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Título. CDD: 34(09) Conselho Editorial Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes) Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes) Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes) Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes) Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes) Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes) Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes) Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes) Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR) (Lattes) Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes) Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes) Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes) Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes) Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes) Paco Editorial Av. Carlos Salles Bloch, 658 Ed. 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A Ascenção da Constituinte de 1823 2. A queda da Assembleia Constituinte 3. O nascimento da Constituição de 1824 4. A implícita referência à escravidão na Constituição de 1824 5. O escravo e a cidadania brasileira 6. A liberdade e o direito à alforria Capítulo 3. Tráfico e escravidão: dois aspectos de uma sombria realidade 1. A evolução dos tratados internacionais, a legislação lusitana e a questão do tráfico de escravos 2. A independência do Brasil e o Tráfico de Escravos 3. Tráfico de escravos e os tratados internacionais firmados pelo Império do Brasil 4. Interlúdio: a Abdicação de D. Pedro 5. A Lei de 7 de novembro de 1831, a lei para inglês ver: a ilegalidade da escravidão 6. O Bill Aberdeen e o impasse Diplomático 7. A Lei Eusébio de Queirós e o fim do tráfico internacional de escravos 8. O Tráfico interprovincial de escravos Capítulo 4. Estatuto Civil do Escravo 1. Natureza Jurídica do escravo 2. O status do escravo na legislação brasileira: persona e res 3. Escravo e Patrimônio 4. A Alforria e as Cartas de Liberdade 5. A ingratidão: precariedade da liberdade concedida 6. Lei do Ventre-Livre: direito à alforria:indenização assegurada ao senhor 7. Ações de Liberdade 8. O escravo: família e herança 9. O Escravo como agente e objeto de relações do direito civil Capítulo 5. O Escravo e o Direito penal material e processual 1. O escravo como inimigo: um problema de segurança pública 2. O Direito Penal do Inimigo 3. O grande medo: o espectro da revolta escrava 4. O Direito Penal e Processual penal aplicado ao escravo 4.1 A Lei Penal e o escravo 4.2 Das penas aplicadas aos escravos 4.2.1 A pena de açoitação 4.2.2 A pena de morte 4.2.3 O debate acerca da comutação da pena de morte ou de açoitação na pena de galés 5. A pena de morte e a Lei nº 04, de 10 de junho de 1855 Capítulo 6. A Administração da Opressão: o controle de escravos no Império do Brasil 1. A escravidão e a descentralização da violência 2. Impossibilidade de se criar uma estrutura administrativa centralizada para controlar o elemento servil 3. As Personagens da Opressão 3.1 O Capitão do Mato 3.2 O Feitor 3.3 O Carrasco Capítulo 7. O caminho para a Abolição 1. A Abolição como uma conquista 2. Os Fundos emancipatórios e o sistema de matrícula dos escravos 3. O desmoronamento do sistema escravista 4. A Lei Áurea Conclusão. “Vós que aqui entrais, abandonai toda a esperança.” Referências Página final PREFÁCIO Gostaria de dizer que me senti extremamente honrado com o convite feito pelo colega André Campello para prefaciar o seu livro. Quero deixar claro que tinha conhecimento que o André Campello era um pesquisador meticuloso. Como exemplo, posso citar o seu Manual do Contribuinte, publicado pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional – Sinprofaz, já em segunda edição, o qual demandou uma pesquisa acurada e uma linguagem clara, pois é obra voltada não para o profissional do Direito, mas sim para o contribuinte. No que se refere especificamente ao Manual Jurídico da Escravidão, posso afirmar com toda certeza que é obra na qual foi realizada uma pesquisa profunda sobre o tema da escravidão, procurando esclarecer pontos sempre e talvez propositalmente obscuros da História do Brasil sobre o tema. Como exemplo de alguns pontos da história que foram devidamente esclarecidas pelo autor, podemos citar a Lei de 7 de novembro de 1831, que teria finalizado o tráfico internacional de escravos. Como o Manual deixa evidente, isso infelizmente não é verdade. Conhecido esse diploma legal como a “Lei para Inglês Ver”, eis que surgiu como resposta à exigência da Inglaterra de que se encerrasse o tráfico negreiro. Todavia, o tráfico internacional ainda perdurou por muito tempo, tendo sido contrabandeados para o Brasil entre os anos de 1830 e 1852, um número estimado de 646.315 africanos. Dadas as explicações do Manual, vemos que, de fato, somente com o advento da Lei nº 581, de 04 de setembro de 1850, conhecida como Lei Euzébio de Queiroz, o odioso tráfico teve o seu fim. Outra falácia desmentida no Manual é de que a partir da Lei do Ventre-Livre não nasceriam mais escravos no Brasil: continuaram a nascer crianças filhas de escravas, que permaneceram como escravos por toda a sua existência. Da mesma forma, a Lei dos Sexagenários não alforriou de forma automática todos os escravos que alcançavam a idade de sessenta anos. O parágrafo 10o, do art. 3o, da Lei nº 3.270, de 28 de setembro de 1885, previa que como forma de indenização ao senhor de escravos, o cativo deveria trabalhar por mais trêsanos antes de se tornar liberto. O livro também apresenta um minucioso estudo sobre a legislação que amparou o regime escravagista, como as Ordenações e a Constituição de 1824. Um ponto também abordado é sobre quem, na realidade, mais lucrava com a escravidão. Muitos responderiam que seria o senhor de escravos que afinal os utilizava na agricultura. Na verdade, a escravidão era extremamente lucrativa para aquele personagem mais abjeto da sua cadeia produtiva, se é que podemos nos expressar desta forma, que era a figura do traficante de escravos. O sétimo capítulo nos traz uma análise sobre a atuação de personagens constantemente citados nos romances de época do Brasil quando tratam do tema da escravidão: o capitão do mato, o feitor e o carrasco. Vale ressaltar que ao contrário do que acontece nas sociedades mais avançadas, no qual o monopólio da força ficava a cargo do Estado, na sociedade escravocrata, tal fato não ocorria. O Estado, para procurar coibir insurreições dos escravos, permitia que agentes públicos, semipúblicos ou privados exercessem a violência. Tal arranjo não poderia nunca dar certo. O que existia costumeiramente era o emprego excessivo da violência por parte desses agentes paraestatais. Por último, não se pode deixar de citar que o autor demonstra com todas as letras o horror que era a escravidão no Brasil. Horror para uma sociedade que não sabia viver sem a presença da servidão e, principalmente, um terror indescritível para aqueles que sofreram na própria pele a privação da liberdade, pelo simples fato de serem negros. Infelizmente, a nódoa da escravidão que se espalhou sobre este país por 388 anos, ainda não se extinguiu. Medidas como as cotas nas universidades públicas são paliativos que ainda não conseguiram resgatar a dívida que a sociedade brasileira tem para com os milhões de indivíduos escravizados e seus descentes. Conclui-se que o Manual Jurídico da Escravidão é uma obra séria, escrita em linguagem fácil, que poderá ser utilizado tanto pelo estudante, quanto pelo pesquisador da escravidão no Brasil, qualquer que seja a sua perspectiva, independente da área acadêmica a qual pertença. Rio de Janeiro, 08 de janeiro de 2018 Sérgio Luís de Souza Carneiro Procurador da Fazenda Nacional Mestre em Direito Apaixonado estudioso da História PRÓLOGO Há 130 anos, a então Regente do Império do Brasil, a princesa Isabel, declarou extinta a escravidão no Brasil. Entretanto, essa nebulosa mácula que aflige nossa história ainda está longe de ser dissipada. Ao leitor apresenta-se, então, o Manual Jurídico da Escravidão: uma obra que permite ter o primeiro contato com os institutos que conferiam fundamento à estrutura de opressão dos negros durante o Império do Brasil. A escravidão não era apenas uma relação de força de um indivíduo (ou grupo social) sobre outro, mas um fenômeno social legitimado, pois se amparava no ordenamento jurídico brasileiro em vigor durante o século XIX. Ela representava o verdadeiro alicerce jurídico da sociedade brasileira, pois todas as relações sociais estavam contaminadas pela sua nódoa. Nesse sentido, o Manual busca enfrentar questões, sob o ponto de vista jurídico, apresentando a servidão negra como ela realmente era encarada pela sociedade brasileira do século XIX: O escravo era uma coisa ou uma pessoa? Ele poderia ser processado criminalmente? Seria possível o cativo adquirir patrimônio ou constituir uma família? E a sua herança? O senhor poderia, legalmente, aplicar castigos aos seus escravos? Poderia o proprietário aplicar uma penalidade de morte? O escravo poderia processar o seu senhor? O escravo era cidadão do Império? Se ele não era um cidadão, o Brasil estaria a escravizar estrangeiros? Existia no Brasil o crime de redução à condição análoga de escravos? A sociedade brasileira tinha “medo” dos escravos? Os escravos aceitavam passivamente o seu cativeiro? Como era a legislação que buscava conter o medo de uma insurreição escrava como a do Haiti? Afinal, quando se iniciou a escravidão no Brasil? A Constituição do Império recepcionou a escravidão? Qual a legislação que regulamentava o assunto? Existia um Código Negro no país? Como poderia um escravo postular judicialmente a sua liberdade? Qual a ação e como era o seu processamento? O escravo poderia constituir um representante? Um escravo depois de alforriado poderia ser reescravizado? O que foi a lei para inglês ver? Por que a maioria dos escravos do Brasil, na década de 1870, estavam sendo mantidos ilegalmente nas senzalas? Por que foi tão complicado acabar com o tráfico de escravos? Portugal aboliu a escravidão no século XVIII? Como se organizavam as estruturas administrativas da opressão? O Estado interferia em tudo? O carrasco era um cargo público? Feitores poderiam ser escravos? Os capitães do mato poderiam ser agentes públicos? Como foi a marcha para a Abolição da escravidão? A Lei Áurea realmente “libertou” os escravos? Qual o efetivo alcance das Leis do Ventre Livre e do Sexagenário? Transcorrido mais de século desde o advento da Lei Áurea, a sociedade brasileira ainda busca uma forma para cicatrizar as feridas deixadas por mais de trezentos anos de escravismo. O Manual Jurídico da Escravidão pretende trazer ao leitor a dinâmica jurídica do sistema, permitindo compreender o que foi a escravidão no Império do Brasil, para que se possa também entender a realidade de exclusão que nos rodeia. Dante Alighieri, o poeta de Florença, na sua tenebrosa viagem aos confins do Inferno, somente de lá saiu quando alcançou a redenção ao conhecer a verdadeira natureza do mal. O conhecimento o libertou. Esse é o propósito do Manual Jurídico da Escravidão. Portanto, leitor, estamos ingressando no coração das trevas e lhe convidamos a trafegar em outro mundo, em um país totalmente diferente do nosso, mas estranhamente familiar, no qual esse fruto da maldade humana era elemento constitutivo da paisagem. INTRODUÇÃO Muito já se escreveu, pesquisou, filmou e encenou sobre a escravidão negra no Brasil, mas, por incrível que pareça, o tema ainda é conhecido muito superficialmente. Para suprir essa lacuna, apresenta-se ao leitor o Manual Jurídico da Escravidão: uma obra que propõe o primeiro contato com os institutos que conferiam fundamento à estrutura de opressão dos negros durante o Império do Brasil. Pretende-se revelar que o cativeiro não era apenas uma relação de força de um indivíduo (ou grupo social) sobre outro, mas um fenômeno social legitimado, pois se amparava no ordenamento jurídico brasileiro em vigor durante o século XIX. Se o contrato de trabalho, previsto na atual Consolidação da Lei do Trabalho1, pode ser compreendido como o fundamento jurídico das relações econômicas da sociedade brasileira, moldando-a; a escravidão ganha uma dimensão muito maior2. De fato, deve-se ter em mente que a escravidão representava o verdadeiro alicerce jurídico da sociedade brasileira, pois todas as relações sociais estavam por ela contaminadas3. Os poderes e deveres que uma das partes possuía nesse horrível tipo de relação eram muito mais profundos, alcançando até os mais básicos aspectos da vida dos escravos, submetidos ao exercício do poder senhorial4. Em síntese, o que se apresenta é a uma obra que permite estudar a escravidão sob a perspectiva do direito posto e vigente no século XIX. O Manual Jurídico da Escravidão pretendepermitir a compreensão do estranho, sombrio, sangrento e infame universo de um instituto jurídico que estava em vigor no Brasil até 13 de maio de 1888 e cuja sinistra sombra ainda espreita a sociedade brasileiro no século XXI5. Escravidão: eliminando equívocos Estudar o instituto jurídico6 da escravidão negra, em um primeiro momento, pode parecer uma atividade estranha, pois ele é geralmente retratado, pelos meios massivos de comunicação, como uma relação de aplicação da força, com ou sem crueldade. Isto é, a escravidão, para muitos, é vista como um fenômeno de pura submissão de um ser humano ao poder senhorial – no caso da experiência brasileira no século XIX, do negro africano7 –, transformado em uma “coisa”, em um “objeto”. Nesse sentido, a escravidão é enxergada apenas como um fenômeno fático (percebido apenas vagamente sob nuances sociológicas ou econômicas), que existia no Brasil do século XIX, e foi simplesmente extinto por meio da Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, promulgada pela Princesa Isabel, conhecida como a “Redentora”. Trata-se de uma visão absolutamente equivocada. Não é possível resumir assim a questão, pois a escravidão era amparada por uma legislação que inclusive a constitucionalizava, de forma oblíqua8. Igualmente distorcida é a perspectiva de que a escravidão era passivamente aceita pelos escravos9, urbanos ou rurais, e que tais relações se assentavam em um ambiente de cordialidade entre senhores e servos, sempre de forma paternalista ou de franca e respeitosa camaradagem. Longe disso, a escravidão era uma relação social que, por meio de sua violência (potencial ou efetiva, mas sempre presente), brutalizava toda a sociedade, tornando-a quase insensível a um problema que atingia milhões de indivíduos que viviam no cativeiro, muitas vezes ilicitamente. Por fim, também incorreta é a visão de que não havia um direito positivo que possibilitasse a construção de fundamentos jurídicos para a relação de propriedade sobre outro ser humano. Nunca houve, de fato, um Código Negro no Brasil10, como em vigor em outras localidades da América11, isto é, um diploma jurídico único que viesse a regulamentar o sistema de trabalho escravo, o tráfico, os órgãos administrativos, bem como os castigos, estabelecendo sanções e multas pelo seu descumprimento12. Entretanto, isso não significa que não existia um arcabouço jurídico que viesse a regulamentar as complexas situações decorrentes das relações humanas presentes na exploração da mão de obra escrava, bem como seus conflitos13. Em última análise, a escravidão era uma relação de poder que, para se legitimar, encontrava seus alicerces no Direito positivo. Ao se estudar as relações de trabalho que se baseavam no emprego do elemento servil, nota-se que, para as autoridades públicas e para os proprietários, havia um receio constante de que a classe oprimida viesse a insurgir-se contra aqueles que possuíam os meios de produção e contra o Poder público14. No caso da escravidão, o receio era intensificado porque a violência estava umbilicalmente ligada à sua prática, logo, a questão da segurança pública e o temor de rebeliões sempre acompanharam a sua história. Justificativa e objetivos Quando estudante, nos bancos da Faculdade de Direito do Recife, um dos nossos professores nos falou que todo docente que, na sua primeira aula, viesse a discorrer sobre a justificativa da disciplina que iria ministrar, na verdade, implicitamente dizia que o conteúdo não possuía nenhuma importância. Evidente que se tratava de uma brincadeira para chamar a atenção dos alunos, entretanto, o Manual Jurídico da Escravidão poderia iniciar da mesma forma, pois o estudo da Escravidão guarda consigo uma relevância manifesta, sendo assunto imprescindível para compreender a história do nosso país15. Não obstante o tema escolhido, essa obra, entretanto, tem uma proposta um pouco diferente: não almeja falar apenas sobre a escravidão. Com o Manual, pretende-se estudar a escravidão sob a perspectiva jurídica, apresentando o tema de forma sistematizada. O leitor poderia, então, indagar: qual a razão para estudar um complexo de normas jurídicas que buscavam regular uma odiosa relação humana baseada na força do homem sobre o homem? Por mais estranho que possa parecer, a escravidão não era apenas uma relação de força. O direito brasileiro legitimava e também buscava assegurar que o sistema escravista continuasse a ser a relação jurídica base do sistema produtivo do século XIX. Portanto, tal relação humana possuía seus alicerces em um ordenamento jurídico que permitia que milhões de homens e mulheres fossem privados dos seus mais básicos direitos: a própria vida, bem como a sua dignidade e liberdade. Tal pretensão, por si só já justificaria a elaboração de uma obra acerca da escravidão no Brasil. Entretanto, como dito, o Manual Jurídico da Escravidão tem uma finalidade diferente. Para se escrever sobre a escravidão, de forma completa, exigiria-se a elaboração de um verdadeiro tratado sobre o assunto, com vários tomos, não apenas pela bibliografia existente16, mas sobretudo pelo período de tempo e a complexidade do assunto17. Entretanto, nosso objetivo é fornecer as primeiras linhas para que o leitor possa compreender a escravidão negra sob a perspectiva jurídica. O Manual Jurídico da Escravidão é uma obra de História do Direito que apresenta ao leitor, de forma simples e sistematizada, mas não superficial, a estrutura do instituto jurídico da Escravidão. A sua preocupação é realizar uma exposição compreensível, a ponto de que o leitor possa visualizar não apenas as relações de poder entre o escravo e o senhor, mas também como o direito brasileiro, durante o Império do Brasil, regulamentava tal relação jurídica. Para tanto, serão evidenciados, além dos mencionados alicerces jurídicos, a sua dinâmica, a fim de que seja possível conhecer o regime jurídico da escravidão, bem como a natureza jurídica do escravo, tanto no âmbito civil quanto no penal18. Não se prescindirá de estudar os principais fatos históricos, que muitas vezes servem de fonte do direito19, mas o foco será o ordenamento jurídico brasileiro positivado durante o Império do Brasil. Por essa razão, um estudo sistêmico do Direito brasileiro do período não se fará apenas com vagas referência às normas: elas serão transcritas para que o leitor possa tirar suas próprias conclusões. Similarmente, serão apresentadas, quando possível, as perspectivas dadas pelos doutrinadores da época acerca dos institutos jurídicos então vigentes, além de atos administrativos de interpretação oficial da legislação imperial. Por meio da presente obra, portanto, o leitor contemporâneo poderá facilmente compreender não apenas como era a regulação jurídica da escravidão, mas também vislumbrar a evolução do instituto. Reanimando um direito morto Evidente que o maior risco em um estudo de história do direito é incorrer em anacronismo20, ou seja, observar e interpretar as normas jurídicas com uma mentalidade diferente daquela em que tais institutos vigoraram. Por outro lado, o fascínio de se realizar um estudo sobre história do direito reside no fato de que ao se retomar a legislação de um ordenamento jurídico que não mais vigora, em verdade, o pesquisador se depara com a alma de uma sociedade que não mais existe. Seu trabalho é como reanimar, com um sopro, um ser que não maisvive, observando como ele reage e se movimenta, quais são seus objetivos, suas visões de mundo, seus traumas. Com o estudo das formas jurídicas, busca-se enxergar o cotidiano e compreender como uma sociedade tutela seus principais valores e como pretende defender e efetivar os direitos assegurados, cristalizados nas suas normas jurídicas. Sem dúvidas esse ato de reconstrução da dinâmica jurídica é uma atividade artificial, já que os integrantes daquela sociedade, sobre a qual incidiam aquele ordenamento estudado, não se encontram presentes. Portanto, para o estudo desse direito deve-se buscar a doutrina, a opinio iuris, de contemporâneos que pudessem nos explicar a dinâmica daquele sistema. De outro modo, o direito não pode ser compreendido como um fenômeno isolado no tempo e no espaço. Não pode ser vislumbrado como um amontoado de normas que não estão relacionadas com os valores, as visões de mundo e as expectativas de um grupo social (que o cria e é por ele governado), em determinado momento da sua história21. A percepção desse fenômeno fica mais evidente quando se estuda o direito contemporâneo, pois, de certo modo, vive-se sob a égide dessas normas e se consegue compreender os institutos e o seu alcance, sendo possível vislumbrar como as normas se relacionam para construir um sistema jurídico. Os indivíduos que integram a nossa sociedade, por exemplo, sejam ou não operadores do Direito, percebem as normas jurídicas, isto é, há uma mínima compreensão dos principais limites impostos pelo ordenamento a suas condutas, inferindo também os direitos que lhe são assegurados. Em outras palavras, por se viver sob o império do direito, é possível senti-lo; consegue-se perceber a sua dinâmica. Para