quais pertencem, o que é 
produto de sua origem, de sua pertença ao bloco dominante das forças sociais 
e o que pode ser útil a uma autoanálise, a uma autogestão, da qual os 
segmentos dominados e explorados sejam protagonistas. Para poderem 
efetuar essa autocrítica, os experts não podem fazê-lo no seio de suas torres 
de marfim, não podem fazê-lo nas academias ou exclusivamente nos 
laboratórios experimentais. Eles têm que entrar em contato direto com esses 
18 
 
coletivos que estão se autoanalisando e autogestionando para incorporar-se a 
essas comunidades desde um estatuto diferente daquele que tinham. Esse 
estatuto deve resultar de uma crítica das posições, postos, hierarquias que eles 
têm dentro dos aparelhos acadêmicos ou jurídico-políticos do Estado, ou ainda 
das diretivas das grandes empresas nacionais e multinacionais. Eles têm de 
reformular sua condição profissional, seu saber específico. E só conseguirão 
reformulá-los numa gestão, num trabalho feito em conjunto com essas 
comunidades e na mesma relação de horizontalidade com que qualquer 
membro dessa comunidade o faz. Isso permitirá que, eventualmente, os 
experts, quando a comunidade conseguir organizar-se, tenham algum lugar 
dentro das organizações específicas que a comunidade se deu a si mesmo 
para esses fins. Então seu saber, sua capacidade e sua potência produtiva 
estarão plenamente integrados ao movimento de autoanálise e autogestão 
dessa comunidade. Eles poderão assim reformular, aprendendo e ensinandoseu saber e sua eficiência nessa nova e inédita situação. À parte dessa 
reinvenção de sua disciplina, os experts poderão aprender como eles serão 
capazes de propiciar outros movimentos autogestões e autoanalíticos quando 
forem chamados a participar. 
Esta é uma explicação sucinta dos propósitos fundamentais do 
Movimento Institucionalista que são sistematicamente compartilhados por todas 
as tendências que o integram. Ao mesmo tempo em que são os objetivos 
principais das propostas Instituintes, eles são também os próprios meios para 
realizá-las. Por isso, é importante que esses dois objetivos e meios sejam não 
apenas superficial, mas profundamente conhecidos pelos leitores. 
É óbvio que autogestão e autoanálise são dois processos simultâneos e 
articulados. Por quê? Porque autoanálise, para as comunidades, significa a 
produção de um saber, do conhecimento acerca de seus problemas, de suas 
condições de vida, suas necessidades, demandas etc., e também de seus 
recursos. Mas até para que a autoanálise seja praticada pelas comunidades, 
elas têm que construir um dispositivo no seio do qual essa produção seja 
realizável. Elas têm que organizar-se em grupos de discussão, em 
assembleias; elas têm que chamar experts aliados para colaborarem; elas têm 
que se dar condições para produzir esse saber e para desmistificar o saber 
19 
 
dominante. Ao mesmo tempo, tudo o que elas descobrirem neste processo de 
autoconhecimento só terá uma finalidade: a de auto organizar-se para que 
possam operar as forças destinadas a transformar suas condições de 
existência, a resolver seus problemas. Mas não pode haver uma organização 
sem um saber; não pode haver um saber sem uma organização. São dois 
processos diferenciados, mas eles são concomitantes, simultâneos, 
articulados. 
Costuma-se crer que os processos autogestivos implicam uma falta 
completa de denominações, hierarquias, quadros, especificidades etc. Na 
realidade, é difícil pensar qualquer processo organizativo que não inclua uma 
certa divisão do trabalho e que não implique uma certa hierarquia de decisão, 
de deliberação. Esses são funcionamentos inerentes a qualquer processo 
produtivo. Deverão, então, existir hierarquias, gerências. Mas a existência de 
hierarquia não implica diferença de poder; não equivale a privilégio ou 
arbitrariedade na capacidade de decidir. Implica apenas uma certa 
especialização em algumas tarefas, porque estes dispositivos estão feitos de 
tal maneira que as decisões de fundo são tomadas coletivamente. Em todo 
caso, os quadros hierárquicos não são mais que expressão da vontade 
consensual. São executores. Mas não são executores do mandato das elites 
mediatizado por organismos burocráticos, por correias de transmissão. Na 
autogestão os coletivos mesmos deliberam e decidem. Eles têm maneiras 
diretas de comunicar as decisões. Existem hierarquias moduladas pela 
potência, peculiaridades e capacidade de produzir; mas não há hierarquias de 
poder, ou seja, a capacidade de impor a vontade de um sobre o outro. 
Contudo, é evidente que o Institucionalismo, tanto quanto os processos 
autoanalíticos, são produtores de conhecimentos, e que todo saber envolve, 
necessariamente, um poder, e ambos não são homogeneamente distribuídos. 
Mas este saber é um saber coletivo, produzido, distribuído e exercitado na vida 
coletiva. Na topografia deste saber, existem alguns elementos essenciais que 
são compartilhados por todo mundo. Então, quando esse saber compartilhado 
é delegado a alguns que se especializam nessa questão, já não é um saber 
produzido fora dos interesses e desejos do coletivo, já não é um saber que vai 
cair de cima para baixo, de fora para dentro. É já uma delegação, porque foi 
20 
 
produzido dentro, por alguns especialistas no assunto, em estreita colaboração 
com os diretamente interessados nos benefícios que esse saber e suas 
aplicações terão, uma vez realizados. 
Isso garante que esses especialistas são verdadeiramente "especiais": 
delega-se a eles um saber que é a expressão dos interesses e das 
capacidades essenciais do coletivo. O coletivo conserva um saber básico 
acerca de seu campo que lhe permite julgar quando o especialista está 
exercitando o seu poder com sentido instituinte-organizante, e então a serviço 
do coletivo, ou, pelo contrário, de ambições de segmentos individualistas etc. 
Vou dar um típico exemplo da medicina, embora haja mil exemplos, muitos dos 
quais não poderemos mencionar aqui porque são muito complexos e extensos 
para expor. Quem conhece a situação da saúde no Brasil sabe perfeitamente 
que nosso país não precisa prioritariamente de, digamos, tomógrafos 
computadorizados, pelo menos a nível de sua problemática prevalente atual. O 
que o Brasil precisa é de uma política de saúde que não começa nem acaba no 
campo da medicina. Seus problemas, que têm efeitos médicos, têm suas 
causas diretas nos problemas de habitação, alimentação, vestuário e 
saneamento básico. Disso todos os experts sabem o que não impede que a 
ênfase da política de saúde no Brasil esteja colocada na assistência e não na 
prevenção, principalmente se por prevenção entende se algo que modifique 
radicalmente as condições de vida da população. Entretanto, há muitos centros 
paulistas e cariocas que se orgulham de ter os mais modernos aparelhos para 
resolver ou diagnosticar uma problemática altamente específica, circunscrita, 
que afeta 0,5% da população. Acontece que o povo, as organizações de base, 
não podem questionar de maneira eficiente as políticas médicas do Brasil 
porque a primeira coisa que lhes seria respondida é que não sabem. Mas o que 
acontece quando o coletivo revitaliza seu saber, revaloriza o saber espontâneo 
que ele tem acerca do que precisa? Os índios têm, as comunidades negras 
têm, as comunidades das montanhas têm, as comunidades da planície têm, 
todo mundo tem um saber espontâneo acerca de quais são os sofrimentos, 
quais são as enfermidades e como devem ser tratadas, pelo menos, 
basicamente. Assim, também eles sabem quais problemas devem ser 
abordados – mesmo que não se exprimam em sofrimento, ou quando o 
21 
 
