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eltl,lj" eltl,l Ol estu Ol Q-- ,. / ";' Cole!rffo Estudos Dirigida por J. GUinsburg ConseIho Editorial: Anatol Rosenfeld (1912-1973). Anita Novinsky. Ar<lCY Amaral, Augusto de Campos, Boris Schnaiderman, CarIos Qui- Iherme Mota, Celso Later,Dante Moreira Leite, Gita K. Guinsburg. Haroldo de Camp.OS, Leyla Perrone-Moises, Lucio Games Machado. Maria de Lourdes Santos Machado, Modesto Carone Netto, PauIo EmHio Salles Gomes, Regina Schnaiderman, Robert N.V.C. Nicol, Rosa R. Krausz, SilbatoMagaldi, Sergia Miceli, Willi Bolle e Zulmira Ribeiro Tavares. Equipe de realiza!rRo - Tradu~ao: J. Teixeira Coelho Netto; Revisao: Mary Amazonas Leite de Barros; Produ!rao: Llicio GomesMachado; Capa: Moyses Baumstem. Louis Hjel~slev PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DALINGUAGEM ~\l~ ~ ~ EDITORA PERSPECTIVA~/\~ Titulo do original ingl&: Prolegomena to a TheQry of r - UFC BIBlIOTECA CENTR~l M 9 731 11 / iI / 71 L.lit © 1961 by the Regents of the University of WISCOnsin Direitos em lingua portuguesa reservados a EDITORA PERSPECITVA SA. Av. Brigadeiro Luis AnWnio, 3025 Telefone: 288-8388 . '01401 ._. Sio Paulo - Jb'aSil 1975 ~ t ~OO~II 6 ' t[ . q if ~ .4)(- '2 l ~. i 1 ~, Su-mario Sincretismo: .. .. .- .. .. .-~- .. ~ .. -.. .. .. e,. -. '. ... .. .. .. ...... eo .. .. .. .. .. .. .. Prefacio iCI- Fun~o e Soma ....:....................;................... Fun~oes- - ' ' .. VII 1. 7 11 13 . 15 19 23 25 27 33 39 47 53 65 79 85 89 93 99. .. Estudo da Linguagem e Teoria da Linguagem Teoria da Linguagem e Humanismo . Teoria da Linguagem e Empirismo . Teoria da Linguagem e Indu~ao 0 0 • 0 • 0 • Teoria da Linguagem e Realidade 0 • Objetivo da Teoria da Linguagem . Perspectivas d-a Teoria da Linguagem .. 0 ••••• o Sistema de Defini~es . 0 • • • 0 • 0 • 0 0 0 0 • 0 • 0 •• Principio da Ananse . 0 0 0 0 • .0 '0 • • • • 0 0 • • .0 o· 0 • Forma da AD.8lise 0 0 • 0 •• 0 •• 0 •• 0 0 ••••• 0 00 •• CataIise Signos e Figuras ...0 0 • • • 0 • • • • 0 0 0 • • 0 0 • 0 • 0 • Expressao e Conteudo .. 0 0 0 0 • 00 • 0 • • • • • 0 0 • • Invariantes e Variantes ... 0 0 0 00 0 0 •• 0 0 0 0 0 • • • Es U L o .. ., tie. quema e 0 so . tngmscos o' 0 .. 0 • • • 0 • 0 0 • • • • Variantes no Esquema Lingiiistico .....•. 0 • 0 l. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. ll. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. r ~ •~ • t •l t· • •••• • •t t •~ • • 20. 21. 22. 23. Grandezas da Amilise . Linguagem e Nao-Linguagem . Semi6ticas Conotativas de Metassemi6ticas . Perspectiva Final . Registro Alfabetico dos Termos Definidos . Defini~oes . 11 ... ... • • .. • • fI 11 11 • .. 11 • • .. 11 11 .. • • Ill: _0 • .. .. Indice Geral . 103 109 121 131 135 137 143 jj 1j I I I l, I I I .1 Prefacio A edi~ao brasileira dos Prolegomenos a uma teoria da linguagem representa, no campo da Ciencia em geral e no dos estudos lingUfsticos, em particular, urn empreendimento de alta relevancia. Alem do carater revolucionario contido no seu corpo de doutrina, essa obra e, talvez, 0 melhoI exemplo de que possamos dispor, a esta altura do seculo:XX, de uma sistematiza~ao cientlfica cujo rigor atinge as raizes do poetico. Dai a oportunidade da presente tradu~ao, no momento em que come~am a surgir - nem sempre muito bem orientados - trabalhos de maior folego dentro desse domfniono pais. Nao importa que, na opiniao de muitos, a tradu~ao venha corn atraso; 0 que inlporta e que ela se publica neste momento em que se faz mais necessaria. Jamais sera suficientemente salientada a complexidade dos Prolegomenos. A presente tradu~ao nao implica,pois, uma vulgariza~ao das id6ias de Hjelmslev junto a um grande publico, roas possibilita aos· especialistas e aos estudantes universitarios da area de Ciencias Humanas estabelecer urn.debate roais amplo. em tomo dos princfpios fundamentaisda Glossematica. . o criador dessa teoria lingilistica, Louis Hjelmslev, nasceu em 1899 na cidade de Copenhague em cuja universidade realizou estudos de Filologia Comparativa, vindo, posteriormente, a aperfei~arseus conhecimentos lingiifsticosem diversas universidades europeias. Em 1931 fundou0 Cfrculo LingUlstico de Copenhague e em 1939, r • .----'_- ~_~ ~~ ~_._..... - .",--'-_.-- . .0-_-- _ ......=--,-~ • __~_~~_ ~ ---- --- VIII PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM com a colabora~o de Viggo Bq6ndal, criOll as Acta Linguistica (AL ) , orgao em que publicou vanos· artigos e editoriais. Nos seus primeiros trabalhos e marcante a influencia dos formalistas russos, de Sapir e, sobretudo, de Saussure, inspirador primeiro de algumas das ideias centrais da Glossematica, teoria que, junto corn Uldall, ja vinha desenvolvendo desde 1931. Os resultados desse trabalho aparecem em 1943 na obra Omkring sprogteoriens grund- laeggelse, que agora surge em portugues .corn 0 titulo de Prolegomenos a uma teoria da linguagem. Em 1937, Hjelmslev assume as fun~oes de titular da Cadeira de Lingiiistica Comparada da Universidade de Copenhague e nessa mesma cidade veio a falecer em 1965. A bibliografia das publica~oes de HjeImslev pode· ser datada a partir de 1922. Ela demonstra que seu Autor possuia uma gama de preocupa~5es extremamente variada, cornose comprova em numerosos· amgos e ensaios publica- dos no decorrer de tOOta e seis anos.· Mas a sua contribui~ao principal para a constitui~ao da modema ciencia semi6tica se deve aos Prolegomenos, cuja Ieitura convem seja com- pleIrientada corn a coletanea de ensaios que. 0 . proprio Hjelmslev organizou, dando-lhe 0 titulo de Ensaios. Lin- gilisticos. A Glossematica, na.medida em que a lingua e concebida como uma combinatoria, atribui, como acertadamente re- conhece Oswald Ducrot, urn valO! central a certas proprie.. dades fonnais das rela~6es que constituem essa combinat6ria. Tal pressuposto levou Hjelmslev ao entendimento da Lin.. ·giiistica coma uma. especie de algebra, dentro da qual contam, para a defini~ao de estrutura, as rela~es formais entre os elementos enao a materialidade dos elementos relacionados. A concordancia desse postulado corn a afirma~ao saussu- riana de que "a lingua e uma forma, nao uma substancia", nao e casual; pode-se mesmo defmir a Glossematica, de modo generalizante, como uma reformula~o coerentizadora das principais dicotomias da teoria lingiifstica elaborada por Saussure. Um exemplo frisante disso e dado pela reelabo- ra~ao .que Hjelmslev faz do modelo do signa proposto por Saussure, ao explicitar os pIanos do significante e do signi- ficado em quatro estratos, dois. de substancia e dois de forma. Na Glossematica, 0 signa se instituicomo uma fun~o contraida entre dois funtivos fonnais, 0 do plana da expressao e 0 do pIano do conteudo. Desse POnta de vista, as unidades da lingua nao sac nem os sons nem os signi- . ficados, que sao em si meras substancias extralingiiisticas,· mas, sim, os relata que os fonnalizam semioticamente. Tal concep~aoe a melhor dernonstra~o do acerto da intuil;ao PREFACIO IX - -"~-, I I 1 saussuriana aeerea da natureza da lingua como uma forma, nao uma substancia; HjeImslev se enearregou de levar ate as Ultimas conseqiiencias esse postulado basico, responsaveI, sem duvida, pela rigorosa organicidade da sua doutrina. A reformula~ao glossematiea, porem, nao se· fez sem conse- qiiencias ja que eIa culminou num modelo de lingua que se afasta num ponto crucial do modelo saussuriano. Assim., enquanto para Saussure, a langue era urn. sistema de signos. para HjelmsIev, a lingua e urn sistema de figuras (nao- signos), que, ao se combinarem, produzem signos. Disso tude deeorrem duas conseqiiencias basicas: de um lado, ° estudo das rela~6es que instauram essa combi- "nat6ria se transfonna no proprio objeto imediato da Lin- giifstica; de outro, essa visao funcional inclui a existencia de mecanismos subjacentesdinanncos. No estruturalismo chls- sico, cujo mentor cS 0 autor do Curso de Linguistica Geral, o modelo do signa pode gerar, como de fato tem gerado, a no~ao erronea do signo como uma entidade fechada, pre-construlda, e estatica. 0 modelo glossematico, em con- traposi~ao, concebe essa entidade como uma unidade de configura9iio; em virtude disso, a forma do conteudo de um signo e indiferente as dimensoes do pIano da expressao que 0 manifesta. :£ verdade que esse mesmo entendimento basico do signa era 0 de Saussure tal .coma se pode" ver nos papeis ultimamente publicados, principalmente os qnegiram em tome do problema dos anagramas; mas cS verdade,· tam- bern, que, ao que· saibamos; semeIhantes ideias sac 0 fruto de uma medita~aosobre textos, sintomaticamente" poeticos, Ievada a· cabo no espa~o de varios anos, nao se podendo afinnar com exatidao que elas estivessem suficientemente amadurecidas a epoca· da gesta~ao do Curso de LingUIstica Geral. A medida que se tomem melhor conhecidos os me- ditos dispersos de Saussure, estarnos firmementeconvencidos de que acabara por se impor a necessidade derevisao da imagemde urn Saussure pioneiro da lingiifstica frasal para que se reconhe~" nele, ao lado e alem: disso, a imagem de urn. Saussure pioneiro da lingllistica transfrasal _. essa mo falada quao mal com,preendida lingilistica textual de nossos dias, cujos fundamentos repousam precisamente nessa dinami- cidade inerente a n~6 das rela~es funcionais assentadas pela Glossematica. o particular interesse que 0 estudo do texto, como nive] lingilistico superior a frase, suscita em nossos dias estriba no modelo relacional do signa fotmulado pela Glossematica, mas nio na dire~ao do modelo do signo semdntico ~ ja intufdo pelos fonnalistas russos aa estudar a linguagem lite- raria e a linguagem einematograflca. Ao conceber 0 sentido coma substAncia semantica, a Glossematica descartava, na , X PROLEGOMENOS AUMA TEORIA DA LINGUAGEM primeira etapa da suaformaliza~ao, representada pelos Prolegomenos, a