o operador do Direito, ao se ler as grandes obras jurídicas, ao conversar com os demais colegas, ao trocar informações na faculdade, ao se defrontar com a jurisprudência dos Tribunais ou ao se atualizar com as informações colhidas na internet, fica manifesta a vivacidade do ordenamento jurídico que está em vigor. Entretanto, quanto mais se recua no tempo, ao se estudar o direito do passado, algo começa a desaparecer: a percepção de “vida” das normas começa a se esvair. Não se detecta, com mais facilidade como as normas se organizavam, como era construído o sistema jurídico, qual era o seu alcance e a sua aplicação. Para exemplificar: por constar nos livros dos grandes autores clássicos, como Aníbal Bruno22, compreende-se como era aplicado o Código Penal23, quando dos primeiros anos da sua origem, em 194024. Ainda se é possível perceber a sua essência e a sua conexão com o direito penal atual25, pois, além desse diploma legal ainda vigorar26, houve a constante aplicação, sem rupturas, desde a sua criação, com a evolução da interpretação das suas normas, tomando por base as inúmeras constituições vigentes, em cada um dos períodos históricos27. Em outras palavras, um leitor que viesse a desejar fazer a leitura do Código Penal, na sua redação original, não estranharia o seu conteúdo, pois se trata de diploma legal que ainda guarda pontos de contato com o pensamento jurídico contemporâneo e com a própria sociedade brasileira, em alguns de seus aspectos, apesar de tal Código ser datado da década de 1940. Voltando mais no tempo, ao ingressar no turbulento século XIX, o leitor passa a enxergar um tumultuado período histórico, no qual o Império do Brasil se envolveu em diversos conflitos externos (guerra da Cisplatina e Guerra do Paraguai), e passou por sérios riscos de fragmentação, de norte a sul da Nação, com a Confederação do Equador, a Balaiada no Maranhão, a Cabanagem no Grão-Pará e a Guerra dos Farrapos, apenas para citar alguns exemplos. É possível que, para o leitor, as leis de tal período até se assemelhem à legislação de civilizações desaparecidas, como o Código de Hamurabi, da Babilônia28, em face do seu exotismo (e da estranha forma de se apresentar), não guardando, aparentemente, nenhum contato com o nosso direito atual29. De fato, ao se estudar o direito brasileiro desse período histórico, o leitor se defronta com obstáculos que devem ser transpostos. O primeiro deles é que alguns dos parâmetros interpretativos contemporâneos não se conectam às estruturas do Brasil imperial, isto é, a doutrina jurídica não cria pontos de enlace imediatos entre o direito brasileiro atual e o que estava em vigor no século XIX. O segundo empecilho reside no fato de que estudar o direito vigente no Império do Brasil é se deparar com normas jurídicas que foram criadas para reger uma sociedade que possui significativas diferenças econômicas e culturais em relação ao Brasil contemporâneo. Portanto, as bases para compreensão não podem se fundamentar em valores vigentes atualmente, pois as categorias lógico-jurídicas que regiam o direito brasileiro no Império do Brasil são demasiadamente distintas das que vigoram – a começar pela inexistência de um Código Civil, pela manutenção do odioso instituto jurídico da escravidão como alicerce do trabalho produtivo e pelo fato de que o Império era um Estado unitário sui generis30. Adverte-se também que, assim como no estudo do direito romano31, não se pode vislumbrar o Império do Brasil como um conjunto monolítico de normas, inalteradas no tempo. Estudar o direito do Império do Brasil desperta o interesse por conhecer a evolução das perspectivas da sociedade brasileira, a qual tentava, após a independência, construir uma nação continental, sendo possível perceber o nascer de algumas das estruturas do Brasil contemporâneo. Construindo o Manual Jurídico da Escravidão No estudo realizado, tenta-se sistematizar o conhecimento à luz de algumas das categorias lógicas contemporâneas para que o leitor possa compreender o direito vigente naquele período32. Assim como nas obras de direito romano33, faz-se uma tentativa de se apresentar, didaticamente, aos operadores jurídicos como era a estrutura e a aplicação do direito em uma sociedade que existiu há quase dois séculos. Evidente que não se busca cair no erro do anacronismo, mas apenas utilizar as ferramentas dadas pela moderna ciência do estudo do Direito para entender a realidade passada, segundo os valores da sociedade brasileira do século XIX. Tal método é necessário, pois, evidentemente, não seria possível apenas estudar o direito do passado com os olhos dos homens daquele período, afinal tanto o leitor dessa obra quanto o seu autor, integram a sociedade brasileira do início do século XXI, ou seja, pertencem a outro contexto histórico34. Por essa razão, ao longo do Manual Jurídico da Escravidão, buscou-se estudar o Direito imperial do Brasil à luz das interpretações dos doutrinadores do século XIX. As suas visões e os seus ensinamentos acerca do ordenamento jurídico serviram de ponto de partida para nossas reflexões. Não nos furtamos de tentar adequar os institutos com a tecnologia linguística do direto contemporâneo, sobretudo a fim de decifrar as disposições legais estabelecidas, além de também adaptarmos a linguagem utilizada naquele período histórico às regras ortográficas atuais. Dito isso, a obra se inicia, no seu capítulo primeiro, com a análise e o estudo da recepção da escravidão pela legislação imperial, analisando as razões que justificaram a manutenção desse maligno instituto no Brasil. Passa-se, a seguir, no capítulo segundo, a um estudodo traumático nascimento da Constituição de 1824, surgida das cinzas da Assembleia Constituinte de 1823, bem como das normas constitucionais que conferiam fundamento para a existência da escravidão no Brasil. O estudo do tráfico de escravos está no âmago do Manual Jurídico da Escravidão, no terceiro capítulo. Nele, podemos vislumbrar a tendência da legislação internacional de abolir o abjeto transporte interoceânico de seres humanos, e respectiva evolução da legislação brasileira, levando à promulgação da Lei Euzébio de Queirós, de 1850. É no quarto capítulo em que se analisa o estatuto civil do escravo e a possibilidade da prática de atos da vida civil, desde antes do advento da Lei do Ventre Livre, em 1871. A aplicação da lei penal sobre os cativos é estudada no capítulo quinto, no qual se busca demonstrar que o elemento servil era visto como um problema de segurança pública, o que deu causa à construção de uma legislação para oprimir tal inimigo. Por isso, no capítulo sexto, foi elaborado um estudo acerca da administração da opressão sobre os escravos, a fim de controlá-los e manter o status quo (o abominável sistema escravista) íntegro, analisando as figuras do capitão do mato, do feitor e do carrasco. O caminho para Abolição da escravidão foi narrado no capítulo sétimo, com a análise do nascimento do movimento abolicionista, o advento das Leis do Ventre Livre (1871) e do Sexagenário (1885), dos problemas que decorreram da aplicação desses diplomas, do desmoronamento do sistema escravista e, por fim, do processo para surgimento da Lei Áurea. Esse é o plano do Manual Jurídico da Escravidão, que nada mais é que um ponto de partida para o leitor retirar o véu que encobre a verdade sobre a sociedade brasileira do século XIX, e o permita adentrar no inferno do mundo escravocrata. Portanto, leitor, aqui se ingressa no coração das trevas35: uma viagem ao sombrio universo da escravidão brasileira é um convite para trafegar em outro mundo, em um país totalmente diferente do nosso, mas estranhamente familiar, no qual esse fruto da maldade humana era um elemento da paisagem. Bem-vindo ao Brasil do século XIX. Notas 1. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. 2. “[...] ambiguidade singular em que vivia uma sociedade na qual os trabalhadores eram também mercadorias” (Florentino, Manolo; Goes, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico Atlântico, Rio de Janeiro, c.1790-c.1850. São Paulo: Editora Unesp, 2017, p. 17). 3. “[...] A propriedade escrava era altamente disseminada pelo tecido social, o que significa que camadas variadas da população se encontravam comprometidas com a escravidão, não importando a extensão de suas posses” (Florentino, Manolo; Goes, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico Atlântico, Rio de Janeiro, c.1790-c.1850. São Paulo: Editora Unesp, 2017, p. 45). 4. Silva Junior, Waldomiro Lourenço da. História. Direito e Escravidão: a legislação escravista no Antigo Regime Ibero-Americano. São Paulo: Annablume, 2013, p. 40. 5. “A escravidão teve, entre nós, uma duração de quase quatro séculos – quatro vezes mais, portanto, do que a experiência do trabalho livre” (Florentino, Manolo; Goes, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico Atlântico, Rio de Janeiro, c.1790-c.1850. São Paulo: Editora Unesp, 2017, p. 35). 6. “As normas objetivas contêm um mandamento, ou uma diretriz, visando regular determinadas relações de fato. Mas, as normas não são criadas ao acaso, nem vivem dispersas isoladamente, nem são tampouco, apenas justapostas ou aglomeradas em quadros artificiais; ao contrário, um nexo as une e coordena em direção a um fim comum, transformando-as em um todo lógico. Ora, o conjunto de normas coordenadas em direção a um fim comum e as relações que elas visam regular, constituem o instituto jurídico” (Ráo, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 228). 7. A escravidão do índio já havia sido proibida no Brasil desde o advento da Lei de 1º de abril de 1680, ratificada pela Lei de 6 de junho de 1755, para o Grão- Pará e Maranhão, sendo ampliada para todo o restante da América lusitana em 1758 (Freitas, Décio. Escravidão de índios e negros no Brasil. Porto Alegre: EST/ICP, 1980, p. 15 e 17). 8. Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 372. 9. “Não se imagine que a categoria social abrangida sob o termo genérico de ‘escravos’ formasse um conjunto homogêneo. [...] havia o violento desprezo dos crioulos pelos nativos da África, havia o sentimento de superioridade dos mulatos que, por terem sangue branco, se isolavam dos demais escravos, e havia ainda a hostilidade por vezes insopitável entre escravos de diferentes nações africana” (Freitas, Décio. Palmares: a guerra dos escravos. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982, p. 31-32). 10. A escravidão do índio já havia sido proibida no Brasil desde o advento da Lei de 1º de abril de 1680, ratificada pela Lei de 6 de junho de 1755, para o Grão- Pará e Maranhão, sendo ampliada para todo o restante da América lusitana em 1758. 11. Como o Code Noir francês de 1685: “uma coletânea de regulamentos, compilados até o presente, concernentes ao governo, à administração da justiça, à polícia, à disciplina e ao comércio de negros nas colônias francesas” (Silva Júnior, Waldomiro Lourenço da. História, Direito e Escravidão. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2013, p. 155). 12. As razões para tanto podem ser estudadas na excelente análise em Silva Júnior, Waldomiro Lourenço da. História, Direito e Escravidão. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2013, p. 153-160. 13. Teixeira de Freitas nas suas Consolidações das Leis Civis omite as normas que regiam a escravidão, não porque elas não existissem no Brasil, mas porque representavam uma indignidade para o país, ou seja, não queria ser o autor indiretamente de um abominável Código Negro que viesse a consolidar tais odiosas regras: “Cumpre advertir que não há um só lugar do nosso texto, onde se trate de escravos. Temos, é verdade, a escravidão entre nós; mas esse mal é uma exceção que lamentamos, condenada a extinguir-se em época mais ou menos remota, façamos também uma exceção, um capítulo avulso na reforma das nossas Leis civis; não as maculemos com disposições vergonhosas, que não podem servir para a posteridade; fique o estado de liberdade sem o seu correlativo odioso. As leis concernentes à escravidão (que não são muitas) serão pois classificadas à parte e formarão o nosso Código negro” (Freitas, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis. Brasília: Senado, 2003, p. XXXVIII). 14. Muito similar ao que ocorria com a preocupação dos capitalistas do século XIX em face do proletariado que trabalhava nas fábricas insalubres, por exemplo, em Manchester, na Inglaterra (Huberman, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1986, p. 185-194). 15. Moura, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Ed. USP, 2004, p. 206. 16. Para observar a dimensão e o volume de obras e estudos acerca da escravidão, com diferentes abordagens, sugere-se, como ponto de partida, a leitura de Gaspar, Lúcia. O negro no Brasil: uma contribuição bibliográfica. Recife: Fudaj/Editora Massangana, 1994. 17. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. Aescravidão no Brasil, v. 1. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 14. 18. “[...] a relevância do estudo do direito para a interpretação histórica de uma determinada sociedade pode ser ajuizada pela noção de que ele nomeia, qualifica e hierarquiza todo divórcio entre a ação do indivíduo e o princípio fundamental dessa sociedade” (Silva Júnior, Waldomiro Lourenço da. História, Direito e Escravidão. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2013, p. 15). 19. Para Savigny: “Fonte substancial do direito, pois, é a consciência comum do povo, que dá origem e legitimidade às normas lógicas que, dela, a razão extrai” (In: Ráo, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 249). Para uma crítica acerca da ambiguidade e outros problemas decorrentes dessa expressão, ver Ferraz Junior, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2008, p. 192. “Por fontes do direito havemos de compreender os focos ejetores de regras jurídicas, isto é, os órgãos habilitados pelo sistema para produzirem normas, numa organização escalonada, bom como a própria atividade desenvolvida por esses entes, tendo em vista a criação de normas. [...] não basta a existência do órgão, devidamente constituído, tornando-se necessária sua atividade segundo as regras aqui previstas no ordenamento [devido processo legislativo]” (Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 79). 20. Utilizar a perspectiva ou os conceitos de uma época, para analisar os eventos de um outro período histórico. Vocábulo que surgiu na língua francesa, no século XVI, anachronisme, o qual derivou do idioma grego, anakhronismós, de anakhronizomai, “o ato de colocar algo fora do seu adequado tempo correspondente” (Viaro, Mário Eduardo. Por trás das palavras: Manual de etimologia do português. São Paulo: Globo, 2004, p. 244). 21. Ferreira, Luís Pinto. Teoria Geral do Estado, v. 1. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 31. 22. Bruno, Aníbal. Direito Penal, parte geral: introdução, norma penal, fato punível. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, t. I, p. 106. 23. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. 24. “Art. 361 – Este Código entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 1942” (Código Penal de 1940). 25. Apesar da reforma da sua parte geral e de inúmeros dispositivos da parte especial. 26. Trata-se, de forma simplificada, da aptidão que uma determinada lei, ou diploma normativo, tem para produzir efeitos. Ou seja, a lei existe e pode viger, isto é, já pode ser executada. (Silva, de Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 1485). 27. Constituições de 1937, de 1946, de 1967/69 e de 1988. 28. “Na Assíria, Pérsia e Babilônia houve um célebre rei Hamurabi que promulgou notável Código, [...] considerado o mais antigo conhecido (XII Século antes de Cristo) com 282 parágrafos ou Leis, sendo uma compilação do Direito Público e Privado compreendendo matérias processual, penal, administrativa, civil e comercial [...]” (Valladão, Haroldo. História do direito especialmente do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977, p. 37). 29. Em verdade, o direito colonial brasileiro, por exemplo, possuía uma estrutura muita diversa da nossa, que, para o nosso olhar, poderia se assimilar ao completo caos, como fala Caio Prado Júnior: “um amontoado que nos parecerá inteiramente desconexo, de determinações particulares e casuísticas, de regras que se acrescentam umas às outras sem obedecerem a plano algum de conjunto” (Silva Júnior, Waldomiro Lourenço da. História, Direito e Escravidão. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2013, p. 154). Eis um exemplo: “[...] o regimento de 17 de dezembro de 1548 – base do segundo sistema de administração colonial – vigorou por mais de um século, servindo a todos os sucessores de Thomé de Souza até 1677. Com o tempo esse regimento foi complementado por ordenações avulsas, como cartas régias, alvarás e provisões. Elas cresceram a tal ponto que em 1677 foi preciso consolidá-las num outro regimento que foi outorgado a Roque da Costa Barreto (23-1-1677)” (Valladão, Haroldo. História do direito especialmente do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977, p. 78). 30. Essa natureza unitária do Império é reafirmada por um dos grandes constitucionalistas de época: “A divisão do Império em províncias, qual existia ao tempo em que foi promulgada a nossa lei fundamental, assim como a atual, não é nem devia ser de ordem constitucional; não são Estados distintos, ou federados, sim circunscrições territoriais, unidade locais, ou parciais de uma si e mesma unidade geral. [...] Por isso mesmo que o Império é um e único, que ele não é dividido em províncias senão no sentido a fim de distribuir convenientemente os órgãos da administração, de modo que em toda a extensão do país haja centros adequados e próximos para o serviço e bem-ser dos respectivos habitantes [...]” (Bueno, José Antônio Pimenta. Marquês de São Vicente. Organização e introdução de Eduardo Kugelmas. São Paulo: Ed. 34, 2002, p. 88). O Ato Adicional de 1834, que reformou a Constituição de 1824, conferindo atribuições às Assembleias Provinciais, as quais foram revistas posteriormente pela Lei nº 105, de 12 de maio de 1840 (Bonavides, Paulo e Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 123-126). 31. Alves, José Carlos Moreira. Direito Romano, v. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 67-74. 32. “O problema basilar da historiografia jurídica se encontra na ordenação do material; isto é, na imposição de uma sequência inteligível, e de conexões significantes, a uma série de informações e de fatos que são conhecidos ou ‘levantados’ através de pesquisas” (Saldanha, Nelson. Historiografia jurídica e concepção histórica do direito. Estudos Universitários: Revista da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, n. 1/2, p. 60, jan./jun. 1975). 33. Cretella Junior, José. Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 19-20. Este mesmo método é utilizado pelos autores quando se busca a compreensão do direito romano (Correia, Alexandre e Sciascia, Gaetano. Manual de direito romano. 5. ed. Rio de Janeiro: Sadegra/Livros cadernos Ltda, 1996, p. 32). 34. “Quando o estudioso moderno trata de normas ou de textos arcaicos, situa-os em articulações que refletem a arquitetônica do direito tal como é concebido e vivido em seu tempo: assim os assiriólogos ao separar normas administrativas das normas processuais dentro de códigos encontrados em tabletas” (Saldanha, Nelson. Historiografia jurídica e concepção histórica do direito. Estudos Universitários: Revista da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, n. 1/2, p. 61, jan./jun. 1975). 35. Nas palavras de Rui Barbosa: “Se Dante Alighieri tivesse vivido no século XVIII, colocaria o vértice dos sofrimentos inexprimíveis, o círculo íntimo do seu Inferno no porão de uma embarcação negreira, num desses núcleos de suplícios infindos que apenas poderia descrever a poesia sinistra da loucura; numa dessas gemônias flutuantes, ninhos de abutres humanos que a mão da mais perversa das malfeitorias espargiu durante trezentos anos no Atlântico [...]” (Lima, Manuel de Oliveira. O Movimento da Independência: o Império brasileiro (1821-1889). São Paulo: Melhoramentos, p. 405). Capítulo 1 A Escravidãocomo herança Origens da Escravidão na América Portuguesa. Compreendendo a dimensão da escravidão na sociedade brasileira Imagine-se voltar no tempo para o início do século XIX, na zona da mata da conflagrada Província de Pernambuco, assolada36 por duas revoltas em menos de uma década37. Sob o sol inclemente dos trópicos, estaria em uma viagem no lombo de um equino, saindo da capital da província, a Cidade do Recife38, no litoral, pouco depois das revoltas de 1824, para a Villa de Goyanna, mais ao norte, no interior, distando pouco mais de 60 quilômetros, armado e acompanhado de outros indivíduos (já que existia risco de roubos)39. Galopando pelas quentes e verdejantes paisagens bucólicas tropicais das paragens brasileiras, nas grandes fazendas, estavam os escravos40, na sua miserável labuta diária41. Talvez, em um momento de reflexão, você se perguntasse se isso sempre foi assim: a escravidão sempre existiu no mundo? Essa pergunta poderia ser respondida pela Bíblia cristã. Na época de Adão e Eva e dos seus primeiros descendentes, não havia escravidão. Entretanto, com base nos versículos de 5 a 9, do capítulo 6, da Carta de São Paulo aos Efésios42, já ouvira o padre admoestar os fiéis a tratar bem seus escravos, bem como sabia que o santo católico havia recomendado aos escravos que fossem bons para com os seus “donos”. Após tais primeiros pensamentos, o cidadão do Império do Brasil, nosso personagem, iria reformular a sua pergunta: quando a escravidão surgiu no Brasil? Possivelmente, ninguém saberia com precisão43. Para oferecer a resposta adequada deveria existir alguém que conhecesse bem a legislação lusitana, o que seria improvável no grupo de viajantes. Imaginando o espírito pouco letrado desses homens, possivelmente, com pouca polidez, alguém responderia em tom de brincadeira: “que ele deixasse de pensar besteira, pois isso sempre existiu!44 Ou será que ele queria ocupar o lugar desses negros?”