sofrimento ainda não tenha se tornado doença, não devendo ser tratado como 
tal. Desde logo este saber também desconhece muita coisa, mas isso não 
pode afirmar-se a priori. Só que esse saber é permanentemente desqualificado 
pelo saber acadêmico, que atua predominantemente a serviço de interesses 
estatais, nacionais e multinacionais dominantes – um saber consubstancial 
com esses interesses. 
A primeira operação que as comunidades devem fazer é recuperar, revalorizar 
o saber espontâneo que elas têm sobre seus problemas; a segunda operação 
deve ser feita em conjunto com os experts, ajudando-os a criticar essa 
orientação – essa medula dominante reacionária-que o saber médico (nesse 
caso) e suas técnicas têm. Sobretudo em termos de hierarquização de 
prioridades: o que vem primeiro e o que vem depois, o que é prioritário e o que 
é secundário. Uma vez que o expert, integrado à comunidade, demonstra a 
capacidade de contribuir, em pé de igualdade, para este trabalho de 
reformulação, pode-se delegar a ele algumas áreas do saber com menos 
perigo de que ele o transforme em poder, e não numa potência de colaboração 
com o coletivo. Nesse caso, o coletivo já não está desqualificado – ele sabe 
julgar o que se faz e o que se acha que se sabe. Isso não descarta que 
possam acontecer novamente problemas de concentração de saber e de 
poder, porque este processo de autoconhecimento e autogestão é interminável. 
Provavelmente, haverá necessidade de muitas gerações autogestivas e 
autoanalíticas para que o processo possa exercitar-se em sua plenitude. Se 
bem que este caminhar está orientado por uma Utopia Ativa que não está 
colocada num futuro longínquo, senão em cada ato do cotidiano. Como já 
dissemos, existiram e existem numerosas tentativas auto-analíticase 
autogestivas que não apresentam o caráter purista que a gente pode imaginar 
em sentido abstrato. Por exemplo, as comunidades eclesiásticas de base: 
pode-se dizer que têm um espírito institucionalista complexamente integrado a 
aspectos libertários do Cristianismo, embora limitados pelos processos 
burocráticos da Igreja Católica. Isso abre um tema que eu teria gostado de 
tratar neste primeiro capítulo, mas acho que vai complicar um pouco as coisas, 
porque eu queria enfatizar os conceitos essenciais básicos. Mas, enfim, em 
que consiste o tema aqui levantado? O Movimento Institucionalista reconhece 
22 
 
uma gênese histórico-social e uma gênese conceitual. A primeira é a história 
de todas as tentativas que houve na história da humanidade e as que hoje 
existem e exercitam um Institucionalismo espontâneo. Um desses movimentos 
é o das comunidades eclesiásticas de base no Brasil e em outros países. Mas 
muitas iniciativas autogestivas já existiram, existem e vão existir, e não 
precisam do Institucionalismo para se desenvolver. O Institucionalismo é 
alguma coisa assim como o resultado do ensinamento dessas iniciativas 
históricas sobre os próprios experts. Nós, os experts – médicos, engenheiros, 
advogados, comunicólogos, psicólogos etc –, temos aprendido que isso existe 
e que poderíamos colaborar para seu desenvolvimento a partir das 
experiências históricas que já existiram neste sentido e das que estão existindo 
e se desenvolvem perfeitamente ou dificilmente sem a nossa participação. Por 
outro lado, a gênese conceitual refere-se ao campo das ideias, conceitos e 
funções: todas aquelas teorias, conceitos, ideias, categorias que têm sido 
produzidas pela humanidade no decorrer da história do conhecimento e podem 
contribuir para dar base, para fundamentar a proposta institucionalista. 
Agora, gostaria de referir-me à última questão, muito importante. Os 
leitores compreenderão que esses processos auto analíticos e autogestivos se 
dão em condições altamente desfavoráveis, severamente contraproducentes. 
Por quê? Naturalmente porque os coletivos em questão não são donos do 
saber, não são donos da riqueza, não são donos dos recursos que são 
propriedade e servem ao poder dos organismos e entidades de classe alta e 
grupos dominantes. Então, a consecução dos objetivos tem graves 
impedimentos que vão desde a privação de recursos (que são propriedade a 
serviço do poder dos organismos e entidades de classe dominante) até a morte 
física repressiva. Esses processos autogestivos e auto analíticos são, para a 
organização do sistema, um câncer, uma peste. Não há nada que seja mais 
temido e mais odiado pelo sistema social, porque os movimentos Instituintes 
têm esse intuito: que os coletivos presidam a definição de problemas, a 
invenção de soluções, a colocação dos limites do que é possível, do que é 
impossível e do que é virtual o que normalmente é feito pelas instituições, 
organizações e saberes de grupos e outros segmentos dominantes. Por isso a 
autogestão não é tarefa fácil: a prova está em que as iniciativas auto-analíticas 
23 
 
e autogestivas não se caracterizam por seu sucesso. Elas têm aparecido 
muitas vezes na história e muitas vezes têm sido destruídas ou sufocadas. E 
as que hoje insistem em existir lutam duramente contra um conjunto de 
imensas forças históricas que tentam destruí-las. E quando não conseguem 
eliminá-las, tentam recuperá-las, incorporá-las. Isso faz com que os objetivos 
últimos do Institucionalismo – a autoanálise e a autogestão – não sejam 
atingidos nunca de forma definitiva. Eles são atingidos sempre na base da 
tentativa, do ensaio, da procura. Em geral têm maiores ou menores graus de 
fracasso. Mas isso não quer dizer que não sejam possíveis ou inventáveis. 
Então, esta última afirmação que faço refere-se ao seguinte: as diferentes 
escolas do Institucionalismo se distinguem entre si pelas teorias, pelos 
métodos, pelas técnicas com que elas tentam introduzir estes objetivos últimos, 
e pelo grau de realização com o qual se conformam. Quer dizer: há correntes, 
escolas" maximalistas", que buscam a instalação plena da autogestão e da 
autoanálise. Há outras que se satisfazem com a introdução relativa de alguns 
mecanismos, de alguns espaços, de alguns temas de autoanálise e 
autogestão. Ou seja, no Institucionalismo, como na política, existem correntes 
reformistas e existem correntes ultra-revolucionárias. De qualquer maneira, 
nada disso impede que as agrupemos em torno desses dois objetivos e 
recursos. Eles as diferenciam claramente da enorme maioria das propostas 
políticas, tanto das extremistas quanto das propostas social-democráticas. 
Provavelmente a tendência política tradicional que mais se aproxima das 
propostas institucionalistas, e com a qual o Institucionalismo está mais que em 
dívida, seja a de certas orientações do anarquismo. 
 
 
PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO I 
 
1) Por que o Institucionalismo é um movimento e não uma ciência, 
uma disciplina ou uma tecnologia? 
 
24 
 
2) O que aconteceu com o saber e o saber-fazer que as 
comunidades primitivas ou os povos e grupos leigos em geral 
produziram e acumularam durante sua experiência de vida? 
 
3) O que significa" divisão social e técnica do trabalho e do saber", 
e por que se diz que as ciências, as disciplinas e seus experts estão 
em geral a serviço das classes e grupos dominantes? 
 
4) Existem "necessidades mínimas naturais" cuja satisfação é 
demandada pelas populações, ou é a oferta de bens e serviços que 
produz certas necessidades e desejos (e não outros) e modula as 
demandas? 
 