possibilidade da eonstru~ao de urn modelo do signo semantico, que so se insinuani em estudos poste- riores do mesmo Hjelmslev, numa etapa em que ele se da conta de que a substancia pode ser incluida no ambito da Lingiiistiea como algo semiotieamente formaIizavel. Nesse instante, precisamente, nasce a reivindica~ao de uma seman- tiea estrutural, reivindica9ao essa que eonstitui 0 .titulo de urn. de seus mais notaveis ensaios "Pour une semantique structurale", de 1957. A esta altura do seculo pode-se aquilatar melhor da importancia dos Prolegomenos, de Hjelmslev, quando 0 foca- Iizamos, assim, na sua eondi~ao de mediador entre 0 pio- neirismo genial de Saussure e 0 estruturalismo vanguardista de Greimas; os tres formam como que uma tradi9ao pautada em referencias mutuas. Sao Paulo, maio de 1975, ana do d6cimo aniversario da morte de Louis Hjelmslev. Eduardo Peiiuela Cafiizal Edward Lopes ·r 1. Estudo da Linguagem e Teoria daLinguagem A linguagem - a fala humana - e uma inesgotavel riqueza de mUltiplos valores. A linguagem e inseparavel dohomem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem e <> instrumento gra~as ao qual 0 homem modela seu pen- samento, seus sentimentos, suas emo~5es, seus esfor~os, sua vontade e seus at08, 0 instrumento gra~as ao qual ele in- flueneia e e influeneiado, a base Ultima e mais profunda da sociedade humana. Mas e tambem 0 reeurso Ultimo e indispensavel do homem, seu rerugio nas horas solitlirias em que 0 esp1rlto luta corn a existencia, e quando 0 con- flito se resolve no monologo do poeta e na medita~ao do pensador. Antes mesmo doprimeiro despertar denossa consciencia, as palavras ja ressoavam a nossa volta, pronras para envolver os primeiros germes fnigeis de nosso pensa- menta e a nos aeompanhar inseparavelmente atraves da vida; desde as mais humildes ocupa~6es da vida quotidiana aos momentosmais sublimes e mais intimas dos quais a vida de todos os .dias retira, gra~as as lembran~as enear- nadas pela linguagem, for~ e calor. A linguagem nao e urn simples acompanhante, mas sim urn fio profundamente tecido oa trama do pensamento; para 0 individuo, ela e o tesouro damemoria e a consciencia.vigilante· transmitida de pai para fI1ho. Para 0 bem e para 0 mal, a fala e a marea da persanalidade, da terra natal e da na~aa, a titulo de nobreza da humanidade. 0 desenvolvimento da lingua- gem esta tan inextricavelmente ligadoaa dapersonalidade de cadaindividuo, da terra natal,da iJ.a~ao, da humanidade, da propria vida, que e passivel indagar-se se ela nao passa 2 PROLEGOMENOS A UMA TEORIADA LINGUAGEM de urn simples refLexo ou se ela nao e tudo isso: a propria fontedo desenvolvimento dessas coisas. :B por isso que a linguagem cativou 0 homem enquanto objeto de deslumbramento e de descri~ao, na poesia e na ciencia. A ciencia foi levada aver na linguagem seqiien- cias de sons e de movimentos expressivos, suscetiveis de uma descri~ao exata, ffsica e fisio16gica, e cuja disposi~ao forma signos que traduzem os fatos da consciencia. Pro- curou-se, atraves de interpreta~6es psicologicase logicas, reconhecer nesses. signos as flutua~6es da psique e a cons- tfulcia do pensamento: as primeiras na evolu~ao e na vida caprichosa da Ilngua; a segunda, em seus pr6prios signos, ,dentre os quais distinguiu-se a palavra e a frase, imagens con- cretas do conceito e do juizo. A linguagem, como sistema de signos, devia fornecer a chave do sistema conceitual e a da natureza psfquica do homem. A linguagem, coma institui9ao social supra-individual, devia contribuir para a caracteriza~o da na~ao; a linguagem, corn suas flutua~oes e sua evolu~ao, ,devia abrir caminho ao conhecimento do estilo da persona- Iidade e ao conhecimento das longfnquas vicissitudes das gera90es desaparecidas. A Iinguagem ganhava assim uma posi~ao-chave que iria abrir perspectivas em muitas dire- 90es. Assim considerada, e mesmo quando e objeto da cien- cia, a linguagem deixa de ser urn fim em si mesma e toma-se urn meio: meio de urn conhecimento cujo objeto principal reside fora da propria linguagem, ainda que seja o· Unico caminho para chegar ate esse conhecimento, e que se ins- pira em fatos estranhos a este. Ela se toma, entao, 0 meio de urn. conhecimento transcendental - no sentido pr6prio, etimo16gico do termo - e DaD 0 fim de urn conhecimento imanente. :B assim que a descri~ao ffsica e fisiologica dos sons da Iinguagem corre 0 risco de cair no ffsico e no fisio16gico puros,e que a descri~ao psico16gica e 16gica dos signos .- isto e, das paIavras e das frases - reduz-se facil- mente a uma psicologia~ uma J6gica e uma 6ntologia'puras~ perdendo de vista, corn jsso, seu ponto de partida lingiHstico. A hist6ria 0 confirma. E ainda quenao fosse esse 0 caso, os fenomenos ffsicos, fisio16gicos, psico16gicos e 16gicos. en- quanto tais nao constituem a propria linguagem, mas .sim _ apenas aspectos aela exteriores, fragmentarios, .escolhidos como objetos de estudo nao tanto porque interessam a linguagem quanta porque abrern dominios aos quaisesta permite chegar. Encontra-se a mesma atitude quando, ba- . seando-se em tais descri95es, a pesquisa lingii~sticaatribui-se como objeto a compreensao da sociedade humana e a re- constitui~ao das rela~oes pr6-hist6ricas entre pavos e na~pes. " - ) t ,. ESTUDO DA LINGUAGEM E TEORIA DA LlNGUAGEM 3 Isto e dito nao para diminuir 0 valor de tais pontos de, vista nern de tais ernpreendimentos, rnas sim corn Q obje- tivo de chamar a aten9ao para urn perigo, 0 perigo que consiste em apressar-se demasiado na dire9ao do objetivo fixado pela pesquisa e, corn isso, negligenciar a propria linguagem, que e 0 meio de atingir esse objetivo. Na rea- lidade, 0 perigo reside no fato de que a .linguagem quer ser ignorada: e seu destino natural 0 de ser um meio e nao urn fim, e e s6 artificiaImente que a pesquisa pede ser dirigida para 0 pr6priomeio do conhecimento.- Isso e vaIido na vida quotidiana, onde normalmente a linguagem nao atravessa -0 umbra! da consciencia; mas isto e iguaI- mente verdadeiro na pesquisa cientffica. Ha ja algum tempo se compreendeu que, ao Iado da filologia, que deseja en- contrar no estudo da lingua e dos textos 0 meio de atingir uma consciencia literaria e historica, ha Iugar para uma Iingiifstica que se constitua no proprio objetivo desse estudo. Mas, do projeto a sua realiza9ao 0 caminho era bem longo. Mais' uma vez, a linguagem deveria desapontar seus admira- dores cientfficos, pais a historia e a compara9ao genetica das lfnguas, que se tomaram 0 objeto essencial da lingiiistica tradicional, nao se atribuiam nem par objetivo nem por resuItado 0 conhecimento da natureza da linguagem, a qual naopassava de urn meio para chegar-se ao estudo das sociedades e aD estudo dos contatos entre os povos nas epocas hist6rica e pre-historica. Mas, aqui tambem 0 que se tem e filologia. Sem duvida acredita-se, quando se trata da tecnica intema de compara9ao das Iinguas, estar lidando corn a propria lingua, mas isto e ilusao. Nao e a pr6pria lingua, mas seus disiecta membra, que nao permitem apreen- der a totalidade que e a Ifngua; urn tal metodo alcan9'a as contribui90eS fisicas e fisio16gicas, psico16gicas e 16gicas, so- cio16gicas e hist6ricas da lingua, mas nao a pr6pria lingua. A fim de construir uma' lingiiistica deve-se proceder de outro modo. Esta nao deve ser nem uma simples cien- cia auxiliar, nem uma ciencia derivada. Essa lingilistica deve procurar apreender a linguagem nao como um conglo- merado 'de fatos nao lingiifsticos (fisicos, fisio16gicos, psico- 16gicos, 16gicos, socioI6gicos) ,mas sim como urn todo que se basta a si mesmo, uma estrutura sui generis. :a s6 deste modo que a linguaenqllanto tal podera ser submetida a urn tratamento cientfficoe deixar de nos mistificar ac escapar a nossa observa9ao. A importancia deste modo deproceder sera avaliada a longo praza nas repercussoes que obtiver sobre os diversos pontos de vista transcendentais, sabre as ftlologias e sobre a assim chamada lingillstica tradicional. Os resultados desta nova lingiHstica permitiriam, entre outros, estabelecer . 4 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM uma base homogenea de comparac;ao das linguas ao fazer desaparecer 0 particularismo na criagao dos conceitos (par- ticularismo este que e 0 principal escolho da filologia) e . apenas esta base e que tomara passivel uma lingliistica genetica racional. Quer se identifique a estrutura da lin- guagem corn a da existencia ou que se veja nela apenas urn reflexo desta, mais ou rnenos deformado, a curtoprazo e atraves de sua contribuigao a epistemologia geral que a lingiiistica revelara, de modo inconteste, sua importancia. o trabalho preliminar de uma tal lingiiistica consiste em construir uma teoria da linguagern que formule e des- cubra as prernissas dessa Iinguagem, que indique seus metodos e fixe seus caminhos. o presente estudo constitui os prolegomenos de uma tal teoria. o estudo da Iinguagem, corn seus objetivos multiplos e essencialmente transcendentais, tern muitos adeptos. A teoria dalinguagem que se quer exclusivamente imanente, pe10 contrmo, quase nao os tern. A respeito desta colo- cagao, nao se deve confundir teoria da linguagem corn filosofia da linguagem. Como qualquer outra discipIina cientffica, 0 estudo da linguagem conheceu, no decorrer de sua hist6ria, tentativas fiIos6ficas que procuravam justificar seus metodos de pesquisa; 0 interesse atribuido, nestes ulti- mos anos, aos fundamentos da ciencia e tal que certas escolas de lingiiistica transcendental acreditam mesrno ter encontrado os sistemas de axiomas sabre os quais se baseia esse estudo 1• Todavia, e extremarnente raro que essas es- pecula<;oes da filosofia da linguagem atinjam uma tal precisao e que sejamefetuadas· numa esca]a arnpla, de modo siste- matico, por pesquisadores que tenham urn conhecimento suficiente da lingliistica eda epistemologia. Na maior parte do tempo,tais especu]agoes sac subjetivas, e e por isso que nenhuma delas, salvo talvez quando de uma moda passageira, cODseguiu reunir a s"Ua volta urn grande Dlimero de defensores. Portanto, e impossivel tra~ar 0 desenvol- vimento da teoria da linguagern e escrever suahist6ria: falta...Jhe acontinuidade. Por causadisso, todo esforc;o no senlido deAormularnmateoriada linguagem viu-se desa- .creditadoe·.cOnsiderado como uma _va filosofia, um diletan- tismo matizado de apriorismo. Essa condena~ao, _alias, parece justificada .pois, nesse dominio, diletahtismoeaprio- rismotem prevalecido a tal ponto que e muitas vezes dificil, do exterior, distinguir 0 verdadeiro do falso. 