. A resposta, apesar de bruta, toca no ponto correto: ao menos para a América lusitana, à luz da legislação da Metrópole, a escravidão sempre existiu45. E o Império do Brasil recebeu a escravidão como algo natural46. O cativeiro de milhões de africanos era apenas mais um dos elementos das vastas paisagens bucólicas que integravam o imenso território da Nação governada pelo Defensor Perpétuo do Brasil, D. Pedro I47. Naturalmente, o corpo legal da escravidão no Novo Mundo adquiriu características distintas daquelas de Portugal, mas se não se desprezava a legislação anterior48, não se criou um código específico para regulamentar tal relação49. Apesar de a legislação de D. Alfonso X, o Sábio50, manter a escravidão, recepcionando-a do Código de Justiniano (que a previa como uma forma de evitar a morte dos indivíduos capturados em guerras51), declarava a não naturalidade dessa relação, assegurando a manumissão (o direito à alforria). As posteriores Ordenações Afonsinas52 e Manuelinas também tratavam o cativo de forma similar53. Todavia, existia uma peculiaridade: o cativo a que se referiam tais legislações eram os mouros capturados nas guerras de Reconquista e na posterior expansão ultramarina, em terras controladas pelo Islã54, ou seja, era o infiel aprisionado, que poderia aceitar a fé cristã, e que também poderia ser alforriado55. O tratamento dispensado ao mouro submetido era o de servo56, a transição ocorreu posteriormente. As Ordenações Filipinas, de 160357 surgiram como o diploma legislativo mais próximo das realidades do Novo Mundo e da exploração mercantilista das riquezas naturais das colônias58. O vocábulo “servo” aparece totalmente substituído por “escravo”, relacionado apenas aos africanos59: “[...] escravo, a partir da colonização das terras ultramarinas, refere-se a uma realidade objetivamente distinta da que recobre o mouro cativo, servo ou “escravo” metropolitano”60. Nesse diploma legal, as normas sobre escravidão estavam agrupadas no Livro IV (direito civil substantivo) e no Livro V (direito penal e processual criminal) das Ordenações Filipinas, portanto: [...] a legislação relacionada à escravidão, de subordinada ao campo da religião, passaria a ser integrada aos campos relativos ao comércio e ao direito penal. [...] A transição do cativeiro mouro (de caráter passageiro, pertencente à esfera eclesiástica e com importância diminuta na reprodução da base material da sociedade portuguesa) para a escravidão negra (de caráter durável, pertencente às esferas comercial e penal, e basilar na sustentação da empresa colonial) enquanto objetos legislativos fica muito bem demonstrada.61 Dentro dessa visão mercantil da escravidão, o Título XVII, Livro IV, das Ordenações Filipinas, concedia ao escravo africano a natureza de coisa comercializável, reduzindo-o a um mero bem, que poderia ser transferido de um proprietário para outro, mediante o negócio jurídico da compra e venda62. A desumanização do escravo63 era tamanha que, nos parágrafos desse Título havia a regulamentação de eventuais vícios redibitórios no contrato de compra e venda do escravo, além de outros que pudessem vir a contaminar o referido negócio jurídico: Qualquer pessoa, que comprar algum escravo doente de tal enfermidade, que lhe tolha servir-se dele, o poderá enjeitar a quem lho vendeu, provando que já era doente em seu poder de tal enfermidade, com tanto que cite ao vendedor dentro de seis meses o dia, que o escravo lhe for entregue. [...] Se o escravo tiver cometido algum delito, pelo qual, sendo-lhe provado, mereça pena de morte, e ainda não for livre por sentença, e o vendedor ao tempo da venda e não declarar, poderá o comprador enjeitá-lo dentro de seis meses, contados da maneira, que acima dissemos. E o mesmo será, se o escravo tivesse tentado matar-se por si mesmo com aborrecimento da vida, e sabendo-o o vendedor, o não declarasse.64 Como exposto, a exploração colonial transformou o mundo e gerou uma nova forma de regulamentar a escravidão, a qual passou a ser considerada pelas Metrópoles europeias como um dos elementos centrais para a colonização do Novo Mundo65. Portanto, seria estranho que, no ato da Independência, o Estado Imperial Brasileiro não recepcionasse toda a legislação colonial, juntamente com a relação jurídica que servia de base para a manutenção do seu sistema produtivo, a escravidão66. Por essa razão, ao se declarar a independência do Brasil, Sua Majestade Imperial recepcionou, também, toda a legislação colonial que mantinha em cativeiro, naquela época, aproximadamente 1.140.000 escravos, dentro de um universo de 3.690.000 de indivíduos no território da nova Nação, ou seja, aproximadamente 31% da população da Nação67. O Império não herdou apenas a estrutura econômico-social vigente durante a colônia, mas também a legislação metropolitana portuguesa, recepcionada pela Lei de 20 de outubro de 182368: Art. 1.º As Ordenações, Leis, Regimentos, Avaras, Decretos, e Resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal, e pelas quais o Brasil se governava até o dia 25 de Abril de 1821, em que Sua Majestade Fidelíssima, atual Rei de Portugal, e Algarves, se ausentou desta Corte; e todas as que foram promulgadas daquela data em diante pelo Senhor D. Pedro de Alcântara, como Regente do Brasil, em quanto reino, e como Imperador Constitucional dele, desde que se erigiu em Império, ficam em inteiro vigor na parte, em que não tiverem sido revogadas, parapor elas se regularem os negócios do interior deste Império, enquanto se não organizar um novo Código, ou não forem especialmente alteradas. Na falta de um Código69, os atos da vida civil deveriam ser regidos pelo Livro IV, das Ordenações Filipinas, que tratava especificamente desse tema, mas que não possuía ponto de contato com a sociedade brasileira do século XIX, pois esse diploma legislativo havia sido criado durante a União Ibérica70. A recepção71 dessa estrutura jurídica obsoleta foi objeto de comentários pelo Conselheiro Joaquim Ribas: O último [trabalho legislativo português], que ainda até hoje se acha em vigor, foi começado no reinado de Felipe II de Espanha e I de Portugal, e concluída no seguinte, sendo sancionado e publicado pelo Alv. de 11 de Janeiro de 1603. Em consequência, porém, da elevação da casa de Bragança ao trono de Portugal, entende-se necessário revalidar estas Ordenações, e para este fim expediu D. João IV a lei de 29 de janeiro de 1643, que revogou todas as legislações anteriores a ela, [salvo algumas exceções] [...]. Dos cinco livros das Ordenações Filipinas quase que só o 4º é destinado à teoria do direito civil. Mas os seus preceitos, além de minimamente deficientes, e formulados sem ordem, não estão ao par das necessidades da sociedade atual e dos progressos da ciência jurídica.72 A nova Nação passou a ser regida por um documento legislativo que, na data da sua independência, já possuía mais de 200 anos de existência73. E o pior, tal diploma legal e a legislação superveniente mantinham a escravidão. O processo de Independência não buscou alterar os elementos naquilo que era fundamental: a escravidão como base das relações econômicas74. A escravidão sempre foi, ao menos para a América lusitana, um elemento natural na paisagem, como em uma pintura de Rugendas75: ela era o alicerce sobre o qual se erigia toda a construção da riqueza76 e financiamento para a manutenção da estrutura burocrática lusitana77. Junto com a imensidão do seu território, a ignominiosa escravidão serviu para a edificação da nova Nação. Apresentado o cenário em que o Império do Brasil nasceu, é necessário que seja estudado o golpe de Estado dado por D. Pedro I, que fragilizou sua figura pública, e do qual nasceu a Constituição de 1824. Notas 36. Além da Revolução pernambucana de 1817 e da Confederação do Equador de 1824, ainda houve em Recife, em 1º de junho e em dezembro de 1822, levantes populares, com participação militar. Em fevereiro de 1823, aconteceu a “Pedrosada”, que tentou instituir “uma ditadura populista efêmera” na Província. Tais movimentos foram rapidamente debelados, mas demonstravam que as insatisfações locais estavam em efervescência, prontas para explodir em 1824 (Azevedo, Jorge Duarte de. Portugal e Brasil: dos Afonsinos aos Bragança. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 357-356). 37. Sugere-se a leitura da obra de Mello, Evaldo Cabral de. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004, p. 235, no qual fica retratada a intranquilidade da região. 38. A antiga Vila de Santo Antônio do Recife. 39. Goulart, José Alípio. Da fuga ao suicídio: aspectos da rebeldia dos escravos no Brasil. Rio de Janeiro: Conquista, 1972, p. 77-108. 40. Cumpre, desde já, registrar que os escravos no Brasil não eram compreendidos como uma massa uniforme. Além das diferenças existentes decorrentes de cada uma das terras africanas de onde eles eram provenientes, havia uma classificação no que se refere ao nível de aculturamento. O escravo nascido na África era denominado de ladino; se no Brasil, chamava-se de crioulo (Luna, Luís. O Negro na Luta contra a Escravidão. Brasília: Editora Cátedra, 1976, p. 47). “Boçal significava, naquele tempo e em relação a escravos, que ele ainda não sabia falar a língua portuguesa” (Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 368). “Ladino” seria o negro africano catequizado e que já conhecia a língua portuguesa, bem como as regras básicas da sociedade brasileira (Mamigonian, Beatriz G. Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 17). 41. Freitas dá uma interpretação um pouco diferente a esses termos: “Chamavam-se ‘ladinos’ os escravos dotados de aptidão para certos misteres especializados. [...] Ordinariamente, um escravo ladino valia por quatro boçais e, entre os ladinos, dava-se preferência aos já nascidos no Brasil, chamados de ‘crioulos’” (Freitas, Décio. Palmares: a guerra dos escravos. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982, p. 32). Importante fazer breve anotação acerca da abolição da escravidão indígena: a lei de 1º de abril de 1680, extremamente ineficaz, criou uma falsa expectativa de liberdade para os cativos indígenas, razão pela qual houve muita pressão política para a sua revogação. Houve regulamentações que retiraram também a eficácia desse diploma legal, criando regimes de trabalho forçado para os índios. Pela Lei de 6 de junho de 1755, que alcançava apenas o Estado do Grão-Pará e Maranhão foi abolida a escravidão no seu território, a qual foi estendida para o restante da América lusitana por meio de Alvará de 1758. O resgate dos indígenas passou a ser feito também às custas da Fazenda real (Bandeira, Alípio; Miranda, Manoel da Costa. A situação do Índio perante a Legislação Antiga e Moderna in A Cidadania no Brasil: o índio e o escravo negro (Brasília, 1988, Ministério do Interior, p. 11-38). No que se refere aos índios, devemos registrar que, o Império do Brasil permaneceu em guerra contra algumas tribos até 1831, na atual região Sudeste: “[...] no Império, a lei de 27 de outubro de 1831 derrogou a Carta Régia de 13 de maio de 1808 que mandava fazer guerra aos Botucudos e obrigava os índios prisioneiros de S. Paulo e Minas Gerais a servirem durante 15 anos aos milicianos que os apreendessem. A mesma lei libertava todos os selvagens escravos e mandava aplicar-lhes as Ordenações Filipinas, L.1.º, Tit. 88 ou seja o Regimento dos Órfãos. Vieram depois o Decreto de 3 de junho de 1833 e o Decreto n. 143 de 15 de março de 1842, art. 4.º, n. 12, entregando aos Juízes de Órfãos a administração dos bens dos índios” (Campello, Francisco Barreto Rodrigues. A legislação fóssil do brasil e a menoridade dos selvagens. Revista Praedicatio, v. 2, p. 1, 2010). Para uma visão geral da escravidão indígena: Sampaio, Aluysio Mendonça. Senhores e Escravos: a escravidão indígena no Brasil. São Paulo: Carthago e Forte, 1994. 42. “Escravos, obedeçam, com medo e respeito àqueles que são seus nos aqui na terra. Façam isso com sinceridade, como se estivessem fazendo a Cristo. [...] Donos de escravos, tratem os seus escravos com respeito e parem de ameaça-los com castigos. Lembrem que vocês e seus escravos pertencem ao mesmo Senhor, que está no céu, o qual trata a todos igualmente”. 43. O primeiro desembarque de negros escravos em Portugal, acredita-se que tenha ocorrido em 1442, transportados por um indivíduo chamado de Antônio Gonçalves. Eram 40 escravos transportados da África Ocidental. Para mais detalhes, ver Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social: africanos, v. III. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867, p. 2. 44. “Em quase todas as regiões do Brasil a escravidão negra era o aspecto mais característico, tanto do panorama rural quantodo urbano. Os portugueses tinham sido os primeiros pioneiros da agricultura em grande escala (fazendas) no Novo Mundo e a escravidão era a pedra-de-toque da economia e da sociedade agrícola” (Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã- Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 16). 45. Estrada, Osório Duque. A Abolição. Brasília: Edições do Senado Federal, 2005, p. 27. Em 1549, com Tomé de Sousa, vieram para a Bahia escravos importados da África, mas há notícias que já em 1542 já houve requisição de importação de negros para a Capitania de Pernambuco, por Duarte Coelho (Luna, Luís. O Negro na Luta contra a Escravidão. Brasília: Editora Cátedra, 1976, p. 35). 46. Lima, Manuel de Oliveira. O Movimento da Independência: o Império brasileiro (1821-1889). São Paulo: Melhoramentos, p. 404. 47. Título recebido e aceito por D. Pedro I em maio de 1822 (Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 64). 48. Silva Junior, Waldomiro Lourenço da. História. Direito e Escravidão: a legislação escravista no Antigo Regime Ibero-Americano. São Paulo: Annablume, 2013, p. 45. 49. Silva Junior, Waldomiro Lourenço da. História. Direito e Escravidão: a legislação escravista no Antigo Regime Ibero-Americano. São Paulo: Annablume, 2013, p. 35. O direito francês produziu um diploma jurídico específico para regulamentar a relação escravista, Le Code Noir, em duas versões, a de 1685 e a de 1724. 50. As Siete Partidas, consolidação de legislação organizada entre 1263 a 1265, por D. Afonso X, o Sábio (rei de Castela e Leão, entre 1221-1284), assim dispunha sobre “los siervos”, no seu título 21, Lei nº 1, explicando a origem da servidão, a razão da sua existência e os seus tipos: “Ley 1: Servidumbre, es postura, o establecimiento que hicieron antiguamente las gentes, por la cual los hombres, que eran naturalmente libres, se hacían siervos y se sometían a señorío de otro contra razón de naturaleza. Y siervo tomó este nombre de una palabra que es llamada en latín servare, que quiere tanto decir en romance como guardar: Y esta guarda fue establecida por los emperadores, pues antiguamente a todos cuantos cautivaban, matábanlos, mas los emperadores tuvieron por bien y mandaron que no los matasen, mas que los guardasen y se sirvieren de ellos. Y hay tres maneras de siervos: la primera es la de los que cautivan en tiempo de guerra siendo enemigos de la fe; la segunda es de los que nacen de las siervas; la tercera es cuando alguno que es libre se deja vender [...]”. Por sua vez, no título 29, nas Leis nº 01 e 03, assim dispunha sobre os cativos infiéis, que passavam a servidão pelo seu estado de prisioneiros de guerra, mas que poderiam obter a sua liberdade: “Mas cautivos son llamados por derecho aquellos que caen en prisión de hombres de otra creencia; y estos lo matan después que los tienen presos por desprecio que tienen a su ley, o los atormentan con muy crudas penas, o se sirven de ellos como siervos metiéndolos a tales servicios que querrían antes la muerte que la vida; y sin todo esto no son señores de lo que tienen pagándolo a aquellos que les hacen todos estos males, o los venden cuando quieren. Por lo que por todas estas cuitas y por otras muchas que sufren, son llamados con derecho cautivos, porque esta es la mayor pena que los hombres pueden tener en este mundo. [...] Ley 3: Sacar los hombres de cautiverio es cosa que place mucho a Dios porque es obra de piedad y de merced, y está bien en este mundo a los que lo hacen. [...]” (Disponível em: <https://goo.gl/TR04c>. Acesso em: 6 dez. 2017). Para mais detalhes, ver Drescher, Seymour. Abolição: uma história da escravidão e do antiescravismo. Tradução de Antônio Penalves Rocha. São Paulo: Unesp, 2011, p. 15-16. 51. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. 1. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 191. 52. “Ordenações Afonsinas. O primeiro monumento legislativo foi o Código Afonsino ou as Ordenações Afonsinas, promulgadas por D. Afonso, em 1446, a primeira grande codificação moderna [...]”, consolidando a legislação anterior e sistematizando-a em livros, além de criar um “famigerado” livro de com previsão de penas cruéis (Livro V) para o caso de infrações penais (Valladão, Haroldo. História do direito especialmente do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977, p. 70). 53. Silva Junior, Waldomiro Lourenço da. História. Direito e Escravidão: a legislação escravista no Antigo Regime Ibero-Americano. São Paulo: Annablume, 2013, p. 37, 53 e 54. As Ordenações Manuelinas foram “[...] organizadas pelo célebre jurista português Antonio Gouvea, que estudou e lecionou na França, Toulouse, Grenoble e Valença, mantinha o sistema das Ordenações Afonsinas, mas apareceu mais condensado, e representou uma primeira vitória do romanismo e, sobretudo, do fortalecimento do poder absoluto, desaparecendo antigas liberdades. [...] As Ordenações Manuelinas [1511-1603] vigoraram no Brasil logo após a descoberta” (Valladão, Haroldo. História do direito especialmente do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977, p. 70-71). 54. Registre-se que esse aprisionamento era considerado um ato de misericórdia para com os capturados, os quais poderiam se converter também ao cristianismo (Gerson, Brasil. A escravidão no império. Rio de Janeiro: Pallas, 1975, p. 1-2). Nas palavras de Joaquim Nabuco: “[...] os portugueses puderam fazer de seus inimigos os seus primeiros cativos. Mas esse cativeiro foi sempre muito temperado; havia uma necessidade a que ele tinha de ceder, a necessidade da permuta dos cativos mouros de Portugal pelos cativos portugueses do Marrocos” (Nabuco, Joaquim. A escravidão. Recife: Fundaj/Editora Massangana, 1988, p. 111). 55. Pretendia-se também que o capturado fosse objeto do benefício do resgate, seja por meio de pagamento ou de troca de prisioneiros, o que os livraria da morte certa (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social: africanos, v. III. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867, p. 2). 56. Ord. Af. L. 2.º tit. 99 e seguintes; Ord. Fil. L. 4.º tit. 11 § 4.º, tit. 83 § 4.º, tit. 85, tit. 88 § 16. – O Alv. do 1.º de junho de 1641, porém, proibiu ter escravos mouros; o que prova que eles existiam e eram tolerados até essa época. 57. Valladão, Haroldo. História do direito especialmente do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977, p. 77. 58. “Código produzido em fins do século XVI, em Portugal, como reforma às Ordenações Manuelinas, ele já teria nascido, em 1603, ultrapassado. [...] as Ordenações são a reunião, em um corpo legislativo, de dispositivos manuelinos subsequentes, sem a reformulação das normas. Algumas, que já haviam caído em desuso, permaneciam no código, no começo do século XVII. Imaginem só esse mesmo código sendo usado em meados do século XIX, numa sociedade completamente diferente!” (Grinberg, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade: as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 87). 59. Silva Junior, Waldomiro Lourenço da. História. Direito e Escravidão: a legislação escravista no Antigo Regime Ibero-Americano. São Paulo: Annablume, 2013, p. 54. 60. Lara Ribeiro apud Silva Junior, Waldomiro Lourençoda. História. Direito e Escravidão: a legislação escravista no Antigo Regime Ibero-Americano. São Paulo: Annablume, 2013, p. 55. “É digno de nota que essa compilação legislativa não se ocupava apenas de escravos negros ou mouros, porém, igualmente, de escravos brancos, situação bastante familiar no Portugal do século XVI, sobretudo nos mosteiros e conventos” (Freitas, Décio. Palmares: a guerra dos escravos. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982, p. 28-29). 61. Silva Junior, Waldomiro Lourenço da. História. Direito e Escravidão: a legislação escravista no Antigo Regime Ibero-Americano. São Paulo: Annablume, 2013, p. 55. 62. Segundo a doutrina de direito civil, os negócios jurídicos são os “[...] atos jurídicos strictu sensu em que é elemento essencial a vontade [...] Quanto ao negócios jurídicos, em todos eles é essencial o elemento volitivo; daí ser sempre exigida capacidade e a ausência de vícios de vontade. Nos suportes fáticos, há, necessariamente e em primeira plana, o elemento volitivo, porém há também outros elementos” (Miranda, Pontes de. Tratado de Direito Privado, v. 2. Campinas: Bookseller, 2000, p. 468-469). Ou seja, são os atos jurídicos nos quais a manifestação de vontade das partes pode delinear os seus principais contornos, como em um contrato de compra e venda, no qual o preço, prazo, objeto, forma de pagamento etc. são definidos pelas próprias partes. 63. Nas palavras de Perdigão Malheiro: “Desde que o homem é reduzido à condição de coisa, sujeito ao poder de um outro, é havido por morto, privado de todos os direitos, e não tem representação alguma, como já havia decido o Direito Romano” (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. 1. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 16). Em sentido contrário, ver Nabuco, Joaquim. A escravidão. Recife, Fundaj/Editora Massangana, 1988. 64. Freitas, Décio. Escravidão de índios e negros no Brasil. Porto Alegre: EST/ICP, 1980, p. 26. 65. Luna, Luís. O Negro na Luta contra a Escravidão. Brasília: Editora Cátedra, 1976, p. 89. 66. “A economia do Império, como antes a da Colônia, baseava-se na exploração do trabalho escravo. [...] Tudo girava em torno do braço escravo, do sustento barato, não exigindo outra conservação além de alguns côvados da fazenda ordinária e parcas rações de carne seca e farinha de mandioca” (Luna, Luís. O Negro na Luta contra a Escravidão. Brasília: Editora Cátedra, 1976, p. 89). 67. Moura, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Ed. USP, 2004, p. 318 e Costa, Emília Viotti da. A Abolição. São Paulo: Global, 2001, p. 25. 68. Valladão, Haroldo. História do direito especialmente do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977, p. 108 e Grinberg, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade: as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 95. 69. A Constituição de 1824, no seu inciso XVIII, do art. 179, estabelecia que o Estado brasileiro deveria criar um código civil e criminal para o país, baseados na justiça e equidade. Entretanto, o Império do Brasil nunca chegou a codificar o seu direito civil, apesar de várias tentativas com base nos anteprojetos de Nabuco de Araújo e Teixeira de Freitas. Esse último chegou a elaborar uma Consolidação das Leis Civis, que serviria de ponto de partida para o futuro código civil, a qual passou a ter força de lei, após aprovação do Imperador, por meio do Aviso de 24 de dezembro de 1858. Por sua vez, o código criminal do império foi promulgado com o advento da Lei de 16 de dezembro de 1830. A Lei de 29 de novembro de 1832 instituiu o Código Criminal do Império (Valladão, Haroldo. História do direito especialmente do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977, p. 128-130). Nosso Código Comercial foi instituído pela Lei nº 556, de 25 de junho de 1850, e, em seguida, passou a vigorar o Regulamento nº 737, de 25 de novembro de 1850, que fixava o processo comercial. A Consolidação da lei processual elaborada por Antônio Joaquim Ribas tornou-se obrigatória pela Resolução de 28 de dezembro de 1876 (Paula, Jônatas Luiz Moreira de. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à escola crítica do processo. Barueri, Manole, p. 239). 70. De 1580 a 1640. Com o “desaparecimento” do impetuoso e jovem El-Rei D. Sebastião – o Desejado (nascido em 20 de janeiro de 1554, no dia do santo que lhe daria nome) –, com 24 anos de idade, na batalha de Alcácer Quibir (“grande fortaleza”), em 4 de agosto de 1578, as coroas ibéricas se uniram (após a Guerra de Sucessão Portuguesa), passando o Rei Filipe II da Espanha a ser também o soberano do império lusitano, inclusive das possessões ultramarinas (Godoy, Marco Honório de. Dom Sebastião no Brasil: fatos da cultura e da comunicação em tempo/espaço. São Paulo: Perspectiva: Fapesp, 2005, p. 24-56). 71. O fenômeno da recepção das leis pode ser assim conceituado: “É certo que o poder constituinte originário dá início à ordem jurídica. Isso, porém, significa que todos os diplomas infraconstitucionais perdem vigor com o advento de uma nova Constituição? Uma resposta positiva inviabilizaria a ordem jurídica. Por isso se entende que aquelas normas anteriores à Constituição, que são com elas compatíveis no seu conteúdo, continuam em vigor. Diz-se que, nesse caso, opera o fenômeno da recepção, que corresponde a uma revalidação das normas que não desafiam, materialmente, a nova Constituição” (Mendes, Gilmar Ferreira e Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 123). Em outras palavras: “[...] Recepção. Ou princípio da continuidade da legislação ordinária, segundo o qual a nova Constituição revoga a ordem constitucional anterior, mas aceita ou “recebe” as normas anteriores que com ela não sejam incompatíveis quanto ao objeto ou conteúdo, ainda que a forma dos atos legislativos anteriores sofra alteração no seu modo de elaboração” (Silva, de Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 1161). Evidentemente, não poderia o nascente Império do Brasil rejeitar toda a legislação portuguesa anterior, a qual regia todos os aspectos da vida dos indivíduos até a data da independência. Seria implantado um caos no país, uma verdadeira “terra sem lei”. Por essa razão, o imperador, por meio da Lei de 20 de outubro de 1823, determinou que a legislação anterior fosse recepcionada. 72. Ribas, Conselheiro Joaquim. Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1982, p. 76. 73. O direito romano era aplicável, mas apenas de forma excepcional, de forma subsidiária, por força de “Lei da Boa Razão” (§ 10º da Lei de 18 de agosto de 1769), sem que pudesse alterar o “espírito” da lei nacional: “Do primeiro período deste § parece deduzir-se que as regras de interpretar as Leis, extraídas dos Textos de Direito Romano, são ineptas para a interpretação das Leis Pátrias. Mas não é isto o que a Lei quis dizer: dos Corpos de Direito Romano podem extrair-se regras gerais da interpretação das Leis, dos contratos, e últimas vontades, tão conformes à boa razão, como as que [Hugo] Grócio, e os mais cultores do Direito Natural têm ensinado nos tempos modernos. [...] foi por isso que a nossa Lei repreendendo este erro, determinou que as Leis Pátrias nunca fossem ampliadas, ou limitadas pelas Leis Romanas; só se estas ampliações, oulimitações necessariamente se deduzissem do espirito das mesmas Leis Pátrias, significado ou pelas próprias palavras delas, ou pela identidade de razão, e força de compreensão” (Telles, José Homem Côrrea. Comentários à Lei da Boa Razão em data de 18 de agosto de 1769. Lisboa: Typographia de Maria da Madre de Deus, 1865, p. 67-68). Nesse sentido: “Visando evitar os abusos decorrentes da praxe, a Lei da Boa Razão determinou que as restrições se deduzissem do espírito das mesmas Leis Pátrias, ou significado pelas próprias palavras delas, ou pela identidade de razão, e força de compreensão [...]” (Pousada, Estevan Lo Ré. Preservação da Tradição Jurídica luso-brasileira: Teixeira de Freitas e a Introdução à Consolidação das Leis Civis. São Paulo, 2006, p. 77). 74. “[...] em quase todas as regiões do Brasil, a escravidão negra era o aspecto mais característico, tanto do panorama rural quanto do urbano. Os portugueses tinham sido os primeiros pioneiros da agricultura em grande escala (fazendas) no Novo Mundo e a escravidão era a pedra-de-toque da economia e da sociedade agrícola. [...] os escravos eram utilizados como empregados domésticos, e negros de ganho – escravos alugados por seus donos – eram encontrados trabalhando, por exemplo, como estivadores e carregadores nos portos, como aguadeiros e mesmo como pedreiros e carpinteiros. A Igreja – mosteiros, conventos e hospitais – possuía escravos. O Estado possuía e alugava escravos para a construção e manutenção de obras públicas” (Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 16-17). 75. Johann Moritz Rugendas, pintor austríaco que, juntamente com outros viajantes estrangeiros no Brasil, ajudou a construir a memória iconográfica do país desse período (Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 162). Uma das pinturas mais famosas do artista é o “Navio negreiro”, no qual pode-se ver os negros aprisionados sob ferros e um deles, ao centro, clamando por misericórdia, para que seus captores fornecessem água (ou esperança?). As pinturas de Rugendas têm o poder de reconstruir esse monstruoso universo no qual populações inteiras eram submetidas ao cativeiro. 76. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social: africanos, v. III. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867, p. 54. O tráfico alimentava a lavoura, que usando essa mão de obra barata, colocava em movimento a “máquina” de produção de riquezas na América lusitana. 77. Luna, Luís. O Negro na Luta contra a Escravidão. Brasília: Editora Cátedra, 1976, p. 65-66. Capítulo 2 A Constituição de 1824 e a Escravidão: uma Constituição nascida de um trauma Uma Constituição ao mesmo tempo que funda o Estado78, busca criar as normas de regência destinadas a regular as relações entre os poderes constituídos em suas diversas relações, seja para com a sociedade que será governada (atribuindo direitos e deveres para os indivíduos)79, seja entre os poderes do Estado, estabelecendo como eles deverão se harmonizar80. A Assembleia Nacional, no caso das Constituições promulgadas, seria o órgão que teria a atribuição, conferida pelo povo, para criar tal diploma legislativo constitucional81. Quando se pretende estudar a Constituição de 1824, a qual foi outorgada82, nos deparamos com uma peculiaridade: esse diploma fundante da Nação brasileira, além de não conseguir romper com o seu passado colonial83 nem revolucionar a sociedade brasileira84, ainda surge de um trauma, um agressivo golpe de estado85 do Imperador contra os representantes populares reunidos na Assembleia Constituinte86. Logo, para se compreender a Constituição imperial é imprescindível vislumbrar o seu conturbado nascimento e os acontecimentos da quarta-feira, 12 de novembro de 1823. 1. A Ascenção da Constituinte de 1823 A Carta Magna de 182487 já nasceu de um trauma histórico: a dissolução, pelo imperador, da Assembleia Constituinte88 de 1823. Entretanto, tudo começou bem diferente. O Imperador almejava a convocação de uma Assembleia Nacional que promulgasse para a nova Nação uma boa Constituição. Por meio do Decreto de 3 de junho de 1922, D. Pedro II convocou a Assembleia Constituinte, que seria eleita na forma das Instruções de 19 de junho de 182289 e que regulamentou o processo eleitoral para a instauração da Assembleia de 182390, cujos aspectos podem ser observados abaixo: 1. O processo eleitoral era indireto para a escolha dos deputados, tendo os votantes das freguesias e paroquias o direito de escolher seus Eleitores, que participariam do escrutínio que elegeria os deputados provinciais. 2. Poderiam votar: “Tem direito a votar nas Eleições Paroquiais todo o Cidadão casado e todo aquele que tiver de 20 anos para cima sendo solteiro, e não for filho-família. Devem, porém, todos os votantes ter pelo menos um ano ele residência na Freguesia onde derem o seu voto”91. 3. Não poderiam votar: “São igualmente excluídos de voto os Religiosos Regulares, os Estrangeiros não naturalizados e os criminosos”92; 4. A Assembleia Constituinte teria 100 membros93, com eleição de deputados inclusive da Província da Cisplatina (2 deputados)94. 5. Não poderiam ser escolhidos como Eleitores, pelos votantes95: [...] quem não tiver (além das qualidades requeridas para votar) domicilio certo na Província, há quatro anos inclusive pelo menos. Além disso deverá ter 25 anos de idade, ser homem probo e honrado, de bom entendimento, sem nenhuma sombra de suspeita e inimizade à Causa do Brasil, e de decente subsistência por emprego, ou indústria, ou bens. O eleito não poderia rejeitar a nomeação.96 6. Durante o exercício do seu mandato como Eleitor, os cidadãos teriam como “suspensos pelo espaço de 30 dias, contados da sua nomeação, todos os processos civis em que eles forem autores ou réus”97. 7. O § 2º do Capítulo IV da Instrução de 19 de junho de 1822, apresentava os requisitos para ser deputado constituinte: Para ser nomeado Deputado cumpre que tenha, além das qualidades exigidas para Eleitor [...], as seguintes: Que seja natural do Brasil ou de outra qualquer parte da Monarquia Portuguesa, contanto que tenha 12 anos de residência no Brasil, e sendo estrangeiro que tenha 12 anos de estabelecimento com família, além dos da sua naturalização; que reúna a maior instrução, reconhecidas virtudes, verdadeiro patriotismo e decidido zelo pela causa do Brasil. 8. Os deputados seriam pagos, regra geral, pelos cofres das Províncias98, mas se estas não pudessem, o Tesouro do Brasil arcaria com tal despesa. O deslocamento dos deputados seria custeado pelas Províncias. A remuneração dos deputados era inacumulável com outros rendimentos públicos, os quais teriam o seu pagamento suspenso99. 9. A simples Ata da Eleição já constituía o deputado com as prerrogativas do cargo, que eram obrigatórias para os escolhidos. As Câmaras Provinciais dariam aos deputados recomendações para a sua atuação, listando os problemas da província que iria representar100. Um deputado poderia ser eleito por mais de uma província, mas teria de optar por aquela onde tem domicílio. As eleições dos representantes para Assembleia Constituinte de 1823, pelo que consta, transcorreram em relativa tranquilidade101. Em 17 de abril de 1823, a AssembleiaConstituinte do Império do Brasil realizou a sua primeira sessão102, com eleição do seu presidente, o bispo do Rio de Janeiro (Dom José Caetano da Silva Coutinho103). No dia 30 de abril de 1823, seu Regimento interno já estava pronto, após o trabalho da comissão criada para este fim (em 18 de abril de 1823)104. A sessão de abertura se deu na noite do dia 3 de maio de 1823105, quando o Imperador apareceria em todo esplendor106. A partir daí começaram a surgir os problemas para a Assembleia. 2. A queda da Assembleia Constituinte Digamos que o Monarca, que tanto almejava uma Constituição digna de si e do Brasil, não estava preparado para atuar como um coadjuvante, nem mesmo como um coprotagonista107. Por essa razão, na disputa entre os atores políticos, se alguém deveria agonizar, tal “personagem” seria a Assembleia Constituinte. O início dos trabalhos foi empolgante108. A Assembleia passou a funcionar como um verdadeiro parlamento109, não restringindo sua atuação apenas à elaboração atuação da Carta constitucional, até porque era uma Assembleia Constituinte e Legislativa110. Ademais, como natural em qualquer órgão legislativo, havia representantes de inúmeras correntes políticas111, que possuíam concepções bem diversas112 acerca do futuro da Nação que estava nascendo113. Nas sessões preparatórias já era evidente, pelo menos nos bastidores, que nem todos os deputados se dobrariam à Augusta Presença de Sua Majestade Imperial114. Houve debates acerca de como seria o juramento e também controvérsias referentes ao cerimonial que envolveria a presença do Imperador na sessão de 30 de abril de 1823. Muitos, também, não aceitaram que o trono do Imperador ficasse acima da cadeira do Presidente da Assembleia115. O discurso de abertura do Imperador, após inúmeros trechos auto elogiosos, trazia uma estranha passagem, que ressoava como ameaça: [...] espero que a Constituição que façais mereça a minha imperial aceitação, seja tão sábia e tão justa quanto apropriada à localidade e civilização do povo brasileiro [...] quererá que seu imperador seja respeitado, não só por pela sua, como pelas demais nações [...].116 Em outras palavras, Sua Majestade admitia a existência de uma Assembleia Constituinte117, mas seus trabalhos estariam condicionados ao seu juízo de valor sobre o resultado da obra jurídica produzida: o imperador julgaria118 se a Constituição elaborada estaria adequada às suas expectativas119. Para um leitor contemporâneo, tal atitude seria ilógica do ponto de vista jurídico, até porque o Poder Constituinte, pela teoria constitucional atual, e somente ele, é o poder fundante do Estado: ilimitado e incondicionado120. Para D. Pedro I, sua Augusta figura de Imperador dos Povos do Brasil era o verdadeiro e próprio poder fundante da Nação do Brasil enquanto entidade política soberana121. Apesar da ameaça que pairava, a Assembleia iniciou seus trabalhos em 5 de maio de 1823, funcionando também como Parlamento: editando Leis e debatendo inúmeros problemas da sociedade brasileira122. Entretanto, não foi possível a coexistência pacífica entre o Imperador e o Parlamento constituinte. Era um choque entre o poder constituído e uma Assembleia que pretendia ser a constituinte de uma Nação123. O choque entre a soberania da Assembleia Constituinte e as vontades do Imperador deteriorou o ambiente político124, o que culminou em atentados físicos à liberdade de imprensa após problemas relacionados à integração de portugueses no Exército nacional125. O deputado e padre José Martiniano de Alencar, na defesa de um projeto de lei anistiando a todos que estivessem sofrendo restrição a sua liberdade por motivos políticos, registrou com clareza o espírito da época: O governo tem tomado medidas violentas e anticonstitucionais; tem-se prendido homens sem culpa formada; tem-se deportado outros, abrindo-se uma devassa não só na Corte, mas pelas províncias, que nada menos é que uma inquisição política; a liberdade de imprensa está quase acabada, se não de direito, ao menos de fato [...].126 Como sabido, o imperador D. Pedro I nunca teve uma boa relação com a imprensa, sobretudo quando essa o hostilizava ou lhe fazia oposição127. Conviver com a liberdade de expressão era um problema para S. Majestade128, como exemplifica o fato de o monarca, por meio de pseudônimos, escrever artigos para os periódicos da época, reagindo ou atacando aqueles que subiam no palco da imprensa brasileira para criticá-lo. Tal conflito129 chegou ao ponto em que se valeu da sua Fala do Trono130 para tentar demonstrar à Nação brasileira ser imprescindível a repressão à liberdade de expressão pela imprensa131, por meios legais, tendo em vista que, em todo o país, abusos eram cometidos, fundamentados no exercício desse direito132. O palco da tragédia estava formado. Após a Noite da Agonia133, enquanto os debates se acirravam na Assembleia134, chegaram notícias que, pela manhã do dia seguinte, o congresso constituinte seria encerrado por um ato de D. Pedro!135 Isso fez com que, no fatídico 12 de novembro de 1823, por volta das dez horas136, o ministro do Reino (Vilela Barbosa), enquanto prestava esclarecimentos perante o plenário da Assembleia, ouvisse deputados exaltados exigindo que o Imperador fosse declarado fora-da-lei137. Esse protesto não foi uma boa ideia138. A notícia chegou aos ouvidos de D. Pedro I e, antes que o ministro retornasse, Sua Majestade já havia decretado e publicado a dissolução da Assembleia139. O que era inevitável ocorreu: por volta das treze horas140, do mesmo dia 12 de novembro de 1823, o prédio foi cercado por forças militares. Peças de artilharia e um esquadrão de cavalaria foram colocadas diante do prédio e outras forças militares, por ordem de D. Pedro I, foram deslocadas para local próximo. Entrando no recinto, um general acompanhado de uma brigada militar141 reiterou a intimação142: a Assembleia Constituinte havia sido dissolvida143. Vários parlamentares foram presos, inclusive o próprio José Bonifácio de Andrada, o patriarca da Independência144. As versões de D. Pedro I acerca do golpe de estado, de 12 de novembro de 1823, foram expostas pelo monarca nos dias 12, 13 e 16 de novembro de 1823, nos dois Decretos145 e na Proclamação por ele publicados, para justificar mais uma de suas intempestivas ações146: 1. Segundo S.M.I., a Assembleia havia perjurado o juramento147 de defender a integridade do império, sua independência e a dinastia do imperador; 2. Acusou o congresso de defender a anarquia; 3. Proclamou que os desatinos dos congressistas, tomados pela sua soberba e ambição, iriam levar o país para um abismo. 4. Alegou que se a Assembleia não fosse dissolvida, a religião seria destruída, bem como o risco de uma guerra civil mancharia de sangue as vestes do Povo; e 5. Justificou as prisões afirmando que não foram medidas despóticas, mas ações para evitar a anarquia e poupar a própria vida dos indivíduos detidos, bem como manter o sossego público. Assegurou que as famílias dos presos serão protegidas pelo governo148. No primeiro Decreto, D. Pedro I resolveu dissolver a Assembleia e convocar outra, para trabalhar sobre um anteprojeto que o Imperador forneceria para tais deputados. Tal promessa cristalizada em tal ato normativo nunca foi cumprida149. Segundo ele, o projeto que ele apresentaria serialiberal em dobro150 e as bases do Império seriam mantidas: a independência do Império, a sua integridade e o sistema constitucional. Em suma, D. Pedro I confessava almejar a glória, não apenas para si, mas para toda Nação, por isso praticou todos aqueles atos151. 3. O nascimento da Constituição de 1824 Pelo Decreto de 12 de novembro de 1823, D. Pedro I dissolveu a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa152, que havia sido convocada por ele próprio153. Segundo o Imperador, tal fato se deu porque esse órgão teria violado o solene juramento de defender a integridade do Império, sua independência e a dinastia de D. Pedro I. Além disso, tal ato extremo, segundo o soberano, deu-se para a salvação da própria Nação, como consta no referido ato que cristalizou suas decisões e respectivos fundamentos para dissolver a Assembleia constituinte154. Pela Proclamação de 13 de novembro de 1823, S. Majestade Imperial comunicou ao povo brasileiro que a Assembleia Constituinte fora dissolvida e, em seguida, pelo Manifesto de 16 de novembro, explicitou as razões de tal ato: o “fel da desconfiança”, que elaborava planos ocultos para semear a discórdia no Brasil, ameaçava o futuro e a própria existência da Nação. Em 17 de novembro do mesmo ano (de 1823), também por meio de Decreto, o Defensor Perpétuo do Brasil mandou proceder à realização de eleições para composição de nova Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, que, como exposto, nunca veio a surgir, nem nunca se reuniu para elaborar a nossa primeira Constituição. Ao contrário, coube ao Conselho de Estado155, sobretudo pelo trabalho de José Joaquim Carneiro de Campos156, preparar um anteprojeto de Constituição, sobre os escombros dos trabalhos da Assembleia Constituinte de 1823157. Esse anteprojeto foi apresentado à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que, ao declarar que o seu texto era “imelhorável”, apresentou sua proposta de juramento, para coincidir com o Dia do Fico 158. O Imperador rejeitou tal sugestão e fixou para 25 de março daquele ano de 1824159 para o juramento da Constituição. Ao povo brasileiro, por meio da Carta de Lei de 25 de março de 1824160, o Imperador do Brasil apresentou o teor da Constituição do Império do Brasil, que deveria ser jurada por ele e pelos representantes das Câmaras (advindas de diversas províncias)161. O Imperador buscou legitimidade para a outorga da sua carta política não em uma Assembleia Constituinte, mas nas Câmaras municipais162, a começar pela Câmara do Rio de Janeiro – o que era de se estranhar, já que tais órgãos não eram formados por representantes do povo, mas do próprio Rei, tendo em vista a sua natureza jurídica oriunda da legislação metropolitana portuguesa: No direito português, o poder das Câmaras, como o das antigas Cortes, não advinha da nação, mas do Rei, pois uma e outras não são representantes dos povos; representam sim pelos povos. A Câmara do Rio, [...], tomava-se pelo Senado romano e decidia pelo Brasil, como havia feito em 1822 o Conselho de Procuradores, que tampouco tivera competência para aclamar d. Pedro fosse Defensor perpétuo, fosse Imperador.163 Portanto, por ato do Defensor Perpétuo do Brasil, foi outorgada a Constituição de 1824. A partir desse momento, tenta-se desvendar o mistério de como a Constituição de 1824 conseguiu conciliar a contradição existente na manutenção da escravidão e a sua natureza liberal164, que inclusive trazia um grande rol de direitos fundamentais. 