5) O que significa autoanálise e autogestão? 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
25 
 
Capítulo II 
SOCIEDADES E INSTITUIÇÕES 
O Institucionalismo, à sua maneira, tem uma concepção própria do que é 
a Sociedade e do que é a História, a Sociedade como forma organizada de 
associação humana e a História como o devir da Sociedade no tempo. O 
Institucionalismo, sem considerar no momento as diferenças doutrinárias de 
escola para escola, afirma que a sociedade é uma rede, um tecido de 
instituições. E que são as instituições? 
As instituições são lógicas, são árvores de composições lógicas que, 
segundo a forma e o grau de formalização que adotem, podem ser leis, podem 
ser normas e, quando não estão enunciadas de maneira manifesta, podem ser 
hábitos ou regularidades de comportamentos. Alguns autores sustentam que 
leis, normas e costumes são objetificações de valores. As leis, em geral, estão 
escritas; as normas e os códigos também. Mas uma instituição não necessita 
de tal formalização por escrito: as sociedades ágrafas também têm códigos, só 
que eles são transmitidos verbal ou praticamente, não figurando em nenhum 
documento. 
O que essas lógicas significam? Significam a regulação de uma 
atividade humana, caracterizam uma atividade humana e se pronunciam 
valorativamente com respeito a ela, esclarecendo o que deve ser o que está 
prescrito, e o que não deve ser, isto é, o que está proscrito, assim corno o que 
é indiferente. Essas lógicas, esses corpos discriminativos, são vários, e é 
curioso que os institucionalistas têm dificuldades para chegar a um acordo 
acerca de quais e quantos são. 
Vamos examinar algumas ilustrações mais ou menos indiscutíveis. Um 
exemplo de urna instituição: a instituição da' linguagem. Ela caberia nesta 
definição que formatamos quando a pensamos em termos gramaticais. A 
gramática não é nada mais que um conjunto de leis, de normas que regem a 
combinatória de elementos fônicos, de unidades de significação na linguagem. 
Com a combinação desses elementos, conforme indicado por essas leis, pode 
construir-se um infinito número de mensagens, de tal modo que estas 
mensagens são compreensíveis para qualquer falante ou ouvinte dessa língua. 
26 
 
Então, corno se pode ver, no final das contas, urna gramática é urnainstituição 
que explicita as opções de acordo com as quais se vão produzir mensagens, 
consideradas gramaticais ou agramaticais, os prescritos ou os proscritos. É 
claro que, no caso da língua, não estarão estipulados também os prêmios e os 
castigos para quem usa de forma correta ou incorreta a língua, que é o que 
acontece em outros tipos de instituição. Mas o preço de seu desconhecimento 
ou transgressão é óbvio: a incomunicabilidade dentro do universo humano, 
pelo menos dentro desse universo humano em particular. 
Outro exemplo são as instituições de regulamentação do parentesco, as que 
definem os lugares tais corno: pai, mãe, filho, nora, genro etc. Elas são as que 
prescrevem entre quais membros dessa classificação podem se dar uniões, 
entre quais membros não podem se dar uniões e que tipo, que característica 
de vínculo de descendência e aliança relaciona cada uma destas posições com 
a outra. Isso também é um código que, formalizado ou não, regula a relação de 
parentesco e tem prescrições – o que é indicado; e também proscrições – o 
que é proibido; assim como o que é indiferente ou não abrangido por essa 
lógica. Outra instituição pouco discutível entre os institucionalistas é a da 
divisão do trabalho humano. O trabalho humano está dividido segundo os 
momentos e as especificidades de cada tipo de produção e tarefa (divisão 
técnica). Mas, por outro lado, essa divisão vem acompanhada de urna 
hierarquia que institui diferenças de poder, prestígio e lucro – não 
necessariamente justificadas pela importância produtiva daqueles que detêm 
esses lugares (divisão social). Por exemplo: trabalho manual e intelectual, do 
campo e da cidade, assalariados e autônomos, feminino e masculino etc. 
Há também as instituições da educação, isto é, aquelas leis, normas e 
pautas que prescrevem corno se deve socializar, instruir um aspirante a 
membro de nossa comunidade para que ele possa integrar-se à mesma com 
suas características efetivas. 
Ternos também a instituição da religião, que é a que regula as relações 
do homem com a divindade, divindade sobrenatural para uns ou imanente à 
vida terrena para outros, mas com respeito à qual existe toda urna série de 
comportamentos indicados e toda urna série de comportamentos contra-
indicados. 
27 
 
Ternos também as instituições de justiça, as instituições da 
administração da força, e assim por diante. Em um plano formal, urna 
sociedade não é mais que isso: um tecido de instituições que se interpenetram 
e se articulam entre si para regular a produção e a reprodução da vida humana 
sobre a terra e a relação entre os homens. Agora, entendidas assim, as 
instituições são entidades abstratas, por mais que possam estar registra das 
em escritos ou conservadas em tradições. 
Para vigorar, para cumprir sua função de regulação da vida humana, as 
instituições têm de realizar-se, têm de "materializar-se". E em que elas se 
materializam? Em dispositivos concretos que são as organizações. As 
organizações, então, são formas materiais muito variadas que compreendem 
desde um grande complexo organizacional tal como um ministério Ministério 
da Educação, Ministério da Justiça, Ministério da Fazenda etc. – até um 
pequeno estabelecimento. Ou seja, as organizações são grandes ou pequenos 
conjuntos de formas materiais que concretizam as opções que as instituições 
distribuem e enunciam. Isto é, as instituições não teriam vida, não teriam 
realidade social senão através das organizações. Mas as organizações não 
teriam sentido, não teriam objetivo, não teriam direção se não estivessem 
informadas como estão, pelas instituições. 
Por sua vez, urna organização (que, como insisti, costuma ser um 
complexo grande, vultoso) está composta de unidades menores. Estas são de 
naturezas muito diversas e é difícil enunciá-las todas. Mas, pelo menos, há 
algumas que são muito características, como, por exemplo, os 
estabelecimentos. Estabelecimentos seriam as escolas, um convento, uma 
fábrica, uma loja, um banco, um quartel. Há diversos tipos de 
estabelecimentos, de características muito diferentes. Mas é um conjunto de 
estabelecimentos o que integra uma organização. 
Os estabelecimentos, em geral, incluem dispositivos técnicos cujos 
exemplos mais básicos são a maquinaria, as instalações, arquivos, aparelhos. 
Isso recebe o nome de equipamento. O equipamento pode ter uma realidade 
material que coincide com o estabelecimento, ou seja, as máquinas de um 
estabelecimento – ou pode ter uma realidade muito mais ampla, de maneira 
que forme um grande sistema de máquinas, um grande equipamento. Isso é o 
28 
 
que acontece, suponhamos, com os equipamentos das organizações da 
comunicação de massa, que, por sua vez, são organizações que realizam as 
prescrições de uma grande instituição que é a instituição da Comunicação 
Social. 
Instituição – Organização – Estabelecimento – Equipamento. Tudo isso, 
naturalmente, só adquire dinamismo através dos agentes. Nada disso se 
mobiliza, nada disso pode operar senão através dos agentes. Os agentes são 
"seres humanos", são os suportes e os protagonistas de toda essa 
parafernália. E os agentes protagonizam práticas. Práticas que podem ser 
verbais, não-verbais, discursivas ou não, práticas teóricas, práticas técnicas, 
práticas cotidianas ou inespecíficas. Mas é nas ações que toda essa 
parafernália acaba por operar transformações na realidade. Então, estas 
unidades (instituição – organização – estabelecimento – equipamento – agente 
– práticas) não podem ser confundidas. Mas, infelizmente, com frequência isso 
ocorre. E não são confundidas apenas pelos leigos, mas também pelos 
institucionalistas. Então, quando se estuda uma escola institucionalista, esta 
escola pode chamar de instituição às organizações; de organização a um 
estabelecimento. Isso não é nada recomendável porque a primeira coisa a se 
fazer para se entender este complexo panorama é criar uma nomenclatura 
mais ou menos universal e compartilhada. A que proponho aqui é a que grande 
parte dos institucionalistas aceita. 
Isso não é apenas o exercício de um desafio, mas algo importante. Se 
começamos a dizer, por exemplo, que essa escola é uma instituição, o assunto 
se complica, pois essa escola não é uma instituição, e sim um estabelecimento 
que faz parte de urna grande organização – provavelmente do Ministério da 
Educação, que, por sua vez, realiza uma grande instituição: a instituição da 
Educação, que é uma lógica, uma série de prescrições ou leis. 
Em uma instituição podem-se distinguir duas vertentes importantes. Uma 
é a vertente do Instituinte, e outra a do instituído. Apesar de as origens das 
instituições serem muito difíceis de determinar – ou seja, fazer a história de 
uma instituição, particularmente a de seu começo, é urna tarefa às vezes 
impossível como se costuma dizer, "perde-se no começo dos tempos". 
Inclusive há muitas instituições, como a instituição da língua, das relações de 
29 
 