0 presente 1. BLOOMFIELD, Leonard. "A set of postulates for the science of langua- ge" (Language n, 1926, pp. 153-164). BWLER, Karl. Sprachtheorie, Iena, 1934. Idem, "Die Axiomatik der Sprachwissenchaften" (Kantatudien XXXVIII, 1933, pp. 19-90). ESTUDO DA LINGUAGEM E TEORIA DA LINGUAGEM 5 estudo gostaria de contribuir para que se reconhecesse que tais caracteristicas DaO sac necessariamente inerentes a toda tentativa de lan9ar as bases de uma teoria da linguagem. Sera mais facil chegar a ela se houver urn esfor90 por esque-" cer 0 passado e de fazer tabula Tasa de tudo aquilo que nada fomeceu de positivo e que pudesse ser utilizado. Em grande parte nos apoiaremos no material recolhido pela pes- quisa IingiHstica anterior, material este que, reinterpretado, constituini 0 essencial da teoria da linguagem. Aderimos explicitamente ao passado em certos pontos a respeito dos quais sabemos que outros conseguiram resultados positivos antes de nos.. Urn timeo te6rico merece ser citado como pioneiro indiseutfvel: 0 sui~o Ferdinand de Saussure 2. Urn trabalho muito importante, preparatorio da teoria da linguagern aqui exposta, foi realizado em colabora~ao eom alguns rnembros do Circulo Lingtiistieo de Copenhague, particularmente corn H. J. Uldall, entre 1934 e 1939. Algumas diseussoes na Sociedade de Filosofia e de Psicolo- gia de Copenhague, hem como muitas trocas de pontos de vista eom J~rgen J~rgensen e Edgar Tranekjaer Rasrnussen, foram-nos extremamente preciosas no desenvolvimento de nossa teoria. No entanto, 0 autor declara-se 0 tinieo res- ponsavel poresta obra. 2. SAUSSURE, Ferdinarid de. Cout's de linguistique generale. Paris, Ch. Bally le AIb. Sechehaye, 1916; 2. ed. 1922, 3. ed. 1931, 1949. , 2. Teoria da Linguagem e Humanismo Uma teoria que proeUIa a estrutura espeeffiea da lin- guagem eom a ajuda de urn sistema de premissas exc1usiva- mente formais deve necessariamente, ao mesmo tempo em que leva em eonta asflutua~6es e as mudan~as da fala, recusar atribuir a .tais mudan~s um papel preponderante; deve procurar uma constancia que nao esteja enraizada numa "realidade" extralingUfstica; uma constancia que fa~a com que toda lingua seja linguagem, seja qual for a lfngua, e que uma determinada lingua permane~a identica a si mesma atraves de suas manifesta~6es mais diversas; uma constancia que, uma vez encontrada e descrita, se deixe projetar sobre a "realidade" ambiente seja qual for a natureza desta (flsica, fisio16gica, psico16gi:ca, 16gica, ontol6gica) de modo que esta . l'realidade" se ordene aD redor do centrode referencia que e a linguagem, nao mais como um conglomerado, mas soo, como urn todo organizado que tern a estrutura lingilistica como princfpio dominante. A proeura de uma tal constanciaconcentrica e global sechocara inevitavelmente corn uma certa tradi~ao huma- nista que, sob diversas formas, ate agora predominou na lingilistica. Em sua forma extremada, esta tradi9ao nega a priori a existencia da constancia ea legitimidade e sua proeura. Esta .. tradi9ao quer que os fenomenos· humanos, .contrariamente aDs fenomenos da natureza, sejam singulares, individuais, nao podendo portanto nemser submetidos, coma os danatureza, a metodosexatos, nem ser generalizados. Por conseguinte, urn outra metodo. deveria ser aplicado ao .. 8 PROLEGOMENOS A UMA TEORIADA LINGUAGEM domfnio das disciplinas humanas ; SO se poderia utilizar a descri~ao, 0 que seria aproximar-se mais da poesia do que da ciencia, e, de qualquer forma, seria necessario Iimitar-se a uma apresenta~ao discursiva dos fenomenos sem· nunca os interpretar de modo sistematico. Esta tese foi erigida em doutrina no domfnio da historia, e parece ser a base da hist6rla em sua forma tradicional. Do mesmo modo a Iiteratura e as artes, domfnios eminentemente humanistas, so produziram descri~es diacronicas e na maior parte do tempo subtrafram-se a amilise sistematica. Em certos do- minios, e verdade, pode-se distinguir uma tendencia para a sistematiza~ao; mas tanto a hist6ria quanto as ciencias humanas em seu conjunto parecem estar ainda longe de reconhecer a Iegitimidade e a possibilidade de urn metodo cientifico. Em todo caso, parece legitimo propor a priori a hip6- tese de que a todo processo corresponde urn sistema que permite analisa-Io e descreve-Io atraves de um numero res- trito de premissas. Deve ser possiveI considerar todo processo como composto por um numero Iimitado de ele- mentos que constantemente reaparecem em novas combina- c;5es. Baseando-se na an31ise do processo, deveria ser possivel reagrupar esses elementos em classes, sendo cada cIasse definida pela homogeneidade de suas possibiIidades combinatorias, e a partir dessa cIassificac;ao preliminar de- veria ser igualmente possfvelestabeIecer urn c8.lculo geraI exaustivo das combinac;6es possfveis. Assim entendida, a - hist6ria superaria o. estadio primitivo da simples descric;ao e se constituiria em ciencia sistematica, exata, generaliza- dora: sua teoria permitiria predizer todos os eventos pos- sfveis (isto e, todas as combina<;6es posslveis de elementos) e as condic;5es de realizac;ao de tais eventos. Parece inconteshivel que enquanto as ciencias humanas .nao assumirem uma tal teoria como hip6tese de trabalho negligenciaraoa mais importante de suas tarefas, que e a de procurar constituir 0 humanismo em objeto de ciencia. Deveriaser compreendido que se deve, na descri~ao dos fenomenos humanos,· escolher entre poetica e ciencia; ou, melhor, entre apenas 0 tratamento poetico de urn lado e, do outro, a atitude poetica e a atitude cientffica compreendi- das como duas formas coordenadas de descri~ao; deveria ser entendido tambem que, nesse ponto, a escolha depende de uma verificac;ao da tese sobre a existencia do sistema que subentende 0 processo. A priori, a linguagem parece ser urn domfnio no qual a verifica~ao dessa tese poderia dar resultados positivos. Uma descri~ao puramente discursiva dos eventos lingiilsticos TEORIA DA LINGUAGEM E HUMANISMO 9 tern poucas possibilidades de despertar grande interesse; e deste modo sempre se sentiu a necessidade de urn ponto de vista suplementar e sistematizador: corn efeito, atraves do processo tal como ele se realiza no texto, procura-se urn. sistema fonoI6gico, urn sistema semantico e um sistema gra- matical. Mas a lingilistica, cultivada ate agora pelos fil61o- gos hurnanistas que se determinarn objetivos transcendentais e que repudiarn qualquer sistematica, nern. expIicitou a.s premissas nem procurou urn princfpio homogeneo de ami- Iise, e corn isto a lingilistica permaneceu irnprecisa e subje- tiva, sub~e~da pela estetica e peIa rnetaffsica, para nao mencionar os inumeros casos em que eIa se entrincheirou numa simples descri~ao aned6tica. o objetivo da teoria da Iinguagern e verificar a tese da existencia de urn sistema subjacente ao processo, e a tese de uma constancia que subentende as f1utua~es, e aplicar esse sistema a urn objeto que parece prestar-se a isso de modo particular. Os argumentos que se poderiam adiantar contra semelhante tentativa do dominio do humano, invocando que a vida espiritual do homem e os fenomenos que a constituem nao poderiam ser objeto de uma anaIise cientffica sem que se mate· essa vida e que, por conseguinte, o proprio objeto da anaIise se subtraia a observa~ao, sac apenas argumentos aprioristicos que .nao podem desviar a ciencia de seu empreendimento. Se este fracassar -.- nao no detalhe de sua execu~ao, mas em seu proprio priricfpio - asobj~es humanistas serao entao legitimas, e os objetos humanos. daf por diante so poderao ser submetidos a urn. tratamento subjetivo e estetico. Em compensa~ao, se essa experiencia for bem sucedida, de modo que seu princfpio se mostre aplicaveI, as obje~oes cairao por si niesmas, e tentativas al13.logas deverao ser entaD efetuadas em outras ciencias· humanas. 3. Teoria da Linguagem e Empirismo Uma teoria, para ser a mais simples possfvel, s6 deve elaborar a partir das premissas que sejam necessariamente exigidas por seu objeto. Alem do mais, para permanecer fiel a seu objetivo, ela deve, em suas aplica~es, conduzir a resultados· conformes aos "dados da experiencia", reais ou que assim se presumam. Essa e uma exigencia metodo16gica com a qual toda teoria se ve confrontada, e cujo sentido cabe aepistemologia pesquisar. Nao pretendemos, aqui, abordar esse problema. Cremos satisfazer as exigencias acima esbo~adas a respeito do assbn chamado empirismo ao adotar esse princfpio, que prima sobre todos os outros e pelo qual a teoria da lingua- gem ja se distingue nitidamente de todos os empreendimentos da filosofia da Iinguagem: Adescri~ao deve ser MO cantraditoria~ e~iva e fao simples quanta possivel. Aexigencia da Mo contradi- ~iio· prevalece sobre a da ·descrifao exaustiva~ e· a exig2ncia do descrifao exaustiva prevalece sabre:a, exig2ncia de sim- . plicidade. Assumimos 0 risco ·de denominar esseprincfpio de princtpio do empirismo, mas estamos preparadospara aban- donar esse termo se a epistemologia, examinando-o, consi- dera.-Io impr6prio. Trata-se apenas de uma .questio de terminologia que nao afeta em nada a manuten~o do prin- cipio.. r ! .