4. A implícita referência à escravidão na Constituição de 1824 Como explanado, o fenômeno constitucionalista brasileiro não adveio de uma revolução, pois a Independência não significou uma ruptura com o passado colonial. De fato, a independência do Reino do Brasil165 também não significou um rompimento das estruturas sociais e econômicas vigentes no período histórico anterior, mas sua manutenção, conferindo poderes políticos à aristocracia rural brasileira. Pela perspectiva de manutenção do status quo, não haveria possibilidade de a Constituição do Império do Brasil eliminar subitamente o instituto jurídico da escravidão, o qual servia de fundamento para o sistema produtivo brasileiro. Apesar disso, na Assembleia Constituinte de 1823, foi apresentada por José Bonifácio uma representação contra a escravatura: [...] sem a abolição total do infame tráfico da escravatura africana, e sem a emancipação sucessiva dos atuais cativos, nunca o Brasil firmará a sua independência nacional, e segurará e defenderá a sua liberal Constituição; nunca aperfeiçoará as raças existentes, e nunca formará, como imperiosamente o deve, um exército brioso, e uma marinha florescente. Sem liberdade individual não pode haver civilização nem sólida riqueza; não pode haver moralidade, e justiça; e sem estas filhas do céu, não há nem pode haver brio, força, e poder entre as nações.166 A escravidão não estava prevista, expressamente, em nenhum dos dispositivos da Constituição Imperial de 1824. Isso não poderia ser diferente, pois, em virtude de sua inspiração liberal, tal diploma não poderia trair a sua própria finalidade, como preconizado pela teoria constitucionalista, a qual seria o resguardo das liberdades individuais. Dispor sobre a escravidão em uma Constituição liberal seria uma contradição, entretanto, o legislador constituinte encontrou uma saída: implicitamente, fez referência aos cidadãos brasileiros libertos, isto é, aqueles que emergiram da capitis diminutio maxima167, passando a gozar de seu status libertatis168, mas sem alcançar o mesmo status civitatis dos cidadãos brasileiros ingênuos. Tal conclusão pode ser ratificada pela leitura da Constituição de 1824, em seu art. 6º, § 1º, a qual classificava os cidadãos brasileiros em duas categorias, os ingênuos e os libertos: Art. 6. São Cidadãos Brasileiros: I. Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação. Para perfeitamente definir esses termos jurídicos contidos na Constituição imperial, é importantíssima a leitura das lições do Conselheiro Joaquim Ribas: Em relação ao direito de liberdade, dividem-se os homens em – livres e escravos, e aqueles se subdividem em – ingênuos e libertos. Chama-se ingênuo o que nasce livre; liberto o que tendo nascido escravo, veio a conseguir a liberdade.169 Pode-se concluir que, se a própria Constituição imperial atribuía a condição de cidadãos apenas àqueles indivíduos que se apresentavam como ingênuos ou libertos, era porque esse diploma admitia, ao menos tacitamente, a possibilidade de que no território do Império170, outros indivíduos não pudessem ser cidadãos por não possuírem este status libertatis, ou seja, porque eram escravos 171. A Constituição imperial não declarou explicitamente a existência da escravidão no território nacional, mas poderia se inferir que ela fazia parte da estrutura jurídica brasileira172. 5. O escravo e a cidadania brasileira O escravo não integrava a comunidade política do Brasil. A Constituição de 1824, no seu art. 1º, proclamava que o Império do Brasil era o resultado da associação política dos seus cidadãos, os quais, por essa comunhão política, criavam uma Nação livre: O IMPÉRIO do Brasil é a associação Política de todos os Cidadãos Brasileiros. Eles formam uma Nação livre, e independente, que não admitecom qualquer outro laço algum de união, ou federação, que se oponha à sua Independência. Entretanto, como ensina Malheiro173, a principal força motriz da economia, milhões de escravos usados na geração das riquezas do Império, não integrava tal comunidade política: “O nosso Pacto Fundamental, nem lei alguma contempla o escravo no número dos cidadãos, ainda quando nascido no Império, para qualquer efeito em relação à vida social, política ou pública”. Tal contradição do regime jurídico dos escravos é levada ao limite pelos brilhantes argumentos expostos por Joaquim Nabuco com base na lógica jurídica: Era preciso que a Constituição não tivesse uma só palavra que sancionasse a escravidão. Qualquer expressão que o fizesse incluiria naquele código de liberdade a seguinte restrição: Além de cidadãos a quem são garantidos esses direitos, e dos estrangeiros a quem serão tornados extensivos, há no país uma classe sem direito algum: a dos escravos.174 Evidente que o escravo não poderia ser considerado “Cidadão brasileiro”, pois, se assim o fosse, não poderia, no solo do Império, ser reduzido à condição de cativo, sob pena de violação do art. 179, caput, da Constituição de 1824175, bem como do disposto no Código Criminal do Império de 1830, no seu art. 179, que estabelecia o seguinte crime: “Art. 179. Reduzir à escravidão a pessoa livre, que se achar em posse da sua liberdade”. Ou seja, a Constituição do Império excluía os escravos do rol daqueles cujos direitos naturais estavam assegurados176. Na prática, o Império estava reduzindo estrangeiros à condição análoga a de escravos, o que seria uma outra contradição, uma vez que as leis da Nação brasileira não poderiam produzir efeitos extraterritoriais para suprimir a liberdade de estrangeiros. Eis o que defendia Joaquim Nabuco177: A lei brasileira não tem moralmente poder para autorizar a escravidão de africanos, que não são súditos do Império. Se o pode fazer com africanos, pode fazê-lo com ingleses, franceses, alemães. Se não o faz com estes, mas somente com aqueles, é porque eles não gozam de proteção de nenhum Estado. Mas, quanto à competência que tem o Brasil para suprimir a liberdade pessoal de pessoas existentes dentro do seu território, essa nunca poderia ir além dos seus próprios nacionais. Daí surgem algumas questões: se o escravo não era um Cidadão do Império, seria ele um estrangeiro ou um apátrida? Qual o regime jurídico legal aplicado a eles? Qual o fundamento jurídico para que o Império do Brasil tolerasse que tais indivíduos fossem reduzidos à condição de cativo? Em síntese, não existia nenhuma lógica jurídica que pudesse criar um alicerce para a manutenção da escravidão. Nas palavras de Nabuco, ao responder tais questões, o Império tolerava uma manifesta ilegalidade: Se os escravos fossem cidadãos brasileiros, a lei particular do Brasil poderia talvez, e em tese, aplicar-se a eles; de fato não poderia, porque, pela Constituição, os cidadãos brasileiros não podem ser reduzidos à condição de escravos. Mas os escravos não são cidadãos brasileiros, desde que a Constituição só proclama tais os ingênuos e os libertos. Não sendo cidadãos brasileiros eles ou são estrangeiros ou não têm pátria, e a lei do Brasil não pode autorizar a escravidão de uns nem de outros, que não estão sujeitos a ela pelo direito internacional no que respeita à liberdade pessoal. A ilegalidade da escravidão é assim insanável, quer se a considere no texto e nas disposições da lei, quer nas forças e na competência da mesma lei.178 (grifos nossos) Tal regime jurídico do cativo era tão contraditório que o Conselho de Estado do Império teve de se manifestar acerca da situação jurídica dos escravos da Nação que pegaram em armas para lutar contra o Paraguai179. Ora, se o escravo não era Cidadão180, ele não poderia pegar em armas para defender uma Nação da qual ele não era membro: “Tal é a extensão dessa incapacidade [dos escravos], que, entre nós, nem são os escravos admitidos a servir com praça no exército e marinha”181. Nos termos da Circular n.º 595, de 27 de dezembro de 1860, e de inúmeras outras decisões posteriores, os escravos recrutados ou apresentados voluntariamente, quer para o exército, quer para a marinha, deveriam ser restituídos aos seus senhores182. Entretanto, um dos requisitos para defender o território da Pátria, integrando as forças armadas, era poder fazer parte da comunidade jurídica da Nação brasileira, razão pela qual o soldado deveria ser necessariamente um Cidadão, como previsto na Constituição de 1824: “Art. 145. Todos os Brasileiros são obrigados a pegar em armas, para sustentar a Independência, e integridade do Império, e defende-lo dos seus inimigos externos, ou internos”183. Surge um outro problema: com a utilização dos escravos para lutar na Guerra do Paraguai184, deveriam eles retornar à condição servil, cessado o conflito185? O Conselho de Estado do Império conferiu uma interpretação bem diversa para os escravos que lutaram pela Nação brasileira contra o inimigo paraguaio (liderados pelo presidente Solano Lopez), aplicando o Decreto de 6 de novembro de 1866186: Este meio seria odioso se os escravos fossem tais depois de soldados, se eles continuassem escravos como os oito mil escravos que Roma depois da batalha de Canas comprou e armou. Mas não é assim, os escravos comprados são libertos e por consequência cidadãos antes de serem soldados; são cidadãos-soldados. É a Constituição do Império que faz o liberto cidadão, e se não há desonra em que ele concorde com o seu voto para constituir os poderes políticos, porque haverá em ser ele soldado, em defender a pátria que o libertou e à qual ele pertence? Assim ao mesmo tempo e pelo mesmo ato se faz um grande serviço à emancipação, que é a causa da humanidade e outro grande serviço à guerra, que é a causa nacional [...]187 Se empregamos os escravos na causa da nossa Independência, por que não os empregaremos nesta guerra188? Portanto, para o Conselho de Estado, o exercício de um dos deveres básicos relacionados à Cidadania, que é o de defender a sua Pátria, servindo em forças militares, durante as guerras, geraria para o escravo o direito à alforria. 6. A liberdade e o direito à alforria O direito à propriedade era um dos Direitos Individuais189 previsto na Carta de 1824, inciso XXII, do seu art. 179. Nas palavras de Bueno, o Barão de São Vicente, um dos grandes doutrinadores do Império, mui estimado por D. Pedro II: Os direitos individuais, que se podem também denominar naturais, primitivos, absolutos, primordiais ou pessoais do homem, são, como já indicamos, as faculdades, as prerrogativas e morais que a natureza conferiu ao homem como ser inteligente; são atributos essenciais de sua individualidade, são propriedades suas inerentes à sua personalidade, são partes integrantes da entidade humana.190 A essência de tal direito era assim compreendida: O direito de propriedade é a faculdade ampla e exclusiva que cada homem tem de usar, gozar e dispor livremente do que licitamente adquiriu, do que é seu, sem outros limites que não sejam os da moral ou direitos alheios; é o jus utendi, et abutendi re sua; é também o direito de defendê-la e reivindicá-la.191 Portanto: A plenitude da garantia da propriedade não só justa, como reclamada pelas noções econômicas, e pela razão política dos povoslivres; na colisão antes o mal de alguma imprudência do proprietário do que a violação do seu livre domínio. [...] Pelo que toca a ordem política a propriedade é uma das bases fundamentais da sociedade; esse princípio, fecundo em suas consequências, é quem modera os impostos, economiza as rendas públicas, não tolera senão o governo representativo e não prescinde da intervenção do povo na administração central.192 Bueno tece uma belíssima descrição do Direito à Liberdade, previsto no art. 179, § 1º da Constituição de 1824, em sua obra de Comentários à Constituição de 1824. Observe-se que o direito à liberdade estava atrelado à própria concepção da propriedade, pois o Cidadão do Império detinha uma “propriedade pessoal” do seu estado de homem livre: A liberdade é o próprio homem, porque é a sua vida moral, é a sua propriedade pessoal e a mais preciosa, o domínio de si próprio, a base de todo os eu desenvolvimento e perfeição, a condição essencial do gozo de sua inteligência e vontade, o meio de perfazer seus destinos. É o primeiro dos direitos, e salvaguarda de todos os outros direitos que constituem o ser, a igualdade, a propriedade, a segurança e a dignidade humana.193 Segundo o autor, somente a Lei poderia restringir a liberdade: “[...] e não o arbítrio ou a vontade de alguém, que deve ser impotente desde que o princípio do governo não é o da escravidão, sim o dos direitos do homem”194. Essa passagem, publicada originalmente em 1857, explica tecnicamente os princípios da Constituição de 1824, mas não é suficientemente válida para compreender a realidade brasileira no século XIX. Na verdade, esse grande estudo do Direito Constitucional nacional simplesmente omitia que a escravidão era a relação jurídica fundamental da nossa estrutura produtiva195. Constituía-se, então, em um infame liame jurídico que contaminava a própria sociedade, invertendo a primazia dos valores jurídicos existentes, afinal, a obtenção da liberdade pelos escravos196 somente poderia surgir com o respeito à propriedade dos senhores: A nossa Constituição art. 179, § 22 garante a propriedade em toda a sua plenitude, salvos os casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública definidos nas Leis; ora nenhuma lei, dizem, tem ampliado ou aplicado a bem da liberdade semelhante desapropriação, a título de humanidade e utilidade social.197 Em uma ponderação de valores constitucionais, portanto, deve-se concluir que, no que se refere aos escravos, a supremacia do direito à propriedade é evidente. Para muitos dos intérpretes da Constituição de 1824, não seria possível admitir uma abolição da escravidão, por meio de lei, sem que fosse assegurada a justa indenização, pois, do contrário, tal legislação estaria a violar o sagrado direito à propriedade previsto no § 22, do art. 179, da Carta constitucional. Apesar da supremacia do direito de propriedade sobre a liberdade, Malheiro198 entendia que não haveria inconstitucionalidade em uma lei que viesse a emancipar todos os escravos: E, generalizando, perguntaremos — se uma lei declarasse livres os escravos, ou as escravas, ou um certo grupo, abolisse enfim a escravidão, mediante indenização ou mesmo sem ela segundo os casos e circunstâncias, como dispunham os Judeus, e o fizeram nos tempos modernos as Nações da Europa sobretudo Portugal, a França, Inglaterra, Holanda, e outros países do mundo, e ainda ultimamente os Estados Unidos da Norte América, estaria porventura fora da órbita das atribuições constitucionais do Poder Legislativo? Certamente que não; se a escravidão deve sua existência e conservação exclusivamente à lei positiva, é evidente que ela a pode extinguir. Entende o autor que nem mesmo o direito à indenização seria absoluto se uma lei geral de natureza emancipatória fosse promulgada, em face da anormalidade que era a existência da própria escravidão: A obrigação de indenizar não é de rigor, segundo o Direito absoluto ou Natural; e apenas de equidade como conseqüência da própria lei positiva, que aquiesceu ao fato e lhe deu vigor como se fora uma verdadeira e legítima propriedade; essa propriedade fictícia é antes uma tolerância da lei por motivos especiais e de ordem pública, do que reconhecimento de um direito que tenha base e fundamento nas leis eternas, das quais a escravidão é, ao contrário, uma revoltante, odiosa, e violentíssima infração, como as próprias leis positivas hão reconhecido.199 Ou seja, segundo os argumentos de Malheiro, a escravidão buscava seus alicerces no ordenamento e apenas nele, razão pela qual poderia existir uma lei emancipatória geral e explícita, que estabelecesse uma abolição sem indenização: Essa manutenção está, pois, subordinada à cláusula implícita e subentendida na lei positiva — enquanto o contrário não for ordenado —; é um direito resolúvel, logo que esta cláusula se verifique, isto é, logo que o legislador o declare extinto.200 Somente após a Guerra do Paraguai, no Brasil, quando há muito fora extinto o tráfico de escravos201, surgiu a primeira transformação desse cenário com a Lei do Ventre Livre202, a qual buscava respeitar o direito à “justa indenização” pela perda do patrimônio escravo203. Não é possível se falar da escravidão sem que se faça uma análise do tráfico de escravo, uma das razões de ser da sua própria manutenção no território do Império do Brasil. Notas 78. “Assim fundou-se o Império do Brasil, ou por uma frase, a nação brasileira, que é a associação de todos os brasileiros; que é a sociedade civil e política de um povo americano livre e independente” (Bueno, José Antônio Pimenta. Marquês de São Vicente. Organização e introdução de Eduardo Kugelmas. São Paulo: Ed. 34, 2002, p. 78). 79. “Para que um governo mereça o nome de constitucional não basta que ele seja instituído pelo consentimento nacional; é de mister além disso que a natureza e extensão dos poderes políticos e suas atribuições sejam expressamente fixadas e limitadas por disposições que estabeleçam o fundamento, a norma invariável, a regra fixa e suprema, assim do governo, como dos direitos e obrigações dos cidadãos” (Bueno, José Antônio Pimenta. Marquês de São Vicente. Organização e introdução de Eduardo Kugelmas. São Paulo: Ed. 34, 2002, p. 88). 80. “A divisão e harmonia dos poderes políticos é o princípio conservador dos direitos dos cidadãos, é o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferece” (Bueno, José Antônio Pimenta. Marquês de São Vicente. Organização e introdução de Eduardo Kugelmas. São Paulo: Ed. 34, 2002, p. 91). 81. “[...] Aquelas resultam da vontade popular, expressa por uma Assembleia Constituinte, eleita para elaboração da Constituição, no exercício do poder constituinte” (Carvalho, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 250). 82. “Já as constituições outorgadas são aquelas que o governo concede uma constituição ao povo como uma pura dádiva, limitando o seu poder em benefício da liberdade, como ocorreu com a constituição imperial brasileira de 25 de março de 1824” (Ferreira, Luís Pinto. Teoria Geral do Estado, v. 1. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 403). 83. “A constituição é assim a miniatura das condições econômicas e culturais de um povo.[...] Todas as constituições são assim compromissos e refrações das tendências existentes na sociedade, cada uma delas com sua concepção de mundo e interessescontraditórios se digladiando na arena política” (Ferreira, Luís Pinto. Teoria Geral do Estado, v. 1. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 396). 84. “[A dissolução da Assembleia Constituinte de 1823] assenta na contradição com que se fez a Independência: sem a ruptura revolucionária que em outras colônias da América assinalou tal processo [...]” (Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 54). 85. “O golpe de Estado de 12 de novembro de 1823 resultou na dissolução da primeira Constituinte” (Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 54). 86. “[...] Teria faltado por vezes maior prudência e tato a alguns deputados, mas o certo é que o imperador deixou testemunhada a contradição entre as suas ideias e o seu temperamento. Esse liberal sincero não dominava um fundo de irredutível autoritarismo. Todas ou quase todas as crises do Primeiro Reinado estariam vinculadas àquela contradição” (Sousa, Octavio Tarquinio de. História dos Fundadores do Império do Brasil: três golpes de Estado, v. VIII. Rio de Janeiro: Livraria Jose Olympio, 1957, p. 93). 87. Expressão que pode ser compreendida como sinônimo de Constituição, referência ao primeiro dos textos que forma a Constituição costumeira dos ingleses, a Magna Charta, de 1215 (redigida em latim), a qual impôs uma limitação aos poderes do rei João Sem Terra: “[...] o Rei teve de resignar-se a firmar um documento em que se comprometia a respeitar os privilégios ou liberdades dos três estados do reino. A liberdade da Igreja, as prerrogativas municipais, a moderação da tributação dos mercadores, o direito que cada um tem a não ser condenado senão após julgamento pelos seus pares ou segundo o Direito do seus país, o direito de todo homem a que lhe seja feita justiça [...]” (Caetano, Marcelo. Direito Constitucional, v. I. Prefácio do Ministro Aliomar Baleeiro. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 68). Tal diploma jurídico foi confirmado posteriormente pelos sucessores do rei. Para mais detalhes acerca da Magna Charta ver Saldanha, Nelson N. A Cidadania na Inglaterra. Brasília: Fundação Projeto Rondon, 1988, p. 19-25. 88. São as assembleias legislativas que “se reúnem para elaborar a lei orgânica do país [a Constituição], adotando a forma de governo escolhida pelo povo [...]” (Silva, de Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 148). 89. Caetano, Marcelo. Direito Constitucional, v. I. Prefácio do Ministro Aliomar Baleeiro. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1977, p. 492. 90. “Instruções, a que se refere o Real Decreto de 3 de junho do corrente ano que manda convocar uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa para o Reino do Brasil”. 91. § 7º do capítulo I, da Instrução de 19 de junho de 1822. 92. §§ 8º e 9º do Capítulo I da Instrução de 19 de junho de 1822. 93. A fixação do número de representantes por Província (apesar de as autoridades não conhecerem a população de dada uma delas), também estava prevista nesse diploma. 94. § 1º do capítulo IV da Instrução de 19 de junho de 1822. 95. § 6º do capítulo II, da Instrução de 19 de junho de 1822. 96. § 7º do capítulo II, da Instrução de 19 de junho de 1822. 97. § 8º do capítulo III da Instrução de 19 de junho de 1822. Tais eleitores deveriam se dirigir aos locais onde deveriam escolher os deputados. 98. 6.000 cruzados por ano. 99. “Ficarão suspensos todos e quaisquer outros vencimentos, que tiverem os Deputados, percebidos pelo Tesouro Público, provenientes de empregos, pensões, etc.” (§§ 4º, 5º e 6º do Capítulo IV da Instrução de 19 de junho de 1822). 100. §§ 8º, 9º e 10º do Capítulo IV da Instrução de 19 de junho de 1822. 101. Com exceção de Olinda e de Cuiabá, onde surgiram contestações do resultado da eleição, que foram solucionadas pela própria Assembleia Constituinte em 18 de abril, na sua segunda sessão preparatória, os eleitos foram reconhecidos. 102. Caetano, Marcelo. Direito Constitucional, v. I. Prefácio do Ministro Aliomar Baleeiro. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 494. 103. Português, nascido em Caldas da Rainha em 1768, casou D. Pedro I. Foi sagrado Bispo do rio de Janeiro pelo Papa em 15 de março de 1807. Homem culto e apaixonado pela Matemática e de absoluta confiança do Imperador D. Pedro I. Disponível em: <https://goo.gl/T4SM8h>. Acesso em: 6 jun. 2015. 104. Deiró, Pedro Eunápio da Silva. Fragmentos de Estudos da História da Assembleia Constituinte do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2006, p. 61-65. 105. Caetano, Marcelo. Direito Constitucional, v. I. Prefácio do Ministro Aliomar Baleeiro. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 494. 106. Segundo a expressão utilizada pelos parlamentares da época. 107. Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 55-58. 108. Houve tentativas de apresentar propostas que viessem a abolir a escravidão, inclusive uma que seria apresentada por José Bonifácio, a Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura: “É tempo pois que esses senhores bárbaros, que por desgraça nossa ainda pululam no Brasil, ouçam os brados da consciência e da humanidade, ou pelo menos o seu próprio interesse, senão, mais cedo do que pensam, serão punidos, serão punidos das suas injustiças, e da sua incorrigível barbaridade. Eu vou, finalmente, senhores, apresentar-vos os artigos que podem ser objeto de nova lei que requeiro: discuti-os, emendai-os, ampliai-os segundo a vossa sabedoria e justiça” (Caldeira, Jorge (org.). José Bonifácio de Andrada e Silva. São Paulo: Ed. 34, 2002). Entretanto, com o desfecho da Assembleia, sequer houve debates sobre o tema (Chalhoub, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 40-41). Para pronunciamentos sobre os males da escravidão, ver Deiró, Pedro Eunápio da Silva. Fragmentos de Estudos da História da Assembleia Constituinte do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2006, p. 295-296. 109. “Outro aspecto por onde se manifestava a vulnerabilidade do corpo constituinte era o atraso da cultura política da sociedade nascente, o estado embrionário da cidadania, a precariedade da consciência cívica, as incertezas e os equívocos que rodeavam o processo de emancipação: mais à semelhança de um pacto de que uma ruptura com a metrópole, alimentando-se, até mesmo depois de proclamada formalmente a independência, o sonho de uma união, a ser conservada por via consensual e, enfim, as condições sociais extremamente adversas oriundas dos vícios e taras da sujeição colonial de trezentos anos” (Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 46). No mesmo sentido Porto, Costa. O marquês de Olinda e o seu tempo. Recife: UFPE/Editora Universitária, 1976, p. 66-67. A Assembleia funcionou no prédio da Cadeia Velha, no Rio de Janeiro, preparado para servir de Casa do Parlamento. Sua decoração era simples, com galerias e tribunas. Tal edificação demolida no ano de 1922 para ceder lugar à construção de uma nova sede para a Câmara dos Deputados: o Palácio Tiradentes, na rua D. Manuel, no centro da capital carioca (Deiró, Pedro Eunápio da Silva. Fragmentos de Estudos da História da Assembleia Constituinte do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2006, p. 61-65). 110. “A Constituinte brasileiranascera com um vício congênito. O decreto de convocação denominava-a também legislativa: ela entendeu, desde logo, que não só devia ocupar de fazer a constituição, mas igualmente de fazer leis ordinárias. Estas tiveram preferência e encheram o tempo das sessões celebradas antes da apresentação do projeto principal, para o qual não se tinha previamente preparado bases [...]” (Monteiro, Tobias apud Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 45). 111. O que não foi bem aceito pelo monarca, que fora educado para ser El-Rei absoluto de Portugal e de seu império marítimo. 112. Caetano, Marcelo. Direito Constitucional, v. I. Prefácio do Ministro Aliomar Baleeiro. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1977, p. 495. 113. Na Constituinte de 1823 já havia debates acerca da exclusão de indivíduos da condição de eleitores de acordo com o seu status social, negando o direito ao voto a jornaleiros, caixeiros de casas comerciais, enfim, todos com renda líquida inferior a 150 alqueires de farinha de mandioca. Evidente que os escravos sequer eram considerados como cidadãos, não tendo, portanto, direito ao sufrágio (Moura, Clóvis. Rebeliões da Senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. Rio de Janeiro: Conquista, 1972, p. 58-59). 114. Sousa. Octavio Tarquinio de. A Vida de D. Pedro I, v. II. Porto Alegre: Livraria Jose Olympio, 1954, p. 506. 115. Art. 19 do seu Regimento Interno: “No topo da sala das sessões estará o trono imperial, e no primeiro degrau à direita estará a cadeira do presidente da assembleia quando o imperador vier assistir”. Tal dispositivo gerou muita controvérsia por suscitar uma situação simbólica de possível subordinação do Parlamento ao monarca. 116. Sousa, Octavio Tarquinio de. A Vida de D. Pedro I, v. II. Porto Alegre: Livraria Jose Olympio, 1954, p. 512. Tal frase, também foi objeto de juramento em 1º de dezembro de 1822: “Juro defender a Constituição que está para ser feita, se for digna do Brasil e de mim”. Em suma: “[D. Pedro I] não se conformaria com qualquer restrição ao “que realmente lhe pertencia” (Sousa, Octavio Tarquinio de. A Vida de D. Pedro I, v. II. Porto Alegre: Livraria Jose Olympio, 1954, p. 515). 117. Já que a convocação da Assembleia derivou não de uma pressão popular, mas de um ato de vontade seu, algo que desejava desde quando ainda era príncipe Regente do Reino do Brasil (Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 55). 118. Um dos parlamentares, o padre Dias, por Minas Gerais, assim se manifestou: “[...] que o julgar a Constituição que se fizer, digna do Brasil só compete a nós como representantes do povo. Demais, se nós confiamos tudo dele, porque não confia ele também tudo de nós? [...]” (Deiró, Pedro Eunápio da Silva. Fragmentos de Estudos da História da Assembleia Constituinte do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2006, p. 116). 119. Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 48-49. 120. Deiró, Pedro Eunápio da Silva. Fragmentos de Estudos da História da Assembleia Constituinte do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2006, p. 357-361 e Mendes, Gilmar Ferreira; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 118. 121. Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 49-51. Evidente que tal Fala do Trono gerou sérios debates na Assembleia, com a turma do “deixa disso” tentando colocar panos quentes na ferida provocada pelo Imperador. 122. “Ainda em 1823, nas sessões de 27 e de 30 de setembro, os deputados constituintes discutiram o § 6º do art. 5º do projeto de Constituição, que declarava brasileiros ‘os escravos que obtiverem carta de alforria’ [...] Vários deputados propuseram emendas para restringir a cidadania a libertos nascidos no Brasil, ou exigir dos africanos o cumprimento de condições como casamento com mulher brasileira e dar prova de ocupação respeitável [...] Na votação, venceu a proposta contida no projeto elaborado pela comissão de constituição [...] a maioria dos deputados favoreceu considerar cidadãos brasileiros ‘os libertos que adquiriram sua liberdade por qualquer título legítimo’, incluindo portanto os africanos. [...] na carta outorgada em 1824, só foram considerados merecedores da cidadania brasileira os libertos nascidos no Brasil, que ficaram, no entanto, excluídos da cidadania política” (Mamigonian, Beatriz G. Africanos livre: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 53-57). 123. “D. Pedro não era um imbecil; viu que a Assembleia não só o contrariava, como lhe criava perigos. Estava compenetrado da urgência de desembaraçar-se de semelhante trambolho. De que, em verdade, lhe servia a Assembleia? Ela não fez a Independência, nem proclamou o Império; achou a obra feita” (Deiró, Pedro Eunápio da Silva. Fragmentos de Estudos da História da Assembleia Constituinte do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2006, p. 260). 124. “No fundo o problema findaria este: a quem iria caber o poder supremo, – à Assembleia ou ao Imperador?” (Porto, Costa. O marquês de Olinda e o seu tempo. Recife: UFPE/Editora Universitária, 1976, p. 65). 125. A crise da reincorporação no exército brasileiro de portugueses que lutaram contra a independência, pois o Brasil ainda continuava em guerra contra Portugal naquele momento (Portaria de 2 de agosto do governo provisório da Bahia), azedou a situação, apesar de algumas manifestações esporádicas de boa vontade do Imperador e de ministros. Entretanto, em 6 de novembro de 1823, o atentado contra o brasileiro David Pamplona Corte Real (que nenhuma relação havia com a edição do jornal Sentinela da Liberdade, do autor anônimo “Brasileiro Resoluto”), perpetrado por militares, e cuja defesa foi tomada pelo Parlamento, deflagrou uma crise política, militar e ministerial, baseada em questionamentos acerca da liberdade de imprensa, cujas proporções resultaram no golpe de 12 de novembro de 1823 (Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 54-68; e Deiró, Pedro Eunápio da Silva. Fragmentos de Estudos da História da Assembleia Constituinte do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2006, p. 321-327). Tais crises precipitaram a queda do Gabinete Andrada e de José Bonifácio, em 16 de julho de 1823 (Lustosa, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 165-166). 126. Sousa, Octavio Tarquinio de. A Vida de D. Pedro I, v. II. Porto Alegre: Livraria Jose Olympio, 1954, p. 519. 127. D. Pedro chegaria até a escrever, sob pseudônimos, agredindo ensaístas de jornais que lhe criticavam, bem como adversários políticos (Lustosa, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 125). 128. Lustosa, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 147-149 e 163-164. 129. Anos depois, já em 1830. 130. As Falas do Trono seriam: “Os discursos da Coroa, onde veem inseridos todos os esclarecimentos mais notáveis sobre o estado do país e onde se sugerem as providencias reclamadas pelo bem público, os respectivos Votos de Graças, que quase sempre revelam o acordo entre a maioria da Gamara e a direção política do ministério [...]” (Brasil. Falas do Trono: do ano de 1823 até o ano de 1889. Org. Barão de Javari. Rio de Janeiro:Imprensa Nacional, 1889, p. V). 131. “Vigilante, e empenhado em manter a boa ordem é do meu mais rigoroso dever lembrar-vos a necessidade de reprimir por meios legais o abuso, que continua a fazer-se, da liberdade da imprensa em todo o Império. Semelhante abuso ameaça grandes males; à assembleia cumpre evitá-los” (Brasil. Falas do Trono: do ano de 1823 até o ano de 1889. Org. Barão de Javari. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889, p. 177). 132. Vianna, Hélio. História do Brasil, v. II. Melhoramentos, 1967, p. 100. Ademais, deve-se registrar o atentado à integridade física perpetrado contra o editor do periódico Malagueta, em 6 de junho de 1823, cujo mandante possivelmente foi o próprio D. Pedro I. 133. Como passou a ser conhecida a noite e a madrugada que antecederam ao fatídico dia 12 de novembro de 1823, no qual, por um golpe de estado, D. Pedro I simplesmente dissolveu o órgão que iria elaborar a Carta Constitucional do Brasil: “Sem abandonar o edifício da Assembleia, em sessão permanente, preparavam-se para o pior. A noite de 11 para 12, com as inquietações, sustos, debates íntimos, sofrimentos e fadigas de tantos homens diversos pela idade, índole e reações pessoais, ficaria conhecida como ‘noite da agonia’” (Sousa, Octávio Tarquínio de. A vida de D. Pedro I. Rio de Janeiro: Livraria J. Olympio, 1972, t. II, p. 571). 134. Sousa, Octavio Tarquinio de. A Vida de D. Pedro I, v. II. Porto Alegre: Livraria Jose Olympio, 1954, p. 571 e Sousa, Octavio Tarquínio de. História dos Fundadores do Império do Brasil: três golpes de Estado, v. VIII. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1957, p. 88-89. 135. “À Assembleia chegavam notícias do que se passava fora, mas com a deformação e o aumento característicos de tais ocasiões. A dissolução já estava resolvida e os deputados seriam dispersados pela tropa, seriam presos” (Sousa, Octavio Tarquinio de. A Vida de D. Pedro I, v. II. Porto Alegre: Livraria Jose Olympio, 1954, p. 571). 136. Foi expedido, por volta das cinco horas da manhã desse fatídico dia 12 de novembro, pela Assembleia, após muitas confusões, um ofício para que o Ministro do Império, uma espécie de Chefe da Casa Civil, comparecesse às 10 horas para prestar esclarecimentos (Sousa, Octavio Tarquínio de. História dos Fundadores do Império do Brasil: três golpes de Estado, v. VIII. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1957, p. 90). 137. Sousa, Octávio Tarquínio de. A vida de D. Pedro I. Rio de Janeiro: Livraria J. Olympio, 1972, t. II, p. 572 e Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 82. 138. Sousa, Octavio Tarquínio de. História dos Fundadores do Império do Brasil: três golpes de Estado, v. VIII. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1957, p. 91-92. 139. Lustosa, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 169. 140. Sousa, Octavio Tarquínio de. História dos Fundadores do Império do Brasil: três golpes de Estado, v. VIII. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1957, p. 93. 141. Porto, Costa. O marquês de Olinda e o seu tempo. Recife: UFPE/Editora Universitária, 1976, p. 68. 142. Sousa, Octavio Tarquinio de. História dos Fundadores do Império do Brasil: três golpes de Estado, v. VIII. Rio de Janeiro: Livraria Jose Olympio, 1957, p. 92. 143. Sousa, Octavio Tarquinio de. A Vida de D. Pedro I, v. II. Porto Alegre: Livraria Jose Olympio, 1954, p. 574. 144. Sousa. Octavio Tarquinio de. A Vida de D. Pedro I, v. II. Porto Alegre: Livraria Jose Olympio, 1954, p. 578. 145. O segundo decreto, no dia seguinte ao golpe de Estado é um verdadeiro esclarecimento do primeiro instrumento: “Tendo chegado ao meu conhecimento que, por desvio do genuíno sentido das expressões com que se qualificara de perjura a Assembleia Legislativa do Brasil no decreto da data de ontem [...]”. Ver Caetano, Marcelo. Direito Constitucional, v. I. Prefácio do Ministro Aliomar Baleeiro. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 497. 146. Uma característica da personalidade do soberano, que marcou toda a sua vida (Sousa, Octavio Tarquinio de. A Vida de D. Pedro I, v. II. Porto Alegre: Livraria Jose Olympio, 1954, p. 550). 147. Eis o juramento prestado pelos congressistas: “Juro cumprir fiel e lealmente as obrigações de deputado na Assembleia Geral Constituinte e Legislativa brasiliense, convocada para fazer a Constituição política do império do Brasil, e as reformas indispensáveis e urgentes, mantida a religião católica, apostólica, romana, e a integridade e independência do império, sem admitir com outra alguma nação qualquer outro laço de união ou federação, que se oponha a dita integridade e independência, mantido outrossim o império constitucional, e a dinastia do senhor d. Pedro , nosso primeiro imperador, e sua descendência” (Caneca, Frei Joaquim do Amor Divino. Thyphis Pernambucano, de 25 de dezembro de 1823. São Paulo: Ed. 34, 2001, p. 308). Para estudo dos debates acerca da fórmula sobre o juramento prestado pelos parlamentares, consultar: <https://goo.gl/mkFeB4>. Acesso em: 23 dez. 2017. 148. Tais supostas justificativas apresentadas pelo Imperador são objeto de crítica por Frei Caneca, na edição de 25 de dezembro de 1823, do periódico Typhis Pernambucano, que tenta demonstrar as falsidades alegadas (Caneca, Frei Joaquim do Amor Divino. Thyphis Pernambucano, de 25 de dezembro de 1823. São Paulo: Ed. 34, 2001, p. 303-310). 149. Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 83. 150. Sousa, Octavio Tarquinio de. A Vida de D. Pedro I, v. II. Porto Alegre: Livraria Jose Olympio, 1954, p. 577. 151. Caneca, Frei Joaquim do Amor Divino. Thyphis Pernambucano, de 25 de dezembro de 1823. São Paulo: Ed. 34, 2001, p. 303-307. 152. “A partir da dissolução, nunca mais pôde D. Pedro tampouco recompor a sua imagem liberal, destroçada com o golpe militar de que ele foi autor” (Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 84). 153. Por meio do Decreto de 03 de junho de 1822. 154. Observe-se que Frei Caneca, na edição natalina do periódico Typhis Pernambucano, de 25 de dezembro de 1823, demonstra que as decisões políticas cristalizadas nos arts. 1, 2 e 3, da abortada Constituição de 1823, não agrediam o juramento feito pelos constituintes de defender a integridade do Império, sua independência e a dinastia de D. Pedro I (Caneca, Frei Joaquim do Amor Divino. Thyphis Pernambucano, de 25 de dezembro de 1823. São Paulo: Ed. 34, 2001, p. 309). 155. Em síntese, tratava-se órgão superior consultivo do Imperador, previsto no art. 137 da Constituição de 1824, que opinava sobre as altas questões que mereciam a análise de Sua Majestade imperial. Sofreu inúmeras modificações ao longo do século XIX, chegando até a ser extinto, pelo art. 32, da Lei nº 16 de 12 de agosto de 1834 (Ato Adicional). Foi recriado pela Lei nº 234, de 23 de novembro de 1841, tendo as seguintes atribuições: “Art. 7º Incumbe ao Conselho de Estado consultar em todos os negócios, em que o Imperador Houver por bem ouvi-lo, para resolvê-los” (Lei nº 234, de 1841). Nesse período, o Conselho de Estado era integrado por 12 membros ordinários, além dos ministros de Estado (art. 1º da Lei nº 234, de 1841). Para mais detalhes ver Lopes, José Reinaldo de Lima. O Oráculo de Delfos: o Conselho de Estado no Brasil – Império. São Paulo: Saraiva, p. 189-195. Nas palavras de Bueno: “O Conselho de Estado é uma importante instituição que tem por destino auxiliar ogoverno e a administração nacional cm suas luzes, experiência e opiniões ou pareceres; é o conselheiro o coadjuvador de suas tarefas; e também o fiscal das competências administrativas, e o seu tribunal em matéria contenciosa de sua alçada” (Bueno, José Antônio Pimenta. Marquês de São Vicente. Organização e introdução de Eduardo Kugelmas. São Paulo: Ed. 34, 2002, p. 365). 156. O Marquês de Caravelas, integrante da regência trina provisória, constituída em 07 de abril de 1831, foi muito influenciado pelo pensamento de Benjamin Constant. 157. Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 87. 158. Sugeriu que tal juramento viesse a ocorrer em 9 de janeiro de 1824. 159. Mello, Evaldo Cabral de. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004, p. 169. 160. “Carta de Lei, pela qual VOSSA MAJESTADE IMPERIAL Manda cumprir, e guardar inteiramente a Constituição Política do Império do Brasil, que VOSSA MAJESTADE IMPERIAL Jurou, anuindo às Representações dos Povos”. 161. Em local e data já designados no próprio ato normativo. 162. Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008, p. 87. 163. Mello, Evaldo Cabral de. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004, p. 170. 164. “Nesse Brasil do século XIX, aonde chegou o liberalismo, lá chegou também a escravidão” (Parron, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil: 1826-1865. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2011, p. 25). 165. Unido a Portugal e Algarves desde a chegada da família real portuguesa e a transferência da Corte para o Rio de Janeiro (Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 13). 166. Dolhnikoff, Miriam. O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Globo, 2005, p. 51. 167. “Caracterizava-se [...] pela perda da liberdade. O cidadão tornava-se escravo e servus nullum caput. O caso mais comum ocorria quando o cidadão romano fosse capturado pelo inimigo” (Nóbrega, Vandick Londres da. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 168). 