parentesco, da religião e da divisão do trabalho, das quais não se pode dizer 
qual veio primeiro e qual veio depois. Mas podemos afirmar que para uma 
sociedade humana existir é preciso haver no mínimo essas quatro instituições 
humanas, ou seja, humanidade é sinônimo de coletivo regido por essas 
instituições, e essas instituições são sinônimos de existência de um coletivo 
humano. Então, é difícil saber como eram os coletivos antes que aparecessem 
essas instituições. É o mesmo que perguntar como era o homem antes de ser 
homem, pelo menos como o entendemos. Então, situar a origem dessas 
instituições é muito difícil. Só se pode dizer que uma instituição supõe outra, 
precisa da outra, e o seu conjunto é o que constitui uma civilização ou uma 
sociedade humana. Agora, se frequentemente não se pode dizer como essas 
grandes instituições começaram, sem dúvida se pode distinguir nelas uma 
potência, um movimento de transformação constanteque tende a modificar, a 
operar mutações nas suas características. Em poucas ocasiões privilegiadas 
pode-se assistir historicamente ao nascimento de uma grande instituição. Mas, 
em geral, não é isso o que acontece. O que se pode presenciar são grandes 
momentos históricos de revolução de uma instituição, de profundas 
transformações de urna instituição. Então, a esses momentos de 
transformação institucional, a essas forças que tendem a transformar as 
instituições ou também a estas forças que tendem a fundá-las (quando ainda 
não existem), a isso se chama o Instituinte, forças Instituintes. São as forças 
produtivas de lógicas institucionais. 
Este grande momento inicial do processo constante de produção, de 
criação de instituições, tem um produto, geram um resultado, e este é o 
instituído. O instituído é o efeito da atividade Instituinte. Se vocês prestarem 
atenção a esses nomes, eles mesmos já estão dizendo alguma coisa com 
relação à diferença entre o Instituinte e o instituído. O Instituinte aparece como 
um processo, enquanto o instituído aparece como um resultado. O Instituinte 
transmite uma característica dinâmica; o instituído transmite uma característica 
estática, estabilizada. Então, é evidente que o instituído cumpre um papel 
histórico importante, porque as leis criadas, as normas constituídas ou os 
hábitos, os padrões, vigoram para regular as atividades sociais, essenciais à 
vida da sociedade. Mas acontece que essa vida é um processo essencialmente 
30 
 
cambiante, mutante; então, para que os instituídos sejam funcionais na vida 
social, eles têm de estar acompanhando a transformação da vida social mesma 
para produzir cada vez mais novos instituídos que sejam apropriados aos 
novos estados sociais. Tem-se que evitar uma leitura do tipo maniqueísta, que 
pensa que o Instituinte é bom e o instituído é ruim, embora seja verdade que o 
instituído apresente, por natureza, uma tendência à resistência, uma disposição 
que se poderia chamar a persistir em seu ser, a não mudar, que quando se 
exacerba, se exagera, se conhece politicamente pelo nome de 
conservadorismo, reacionarismo. Pelo contrário, o Instituinte aparece como 
atividade revolucionária, criativa, transformadora por excelência. Na realidade, 
não é exatamente assim, porque o Instituinte careceria completamente de 
sentido se não se plasmasse, se não se materializasse nos instituídos. Por 
outro lado, os instituídos não seriam efetivos, não seriam funcionais, se não 
estivessem permanentemente abertos à potência Instituinte. 
Por sua vez, o mesmo acontece a nível organizacional. Existe o 
organizante e o organizado. Há uma atividade permanentemente crítica e 
transformadora, otimizadora das organizações – o organizante. E há o 
organizado, que se pode ilustrar com o famoso organograma ou fluxograma, 
que é necessário, mas que tem uma tendência "natural" a cristalizar-se (entre 
aspas porque nada tem a ver com o natural), uma tendência histórica a 
esclerosar-se e a adotar uma série de vícios, entre os quais o mais conhecido é 
a burocracia, embora não seja o único. Então, é importante saber que a vida 
social – entendida como o processo em permanente transformação que deve 
tender ao aperfeiçoamento e visar a maior felicidade, maior realização, maior 
saúde e maior criatividade de todos os membros – só é possível quando ela é 
regulada por instituições e organizações e quando nessas instituições e 
organizações a relação e a dialética existentes entre o Instituinte e o instituído, 
entre o organizante e o organizado (processo de institucionalização-
organização) se mantêm permanentemente permeáveis, fluidas, elásticas. 
Outra maneira de referir-se a isso é dizer que nas instituições, organizações, 
estabelecimentos, agentes, práticas, pode-se distinguir uma função e um 
funcionamento. Para poder entender essa terminologia, tem-se que 
compreender que nas civilizações e nos conjuntos humanos, e na vida humana 
31 
 
tomada num sentido muito amplo, há a tendência a adquirir sempre 
características históricas que comprometem este objetivo utópico ativo. Essas 
características históricas, muito diferentes de uma sociedade para outra, de 
uma fase histórica para outra, podem ser resumidas em três grandes situações 
viciosas conhecidas por todo mundo: são os processos de exploração, de 
dominação e de mistificação (desinformação ou engano). Essas são as 
deformações do percurso da vida social e de seus objetivos mais nobres, de 
suas finalidades mais altas, que cada sociedade coloca à sua maneira, e que 
são chamadas de utopias sociais: como uma sociedade tenta, deseja, deve 
chegar a ser. É claro que, à exceção de algumas sociedades em particular, 
desde que existem sociedades, as utopias sociais incluem diferentes formas de 
liberdade, diferentes formas de igualdade, diferentes formas de veracidade e 
fraternidade, apesar de eu estar usando, para referir-me a isso, a utopia da 
Revolução Francesa, chamada de revolução burguesa, que não é nem a única 
nem a melhor das utopias, mas é a mais conhecida por nós. Então, cada 
sociedade, em seus aspectos Instituinte e organizantes, sempre tem uma 
utopia, uma orientação histórica de seus objetivos, que é desvirtuada ou 
comprometida por uma deformação que se resume em: exploração de alguns 
homens pelos outros (expropriação da potência e do resultado produtivo de uns 
por parte de outros); 
dominação, ou seja, imposição da vontade de uns sobre os outros e 
desrespeito à vontade coletiva, compartilhada, de consenso; e mistificação, ou 
seja, uma administração arbitrária ou deformada do que se considera saber e 
verdade histórica, que é substituída por diversas formas de mentira, engano, 
ilusão, sonegação de informação etc. Assim, se se compreende esta oposição 
entre a utopia, o aperfeiçoamento da vida social e suas 
deformações exploração, dominação, mistificação-, então se pode 
compreender mais facilmente uma divisão que se estabelece entre função e 
funcionamento. O dito não significa que as utopias sejam sempre inocentes e 
acabem traídas, mas em geral elas são mesmo traídas. 
As instituições, organizações, estabelecimentos, agentes e práticas 
desempenham uma função. Esta função está sempre a serviço das formas 
históricas de exploração, dominação e mistificação que se apresentam nesta 
32 
 