\ tt . i 4. Teoria da Linguagem e Indut;ao A assen;ao de nossoprincfpio do empmsmo nao nos toma, de modo algum, escravos do metodo· indutivo, se se entender por isso a exigencia de uma passagem gradual do particular para 0 geral, ou de urn objeto limitado para outro que 0 seja menos. Encontramo-nos novamente diante de termos cuja anilise e detenninac;ao cabem a epistemologia, mas que, mais tarde, teremos ocasiao de utilizarnum sen- tido mais precise do queaquele que aqui Ihes podemos atiibuir. Ha, ainda aqui, urn. problema termino16gi.co que teremos de resolver corn a colaborac;ao daepistemologia. Mas, porenquanto, trata-se apenasde detenninar nossa posic;aofrente a lingilistica anterior. Esta se caracteriza tipicamente pela elaborac;ao de uma hierarquia de conceitos que vai dos sons- particularesao fonema (c1asse de sons), dos fonemas particularesas eategorias de fonemas, dos di- versosseniidosa significac;iio geral ou fundamental e, enfim, as categorias deSignifica~es. Tern-se ohabito, na lingiils- tiea, de nestecaso falarem indUfiio. :£posslvel defini-la . em poueas palavras eomo a passagem do componente para a classe e nao da classe para 0 eomponente: :a urn movi- mento que sintetiza ao inves de analisar, que generaliza ao inves de especificar. A experienc1a poe em evidencia os inconvenientes de urn tal metodo. Este eonduz inevitavelmente a extrac;ao de coneeitos hipostasiados como sendo reais. Esse realismo (no sentido medieval do termo) nao fomeee uma base utilizavel para a compara~ao, dadoque os eonceitos assim 14 PROLEGOMENOS· A UMA TEORIA DA LINGUAGEM t It obtidos nao tern valor geral eso se aplicam a urn determi- nado estagio de uma dada lingua. .A terminologia tradi- cional cornpleta mostra 0 fracasso desse realisrno: as classifica~6es da gramatica indutiva, tais coma "genitivo", "perfeito", "subjuntivo","passivo" etc., sac exernplos nota- veis desse fato. Nenhum desses termos, em sua acep~ao corrente, e suscetivel de uma defini9ao geral. Genitivo, perfeito, subjuntivo e passivo abarcam fenomenos inteira- mente diferentes em duas linguas como, por exemplo, ° latim e 0 grego. Todos os conceitos da lingiiistiea tradicio- nal, sem exce~ao alguma, estao neste mesmo easo. A indu~ao, neste campo, nao leva das flutua96es aeonstaneia, mas apenas das flutua~6es ao acidental. Em Ultima anaIise, o metodo indutivo entra em conflito eom ° principio de empirisrno que formulamos: ele nao permite que se realize uma descri~ao nao contraditoria e simples. Se se pretende partir dos dados supostos da experien- cia, e exatamente 0 procedimento inverso que se imp5e. Se e possive! falar em dados (colocamos essa frase no condicional por raz6es epistemo16gicas) , esses dados sao, para 0 ·lingilista, 0 texto em sua totalidade absoluta e nao analisada. 0 unico procedimento possivel para isolar 0 sistema que esse texto subentende e urna amilise que con- sidera 0 texto coma uma classe analisavel em componentes; estes componentes sao, par sua vez, considerados coma classes analisaveis em componentes, e assim por diante ate a exaustao das possibiIidades de ancilise. :e possivel defi- nir rapidamente esse procedimento como sendo uma passa- gem da classe ao cornponente, e nao como no procedimento contrmo. E urn movimento que analisa e espec~ica e nao urn movirnento que sintetiza e generaliza, 0 contrano do empreendimento indutivo tal como 0 conhece a lingiiistica tradicional. A lingilistica contemporanea, que ilustra essa oposi93.0, designou esse procedimento, e outros que lhe sac ,mais ou menos anaIogos, com 0 termo dedu9iio. Sabe-se, por experiencia, .que· esse termo choea os epistem6logos, mas mesmo assim 0 conservamos na esperancra de provar, posteriormente, que esta contradi~ao terminol6gica nada tern de insuperavel. 5. Teoria da Linguagem e Realidade Corn a terminologia que escolhemos pudemos caracte- rizar 0 metodo da teoria da linguagem como sendo neces- sariamente empfrico e dedutivo, e desse modo pudemos lan~ar luz sobrea questao fundamental das rela~6es entre a teoria da Iinguagem e aquilo a que se denomina "os dados da experiencia". No entanto, resta ainda esc1arecer esta mesma questao a partir de urn outro ponto de vista, isto e, resta procurar 0 sentido unilateral ou recfproco das influen- cias pOsslveis entre a teoria e seu objeto (ou seus objetos). Formulando 0 problema de urn modo simplista, tendencioso e voluntariamente ingenuo: cS 0 objeto que determina e afeta a teoria ou e a teoria que determina e afeta seu objeto? Mais uma vez temos de recusar 0 problemapuramente epistemol6gico em seu conjunto; ater-nos-ernos aqui ao unico aspecto sob 0 qual ele se nos coloca. Sabemos muito bem que 0 termo teona, mal empregado e desacredi- tado, pode ser compreendido de· diversas maneiras. Entre outras coisas, pode designar um sistema de hip6teses. Neste sentido, freqiientemente utilizado. em nossos dias, e fora de duvida que a rela~ao de influencia entre a teoria e seu objeto cS unilateral: cS 0 objeto que afeta e determin,a a teoria, e nao 0 inverso. A hip6tese, depois de confrontada com 0 objeto, Pede revelar-se verdadeira ou ·falsa.. Ja deveria ser evidente que,de n08s,1 parte, empregamos a termo teorm num sentida diferente. Dais fatores tern, aqui, igual· importancia: 16 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM 1. A teoria, em si mesma, nao d~pende da experien- cia. Em si mesma, nada ha que indica que tera ou nao apliea~oes relaeionadas corn os dados da experieneia. Em si mesma, ela nao impliea nenhum postulado de existencia. Ela eonstitui aquilo que se denominou de sistema dedutivo puro, no sentido em que e a teoria, e ela apenas, que, a partir das premissas por ela enunciadas, permite 0 ealculo das possibilidades que resultam destas premissas. 2. 0 tearieo sabe, por experiencia, que eertas pre- missas enunciadas na teoria preenchem as eondi90es neees- sarias para que esta se aplique a certos dados da experiencia. Estas premissas sac tao gerais quanto possivel e podem ser, assim, aplicaveis a urn grande numero de dados da ." . expenencIa. A fim de caraeterizar estes dois fatores, diremos que a teoria, no primeiro easo, e arbitraria, e no segundo, ade- qUada (ou conforme a seu objetivo). Pareee necessario . ineorporar estes dois fatores na elabora~ao de toda teoria. Todavia, daquilo que foi exposto decorre que os dados da experieneia TIunea podem confirmar ou contrariar a validade da propria teoria, mas sim, apenas, sua aplicabilidade. A teoria permite que se deduzam teoremas que devem ter todos a forma da implicaC;ao (no sentido 16gico desse .termo) ou poder serem transpostos para uma forma con- dicional dessa relaC;ao. Urn tal teorema enuncia simples- mente que, se uma. condic;ao for preenchida, pode-se concluir pela verdade da proposiC;ao. A aplicaC;ao·da· teoria mostrara se a condiC;ao e preenchida no easo considerado. A teoriae os teoremas que dela sac deduzidos per- mitem, por sua vez, .el~borar hip6teses (entre as quais, as leis) cuja validade, eontrariamente a da teoria, depende exclusivamente de sua verifica~ao. Os termos axioma e postulado. nao foram aqui men- cionados. Deixamos para a epistemologia 0 trabalho de decidirse nossa teoriaexige que proposi~oes desse tipo estejam na base das premissas que explicitamente enuncia- mos. As premissas da teoria da linguagem remontam tan longe que tais axiomas pressupostos teriamuma tal gene- raUdade que nenhum deles poderia ser especffico a teoria da linguagem . em oposiyao a outras teorias. :e que nosso objetivo e justamenteo de remontar tan longe quanto possiveI na dire9ao dos principios fundamentais, sem corn iS80 ultrapassar aquilo que nos pareee diretamente utilizavel para a teoria da linguagem. Esta atitude nos obriga a in- vadir 0 dominio da epistemologia, tal como 0 fizemos nos TEORIA DA LINGUAGEM E REALIDADE 17 t panigrafos anteriores. Isto na convicC;ao de que nenhuma teoria cientffica pode ser elaborada sem uma colaborac;ao ativa com a epistemologia. A teoria da linguagem, portanto, define assim sobera- namente seu objeto ao estabelecer suas premissas atraves de urn procedimento simultaneamente arbitnirio e adequado. A teoria consiste num caIculo cujas premissas sac em numero tan restrito e sac Hio gerais quanto possivel e que, na medida em que tais premissas sao espedficas a tal teoria, nao parecem ser de natureza axiomatica. Este caIculo permite prever possibilidades, mas de modo algum se pronuncia a respeito da realizaC;ao destas. Deste ponto de vista, se relacionarmos a teoria da linguagem com a rea- lidade, a resposta a questao que consiste em saber se 0 objeto determina e afeta a teoria, ou se e ° contrano, e dupla: em virtude de seu can~.ter arbitr3rio, a teoria ea-rea- lista; em virtude de seu caniter adequado, ela e realista (atribuindo a este termo seu sentido modemo e nao, coma mais acima, seu sentido medieval). ·--, ~I I j -........ -........ , ~ ,.".. -- 6.0bjetivo da Teoria da Linguagem :£ passivel dizer, portanto, que um]l teoria - no sentidoem que entendemos esse termo - tem por objetivo elaborar urn procedimento por meio do qual se possa des- crever, nio contraditoriamente e exaustivamente, objetos dados de uma suposta natureza. Uma tal descri~io permite :" aquilo que se tem por habito denominar reconhecimentoou j compreensio do objeto em questao; do mesmo modo po- l demos dizer, sem corrermos 0 risco de errar ou de sermosI obscuros, que a teoria tem por objetivo indicar urn metodo de reconhecimento ou de compreensio de urn. dado objeto. Deste modo, a teoria nao pode limitar-se a dar-nos meios de reconbecer urn determinado objeto; eIa deve, alem dis~o, ser concebida de modo a permitir a identifica~o de todos os objetosconcebfveisda mesma suposta" natureza que 0 objeto dado.Uma teoria deve ser geraI, no sentido em queela deve pOr a nossa disposi~ao urn. instrumental que nos permita reconhecer nao apenas urn dado objeto ou objetos ja submetidos a nossa experiencia como tambem tOO0808 objeto8 posslveis da mesma natureza supo8ta. Armamo-nos corn a teoriapara nos: depararmosnaoapenas corn todas as eventualidades jaconhecidas, ma8 corn qual- quereventualidade. A" tepria da linguagem se interessa peIo texto, e seu objetivo ~.". indicar umprocedimento que" permita 0 reco- nhecimento .de urn" dado texto por meio de uma descri~ao nao contradit6ria" e exaustiva do mesmo. Masela deve tambem mostrar como e posslveI, do mesmo modo, reco- ~ ,_" - • ._ ......... __ .'