168. “No direito romano, os homens ou são livres, ou escravos. A liberdade é a regra; a escravidão é a exceção. [...] Eram duas [as causas de escravidão prevista no ius gentium]: a captura e o nascimento. Quanto à captura, podia ela ocorrer em tempo de paz ou de guerra. Na paz, quando entre Roma e o outro Estado não havia tratado de amizade; na guerra, o vencedor escravizava o vencido. [...] Quanto ao nascimento, era a condição da mãe que determinava a do filho: quem nascia de escrava, ainda que o pai fosse livre, seria escravo” (Alves, José Carlos Moreira. Direito Romano, v. I. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 98-99). 169. Ribas, Conselheiro Joaquim. Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1982, p. 280. 170. “Art. 2. O seu território é dividido em Províncias na forma em que atualmente se acha, as quais poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado”. 171. “O nosso Pacto Fundamental, nem lei alguma contempla o escravo no número dos cidadãos, ainda quando nascido no Império, para qualquer efeito em relação à vida social, política ou pública. Apenas os libertos, quando cidadãos brasileiros, gozam de certos direitos políticos e podem exercer alguns cargos públicos [...]” (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 16). 172. Gerson, Brasil. A escravidão no Império. Rio de Janeiro, 1975, p. 33. 173. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 16. 174. Continua o autor: “O escravo será obrigado a fazer, ou a não fazer, o que lhe for ordenado pelo seu senhor, seja em virtude da lei, seja contra lei, que não lhe dá o direito de desobedecer. O escravo não terá um único asilo inviolável, nem nos braços da mãe, nem à sombra da cruz, nem no leito de morte; no Brasil não há cidades de refúgio. Ele será objeto de todos os privilégios, revogados para os outros; a lei não será igual para ele porque está fora da lei, e o seu bem- estar material e moral será tão regulado por ela como o é o tratamento dos animais; para ele continuará de fato a existir a pena, abolida, de açoites e a tortura, exercida senão com os mesmos instrumentos medievais, com maior constância ainda em arrancar a confissão, e a devassa diária de tudo o que há de mais íntimo nos segredos humanos. Nessa classe a pena da escravidão, a pior de todas as penas, transmite-se, com a infâmia que a caracteriza, de mãe a filhos, sejam esses filhos do próprio senhor” (Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 88-89). 175. “A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade [...]” (Constituição de 1824). 176. O escravo sequer poderia figurar como testemunha consoante o Decreto nº 737, de 25 de novembro de 1850: “Art. 177. Não podem ser testemunhas o ascendente, descendente, marido, mulher, parente consanguíneo, ou afim por Direito Canônico até o 2º grau, o escravo, e o menor de 14 anos”. 177. Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. Brasília: Vozes, 1977, p. 122. 178. Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. Brasília: Vozes, 1977, p. 123. 179. Conflito no qual mais de sessenta mil negros incorporados às forças militares brasileiras perderam suas vidas. Para mais detalhes, ver Moura, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Ed. USP, 2004, p. 183. 180. “Art. 6. São Cidadãos Brasileiros: I. Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação” (Constituição do Império). 181. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 17. 182. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 161. 183. O § 4º, do art. 5º, da Lei nº 1.101, de 20 de setembro de 1865, admitiu a possibilidade de substituição do convocado ou recruta, por outras pessoas (inclusive escravos), desde que mediante o pagamento de indenização ao governo imperial. 184. Sobre a participação escrava no conflito, devido à dificuldade de recrutamento de cidadãos, sugere-se a leitura de Doratioto, Francisco. Maldita Guerra: nueva historia de la Guerra del Paraguay. Buenos Aires, Emecé Editores, 2008, p. 259-265. 185. “O Chefe de Polícia de São Paulo expedia [em 1870] uma circular nos seguintes termos: ‘Não devendo voltar à escravidão os indivíduos de condição servil que fizeram parte de nosso Exército na Guerra do Paraguai, embora se alistassem ocultando sua verdadeira condição. É dever providenciar no sentido de serem restituídos à liberdade, pondo a salvo de seus senhores o direito de reclamar do Governo imperial a indenização com a prova de domínio, a fim de que não se repita o fato de Paraíba do Sul, de ser um voluntário da Pátria violentamente preso e conduzido para o poder de um particular que se dizia seu senhor e que só fora afinal posto em liberdade pela intervenção da autoridade’” (Costa, Emilia Viotti da. A Abolição. São Paulo: Global, 2001, p. 43-44). 186. “[...] concedeu gratuitamente liberdade aos escravos da nação que pudessem servir ao Exército, e estendeu o mesmo benefício sendo eles casados às suas mulheres”. 187. Posteriormenteo Aviso nº 158, de 15 de junho de 1870, declarou a presunção de liberdade em favor do escravo que tivesse atuado como praça na Armada brasileira, tendo o suposto senhor o ônus de provar algum impedimento para se obter essa liberdade (Freitas, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis. Brasília: Senado, p. 2003, p. 38). 188. Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. Brasília: Vozes, 1977, p. 93. 189. Também denominados de Naturais, como ensinava a doutrina. 190. Bueno, José Antônio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Brasília: Senado Federal, 1978, p. 382. O referido autor tece uma belíssima descrição do Direito à Liberdade, previsto no art. 179, § 1º da Constituição de 1824, em sua obra Comentários à Constituição de 1824. 191. Ibidem, p. 420. 192. Ibidem, p. 421-422. 193. Bueno, José Antônio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Brasília: Senado Federal, 1978, p. 421-422. 194. Ibidem, 195. Drescher, Seymour. Abolição: uma história da escravidão e do antiescravismo. Tradução de Antônio Penalves Rocha. São Paulo: Unesp, 2011, p. 498. 196. Que representava a maior parte da mão de obra produtiva daquele período. 197. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 99. 198. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 99. 199. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 100. 200. Ibidem, p. 100. 201. Pela Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850. 202. Lei nº 2.048, de 28 de setembro de 1871. 203. “[...] O Estado não intervinha nas alforrias e, apenas em circunstâncias especiais [regra geral, questões envolvendo a segurança pública], a sua ação era sentida” (Moura, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Ed. USP, 2004, p. 24). Capítulo 3 Tráfico e escravidão: dois aspectos de uma sombria realidade Estudar o tráfico de escravo é essencial para compreender a própria escravidão. Impossível separar um do outro204, sobretudo porque a economia brasileira estava inserida dentro de um comércio do global, do qual participava o império marítimo português205. Em alguns aspectos é possível até afirmar que, no século XIX, o sistema produtivo com utilização de mão de obra escrava existia para financiar o próprio tráfico, que era a grande atividade lucrativa desse período206. Em verdade, chegou-se a um ponto no qual o tráfico estava a devorar a própria atividade produtiva, uma vez que os proprietários importadores passaram a contrair grandes dívidas, hipotecando suas terras e, em seguida, perdendo-as para os próprios traficantes, por não conseguir honrar os seus compromissos207. Por outro lado, os traficantes208, agora senhores das propriedades rurais, passaram a drenar as riquezas decorrentes da atividade produtiva para financiar o próprio tráfico: um ciclo tenebroso que tenderia ao infinito, com a manutenção perpétua do sistema escravista. Como bem observou Eusébio de Queirós: [...] a princípio, acreditando que na compra do maior número de escravos consistia o aumento dos seus lucros, os nossos agricultores, sem advertirem no gravíssimo perigo ameaçava o país, só tratavam da aquisição de novos braços comprando-os a crédito, a pagamento de três a quatro anos, vencendo no intervalo juros mordentes[...] Assim os escravos morriam, mas as dívidas ficavam, e com elas os terrenos hipotecados aos especuladores, que compravam os africanos aos traficantes para revender aos lavradores[...] Assim a nossa propriedade territorial ia passando da mão dos agricultores para os especuladores e traficantes.209 (grifos nossos) Ou seja, tráfico e escravidão compunham um só sistema econômico como aspectos gêmeos de uma grande relação, a ponto de o fluxo sombrio de escravos africanos entre o litoral sul da África e o Brasil ser compreendido como uma unidade210 cuja dinâmica beirava a obscenidade do mal. Nas palavras do explorador inglês Livingston, em 1866, na ilha de Zanzibar (um notório mercado de escravos na Costa leste da África), ter visto tal espetáculo tenebroso foi algo que inquietou a sua alma por toda a sua vida. Uma memória que apenas ficava adormecida, mas que nunca desaparecia211. Apesar do alerta de indizível violência, faz-se necessário, ao menos, ter em mente como se iniciava a condução dos cativos africanos até os portos dos quais seriam exportados para o ponto final do seu cativeiro no Novo Mundo: Os escravos eram colhidos no interior, amarrados juntos uns dos outros em colunas, suportando pesadas pedras de 20 ou 25 quilos para evitar tentativas de fuga; então marchavam uma longa jornada até o mar, que algumas vezes, ficava a centenas de quilômetros e, esgotados e doentes, caíam para não mais se erguer na selva africana. Alguns eram levados até a costa em canoas, deitados no fundo dos barcos por dias sem fim, com as mãos acorrentadas, as faces expostas ao sol e à chuva tropical e com as costas na água que nunca retirada do fundo dos botes. Nos portos de escravos eles permaneciam amontoados em um cercado para a inspeção dos compradores.212 Dia e noite, milhares de seres humanos eram apinhados em minúsculas galerias nos “depósitos de putrefação, onde nenhum europeu conseguiria permanecer por mais de quinze minutos sem desmaiar. Os africanos desmaiavam e se recuperavam ou, então, desmaiavam e morriam: a mortalidade naqueles “depósitos” era maior do que vinte por cento. Do lado de fora, no porto, esperando para esvaziar os “depósitos” assim que eles enchiam, ficava o capitão do navio negreiro [...].213 A escravidão no continente africano não foi uma criação europeia214 e já existia anteriormente uma cultura de reinos guerreiros215 que combatiam entre si e lutavam para aprisionar indivíduos ou grupos216. Parte dos cativos eram destinados a sacrifícios religiosos217. Entretanto, a demanda insaciável dos europeus pelas presas escravas desses reinos218 gerou uma verdadeira desestabilização de grande parte da África219, nascendo um estado de guerra endêmica entre os reinos220, que lutavam entre si em busca de mais presas221 ou para se defender da ofensiva das outras nações escravistas222. Esse é apenas um tênue retrato da abominação que era o tráfico223, e do mal indizível que ele gerou em solo africano, e que, curiosamente, teve o reino de Portugal, como a primeira nação europeia a aboli-lo. 1. A evolução dos tratados internacionais, a legislação lusitana e a questão do tráfico de escravos Em 1761, em uma atitude pioneira, a escravidão foi abolida224 pelos portugueses. Entretanto, tal medida apenas se aplicava ao tráfico de escravos para a Metrópole, declarando libertos e forros os escravos que entrassem em Portugal, ou seja, não chegava aos territórios ultramarinos225. Por meio do Alvará de 19 de setembro de 1761, o rei lusitano determinou que os “pretos” trazidos da América, África e Ásia passariam a ser considerados livres logo que chegassem aos portos do Reino (isto é, Portugal), sem qualquer outra formalidade, a não ser o registro, nas respectivas alfândegas, por meio de certidão: Do dia da publicação desta Lei nos portos da América, África, e Ásia; e depois de haverem passados seis meses a respeito dos primeiros, e segundos dos referidos portos, e um ano a respeito dos terceiros,se não possam em algum deles carregar, nem descarregar nestes Reinos de Portugal, e dos Algarves, Preto, ou Preta alguma: Ordenando, que todos os que chegarem aos sobreditos Reinos, depois de haverem passados os referidos Termos, contados do dia da publicação desta, fiquem por benefício dela libertos, e forros, sem necessitarem de outra alguma Carta de manumissão, ou alforria, nem de outro algum despacho, além das Certidões dos administradores, e oficiais das alfândegas dos lugares onde aportarem [...]. Em verdade, tal ato legislativo apenas proibiu o transporte de negros escravos para o território português, mas nada se fez, nem se podia fazer, para emancipar os escravos nos territórios ultramarinos portugueses ou para abolir o tráfico de escravos para o Brasil, onde tal atividade era massiva e onde residia, de fato, o foco dessa atividade comercial226. Nessa mesma série de atos legislativos da era pombalina227, adveio o Alvará de 16 de janeiro de 1773, o qual fixou que os cativos em terras portuguesas estariam livres (inclusive nas ilhas da Madeira e dos Açores, suas colônias228), mesmo que lá se encontrassem antes da publicação desse ato, em qualquer momento de sua vida229. No que se refere aos indivíduos nascidos após a publicação do Alvará, todos seriam “inteiramente livres, posto que as mães e avós hajam sido escravas”230. Os libertos por meio desse Alvará foram também agraciados com medidas que favoreceram sua integração social, retirando deles qualquer estigma “infamante”: E que todos os sobreditos por efeito desta minha paternal e pia providência libertados fiquem hábeis para todos os ofícios, honras, e dignidades, sem a nota distintiva de libertos, que a superstição dos romanos estabeleceu nos seus costumes e que a união cristã e a sociedade civil faz hoje intolerável no meu Reino, como o tem sido em todos os outros da Europa. Por tal ato, buscou-se ampliar as restrições à escravidão praticada em Portugal, incentivando o tráfico no ultramar: [...] Semelhantemente às considerações referidas acima, têm-se as de Charles Boxer, para quem os termos do alvará de 1761 “mostram claramente que essa decisão foi tomada por motivos utilitaristas e econômicos, e não por razões humanitárias”. Stuart Schwartz, ao discorrer sobre esse mesmo alvará, afirma que Pombal adotou tal medida “para assegurar suprimentos adequados de escravos para as colônias”.231 Até porque a escravidão e o regular tráfico negreiro, ao menos para Espanha e Portugal, constituíam o meio regular para colonização de suas possessões, sobretudo onde existiam as plantations232. Joaquim Nabuco233, comentando o Alvará de 1773, compara-o com a Lei do Ventre Livre, e demonstra que aquele ato do El-Rei de Portugal era muito mais avançado que a tímida legislação emancipatória do Brasil imperial, promulgada quase 100 anos depois: [...] Que apesar de ser lei no século passado, e anterior à Revolução Francesa, semelhante alvará é mais generoso, compreensivo e liberal do que a nossa lei de 28 de setembro [de 1871, a Lei do Ventre Livre]: (a) porque liberta inteiramente desde a sua data os nascituros, e esta os liberta depois de vinte e um anos de idade; (b) porque declara livres e desembargados os bisnetos de escravas, e a lei de 28 de setembro não levou em conta aos escravos sequer as gerações do cativeiro; (c) porque isentou os escravos que declarou livre da nota distintiva de libertos – “superstição dos romanos que a união cristão e a sociedade civil” fazia já nesse tempo (“faz hoje”) “intolerável no reino”, ao passo que a nossa lei de 1871 não se lembrou de apagar tal nódoa, e sujeitou os libertos de qualquer dos seus parágrafos por cinco anos à inspeção do governo e à obrigação de exibir contrato de serviço sob pena de trabalhar nos estabelecimentos públicos234. [...] A ser assim, isso mostra somente a diferença entre a compreensão das exigências da união cristã (a Constituição foi feita em nome da Santíssima Trindade) e da sociedade civil que tinha o imperador constitucional em 1824 e que tinha o rei absoluto em 1773. Entretanto, apesar do receio provocado nas colônias portuguesas de que a abolição e o fim do tráfico negreiro fossem ampliados para ultramar, isso não veio a ocorrer, pois o fluxo de riquezas derivadas dessa atividade comercial era demasiadamente alto para ser interrompido. Apenas com a Revolução Francesa, deflagrada vinte e seis anos depois, foi que o quadro político e econômico da Europa mudaria. Os ideais da Revolução se somariam às novas ideias do Velho Mundo, dentre elas a causa abolicionista235, culminando no Abolition Act de 25 de março de 1807236, com o fim do tráfico de Escravos na Inglaterra e em suas possessões: Seja, portanto, promulgada por S. Excelência e Majestade o Rei, por e com o conselho e consentimento do Lordes e Comuns, neste atual Parlamento montado, e pela Autoridade da mesma, de que a partir e após o primeiro dia de maio do ano de um mil, oitocentos e sete, o comércio de escravos Africanos, e todos e todas as formas de lidar e de negociação na compra, venda, permuta, ou Transferência de Escravos, ou para pessoas que se destinam a ser vendidos, transferidos, usado ou tratado como escravos, praticado ou exercida, em, no interior, para ou a partir de qualquer parte do litoral ou países de África, deve ser, e o mesmo é instituído totalmente abolida, proibida, e declarou ser ilegal; e também que tudo e todos os tipos de tráfico, seja por meio de compra, venda, permuta ou transferência, ou através de qualquer outro contrato ou acordo que seja, ligadas a eventuais Escravos, ou para quaisquer pessoas destinadas a serem utilizadas ou tratadas como escravos, para o propósito de tais escravos ou pessoas sendo removido ou transportado imediatamente ou pelo transbordo no mar ou de outra forma, direta ou indiretamente, da África [...].237 Nesse ínterim, no grande tabuleiro geopolítico europeu, um evento anunciava o ingresso de um novo grande jogador na partida: a ascensão de Napoleão Bonaparte ao trono Francês trazendo consigo o Grande Exército238. O cônsul e, posteriormente, imperador da França239, no inevitável confronto com a tradicional rival da sua pátria, a Inglaterra, determinou o bloqueio continental contra a Grã- Bretanha240 por meio do Decreto de Berlim, de 21 de novembro de 1806, a fim de estrangular sua economia241. Tal ato colocou Portugal em uma encruzilhada diplomática, sobretudo porque não seria possível trair sua tradicional aliada (a Inglaterra) sem sofrer consequências, com a possível perda do seu império ultramarino242. A decisão do Príncipe Regente João, ao abandonar a Metrópole243 e se refugiar, no Vice-Reino do Brasil244, permitiu que a coroa lusitana não perdesse o seu poder político no teatro europeu (pois forças luso- inglesas, lideradas pelo Duque de Wellington245, combateriam o invasor francês), nem viesse a assistir ao desmoronar das suas possessões na África e na América246. No ato da partida para o Brasil, foi firmada a Convenção de 22 de outubro de 1807, entre o Príncipe regente português e o monarca inglês, a qual estabelecia no seu art. VII: “Quando o Governo português estiver estabelecido no Brasil proceder-se-á à negociação de um tratado de auxílio e de comércio entre o Governo português e a Grã-Bretanha”. Com isso foi assegurada, também, a manutençãodo tráfico negreiro. Pouco tempo depois, o Tratado de Aliança e Amizade, firmado em 19 de fevereiro de 1810, entre Portugal e Inglaterra, proibia, definitivamente, o tráfico de escravos para além do império lusitano247, já se prevendo que a coroa portuguesa tomaria medidas para uma gradual abolição da escravidão: [...] o segundo era um tratado de aliança e amizade, cujo artigo 10 se referia ao tráfico de escravos: convencido da “injustiça e inutilidade” do tráfico e, principalmente, das desvantagens decorrentes de “introduzir e renovar continuamente uma população estranha e artificial” no Brasil, o príncipe regente concordava em cooperar com a Grã-Bretanha, “adotando as medidas mais eficazes para propiciar a abolição gradual do tráfico de escravos em todos os seus domínios”, e, entrementes, resolvia que esse tráfico não seria permitido “em nenhuma parte da costa da África não pertencente ao domínio de Sua Alteza Real e onde esse tráfico tem sido descontinuado e abandonado pelos Estados e Nações da Europa que antigamente nele comerciavam.248 Entretanto, tal convenção internacional ainda não pôs fim ao lucrativo negócio dos escravos, pois os súditos portugueses conservavam o direito de traficar com escravos “dentro dos domínios africanos da coroa de Portugal”249. O tráfico era uma realidade imprescindível para a própria manutenção do poder lusitano sobre o Brasil, bem como para manter a exploração em grande escala das riquezas coloniais. Entretanto, por pressões internacionais, era necessário “humanizar” o transporte de escravos para o Brasil. Por meio do Alvará de 24 de novembro de 1813, a coroa portuguesa buscou regulamentar a “arqueação dos navios empregados na condução dos negros que, dos portos da África, se exportam para os do Brasil”250. Nas suas considerações iniciais, o Príncipe Regente apresenta “fundamentos lógicos” para a subsistência do tráfico negreiro: [...] o número de seus habitantes não é ainda proporcionado a vasta extensão dos meus domínios nesta parte do mundo, e que é, portanto, insuficiente para suprir e efetuar, com a prontidão que tenho recomendado, os importantes trabalhos que em muitas partes se tem já realizado.251 O Príncipe Regente, a fim de que suas medidas pudessem produzir “os seus saudáveis efeitos” em tempo hábil, viu ser necessário regulamentar o tráfico de escravos africanos, de modo que tal suprimento de “operários” não se extinga por enfermidades ou morte. Com o Alvará de 1813, pretendia-se compelir que, no tráfico de escravos, fossem banidos os extremos de crueldade, os quais segundo o Príncipe Regente