sociedade. Toda instituição, toda organização, todo estabelecimento apresenta 
esta função a serviço dos exploradores, dos domina dores, dos mistificadores. 
Só que esta função raramente se apresenta como ela é, justamente por causa 
da questão da mistificação... A função apresenta-se deformada, disfarça da, 
mostra-se como o objetivo natural, desejado e lógico das instituições e das 
organizações. Isto é, não se manifesta claramente ao nível do instituído e do 
organizado. Ou seja, os instituídos e os organizados apresentam, 
predominantemente, frequentemente, funções a serviço da exploração, da 
dominação, da mistificação. E as exprimem de tal maneira que as fazem 
parecer "naturais", desejáveis e eternas, ao passo que o Instituinte e o 
organizante são sempre inspirados pela utopia, estão sempre a serviço dos 
objetivos que, provisoriamente, chamamos de Justiça, de Igualdade e 
Fraternidade. Podem ser chamados de outra maneira. Essas forças, esses 
processos, recebem o nome de funcionamento. Então, o funcionamento é 
sempre Instituinte, é sempre transformador, é justiceiro e tende à utopia': A 
função, ela é predominantemente reacionária, conservadora, a serviço da 
exploração, da dominação e da mistificação, e se apresenta aos olhos não 
atentos como eterna, natural, desejável e invariável. 
Agora, pode-se definir outros termos que temos aqui presentes. O 
instituído, o organizado, enquanto produtivo, enquanto expressão apropriada, 
enquanto recurso operante o Instituinte, é claro que é necessário. Acontece 
que, rapidamente, tendem a cair fora do seu sentidode funcionamento para 
adotar a característica da função, coisa que se compreenderá melhor quando 
se entender que a característica essencial do Instituinte, do organizante e dos 
seus produtos operantes é serem propícios à produção, produção que é a 
geração do novo, daquilo que almeja a utopia; funcionamento e produção são a 
mesma coisa. Função é sinônimo de reprodução: é a tentativa de reiterar o 
mesmo, de perpetuar o que já existe aquilo que não é operativo para propiciar 
as transformações sociais. Então: Instituinte e instituído, organizante e 
organizado, produção contra reprodução, funcionamento contra função. 
Para concluir, exporemos definições que são um pouco áridas, 
abstratas, mas necessárias para entender os passos seguintes que vamos dar: 
digamos em que consiste, como entender, como analisar cada instituição, cada 
33 
 
organização, e como intervir para favorecer a ação do Instituinte e do 
organizante. Não se pode fazer este trabalho sem ter claras estas definições. 
Para concluir, os Instituintes-instituídos, organizantes- organizados que 
constituem a malha, a rede social, não atuam separadamente, mas sim em 
conjunto. E essa atividade em conjunto pode ser enunciada com uma fórmula 
pedagógica: cada um deles atua no outro, pejo outro, para o outro, desde o 
outro. Essa é uma tentativa de enunciar o entrelaçamento, a interpenetração 
que existe entre todos os Instituintes e instituídos, entre todos os organizantes 
e organizados. Esta interpenetração acontece ao nível da função e ao nível do 
funcionamento; ao nível da produção e ao nível da reprodução; ao nível daquilo 
que funcionará a favor da utopia e ao nível daquilo que está contra. Então, 
essa interpenetração ao nível da função, do conservador, do reprodutivo, 
chama-se atravessamento. Essa interpenetração ao nível do Instituinte, do 
produtivo, do revolucionário, do criativo chama-se transversalidade. Para dar 
apenas um exemplo, vou mostrar-lhes um caso de atravessamento de funções 
a nível organizacional. Nós dizemos, por exemplo, que uma escola é um 
estabelecimento das organizações do ensino, que por sua vez são uma 
realização da instituição da educação. Acontece que uma escola não só 
alfabetiza, não só instrui, não só educa dentro dos objetivos manifestos do 
organizado e do instituído, mas também prepara força de trabalho (alienado), 
ou seja, uma escola também é uma fábrica. Por outro lado, uma escola, de 
acordo com a concepção de ensino que ela tenha, também consegue manter 
os alunos presos durante seis a oito horas por dia, e além de ensiná-los a ler e 
escrever, o que fundamentalmente lhes ensina é a obedecer, e o que 
basicamente lhes transmite é um sistema de prêmios e punições, 
especialmente de punições. Neste sentido é que uma escola é também um 
cárcere. Mas, além disso, o que a escola ensina é uma série de valores do que 
deve ser construído, do que deve ser destruído, ensina formas de exercício da 
agressividade. Então, de alguma maneira, também se pode dizer que uma 
escola é um quartel ou uma delegacia de polícia. Então, vocês vão vendo como 
uma escola, ao nível do instituído, do organizado, ao nível da função, ao nível 
da reprodução, está atravessada pelas outras organizações. Existe uma 
estreita colaboração na tarefa de reproduzir o que está, tal como está, e dessa 
maneira colaborar para a perpetuação da exploração, da dominação e da 
34 
 
mistificação. Mas uma escola também é um âmbito onde se tem a ocasião de 
formar um agrupamento político-escolar, um clube estudantil; uma escola 
também é um lugar onde se pode aprender a lutar pelos direitos; uma escola 
também é um lugar onde se pode integrar um sistema de ajuda mútua entre os 
alunos; uma escola também é um lugar onde se pode adquirir elementos para 
poder materializar as correntes Instituintes, produtivas; numa escola também 
se pode aprender a lutar contra a exploração, a dominação, a mistificação. 
Então, uma escola tem um lado Instituinte, um lado organizante. Neste sentido, 
a escola pode ser também, por exemplo, uma frente de luta revolucionária, de 
luta sindical, um lugar de doutrinamento para a revolução, um lugar de 
exercício da solidariedade. Neste sentido é que uma escola tem também um 
funcionamento articulado, interpenetrado com muitas outras organizações, 
instituições, com muitos outros Instituintes e organizantes da sociedade que 
atuam nela, através dela, para ela, por ela, e ela por outras, e ainda entre os 
diversos· quadros e segmentos desse mesmo estabelecimento. Essa 
interpenetração chama-se transversalidade. A interpenetração ao nível da 
função, da reprodução, como já vimos, chama-se atravessamento. A 
interpenetração a nível instituinte, produtivo, chama-se transversalidade, e esta 
se define também como uma dimensão da vida social e organizacional que não 
se reduz à ordem hierárquica da verticalidade nem à ordem informal da 
horizontalidade. Os efeitos da transversalidade caracterizam-se por criar 
dispositivos que não respeitam os limites das unidades organizacionais 
formalmente constituídas, gerando assim movimentos e montagens 
alternativos, marginais e até clandestinos às estruturas oficiais e consagradas. 
 
Com isso temos definida, até certo ponto, a concepção institucionalista da 
sociedade. A sociedade é uma rede constituída pela interpenetração de forças 
e entidades reprodutivas e antiprodutivas cujas funções estão a serviço da 
exploração, dominação e mistificação (atravessamento), assim como também 
está constituída pela interpenetração das forças e entidades que estão a 
serviço da cooperação, da liberdade, da plena informação, ou seja, da 
produção e da transformação afirmativa e ativa da realidade (transversalidade). 
 
35 
 
PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO II 
 
1) O que são, para o Institucionalismo, as sociedades? 
 
2) O que implica dizer que as instituições são lógicas e que podem 
estar formalizadas em leis ou normas ou que se manifestam em 
hábitos? 
 
3) Quais seriam exemplos de instituições? Que são as 
organizações, os estabelecimentos, equipamentos, agentes e 
práticas? 
 
4) O que é o instituinte e o instituído, o organizante e o organizado, 
a função e o funcionamento, a produção, a reprodução e a 
antiprodução? 
 
5) O que é o atravessamento e a transversalidade? 
 
6) De que está composta a rede social? 
 