-.:---_.'-... _., ... '.,,It.-. '\-.-::l;, .... ;~,"',~.oI"II_~..... 20 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM nhecer qualquer outro texto da mesma natureza suposta, fomecendo-nos instrumentos utiIizaveis para tais textos. Exigimos da teoria da linguagem, por exemplo, que ela pennita descrever nao contraditoriamente e exaustiva- . mente nao apenas todos os textos dinamarqueses existentes come tambem todos os textos dinamarqueses possiveis e concebiveis - mesmo os textos de amanha, mesmo aqueIes que pertencem a urn futuro nao definido - na medida em que forem da mesma suposta natureza dos textos ate aqui considerados. A teoria da linguagem satisfaz esta exigencia ao basear-se nos textos dinamarqueses que existem; a extensao e a quantidade destes sao tais que esta teoria, de fato, tern de contentar-se com uma sele¥Ro desses textos. Ora, gral;as a nossos instrumentos te6ricos, essa simples se- lel;ao de textos permite constituir urn fundo de conheci- mentas que por sua vez podeni ser aplicado a outros textos. Estes conhecimentos dizem respeito, naturalmente, aos pro- cessos ou textos de que foram extraidos; mas nao reside .nesse panto. seu interesse unico e essencial: tais conheci- mentos dizem respeito tambem ao sistema ou lingua a partir da qual se elabora a estrutura de todos os textos de uma mesma suposta natureza, e que nos permite construir novas textos. Gra~as aos conhecimentos lingliisticos assim obti- dos, poderemos elaborar, para uma mesma lingua, todos os textos concebiveis ou teoricamente posslveis. Todavia, nao basta que a teoria da linguagem permita descrever e elaborar todos os textos possiveis de uma dada lingua; e necessario ainda que, sabre a base" dos conheci- mentos que a teoria da Iinguagem em geral contem, .essa teoria possa fazer a mesma coisaem relal;ao a.todos os textos de quaIquer outra Hngua. Ainda uma vez 0 te6rieo .da Iinguagem s6 pode satisfazer essa exigencia se tomar por ponto de partida uma sele~ao restrita de textos que pertellcem a diferentes Ifnguas. Percorrer todos os textos existentese, naturaImente, humanamente impossiveI, e sena deresto inutil uma vez que a teoria tambem deve ser vaIida para textos que ainda· nao estao reaIizados. 0 lingilista, como quaIquer outro· te6rieo, deve portanto ter a preeaul;ao de prever todas as possibilidades· concebfveis, incIuindo-se aqui aqueles .que· san ainda deseonhecidas e as que nao estao realizadas. Deve admiti-Ias na teoria de tal modo . que esta se apIique a textos e a Iinguas que ele ainda nao eneontrou, e dos quais talvezalguns nunta- se realizem. Somente deste modo e que ele pode estabelecer uma teoria da Iinguagem cuja aplicabilidade sejacerta. Essa ea razao pela quale necessario -assegurar a apli- eabilidade da teoria, e cada aplica~ao necessariamente a pressup6e. Mas e da maior importancia nao eonfundir a .~ -I 1 I j \ l i , , , ~ I j. i ~, ""'.... .. - OBJETIVO DA TEORIA DA LINGUAGEM 21 teoria corn suas aplica~5es ou corn 0 metodo pnitico de apIica~ao. A teoria conduzira a urn. procedimento, mas urn "procedirnento de descoberta" (pratico) DaO sera ex- poste nesta obra que, em termos estritos, nao apresenta a teoria sob uma forma sistematiea, mas apenas seus pro- legomenos. Em virtude de sua adequa9ao, a teoria da linguagem realiza urn trabalho empmco; em virtude de seu carater arbitnirio, realiza urn trabalho de caIculo. Baseando-se em certos fatos da experiencia - necessariamente limitados, embora seja uti! que sejam taG variados quanto possiveI - o tearico empreende, num campo preciso, 0 caIeulo de todas as possibilidades. Ele baliza arbitrariamente esse campo isolando propriedades comuns a todos os objetos a respeito dos quais se esta de acordo em denomina-Ios de lfnguas, a fim de, em seguida, generalizar essas propriedades e estabelece-Ias par defini~ao. A partir desse momento ele decidiu - de urn modo arbitnirio mas adequado - quais sao os objetos aos quais a teoria pode ser aplicada e quais aqueles aos quais ele nao 0 pode ser. Todos os objetos assim definidos sac entao submetidos a urn caIculo geraI que preve todos os casos conceblveis. Esse caIculo, deduzido a partir da defini9aO apresentada._ e independente- mente de qualquer referencia a experiencia, fomeee ° ins- trumental que permite descrever ou reconhecer urn dado texto e a lingua sobre a qual ele esta elaborado. A teoria da linguagern nao pode ser nem verificada, nern confirmada, nem invalidada atraves do recurso aos textos e as Hnguas de que trata. Ela so admite urn controle: a nao-contradi- 9ao e a exaustividade do caIculo. Se 0 caleulo permite estabelecer diversos procedimentos possiveis que conduzem todos a uma descri9ao nao contra- dit6ria e exaustiva de urn texto e de uma lingua quaisquer, deve-se escolher entre esses procedimentosaquele que per- mitir a descri~ao mais simples. Se varios procedimentos permitem descri90es cujosresultados tern. 0 mesmo grau de simpIicidade, deve-se escolher aquele que toma 0 caminho mais simples. Chamaremos esse principio, que.e deduzido de nosso princfpio de empirismo, de principio de simplici- . dade. Eo unico principio que permite afirmar que tal solu- 9ao nao contradit6riae exaustiva e correta e que tal outra nao 0 e. };: considerada correta aquela que melhor satisfaz o principio de simplicidade. Portanto, e passivel decidir sabre 0 valor da teoria da linguagem e de suas aplica~oes verificando se 0 resultado obtido, na medida em que responde as exigencias da 22 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM nao-contradi~ao e da exaustividade, e ao mesmo tempo 0 mais simples possIve!. Assim, e apenas em rela~ao ao "principio de empiris- mo" que eIa enunciou que a teoria da linguagem deve ser julgada. Segue-se que e possIveI imaginar vanas teorias da linguagem que se aproximam do ideal formulado nesse principio. Apenas uma deIas deve ser a teoria definitiva, e toda teoria da Iinguagem apresentada sob uma forma con- creta aspira a ser exatamente isso. Ora, a teoria da lingua- gem, coma disciplina, nao se define par sua realiza~ao· con- creta; deste modo, e igualmente possivel e desejaveI Ye-la progredir atraves da elaboracao de novas reaIizac6es con- cretas que se aproximam cada vez mais de seu principio fundamental. Nos prolegomenos a teoria, 0 que nos interessa e 0 lado realista desta teoria, a melhor maneira de satisfazer a exigencia da apIicabilidade. Para isso, sera necessaria isolar os tra~os constitutivos de toda estrutura lingillstica e examinar as conseqUencias 16gicas do estabelecimento destes em d~fini~es. 7. Perspectivas da Teoria da Linguagem • Evitando a atitude transcendental que prevaleceu ate aqui, a teoria da Iinguagern procura urn conhecimento imanente da lingua enquanto estrutura especffica que se baseia apenas em si mesmo (cf. Cap. 1). Procurando uma constancia no proprio interior da lingua e DaO fora dela (cf. Cap. 2), a teoria precede inicialmente a uma limita~o necessaria, mas apenas· nas provisorias, de seu objeto. Limitac;ao que nao consiste nunca em suprimir nem mesmo um Unico dos fatores essenciais desta totaIidade global que e a linguagem.Trata-se apenas de dividir os problemas e de partir do simples para chegar ao complexo, como 0 exigem a segunda e a terceira regras de Descartes. Nossa Iimitac;ao resulta simplesmente da necessidade de separar antes de comparar e do princfpio inevitavel da amllise (cf. Cap. 4). A limitac;ao pode ser considerada justificada se mais tarde permitir uma ampliaC;ao da perspectiva atraves de uma projec;ao da estrutura descoberta sobre os fenomenos que lhe sac vizinhos,' de modo tal que sejam explicados de ma- neira satisfatoria a luz da propria estrutura; e se, apos a anaIise, a totalidade global da linguagem, sua vida e sua realidade, podem de novo ser consideradas sinteticarnente, nao mais como urn· conglomerado acidental de fata rnas coma urn todo organizado ao redor de urn principio diretor, e na medida em que se chega a esse ponto que a teoria pode ser considerada satisfat6ria. A prova disso consiste em investigar em que medida a teoria corresponde a exigencia 24 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM da descri~ao exaustiva, conforme nosso princfpio de empi- rismo. Essa prova deve ser feita extraindo-se todas as con- sequencias gerais do principio estrutural que se escolheu. E segundo esse principio que a teoria permite a amplia- ~ao das perspectivas. A forma que isto assumini in con- creto dependera do tipo de objetos que de infcio decidirmos considerar. Escolheremos partir das premissas da lingiiistica tradicional, e construiremos inicialmente nossa teoria a partir da llngua falada dita natural, e apenas dela. A partir desta primeira perspectiva, os clrculos irao se ampliando ate que as ultimas consequencias sejam extraldas. A pers- pectiva sera ampliada vanas vezes, atraves do que aqueles aspectos excluidos da primeira considera~ao sac novamente introduzidos e assumem seu lugar num novo conjunto. 8.0 Sistema de Definicoes . . A teoria da linguagem, cuja tarefa principal eexpIicitar - remontando 0 mais longe possivel - as premissas cien- tificas da lingiiistica, estabelece, corn essa finalidade, um sistema de defini~6es. :£ necessaria exigir da teoria que ela evite tanto quanto passIvel toda metafisica, isto e, que o numero dessas premissas implicitas deve ser reduzido ao minima. Portanto, os conceitos que ela emprega devem ser definidos, e as defini~6es propostas devem, por sua vez, tanto quanto possivel, repousar sobre conceitos definidos. Na pratica, isso equivale a dizer que e preciso levar as defini~6es Hio longe quanto possivel, e introduzir por toda parte definicr6es preliminares antes das que as pressup6em. ~ uti! atribuir as defini~oes que pressupoem outras defini~oes, e a partir das quais outras defini~oes sac pres- supostas, urn carater ao mesmo tempo exp]fcito e rigorosa- mente formal. Elas se distinguem das definicroes realistas que a lingillstica ate agora procurou formular· na medida em que ela se interessou por esse empreendiniento. Nao se trata, de modo algum, nas definir;oes formais da teoria, de esgotar a compreensao da natureza dos objetos, nem mesrno de precisar sua extensao, mas apenas .dedetermi- na-los corn relar;ao· a outros objetos igualmente:.definidos ou pressupostos enquanto conceitos fundamentais. Alem das definir;oes formais, as vezes e necessario, em razao do procedimento de descrir;ao, introduzir, no decorrer da descri~ao, defini~oes operacionais que represen- tarn urn papel apenas provis6rio. .Trata-se, de·Urn Jado, de 26 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM definigao que, num eshldio mais avangado, se transformadio em definig6es formais e, de outro lado, de defini~6es pu- ramente operacionais cujos conceitos definidos nao estarao no sistema de definic;6es formais. Este modo de proceder atraves de definic;6es extensivas parece dever contribuir para libertar a teoria da linguagem de axiomas especfficos (cf. Cap. 5). Parece-nos que, em toda ciencia, a introduc;ao de uma estrategia apropriada de definic;oes permite restringir 0 numero de axiomas e as vezes mesmo reduzi-Io a zero. Uma tendencia seria para elimi- nar as premissas Imp1.fcitas conduz a substituir os postulados seja par definic;6es, seja por proposic;6es condicionais colo- cadas teoricamente que fazem desaparecer os postulados enquanta tais. Parece que, na maioria dos casos, os pos- tulados puramente existenciais podem ser substitufdos par teoremas na forma de condic;6es. 9. Principio da Analise Partindo do texto como dado e procurando indicar 0 caminho para uma descri~ao nao contradit6ria e exaustiva deste texto atraves de uma ananse - uma passagem dedutiva de classe para componente e componente de componente (cf. Caps. 4 e 6) - e necessario que os niveis mais pro- fundos do sistema de defini~es da teoria da linguagem (cf. Cap. 8) tratem do principio desta amilise, determinando sua natureza e os conceitos que dela participam. :a exata- mente esses primeiros niveis do sistema de defini~6es que abordaremos quando come~armos a refletir sabre a pracedi- mento que a teoria da linguagem devera escalher para levar a cabo sua tarefa. Como a escolha de uma base de amilise depende de sua adequa~ao (em rela~ao as tres exigencias contidas no principio de empirismo), esta esealha variara .conforme os textos. Portanto, nao pode ser fixada como universal, mas apenas por urn calculo geral que leva em considera~ao todas as possibiIidades concebiveis. 0 pr6prio principio da . amilise, no qual e apenas no qualestamos interessados no momento, apresenta, pelo contnlrio, aquilo que e universal. Mas este deve ser conforme .as exigencias .do principio deempirismo, e no easo e a exigencia de exaustividade que apresenta 0 maior interessepratico. Deve-se proceder de modo tal que 0 resultado da amilise seja exaustivo (no sen- tido mais ample do termo) , e que nao "introduzamos de "inicio ummetodo que nos impe~a de registrar osfatores que, atraves de uma ontra anaIise, seriam postos em evidencia 28 PROLEG~MENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM coma pertencentes ao objeto~ que constitui a materia da lingilistica. Em suma, 0 princfpio da anaIise deve ser ade- quado. Segundo 0 reaIismo ingenuo, a anaIise provavelmente deveria reduzir-se a decupagem de urn dado objeto em partes, portanto em novos objetos, a seguir divididos estes em partes, portanto ainda em novos objetos,e assim por diante. Mas, mesmo neste caso, 0 realismo ingenuo teria de eseolher entre varias decupagens posslveis. Sera reeo- nhecido, portanto, sem dificuldades, que no fundo 0 essen- cial nao e dividfr um objeto em partes, mas sim adaptar a anaIise de modo que ela seja eonforme as dependeneias mutuas que existem entre essas partes, permitindo-nos prestar eontas dessas dependeneias de modo satisfat6rio. Esse e 0 unico modo de assegurar a adequac;ao desta analise e dela fazer, segundo a teoria metaffsica do conhecimento, um reflexo da "natureza" do objeto e de suas partes. As conseqiiencias dessa constatac;3.o sac essenciais para que se compreenda 0 principio de anaIise: tanto quanto suas partes, 0 objeto examinado so existe em virtude desses relacionamentos ou dessas dependencias; a totalidade do objeto examinado e apenas a soma dessas dependeneias, e cada uma· de suas partes define-se apenas pelos relaciona- mentos que existem 1) entre ela e outras partes coorde- nadas, 2) entre a totalidaqe e as partes do grau seguinte, 3) entre 0 eonjunto dos relacionamentos e das dependencias e essas partes. Os "objetos" do realismo ingenuo redu- zem-se, enUio, a pontos de intersecgao desses feixes de rela- cionamentos; issosignifica que apenas eles permitem uma descric;ao dos objetos que nao podem ser cientificamente definidos eeompreendidos a nao ser desse modo. Os relacionamentos ou as dependencias que 0 realismo ingenue considera secundarios e como pressupostos dos objetos tor- .Q.am-se, para nos, esseneiais: sac a condi~ao necessaria para que existam pontos de intersecc;3.o.o reconhecimento de fato de que uma totalidade nao seeompoe de objetos,mas sim de dependencias, e que nao e sua substancia mas sim os relacionamentos intemos e ex- temosque tern. umaexistenciacientffica nao e novo, par certo. No entanto, em lingiilstica parece ser. Postular objetos como sendo outra cois~ que nao termosde relacio- namentos e introduzir um axioma superfIuo e umahiptStese metafisica do qual a lingiilstica tenl de se libertar. E fato que pesquisas lingliisticas recentes estao a ponto de reconhecer certos fatas que com a eondi~ao de serem estudados a fundo, deveriam eonduzir logicamente a esta concep~ao. Desde Ferdinand deSaussure, freqiientemente PRINCIPIO DA ANALYSE 29 tern-se sustentado que existia entre certos fatos de uma lingua uma interdependencia tal que uma lingua dada nao pode apresentarum desses fatos sem apresentar tamb6m o outro. Esta id6ia e justa, sem dtivida nenhuma, ainda que frequentemente tenha sido levada longe demais e explo- rada de modo abusivo. Tudo parece indicar que Saussure reconhece a prioridade das dependencias na lingua. Por toda parte ele procura relacionamentos, e afirma que a lingua e forma, e nao substancia. Neste ponto de nosso estudo devemos evitar cair Dum drcUIo vicioso.. Se se pretende, por exempIo, que 0 subs- tantivoe 0 adjetivo, ou a vogal e a consoante, pressupoem-se mutuamente, de modo que uma lingua nao pode ter subs- tantivos sem ter tambem adjetivos e reciprocamente, e que ela nao pode ter .vogais .sem ter tambem consoantes e reci- procamente - proposic;5es que, de nossa parte, acreditamos poder afirmar coma teoremas - essas proposic;6es poderao ser verdadeiras ou falsas segundo as defmic;oes adotadas para os conceitos de substantivo, adjetivo, vogal e consoante. Assim, encontramO-nos aqui num terreno diffcil; ma~. estas dificuIdades sac agravadas peIo fato de que os casos' de dependencias mutuas,ou interdependencias, aos quais nos ativemos ate aqui, extraem sua existencia do sistema da lingua e nao de seu processo (cf. Cap. 2), e eexatamente esse tipo de dependencias e nao outros que procuramos. Alem das interdependencias, e necessario prever dependen- cias unilaterais em que urn dos termos pressupoe 0 outra, mas nao 0 contfClrio, e ainda dependencias mais frouxas onde os dais termos naa se pressupoem mutuamente, PO- dendo nao obstante figurar juntos (no processo ou no sis- tema) por oposiC;ao a termosque sac incompativeis e que se excluem mutuamente. A partir do momento em que se admite a existencia dessas diversas possibilidades, impoe-se a exigencia de uma !terminologia adequada. Adotaremos provisoriamente ter- mos operacionais para as possibilidades aqui consideradas. As dependencias recfprocas,em que os dois termos se pressupoem mutuamente,serao, para.no's, interdependencias. As dependencias unilaterais, em que urn dos termos pres- supoe ooutro, mas nao 0 contrario, serao chamadas deter- miMfoes. Finalmente, as dependencias mais frouxas, em que os dois termos estao num reIacionamento reciproco sem que urn pressuponha 0 outro, serao chamadas conste- la~oes. A partirdaqui, podemos distinguir as tres especies de dependenciasconforme entrem num processo ou?~ sistema.Denominaremos solidariedade a interdependencla r -.---- .. 