 
 
 
 
36 
 
Capítulo III 
AS HISTÓRIAS 
O que é para o Institucionalismo o termo "história"? Nós temos, empiricamente, 
alguma noção aproximada do que é história. Numa primeira instância, é 
importante diferenciar História de Historiografia. A historiografia é o registro dos 
fatos históricos que a gente encontra nos arquivos e, geralmente, é uma versão 
que foi conservada e foi publicada porque coincide com os interesses do 
Estado, das classes dominantes, do instituído e do organizado, que têm 
recursos para resgatar e promover estes documentos. Naturalmente, registram 
aquilo que lhes convém. Então, historiografia é esta versão que, em geral, se 
apresenta como sendo objetiva, neutra, impessoal e que, a rigor, é apenas uma 
versão tão interesseira, tão tendenciosa quanto qualquer outra, mas que 
aparece como descritiva, como meramente narrativa. Agora, História, 
propriamente, não é isso. 
Historiar é um processo de conhecimento que pretende reconstruir os 
acontecimentos nos tempos, mas que o faz assumindo que qualquer 
reconstrução é feita desde uma perspectiva, que qualquer registro inclui os 
desejos, os interesses, as tendências de quem faz História. Porque a versão 
que se tem da História é sumamente importante, enquanto justifica as ações e 
paixões que se protagonizam no presente e, geralmente, justifica e propicia um 
projeto futuro para a vida social, ou seja, todos os movimentos sociais que se 
deflagram, que se impulsionam para chegar a este porvir. Algumas coisas que 
o Institucionalismo tem a dizer comrespeito à História podem ser resumidas 
em poucas palavras: 
37 
 
Primeiro: o Institucionalismo afirma que a História não é, apenas, a 
reconstrução do que já aconteceu e que já está de alguma maneira, morto, 
obsoleto, definido – "o que foi, já foi"-, mas consiste em uma localização 
daquilo que, de alguma forma, começou, teve início em um passado. Mas o 
interesse da História institucionalista é o de reconstruir o passado enquanto ele 
está vivo no presente, enquanto ele está atuante e pode determinar ou já está 
determinando o futuro. Passado e futuro se constroem e reconstroem 
incessantemente desde os valores que inspiram a um presente crítico e 
revolucionário. 
Segundo: o Institucionalismo afirma que não existe uma História, uma História 
que seja como uma espécie de mangueira, de modo que totalize todo o devir 
da vida social em um espaço e em um tempo só; mas diz que existem 
"histórias" – multiplicidades econômicas, culturais, ideológicas, do desejo, da 
afetividade, da vontade, histórias raciais, histórias das gerações. Cada uma 
delas transcorre num tempo próprio que não se pode uniformizar, que não se 
pode totalizar, globalizar em um tempo único; de modo que não se pode 
estudar uma época como se essa época fosse um corte transversal, que se faz 
num único fluxo da História, como se faria no fluxo de um rio. Trata-se de tentar 
articular os diferentes tempos dos diferentes processos históricos em alguns 
momentos, eras ou etapas, que são localizáveis como tais, cronológica ou 
conceitualmente, no século XVI, no século XI, ou na Idade Antiga etc. Mas isso 
não significa que este seja o único tempo em que se transcorreram todos os 
processos. Quer dizer, os processos que constituem a História são processos 
policronológicos, cada um em sua duração, e é preciso ver como cada um se 
"adianta" ou se "atrasa" em relação aos outros. Outro aspecto importante da 
38 
 
leitura institucionalista do tempo é que não é o passado que engendra o 
presente, mas o passado está composto de uma série de potencialidades que 
o presente ativa, que o presente ilumina, que o presente deflagra. Não é o 
passado que gera o presente, e sim o presente que explora que aproveita ou 
atualiza as potencialidades do passado para construir um porvir. Por outro lado, 
a História não é uma série de etapas fatais, ou mais ou menos determinadas, 
cada uma das quais origina a seguinte, que começam do zero e vão acabar em 
dez, cem ou qualquer número final. Não existe uma progressão 
predeterminada das etapas históricas e, por conseguinte, não existe um 
apogeu final dos tempos. O Institucionalismo não aceita a ideia de uma 
escatologia histórica, isto é, um final que pode ser entendido como final feliz – e 
que nesse caso confirme uma escatologia positiva, ou um final catastrófico ou 
apocalíptico. Não existe finalidade da História. O que pode ocorrer no dia-a-dia 
não está inteiramente predeterminado no passado e nem é certo que vá 
acontecer no futuro. Segundo alguns institucionalistas, o tempo, sempre 
policronológico, se produz, devém desde um presente em direção ao passado 
e ao futuro. 
Finalmente, outra afirmação importante que o Institucionalismo pode 
aportar à teoria da História é que nós, com uma explicação claramente 
mecânica, baseada em paradigmas de ordem que se desenvolveram do século 
XVII em diante – que têm como modelo a mecânica celeste com suas 
trajetórias, suas parábolas, suas órbitas, e como correlato à máquina do relógio 
–, com este metamodelo mecanicista, tendemos a pensar a História em função 
de suas leis, sendo que os enunciados legais supostamente dão conta dos 
processos repetitivos que transcorrem na realidade. Somos levados a pensar 
39 
 
que a História se desenvolve segundo uma ordem de características mais ou 
menos maquinais, que tende a repetir-se e que, em todo caso, quando não se 
repete é porque tem conseguido produzir alguma diferença em relação a uma 
provável repetição do idêntico ou do igual. Então, esta concepção da História 
que faz da diferença uma variação análoga ou semelhante do igual, ou do 
idêntico, não é compartilhada pelo Institucionalismo. O Institucionalismo diz que 
o que, predominantemente, retoma na História, não é o igual, não é o idêntico, 
não é o regular, não é aquilo que se pode captar por leis típicas da mecânica 
física ou da mecânica celeste, do relógio ou do calendário, mas que o que se 
repete na História é a diferença, é o acaso, é o inesperado, o acontecimento, o 
imprevisível, o aleatório. E que são estes grandes ou pequenos momentos de 
repetição do diferente (por exemplo: do Instituinte) que depois vão tentar ser 
capturados pelo instituído, pelo organizado e repetidos como idênticos. 
Bem, esta concepção da História que estou sintetizando ao máximo, com 
contribuições de diferentes tendências institucionalistas, não é apenas um 
exercício acadêmico, mas está estritamente relacionada com a concepção da 
práxis, da atividade político-social desejante que o Institucionalismo tem, e com 
a utopia ativa, quer dizer, o propósito, o objetivo, a finalidade e os recursos do 
Institucionalismo. Porque se bem o Institucionalismo interessa-se em estudar 
as leis do que tende a repetir-se, ele está mais implicado em assumir uma 
práxis que propicie o advento do inesperado, do acontecimento, da inovação 
absoluta. Então, trata-se de entender como a História é não apenas uma 
atividade ilustrativa, uma investigação erudita, mas uma tentativa de reconstruir 
os grandes momentos de imprevisto, os grandes momentos de acaso que 
transformaram o curso da humanidade, para a partir desses ensinamentos, 
40 
 
produzir estratégias que permitam propiciá-los novamente. A História se estuda 
para aprender como militar a favor da transformação, não de uma 
transformação previsível, não de uma transformação pré-figurada, mas da 
transformação em direção ao radicalmente novo e, portanto, absolutamente 
desconhecido. Tentemos agora definir outros conceitos importantes. 
O termo molar, outro termo que tínhamos de comentar e que se entende 
em contraposição ao termo molecular, é uma contribuição feita por algumas 
escolas institucionalistas e que vou tentar explicar brevemente. 
Para os institucionalistas não existe uma separação radical entre vida 
econômica, vida política, vida do desejo inconsciente, vida biológica e natural. 
O que existe são imanências – isto é, a inerência, a posição intrínseca de cada 
um destes campos em relação aos outros, que só se podem separar de uma 
maneira artificial para a finalidade de seu estudo. A rigor funcionam sempre, 
por assim dizer, um "dentro" do outro, incluindo-se no outro. Então, dentro 
desta concepção da vida social como uma rede, em que os diversos processos 
são imanentes um ao outro, pode se distinguir o molar, que, dito de uma 
maneira simples, é aquilo que é grande, que é evidente, que tem formas 
objetais ou formas discursivas, visíveis e enunciáveis. Por outra parte temos o 
molecular, que é o que na física se costuma chamar micro, por oposição a 
macro, isto é, o mundo atômico e subatômico, o mundo das partículas, 
enquanto o mundo macro por excelência seria, por oposição, o universo, o 
cosmos, que é composto de grandes corpos. Então, tomando esses 
ensinamentos da microfísica, da microquímica, da microbiologia, da biologia 
molecular, o Institucionalismo afirma que as grandes mudanças históricas, as 
macromudanças, são sempre resultado de pequenas micromudanças, e que os 
41 
 
grandes poderes em vigor na sociedade são apenas forças resultantes de 
pequenas potências que se chocam e conectam em espaços microscópicos de 
uma sociedade. Como até mesmo a física, a biologia e a química descobriram 
que as leis que regem os processos e as entidades macro não são capazes de 
dar conta da dinâmica que acontece nas micro. O macro é o lugar da ordem, é 
o lugar das entidades claras, dos limites precisos,é o lugar da estabilidade, da 
regularidade, da conservação. O micro, dito tanto no sentido físico, químico, 
biológico quanto no sentido social, político, econômico e desejante, é o lugar 
das conexões anárquicas, insólitas, impensáveis. O macro é o lugar da 
reprodução, e o micro é o lugar da produção; o macro é o lugar da conservação 
do antigo ou da propiciação do novo previsível, e o micro é o lugar da eclosão 
constante do novo; o macro é o lugar da regularidade e das leis, o micro é o 
lugar do aleatório e do imprevisível. Esta diferenciação também é importante 
porque, em geral, o Institucionalismo confia em analisar e propiciar as 
mudanças locais, as transformações microscópicas, as conexões 
circunstanciais, porque espera delas efeitos à distância que, ao generalizarem-
se, resultam nas grandes metamorfoses, do instituído e do organizado, o 
detectável e consagrado. Dito com outras palavras, o Institucionalismo pensa 
que as pequenas conexões locais são o lugar do Instituinte, e entendê-lo assim 
está estritamente relacionado com as estratégias de intervenção nos âmbitos, 
nos espaços de atuação que o Institucionalismo vai tentar propiciar. Eles são 
os pequenos lugares intersticiais da vida natural-social-técnica e subjetiva, e 
não os grandes blocos representativos dos territórios constituídos. 
Finalmente, é importante definir o termo antiprodução. Se não me engano, já 
tentamos reiteradamente definir e redefinir o termo produção. Produção é 
42 
 
aquilo que processa tudo que existe, natural, técnica, subjetiva e socialmente. 
É a permanente geração, enquanto não se cristaliza; é o devir, é a 
metamorfose, é o que, com uma terminologia ainda religiosa, chamaríamos de 
criação. Mas no momento em que as forças produtivas entendidas de maneira 
muito ampla, as forças instituintes -organizantes, são capturadas em grandes 
organismos reprodutivos como o Estado ou o mercado capitalista, vigora a 
antiprodução. Por exemplo, elas são voltadas contra si mesmas, de maneira 
que a produção, as energias não orientadas, as matérias produtivas ainda não 
formadas são retidas pelos mecanismos, pelos equipamentos, pelos 
organismos e forças de toda ordem que propiciam a reprodução do mesmo, o 
impedimento ou a destruição do novo, elas tornam-se antiprodutivas, elas se 
destroem a si mesmas. É o que subjaz a grandes processos sociais como as 
guerras; é o que subjaz a célebres atitudes sociais como a de destruir os 
produtos porque o preço caiu no mercado; é o que subjaz à geração de 
enormes contingentes sociais que estão destinados a morrer, e que morrem 
não apenas por deficiência da provisão ou da organização, mas por atitudes 
ativas do poder destinadas a destruí-los, como é o caso da marginalidade, da 
mortalidade infantil, dos preconceitos sexuais e raciais, do alcoolismo, da 
tóxico-dependência, dos genocídios coloniais, neocoloniais e planetários 
contemporâneos etc. Essas são potências, são forças singulares, produtivas, 
que a sociedade não está em condições de incorporar porque não pode 
transformá-las em mercadoria, seres, bens, valores, serviços – não pode 
assimilá-las à lógica do sistema. Então, ou as deixa morrer, ou as mata por 
meio de mecanismos mais ou menos deliberados, mais ou menos 
premeditados. Esse processo de autodestruição das forças produtivas naturais, 
43 
 
sociais, subjetivas e tecno-industriais que a sociedade faz chama-se 
antiprodução. Um desses processos característicos é o problema ecológico, 
que só agora se está" descobrindo", enquanto já era evidente desde meados 
do século passado com o processo produtivo industrial' mercantil baseado na 
geração de mercadorias, de bens de troca e não de bens de uso, que vem 
destruindo o reservatório fundamental de matéria-prima e de vida que é a 
natureza. Agora, isso se torna moda; mas foi sempre assim, e é uma das 
expressões mais radicais da capacidade antiprodutiva do sistema dominante 
no mundo. 
Para qualquer tendência sociológica, científica-política ou econômica 
clássica, já é completamente evidente que não se pode pensar os processos 
característicos de cada área – não se pode conceber o que acontece em 
economia, em política ou sociologia – com independência do psiquismo dos 
homens, prescindindo do que antigamente se chamava as almas dos homens. 
Ou seja, apesar de se poder acreditar que é o econômico que determina, em 
última instância, as características da vida e da morte social, ou que se possa 
supor que é o político o tal determinante, hoje se sabe, e ninguém pode negá-
la, que por mais determinados, por mais submetidos às leis econômicas e 
políticas que estejam os homens, eles só entram nesses processos de 
dominação, de exploração, de mistificação ou, pelo contrário, em processos 
revolucionários, se estes, de algum modo, coincidem com suas crenças, 
representações, convicções acerca da vida social. E também não entram se 
suas expectativas, suas vontades, seus desejos não se encaminham nessa 
direção. Isso é claríssimo. O Institucionalismo tende a não privilegiar a priori 
nenhuma determinação mais que outra, isto é, são tão importantes as 
vontades, os desejos e as representações com que os homens entram nos 
processos históricos quanto as estruturas "materiais", econômicas, políticas ou 
naturais que os determinam. Mas a isso temos de acrescentar que a partir da 
contribuição psicanalítica, sabe-se que as vontades, os desejos mais potentes 
que dirigem a conduta ou a vida dos homens, são inconscientes, isto é, não 
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fazem parte de seu saber, de seu querer deliberado. Em última instância, os 
homens entram nos processos históricos e sociais determinados por forças 
desejantes, por vontades que eles não controlam e não conhecem, mas que 
têm a ver com o prazer, que têm a ver com o sofrimento e têm a ver com 
vivências e mecanismos subjetivos ainda mais profundos. Hoje, por exemplo, 
está cada vez mais evidente para os economistas que o "melhor" plano 
econômico não funciona se não se consegue mobilizar as forças desejantes 
dos integrantes de uma população, não só seus interesses, para provocar o 
consenso dos agentes em torno deste plano; e ainda mais, que o "pior" dos 
planos é capaz de funcionar quando se consegue essa mobilização. E não se 
trata apenas de conseguir uma adesão consciente ou uma credibilidade 
voluntária, mas de mobilizar forças inconscientes às quais se apela, ainda 
passando por cima das crenças e convicções dos agentes sociais. Isso 
também não é novidade. Já a partir de Reich, o grande psicanalista marxista, 
nós nos interrogamos constantemente porque, em lugar de colocar-se o 
problema de que ocasionalmente os operários estejam em greve ou que 
circunstancialmente os soldados se rebelem contra seus superiores, não nos 
perguntamos porque os operários não estão sempre em greve, porque os 
soldados não se unem para executar definitivamente seus superiores. Por que 
os povos atuam contra seus reais interesses e vontades? Então, não se trata 
apenas de dizer que o fazem por medo, porque os acontecimentos históricos 
demonstram que os povos quando se mobilizam, quando as forças 
inconscientes se ativam, não têm medo de nada e têm como se fosse uma 
plena consciência de sua potência. Eles correm perigos tremendos ou – 
combatem lutas desiguais, mas eles operam as transformações sociais. Não se 
trata também de dizer apenas que os povos são ignorantes, porque se é certo 
que o sistema se ocupa de manter os povos ignorantes ou erradamente 
informados, já se tem visto processos históricos em que os povos são capazes 
de produzir um saber acerca de suas condições de existência que não precisa, 
passar pelo saber transmitido pelos meios de divulgação, nem necessita 
submeter-se ao saber acadêmico. Os povos checam seu próprio saber sobre 
suas condições de vida na luta cotidiana pela transformação desses campos de 
existência e levam à frente movimentos de imensopoderio, de incalculável 
potência social, sem apelar para os saberes instituídos e estabelecidos. Então, 
45 
 