30 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM entre termos num processo, e complementaridade 1 a depen- dencia entre termos num sistema. A determina~ao entre termos num processo sera chamada selet;iio, e entre termos num sistema, especificat;iio. As constela~6es serao deno- minadas combinat;oes num processo e autonomias num sistema. E uti! dispor assim de tres jogos de termos, 0 primeiro para 0 processo, 0 segundo para 0 sistema e 0 terceiro valendo indiferentemente para 0 processo e 0 sistema. Corn efeito, ha casos em que urn mesmo conjunto de termos pode ser considerado tanto coma processo quanto como sistema unicamente em virtude do ponto de vista que se adotar. A teoria e urn exemplo: pode-se· considerar a hierarquia das defini96es coma urn processo em que e enunciada, escrita ou lida uma defini9ao, depois uma outra e assim· par diante, ou entao como UID sistema que poten- cialmente subentende urn processo possivel. Ha determi- na~ao entre as defini~5es uma vez que aquelas que devem preceder outras sao pressupostas pelas que as seguem, rnas que a recfproca nao e verdadeira. Se a hierarquia das defini~6es e vista como urn processo, ha selec;ao entre as defini~5es; se, pelo contrario, econsiderada como um 8i8- tema, entre elas ha especifica9ao. . Vma vez que aquilo por que nos interessamos no momento e aamilise de urn texto, e 0 processo queretera ~ nossa aten~ao, e nao 0 sistema. E faci1 encontrar solida- riedades nos textos de uma dada lingua. Deste modo, nas ~ Iinguas que melhor conhecemos, muito freqiientemente ha solidaiiedade entre .os morfemas de diversas categorias no ~. interior de uma mesma"forma gramatical" 2, de modo que ~ urn morfema de uma categoria se ve all sempre acompa- nhado por urn morfema da outra categoria, e reciproca- • mente. 0 substantivo Iatino semprecomporta urn. morfema de. caso e um morfema· de nUmero, e urn nunca. e encon-~ trado semooutro. Os .casos de sele~ao, entretanto, sao ~ mais notaveis. Alguns SaD conhecidos, ha rnuito tempo, sob 0 nome de recc;ao, ainda que este conceito continue ~ mal definido. Pode haver selec;ao entre uma preposi~ao ~ e seu objeto: assim, entre sine e 0 ablativo, corn sine pres- supondo a existencia de urn ablativo no texto, enquanto ~ que 0 inverso nao e verdadeiro. Em outros casos ha com- ... binac;ao, tal como, em latim, entre ab e 0 ablativo, que tern~ uma coexistencia possIvel rnas nao necessaria. Esta possi- t bilidade de coexistencia os distingue, por exemplo, de ad 1. Os _ relacionamentos entre substantivo e. adjetivo e entre vogal e consoante sao, portanto, exemplos de complementaridade. 2. 0 termo morfema restringe"se nesteJivro aQ uso no sentido de elemento~ inflexionais considerados como elementcS" do conteudo. ." ,- . . ~'---~- ~ - -."---'"---'-'---,"-- ----_---.:.: PRINctPIO DA ANA-USE 31 e do ablativo, que se excluem mutuamente. Se a coexisten- cia de ab e do ablativo nao e necessaria, e porque ab pode tambem funcionar como prefixo de verba. De urn ponto de vista diferente, que tem urn carater universal e flaO particular a urna dada lingua, pode haver uma solidariedade entre uma preposi~ao e seu objeto no sentido de que 0 objeto de uma preposi~ao nao pode existir sem a preposi~ao, nem esta (como sine) sem 0 objeto. A lingilistica tradicional so tratou tais dependencias de modo sistematico na medida em que elas existiam entre duas ou mais palavras e nao no interior de urna unica palavra. Esta atitude esta relacionada corn a divisao da gramatica em morfologia e em sintaxe, divisao esta cuja necessidade a lingiiIstica sustenton desde a Antiguidade. Concordando, em rela~ao a este ponto, corn certas tenden- cias recentes, logo nos veremos levados a abandonar essa tese por ser inadequada. Se se levar esta tese a seu ponto limite - 0 que foi feito algumas vezes - a morfologia so se prestaria a uma descri~aa do sistema e a sintaxe apenas a descri~ao do processo. Nao e inuti1levar esta distin~ao ate sua conseqiiencia logica, pois isto poe em evidencia 0 para- doxo: se esse fosse 0 caso, logicamente so se poderia registrar as dependencias que dependem do processo na sintaxe, e DaO logologia, isto e, entre as palavras de urna mesma frase, mas nao no interior de uma unica palavra e nem entre suas partes. Ye-se de oode provem 0 interesse exclusivo atribuido aos fenomenos de rec~ao. No entanto, nao ha necessidade de renunciar a todas as concep~oes tradicionais para ver que existr., no interior da palavra, dependencias anaIogas as que as paIavras con- traem entre si na frase, dependencias suscetfveis de urna anaIise e de uma descri~ao da mesma natureza.A estrutura de urna lingua pode ser tal que urn mesino radical pede aparecer corn e sem sufixo de deriva~ao. Ha, entao, sele- ~ao entre 0 sufixo e 0 radical. Deum ponto de vista mais universal ou mais geral, ha sem.pre sele~o neste caso, uma vez que urn sufixo pressupoe necessariamente urn radical e . nao 0 contrano.Mesmo osconceitos· da Iingiifstica tra- dicionalexigem em Ultima ~n;llise. urna defini~ao baseada na sele~ao, defini~ao do mesmo tipo daquela que pennite distinguir· entre proposi~aoprincipal e ptoposi~ao subordi- nada. Ja demos urn exemplo disso ao mostrar· que no interior da desinencia da palavra e entre seus componentes encontram;'se igualmente dependenciasda mesma natureza. :B evidente que, nas condi~6es estruturais dadas, a solidarie- dade entre os motfemas nominais pode ser substituida por urna sele~ao ou por uma combina~o. Urn substantivo, por exemplo, pede apresentar ou nao um morfema de_ compara- 32 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM <;ao, 0 que significa que os morfemas de compara~o nao sao solidarios dos rnorfemas casuais como 0 sao os morfemas de numero, mas pressup6em unilateralmente sua coexistencia. Ai ha, portanto, sele~ao. Vma combina~ao aparece quando, ao inves de considerar, como no exemplo anterior, cada paradigma de morfema (0 dos casos e 0 dos numeros) como uma totalidade, considera-se cada caso e cada numero separadamente: entre urn caso particular, por exemplo 0 acusativo, e urn numero particular, por exem- plo 0 plural, existe combina~ao. S6 ha solidariedade entre os paradigmas tomados em seu conjunto. Pade-se de- compor a silaba segundo 0 rnesrno principio. Em certas condi90es estruturais (realizadas em inurneras linguas co- nhecidas), pode-se dividir a sllaba em uma parte central (vogal ou consoante sonora), e uma parte marginal (con- soante ou consoante nao-sonora) gra~as ao fato de que uma parte marginal pressup6e a coexistencia textual de uma parte central, e nao 0 contrario. Esse ainda eurn caso de sele9ao. Esse principio esta de fato presente na defini9ao das vogais e . das consoantes que, ja caida em desuso nos tratados erudi- tos, sobrevive ainda mais ou menos no ensino primano e remonta, sem duvida, a Antiguidade. Dever-se-ia, portanto, considerar coma certo que um texto e uma qualquer de suas partes sao analisaveis em partes definidas par dependencias desta natureza. O. prin- cipio daanaIise consistira, por conseguinte, no reconheci- mento dessas dependencias: as partes definidas pela anaIise so .devem serconsideradas coma pontos de intersec~ao dos feixes dos relacionamentos. Portanto, nao se pode em- preender a analise antes que essas dependencias sejam descritasem seus tipos principais, uma vez que a base da analise deve serescolhida, em cada caso particular, conforme os relacionamentospertinentes, e s6 se pode c proceder a esta decisaocom a condi~ao de saber quais sac os relacio- namentos a serem descritos a fim de que a descri9iio seja exaustiva. . ) \ I I. 10. Forma daAnalise A amUise consiste, portanto, efetivamente, no registro de certas dependencias ou· certos relacionamentos entre termos que, conforme 0 usa consagrado, chamaremos de partes·do texto, e que existem exatameilte em virtude desses relacionamentos e unicamente em virtude deles. 0 fate de serem esses termos denominados partes, e de 0 procedi- mento todo ser chamado de amilise se deve ao fato de que tambem ha relacionamentos entreesses termos e a totalidade {isto e, 0 texto} na qual se diz que eles entram, relacionamentos estes que a anilise deve igualm.~nteregis trar. 0 fator particular que caracteriza a dependencia entre a· totalidade e· as partes, que a diferencia de umadependen- cia entre a totalidade e outras totalidades e que faz corn .que os objetosdescobertos (as partes) possam ser conside- radoscomo interiores e nao exteriores a totalidade (isto e, o texto) parece ser a. homogeneidade da dependencia: tadas as partes coordenadas resultam apenas da .anaIise de uma totalidade que depende dessa totalidade de urn modo homo- geneo. Esta homogeneidade caracteriza tambem a depen- dencia entre as partes; analisando, por exemplo, urn texto emproposi90es, das quais se distinguem duas especies (definidas por uma dependencia especffica recfproca), a principal e a subordinada, sempre nos veremos - corn a condi9aO de nao levar adiante a anaIise - na presenc;a da mesma dependencia entre aprincipale a subordinada, sejam quais forem as proposi90es consideradas; 0 mesmo acontece quanto ao relacionamento entre urn tema e seu sufixo de I 34 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM deriva<;ao, entre a parte central e a parte marginal de uma sflaba, e quanto a todos os outros casos. Utilizaremos este criterio a fim de estabelecer e con- servar uma defini<;ao metodologica unlvoca da anaIise. A ana!ise, em sua defini<;ao formal, sera portanto a descric;ao de urn objeto atraves das dependencias homogeneas de outros objetos em rela<;ao ao primeiro e das dependencias entre eles reciprocamente. Denominar-se-a classe 0 objeto submetido a anaIise, e componentes dessa classe os objetos que sac registrados por uma unica analise como dependendo uns dos· outros e da classe de modo homogeneo. Nesta primeira amostra restrita do sistema de defini<;5es adotado pela teoria, a defini<;ao do cornponente pressup6e a da classe, e a defini<;ao da cIasse pressupoe a da anaIise. A definic;ao da analise pressupoe apenas termos ou concei- tos que nao sao, eles, definidos no sistema de definic;6es especffico da teoria, e que colocamos como indefiniveis: descrirQo, objeto, dependencia, homogeneidade. Denominar-se-a de hierarquia uma classe de classes, e sabemos que teremos de distinguir entre duas especies de hierarquias: os processos e os sistemas. Poderernos nos aproximar do usa habitual adotando designac;6es especiais para cIasse ecompanente, conforme forem extraidos de um processo ou de urn sistema. Num. processo Iingilistico 1, as classes serao_denominadas cadeias e os cornponentes partes 2. Num sistema IingiHstico, as classes sedio deno- minadas paradigmas e os componentes membros. Corres- pondendo. a distin<;ao entre partes .e membros, e quando for litilespecificar, poderemos chamar de divisao a amilise de .um processo de articulariio aamilise de urn sistema. A primeira tarefa da anaIise, portanto, consiste em efetuar uma divisao do processo. 0 texto e uma cadeia e todas as partes (proposic;5es, palavras, sllabas etc.) tam- bem sao cadeias, corn exce~ao das· partes irredutiveis que nao podem ser submetidas a anaIise. A exigencia de exaustividade impede que se fique apenas numa simples divisao do texto; rnas as partes que ela disceme deverao ser, por sua vez, divididas, e assim par diante ate 0 esgotamento da divisao. Definimos a anaIise de tal modo que nada indica, na definiC;ao, se ela e simples ou continuada; uma amilise (e, portanto, tambem uma divisao) assim definida pode conter uma, duas, ou varias anaIises; 0 conceito de anaIise (ou de divisao) e urn "conceito-sanfona". Alem do mais, pode-se agora con- 1., Na forma Ultima. e mais geral, dessas duas defini9i5es. a palavra lingUfS'Uca sera substituida por semiDtica. Para a distin~ao entre uma lingua e uma semi6tica, ver. Cap. 21. 2. On elos. I FORMA DA ANALISE 35 siderar que a descri~ao do objeto dado (i8to e, 0 texto) nao se esgota corn uma divisao continuada mesmo qUE levada a cabo, a partir de uma tinica base de amilise, mas que se pode ampliar a descri~ao, isto e, registrar novas dependencias atraves de novas divisoes efetuadas a partir de outras bases de anaIise. Falaremos entao em complexo de analises~ ou complexo de divisaes~ isto e, de classe de analises (ou divisoes) de uma unica e mesma classe (ou cadeia) . A amilise exaustiva do texto teni entao a forma de urn procedimento que se compoe de uma divisao continuada ou de urn complexo de divisoesno qual cada opera~ao consistini em uma simples divisao minima. Cada opera~ao que este procedimento comporta pressuponi as opera<;oes anteriores e sera pressuposta pelas opera<;6es seguintes. 0 mesmo acontecera se 0 procedimento adotado for urn com- plexo de divis5es: cada divisao levada ate 0 fim e pressuposta por outras divisoes, e/ou pressup6e, por sua vez, outras divisoes. Entre os cornponentes do procedi- mento ha detenninac;ao, de tal modo que os componentes seguintes sempre pressupoem os anteriores, mas nao 0 inverso. Tal como a detennina~o entre as definic;6es (cf. Cap. 9), a determina~ao entre as operag6es pode ser considerada seja como uma selegao, seja como uma especi- fica~ao. Chamaremos de deduriio uma tal totalidade de procedimento, e definiremos fonnalmente a dedu~ao com!J uma amilise continuada ou urn complexo de amilises corn detennina<;aoentre as anaIises quedela participam. Vma dedu<;ao e, portanto, urn certo tipo de procedi- mento diferente do da indu~o. Definiremos urna oper{lfiio coma uma descriC;ao que esta de acordo corn 0 prindpio de empirismo, e urn procedimento coma uma classe de ope- rac;6es de mutua detenninac;ao. (Tais defini<;6es fazem da operarao e do procedimento "conceitos-sanfona",talcomo a analise acima mencionada.) A partir. da!, urn procedi- mento pode entaD consistir ou em anaIises e ser uma dedu- gao ou entao, pelo contrario, consistir em sfnteses e ser ulna induriio~ Por sintese, entendemos a descrigao de objetos enquanto componentes de uma cIasse (a sfntese, como a anaIise, toma-se entaD urn "conceito-sanfona") e por in- dUfiio, uma sfntese continuada corn determinac;ao entre as sfnteses que dela participam. Se 0 procedimento adotado cornporta tanto a anaIise quanto a sfnteset 0 relacionamento de pressuposic;ao existente entre· elas aparecera sempre como uma detenninagao onde a sintese pressupoe a amlIise, e nao 0 contnlrio. Isto resulta naturalmente do fato de que 0 dado imediato e uma totalidade nao analisada (0 texto, cf. Cap. 4). Segue-se que urn procedimento pura- 36 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM mente indutivo (mas que comportaria necessariamente de- du~oes implicitas) nao poderia satisfazer a exigencia de exaustividade que participa do principio de empirisma. Portanto, ha uma justifica~ao formal do metodo dedutivo defendido no Cap. 4. De resto, nada disto impede que a hierarquia seja a seguir percorrida na dire~ao oposta, 0 que nao produzira novas resultados mas que pode fomecer urn angulo novo que as vezes sera util adotar para os mesmos resultantes. Pareceu-nos nao haver aqui razao suficiente para mo- dificar a terminologia que esta agora a ponto de ser aceita em Iingtiistica. Os fundamentos formais de nossa termino- logia e dos conceitos que propusemos poderiam muito bem se Iigar ao uso cansagrado pela epistemologia. Nossas defini~6es nada tern que contradiga ou impe~a 0 usa da palavra dedufQO no sentido de "conc1usao 16gica". Pare- ce-nos possive! dizer que proposi~6es que decorrem de outras proposic;6es resultarn destas por anaIise 3: em cada nivel do procedimento, asproposic;oes deduzidas sao objetos que dependem uns dos outros de modo homogeneo, tal como eles dependem da proposi~ao pressuposta. ~ certo que isto e muito diferente das concepc;6es habituais da no~ao deanaIise. Mas 0 que justamente pretendemos foi, utiIizando defini~6es formais, evitar formular postulados sobre a natureza dos objetos; portanto, nada postuIarnos sabre a natureza ou a essencia da anaIise fora daquilo que esta contido em sua defini~ao. Se ° termo indu9ao e em- pregado para designar urn tipo particular de conclusao 16gica que permite a passagem de certas proposic;6es para outras - ° que faz da indu~ao, segundo a terminologia 16gica, uma especie de dedu~ao - 0 termo ambiguo indufiio e entaD 'empregado numa acep~ao inteiramente diferente daquela que visamos. Levadoa cabo, 0 rnetodo de defi- ni~aopoderia suprimir 0 incomodo causado por esta ambi- giiidade. Ate aqui, empregamos os termos componente, parte e membro opondo-os, respectivamente, a classe, cadeia e pa- radigma. Mas utilizaremos componente, parte e membro apenas para designar as resultantes de uma anaIise simples (cf., acima, a defini~ao do termo componente).. Numa anaIisecontinuada, falarernos em· derivados. Portanto, uma hierarquia e uma classe corn seus derivados. Se admitimos que, num determinado momento, urn texto e anaIisado em gropos de silabas, que sao entaD analisados em sflabas, que por sua vez sao analisadas em partes de silabas, num tal casoas silabas serao derivados dos gropos de silabas, e as 3. Voltaremos a este ponto no Cap. 18. FORMA DA ANA.LISE 37 partes de silabas sedio derivados dos grupos de silabas e das silabas. Por outro lado, as partes de silabas serao componentes (partes) de sfiabas porem nao gropos de sfiabas, e as silabas serao componentes (partes) dos gropos de silabas mas de nenhuma outra resultante da amilise. Traduzindo isto em defini~5es: por derivados de uma classe entenderemos seus componentes e os componentes-de-com- ponentes no interior de uma unica e mesma deduC;ao. Acrescentemos de imediato que nos propomos a dizer que a classe compreende seus derivados e que os derivados entram na classe. Por grau dos derivados entenderemos 0 numero de classes atraves das quais eles dependem de sua classe comum mais baixa; se este numero for zero, serao derivados de primeiro grau; se 0 numero for 1, serao derivados de segundo grau, e assim por diante. No exemplo ja utilizado onde gropos de silabas sac pensados como ana- Iisados em silabas, e estas em partes de sfiabas, as silabas serao portanto derivados de primeiro grau dos gropos de silabas, enquanto que as partes de silabas serao derivados de primeiro grau das sflabas e derivados de segundo grau dos gropos de silabas. Derivado de primeiro grau e com- ponente sao, portanto, termos equivalentes. 11. Funcoes . Uma dependencia que preenche as condi~5es de uma amiIise sera denominada funfiio. Deste modo, diremos que ha fun9ao entre uma classe e seus componentes (entre uma cadeia e suaspartes, entre uma paradigma e seus membros), do mesmo modo como ha fun~ao mutua entre os compo- nentes (partes e membros). Serao denominados funtivos de urna funeao os termos entre os quais esta existe, enten- dendo-se por funtivo urn objeto que tern uma fun9aO em rela9ao a outros objetos. Diz-se que um funtivo contrai sua fun~ao. Das defini~oes resulta que tambem funeoes podem ser funtivos, uma vez que pode haver funeao entre fun90es. Deste modo, existe uma funeao entre a funeao que as partes contraem entre si e a funeao contraida entre a cadeia e suas partes. Urn funtivo que nao for tambem uma fun~ao sera denominado grandeza. No caso que ja consideramos, os groPQs de silabas, as silabas e as partes das silabas serao grandezas. Adotamos aqui 0 termo funfiio num sentido que se situa a meio caminho entre seu sentido 16gico,..matematico e seu sentido etimol6gico, tendoeste Ultimo representadoum papel consideravel em todas as ciencias, incluindo-se aqui a lin- giiistica. 0 sentido em que 0 t6mamos esta formalmente mais proximo do primeiro, sem corn isso ser-lhe identico. E exatamente de urn ripo assim de conceito intermedhirioque necessitamos na lingilistica. Poderemos dizer que uma gran- deza no interior de urn texto ou de urn sistema tern determi- nadas fun~es e,com isso, aproXimarmo-nos~o emprego , 40 PROLEG6MENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM logico-matematico desse termo, comele exprimindo: pri- rneiramente, que a grandeza considerada mantem dependen- cias ou rela~6es corn outras grandezas, de modo que certas grandezas pressupoern outras e, segundo, que pando em causa 0 sentido etimologico do termo, esta grandeza funcio- na de uma determinada maneira, representa urn papel parti- cular, ocupa urn "lugar" precise na cadeia. Num sentido, pode-se dizer que a acepyao
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