o importante a ser reconhecido é a existência dessas forças inconscientes que 
o Institucionalismo denomina desejo, por ressonância ou por uma re-
elaboração do conceito de desejo inconsciente da Psicanálise. A diferença 
consiste em que o desejo inconsciente em Psicanálise está sempre relacionado 
com uma estrutura chamada Complexo de Édipo: é um desejo que atua 
primeiro na vida familiar, nas relações ou nas fantasias incestuosas ou 
parricidas do inconsciente infantil e que, depois, se translada para a vida social 
com as mesmas características. O desejo segundo a Psicanálise é um impulso 
que tende a reconstituir estados perdidos a se realizarem em fantasmas 
imaginários, é uma tendência reprodutiva, é um anseio que tende a restaurar o 
narcisismo, que supostamente, em algum momento, foi o estado em que o 
proto-sujeito esteve integralmente. O desejo no Institucionalismo não tem 
essas peculiaridades. O desejo do Institucionalismo é imanente à produção, é 
(digamos provisoriamente) o aspecto subjetivo (mas não apenas psíquico) da 
mesma força que no social é o Instituinte. É uma força que tende a criar o 
novo, entendido como o imprevisível, é uma força de conexões insólitas, é uma 
força de invenção e não é uma força restauradora de estados antigos. Mas é 
inconsciente. Só que este inconsciente não se entende exclusivamente como 
um inconsciente edipiano, familiarista, repetitivo, mas também como um 
inconsciente pré-pessoal, pré-social e pré-cultural, objeto de um saber que 
toma elementos de todos saberes existentes; trata-se de matérias não-
formadas e energias não-vetorizadas que são capazes de gerar transformação. 
A força desse inconsciente não está submetida apenas por um recalque 
psíquico, mas por um recalque complexo que é simultaneamente político, 
libidinal, semiótico etc. Então, para o Institucionalismo não existe o que seria 
um homem universal, não existe uma estrutura, uma essência-homem. 
Também não existe uma estrutura, uma essência-sujeito, um sujeito psíquico 
que seria o mesmo em todas as sociedades, em todos os momentos históricos, 
em todas as classes sociais, em todas as raças etc. O que se passa é que 
esse sujeito psíquico, mesmo que se aceite como sendo universal, teria 
representações ou teria recursos que variariam segundo a sociedade, segundo 
a classe social ou o grupo a que pertencesse. Para o Institucionalismo não 
existe esse sujeito eterno e universal, apenas preenchido com conteúdos 
históricos sociais variáveis. Para o Institucionalismo, o que existe são 
46 
 
processos de produção de subjetivação ou de subjetividade. Mais adiante 
explicarei em que consistem essas duas denominações, mas essa produção é 
absolutamente contingente, é absolutamente própria de cada lugar, de cada 
momento, de cada conjuntura histórica etc. Ou seja, produzem-se sujeitos em 
cada acontecimento-devir-sujeitos para esse acontecimento-devir, sujeitos 
variavelmente protagonistas desse acontecimento, ou, se pode dizer, é o 
acontecimento-devir que os produz. E podem existir analogias, podem existir 
semelhanças entre esses sujeitos. O que importa não é a produção das 
semelhanças ou de analogias entre os sujeitos, mas a produção de diferenças, 
a singularidade de cada sujeito produzido em cada lugar, a cada momento. 
Então, quando nessa produção predomina o instituído, a reprodução de um 
sujeito do desejo assujeitado aos interesses dominantes, aos interesses 
exploradores, aos interesses mistificantes, ele adota as características de um 
sujeito mais ou menos universal e eterno. A isto se chama produção de 
subjetividade assujeitada, subjetividade submetida. Quando o que predomina 
neste processo é a geração do novo absoluto, de subjetivação absolutamente 
original, absolutamente singular, absolutamente Instituinte, absolutamente 
contingente, circunstancial e gerada pelos eventos revolucionários, a isto se 
chama produção de subjetivação livre, não assujeitada, primigênia, produtiva, 
revolucionária, em que o desejo se realiza em conexões locais, micro, e se 
efetua gerando o novo, não se concretiza restituindo o antigo processa-se não 
reproduzindo o instituído, o organizado, o estabelecido, mas se realiza gerando 
o Instituinte e o organizante. 
Por que esta discriminação é importante? Porque na leitura que o 
Institucionalismo vai fazer de cada organização, de cada estabelecimento, 
movimento ou proposta, ele vai privilegiar a intelecção de dispositivos que são 
capazes de produzir subjetivações. E não vai privilegiar, a não ser para 
denunciá-los, a leitura de aparelhos ou equipamentos que estão destinados a 
produzir a reprodução de subjetividades submetidas. O mesmo vai acontecer 
nas montagens técnicas, organizativas, políticas, com as formas de militância, 
com a "maquinaria de guerra" que o Institucionalismo pretende propiciar em 
suas intervenções, porque as mesmas têm de estar protagonizadas por novas 
produções de subjetivação, circunstanciais, transitórias, capazes de encarar o 
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sentido desejante e revolucionário e depois autodissolver-se para deixar seu 
lugar a outras. Evidentemente, todas essas definições necessitariam de 
exemplos muito precisos que, pela natureza elementar deste livro, não 
poderemos dar nesta exposição. Mas a discriminação que tem de ficar 
claramente estabelecida é que o Institucionalismo, em geral, não .se propõe 
"pegar" um sujeito reprodutivo que é sempre o mesmo, eterno e universal e 
invariável em todo tempo e lugar, e trabalhá-lo para torná-lo produtivo. O 
objetivo institucionalista é criar campos de leitura, de compreensão, de 
intervenção para que cada processo produtivo desejante, revolucionário, seja 
capaz de gerar os "homens" (ou sujeitos) de que precisa. Não ajeitá-los a partir 
de uma suposição de que já estão feitos, mas aceitar a ideia de que os novos 
homens se fazem a cada momento, em cada circunstância. 
Essa exposição que se acaba de ler não segue ao pé da letra as teorias 
sistemáticas da Psicanálise, o Marxismo ou as psicossociologias de cunho 
fenomenológico, positivista, culturalista ou estrutural-funcionalista. Em muitas 
passagens, pode ficar sincrética ou imprecisa demais. A intenção não é dar 
uma série de definições acadêmicas fiéis a seus textos de origem. Este é o 
caso, por exemplo, de quando falamos do inconsciente ou do desejo. O 
contexto em que falei dessa questão ainda é um espaço teórico algo clássico, 
que habitualmente se aborda com o nome de ideologia. É verdade que há uma 
certa definição de ideologia que a considera como uma série de 
representações erradas, de crenças, de convicções acerca do mundo, que está 
animada pela ilusão, pela esperança e pelo medo. Costuma-se reconhecer que 
existem ideologias dominantes que são as ideologias da classe dominante, ou 
seja, que são ideologias conservadoras, reacionárias. Por outro lado, existem 
ideologias revolucionárias, que são ideologias das classes, dos grupos que 
procuram uma drástica transformação social. Em geral fala-se dessas 
ideologias como sinônimo de consciência falsa ou distorcida. São crenças, 
convicções ou expectativas e desejos conscientes. Ademais, afirma-se que a 
ideologia dominante na sociedade é a ideologia dos grupos dominantes, é uma 
ideologia que se impõe pela ignorância ou a distorção, apesar de ser contrária 
aos interesses da maioria. Então, costuma-se dizer que a maneira de reverter 
essa situação é instruir, é educar, é modificar essas representações, é criar 
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outro tipo de expectativa ou vontade, é conscientizar acerca dos limites da 
potência que tem a classe dominante, conscientizar acerca do potencial de 
prazer, de gozo, de eliminação do sofrimento que teria uma transformação 
social protagonizada pela classe dominada. Mas é importante recordar que 
desde um bom tempo atrás já

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