eram provocados nada mais, nada menos, pela: [...] barbaridade e sórdida avareza de muitos dos Mestres das embarcações que os conduzem, que seduzidos pela fatal ambição de adquirir fretes, e de fazer maiores ganhos, sobrecarregam os navios, admitindo neles muito maior número de negros do que podem convenientemente conter; faltando-lhes com alimentos necessários para a subsistência deles, não só na quantidade, mas até na qualidade, por lhes fornecerem gêneros avariados e corruptos, que podem haver mais em conta; resultando de um tão abominável tráfico, que se não pode encarar sem horror e indignação, manifestarem-se enfermidades, que, por falta de curativo e conveniente tratamento, não tardam e fazerem-se epidêmicas e mortais, como a experiência infelizmente tem mostrado. Portanto, por um ato de piedade e de humanidade, o Príncipe Regente D. João VI repudiava o sofrimento dos africanos nesse transporte transoceânico, mas não promovia a abolição do tráfico de escravos: [...] não podendo os meus constantes e naturais sentimentos de humanidade e beneficência tolerar a continuação de tais atos de barbaridade, cometidos com manifesta transgressão dos direitos divino e natural, e régias disposições dos Senhores Reis meus Augustos Progenitores, transcritas nos Alvarás de 18 de março de 1864 e na Carta de Lei do 1º de julho de 11730, que mando observar em todas aquelas partes que por este meu alvará não forem derrogadas ou substituídas por outras disposições mais conformes ao presente estado das cousas, e ao adiantamento e perfeição a que tem chegado os conhecimentos físicos e novas descobertas químicas, maiormente na parte que respeita ao importante objeto da saúde pública: sou servido determinar e prescrever as seguintes providencias, que inviolavelmente se deverão observar e cumprir. Pelo Alvará de 1813, ficava assegurado aos negros, durante “a passagem” para o Reino do Brasil, em prol da sua saúde: (a) lugar suficiente em que possam se recostar e descansar, com espaço suficiente, sem se submeter aos caprichos e arbítrios dos mestres das embarcações, que deverão observar a seguinte proporção de carga: “cinco negros por cada duas toneladas [da embarcação]; e esta proporção só terá lugar até a quantia de 201 toneladas”; (b) para evitar fraudes, cada embarcação deveria ter um livro de carga, distribuído da mesma forma dos que servem para as fazendas: que na margem esquerda desse livro seja discriminado o número dos africanos que embarcaram, com a distinção do sexo, declarando se são adultos ou crianças; (c) proibia-se que a marcação dos negros escravos fosse realizada por ferro quente, já que afronta “altamente aos sentimentos de humanidade252, sob risco de aplicação de pena pecuniária253; (d) foi determinado também que em todas “as embarcações destinadas para a condução dos negros, levem um Cirurgião perito: e faltando este, se lhes não permitirá a saída”; (e) criou-se uma premiação a fim de incentivar o trabalho para zelar pela saúde dos cativos transportados: E convindo premiar aqueles que pela sua perícia, e humanidade contribuírem para a conservação da saúde, e para o curativo e restabelecimento dos negros que se conduzirem para estes portos do Brasil: sou servido determinar, que sucedendo não exceder de dois por cento o número dos que morrerem na passagem dos portos de África para os do Brasil, haja de se premiar o Mestre da embarcação com a gratificação de 240$000, e de 120$000 o cirurgião; e não excedendo o número de mortos de três por cento, se concederá assim ao Mestre como ao Cirurgião metade da gratificação que acima dica indicada, a qual será paga pelo Cofre da Saúde [...] (f) se as mortes excedessem o razoável254, o ouvidor-do-Crime instalaria procedimento de devassa para apurar a falta de zelos e cuidados com o traslado dos africanos cativos; (g) cada embarcação deveria possuir uma enfermaria, a fim de isolar os enfermos do restante dos cativos transportados; (h) a fim de zelar pela saúde dos cativos, era vedado o embarque de pessoa que viesse a padecer de moléstia contagiosa, “para cujo efeito se deverão fazer os competentes exames” pela autoridade sanitária “que se achar no porto de embarque, e pelo Cirurgião do navio”; (i) os alimentos embarcados deveriam ser fiscalizados, não apenas na sua quantidade, mas na sua qualidade, devendo ser aprovados pelas autoridades sanitárias255. O principal alimento a ser fornecido aos cativos seria o feijão, misturado com milho ou amendoim, bem como prover a dieta com carne seca e peixe; (j) no que se refere ao consumo da água (cuja qualidade era regulamentada também), a desumanidade do tráfico de escravos era tamanha a ponto de se definir o mínimo de água a ser fornecido no transcursoe proibindo atos de violência contra os que estavam sedentos256; e (l) por fim, havia minuciosa regulamentação para prover a adequada ventilação dos cativos transportados, bem como regras adicionais para a não propagação de doenças a bordo e entre regiões, para evitar epidemias e importação de doentes. Para que tal Alvará viesse a ser editado pelo Príncipe Regente, o nível de desumanidade do tráfico de escravos, em si já abjeto, deveria chegar ao inimaginável para uma mente moderna. É importante trazer um retrato mais vívido de como se realizava, na prática, o transporte de escravos por meio dos tumbeiros257: Nos navios negreiros, os escravos eram espremidos nos porões uns sobre outros dentro de galerias. A cada um deles era dado de um metro a um metro e meio apenas de comprimento e de meio metro a um metro de altura, de tal maneira que não podiam nem se deitar de comprido e nem se sentar com a postura reta. [...] as revoltas nos portos de embarcação e a bordo eram constantes258. Por isso os escravos tinham de ser acorrentados: a mão direita à perna direita, a mão esquerda à perna esquerda, e atrelados em colunas a longa barras de ferro. Nessa posição eles permaneciam durante a viagem, sendo levados ao tombadilho uma vez por dia para se exercitar e para permitir que os marinheiros “limpassem os baldes”. Mas quando a carga era rebelde ou o tempo estava ruim, eles permaneciam no porão por semanas259. Deve-se deixar bem claro que o investimento nesses tumbeiros, que serviam para o transporte dessa “mercadoria”, era extremamente baixo, como já havia observado Joaquim Nabuco 260: Esses navios chamados túmulos flutuantes, e que o eram em mais de um sentido, custavam relativamente nada. Uma embarcação de cem toneladas, no valor de sete contos, servia para o transporte de mais de 350 escravos [...]. O custo total do transporte desse número de escravos (navios, salários da equipagem, mantimentos, comandantes, etc.) não excedia de dez contos de réis, ou em números redondos, trinta mil réis por cabeça. [...] Um brigue de 167 toneladas capturado tinha a bordo 852 escravos, outro de 59 [toneladas], 400 [escravos]. Muitos desses navios foram destruídos depois de apressados como impróprios para a navegação. Posteriormente, pelo tratado firmado com a Inglaterra em 22 de janeiro de 1815261, o tráfico de escravos por portugueses ao norte do equador ficou proibido, após substancial ajuda financeira da coroa britânica: [...] os portugueses acabaram concordando em terminar com o tráfico ao norte do equador, a troco de uma substancial indenização financeira. Por uma convenção assinada a 21 de janeiro de 1815, a Grã-Bretanha anuía em pagar a soma de 300 mil libras desobrigando-se assim de todas as reclamações quanto à detenção ilegal e captura de navios portugueses por vasos de guerra ingleses e sua condenação pelos tribunais do Vice- Almirantado britânico, antes de 1º de junho de 1814. Por um outro tratado, assinado no dia seguinte, 22 de janeiro de 1815, a Inglaterra perdoava os restantes pagamentos de um empréstimo de 600 mil libras, que fora negociado em 1809 (faltava pagar cerca da metade) e D. João se comprometia a declarar ilegal o tráfico de escravos ao norte do equador e a adotar as medidas que fossem necessárias para abolir parcialmente o tráfico em geral.262 Entretanto, algo inovador veio com esse tratado: a possibilidade de a marinha de guerra inglesa ter o direito de visita, em tempos de paz, nos barcos portugueses: A pressão britânica para a assinatura de um tratado de direito de busca fez-se primeiro sobre Portugal, de todas as remanescentes nações negreiras a maios dependente da Inglaterra e já obrigada, pelo artigo segundo do tratado de 22 de janeiro de 1815, a adotar as medidas necessárias para a supressão do tráfico ilegal [...].263 A Convenção adicional ao tratado de 1815, firmada entre a Inglaterra e Portugal em 28 de julho de 1817264, que ratificava o direito de visita pelas belonaves inglesas aos navios portugueses265 no intuito de coibir o tráfico de escravos ilícito ao norte do equador, foi comemorada como uma vitória da diplomacia inglesa: Outras cláusulas contém a convenção, mas as que aí ficam são as principais. E entre todas avulta a que estabelece o direito de detenção e busca marítima, em tempo de paz. [...] Gabou-se Lord Castlereagh, dando comunicação do tratado ao Parlamento, de ter conseguido tão assinalada inovação, pois era a primeira vez que, na história diplomática, aparecia concessão recíproca desse direito de visita.266 Entretanto, tal disposição, ainda que conferisse direito “recíproco” para visita de navios ingleses, causou estranheza: O fundamento do direito de visita é o estado de guerra declarada [...] Em estado de paz, só a muito fundada suspeita do exercício da pirataria pode sancionar a visita e a busca em um navio estrangeiro267. A Inglaterra vinha pressionando Portugal para aceitar a sua política moralizadora dos mares, isto é: [os navios de guerra ingleses] sem cerimônias, desde que desconfiava haver um navio português apanhando escravos em costa africana não-portuguesa, dava-lhe caça, visitava-o, apreendia a carga, tomava conta da embarcação.268 A proibição do tráfico de escravos ao norte do equador foi ratificada pelo Alvará de 26 de janeiro de 1818, que impunha penalidades àqueles que promovessem tal transporte em desconformidade com tal diploma: § 1° todas as pessoas de qualquer qualidade e condição que sejam, que fizerem armar e preparar navios para o resgate e compra de escravos, em qualquer dos portos da Costa d’África situados ao norte do Equador, incorrerão na pena de perdimento dos escravos, os quais imediatamente ficarão libertos, para terem o destino abaixo declarado; e lhes serão confiscados os navios empregados nesse tráfico com todos os seus aparelhos e pertences, e juntamente a carga, qualquer que seja, que a seu bordo estiver por conta dos donos e fretadores dos mesmos navios, ou dos carregadores de escravos. A pena alcançava navios de quaisquer bandeiras que transportassem escravos para o Brasil: § 2º Na mesma pena de perdimento dos escravos, para ficarem libertos e terem o destino abaixo declarado, incorrerão todas as pessoas de qualquer qualidade e condição, que os conduzirem a qualquer dos portos do Brasil em navios com bandeira que não seja portuguesa. Nesse Alvará de 1818, também era previsto o procedimento criminal adequado para a correta aplicação do Tratado de 1817, com a instalação das Comissões Mistas para julgamento das apreensões realizadas por navios de guerra269. 2. A independência do Brasil e o Tráfico de Escravos O ciclo joanino estava se encerrando no Brasil. Com a derrota de Napoleão e a expulsão das forças francesas de Portugal (em 1815)270, a reação política daqueles que enfrentaram os invasores foi a de criticar severamente El-Rei D. João VI, que, aos olhos dos que ficaram, havia fugido da sua terra na hora mais dramática271. A abertura dos portos brasileiros às nações amigas272, com a quebra do monopólio da metrópole sobre o comércio da sua mais importante colônia, gerou uma verdadeira crise na economia lusitana, já combalida após a invasão273 e a luta para expulsar o exército francês274. Além disso, havia outras fontes de instabilidade na própria metrópole. Em Lisboa, em 1817, foi duramente debelada por forçasmilitares inglesas, uma revolta organizada pela cúpula da maçonaria local que almejava a independência da pátria portuguesa para implantar o liberalismo. Doze acusados foram enforcados, dentre eles importantes autoridades públicas militares275. O clima de revolta continuava, até porque grande parte do Exército português, que também se associava à maçonaria, almejava restaurar o seu status de força militar, afastando a ocupação inglesa276. Tal clima de insatisfação, alimentado pelas ideias liberais divulgadas pelas lojas maçônicas, culminou na eclosão da Revolução Liberal do Porto, em 24 de agosto de 1820, com a criação da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. Esse movimento, como uma fagulha em um barril de pólvora, incendiou todo Portugal277. Em 15 de setembro de 1820, após uma insurreição de oficiais subalternos, o Regente foi deposto em Lisboa, com a constituição de um governo interino. Em 28 de setembro, os governos de Porto e de Lisboa se uniram em uma Junta Provisional do Supremo Governo do Reino, com o objetivo de realizar eleições para uma Corte Constituinte278. Tal movimento político, baseado no documento “Manifesto aos Portugueses”, originado na Revolução do Porto, pretendia, além da criação de uma Constituição e do retorno da Corte real para Portugal, a restauração dos privilégios comerciais portugueses279, com o fim da liberdade comercial instituída em 1808280. Um imenso erro político começou a ser construído281. Com a volta da família real282, à exceção do então príncipe Regente D. Pedro283, e a intransigência das Cortes Gerais e Extraordinárias Portuguesas em “recolonizar” o Brasil284, a elite da América lusitana foi compelida a lutar pela independência desse imenso, heterogêneo e rico território285: De todo o exame que temos feito, da preparação da Independência, resulta a conclusão de ter sido este um movimento essencialmente coletivo, em que a atitude das Cortes de Lisboa provocou a reação dos brasileiros, a princípio, da manutenção da autonomia do Reino do Brasil, e, depois, da própria separação de Portugal.286 D. Pedro287 serviu de elemento unificador das diversas aspirações de independência política do Brasil, fossem brasileiros ou portugueses, que possuíam interesse na autonomia política e econômica288. Concretizada a Independência, em 1822, o tráfico de escravos, realizado preponderantemente por embarcações de bandeira lusitana, ficou evidentemente à margem da lei, por força dos tratados internacionais dos quais Portugal era signatário. A razão era simples: se o Brasil não mais integrava o império português, não poderia haver exportação de escravos de colônias portuguesas para a recém-criada Nação brasileira289. Tal fato foi ressaltado pelo Secretário de Exterior inglês: [...] a única desculpa dos portugueses para não cumprir os compromissos constantes nos tratados de 1810, 1815 e 1817 (abolir, numa data futura, todo o tráfico de escravos) ficava agora “absolutamente e ipso facto anulada por um acontecimento que elimina inteiramente caráter colonial do Brasil”. Além do mais, Canning pode argumentar, com justiça, que todo o tráfico português de escravos através do Atlântico se tornara de facto ilegal a partir do momento em que o Brasil e Portugal se haviam separado: transportar escravos para fora do império português tinha sido proibido já em 1761; pelo artigo quatro do tratado de 1815, D. João tinha se comprometido especificamente a não permitir que a bandeira portuguesa fosse empregada no tráfico negreiro, exceto para suprir mão-de-obra “as possessões transatlânticas pertencentes à coroa de Portugal”; e o artigo primeiro da Convenção Adicional de 1817 tinha definido como ilícito o tráfico de exercido por navios portugueses para portos situados fora dos domínios da coroa portuguesa.290 (grifos nossos) Portanto, poderia se crer que o tenebroso tráfico de escravos estaria próximo do seu aguardado final, com a independência do Brasil. Isso não ocorreu, ao contrário, houve a sua intensificação nas primeiras duas décadas após a independência política brasileira. 3. Tráfico de escravos e os tratados internacionais firmados pelo Império do Brasil A classe política brasileira era amplamente favorável à manutenção da escravidão e do tráfico negreiro que a alimentava291, afinal, na opinião deles, haveria um desastre econômico se a abolição fosse decretada292. Apesar desse posicionamento e de muitas críticas, D. Pedro I firmou com a Inglaterra 293 o Tratado de 23 de novembro de 1826294, que equiparava o tráfico de escravos ao ato de pirataria295, transformando-o em conduta ilícita296, como previsto no seu artigo 1º: Art. 1º – Acabados três anos depois da troca das ratificações do presente tratado, não será lícito aos súditos do império do Brasil fazer o comércio de escravos na costa d’África debaixo de qualquer pretexto, ou maneira qualquer que seja. E a continuação desse comércio, feito depois da dita época por qualquer pessoa súdita de sua majestade imperial, será considerado e tratado de pirataria.297 Tal disposição entraria em vigor três anos após a ratificação do referido tratado. As disposições dos tratados de 1815 e 1817 foram recepcionadas em todos os seus termos298. No que se refere à competência para firmar tratados internacionais, merece ser feita pequena consideração: nos termos do art. 102, VII e VIII, da Constituição de 1824, competia ao Poder Executivo entabular negociações com outros Estados, no plano internacional, e com eles celebrar tratados (de aliança militar ofensiva ou defensiva, de subsídios ou de comércio). Tais tratados firmados pelo Poder Executivo deveriam ser levados ao conhecimento da Assembleia Geral, se não houvesse risco à segurança e ao interesse público (art. 102, VIII, da Constituição de 1824)299. É fácil deduzir que os parlamentares brasileiros estavam indignados com a postura de Sua Majestade, que havia ignorado completamente o direito de a Câmara ser consultada sobre tratados firmados300. O parlamento teve de engoli-lo contra sua vontade301, pois a elite brasileira era majoritariamente opositora de medidas tendentes a extinguir o fim do tráfico: “[...] o fato de o governo brasileiro ter [...] abolido o tráfico não por ser do interesse do Brasil, mas por que uma poderosa nação estrangeira achara ser interessante para ela”302. Na perspectiva de Cunha Matos, a própria soberania brasileira havia sido violada: [foram] forçados por ameaças de hostilidades303 em caso de oposição do nosso lado... forçados obrigados, submetidos e compelidos pelo governo britânico a assinar uma convenção onerosa e degradante sobre assuntos internos, domésticos e puramente nacionais, da competência exclusiva do livre e soberano legislativo e do augusto chefe da nação brasileira304. Ademais, as teses humanitárias apregoadas pela Inglaterra como fundamento para abolição do tráfico de escravos não eram acatadas no Brasil, pois suspeitava-se que os verdadeiros interesses britânicos para o fim dessa atividade comercial estavam relacionados ao cálculo econômico daquela potência europeia: Poucos brasileiros aceitavam a base humanitária da campanha antitráfico de escravos feita pela Inglaterra; seu propósito, acreditavam, era, em primeiro lugar, arruinar a agricultura brasileira em favor dos interesses das Índias Ocidentais Britânicas e, em, segundo, romper os elos que ligavam o Brasil àÁfrica, a fim de facilitar a expansão britânica e o subsequente desenvolvimento do continente africano como rival econômico do Brasil.305 Poucos anos depois, o Brasil foi sacudido por um terremoto político: a abdicação de D. Pedro I. 4. Interlúdio: a Abdicação de D. Pedro O Imperador, em um ato impulsivo306, abdicou na madrugada do dia 7 de abril de 1831307. Em uma curta mensagem escrevera D. Pedro308: Usando do Direito que a Constituição me concede, declaro que hei mui voluntariamente abdicado na pessoa do meu muito amado e prezado filho o Sr. D. Pedro de Alcântara. Boa Vista, 7 de abril de 1831, décimo da Independência e do Império.309 Ironicamente, o reinado do Defensor Perpétuo310 do Brasil D. Pedro I se encerrou com a sua abdicação311 em favor de seu filho menor de idade. Já pela manhã dessa tumultuada quinta-feira, às 10 horas, no Senado brasileiro, onde se encontravam presentes poucos parlamentares312, os membros da Assembleia Geral tomaram ciência do seu ato313. Além de ter ocorrido durante as férias parlamentares314, a abdicação trazia um problema em si: não existia previsão de a Assembleia Geral eleger um Regente para essa situação315, pois a Constituição de 1824 apenas elencava tal possibilidade em caso de falecimento do soberano, se não fosse possível a coroação do seu sucessor316. O filho do Imperador, Pedro de Alcântara, contava apenas com cinco anos e quatro meses de idade, não podendo, portanto, assumir a chefia do Poder Moderador317. Sobre a menoridade do sucessor, a Constituição de 1824 assim dispunha: Art. 121. O Imperador é menor até à idade de dezoito anos completos. Art. 122. Durante a sua menoridade, o Império será governado por uma Regência, a qual pertencerá na Parente mais chegado do Imperador, segundo a ordem da Sucessão, e que seja maior de vinte e cinco anos. Ou seja, a sucessão deveria se dar apenas na forma do art. 117 da Constituição imperial, o que se apresentava como outro problema, uma vez que a regra sucessória prevista não solucionava o vácuo político criado pela abdicação. Eis o que dispunha o mencionado dispositivo: Art. 117. Sua Descendência legítima sucederá no Trono, Segundo a ordem regular da primogenitura, e representação, preferindo sempre a linha anterior ás posteriores; na mesma linha, o grau mais próximo ao mais remoto; no mesmo grau, o sexo masculino ao feminino; no mesmo sexo, a pessoa mais velha á mais moça. O Regente deveria ser o parente mais próximo do soberano com mais de 25 anos e, se não houvesse, deveria ser instituída uma Regência provisória composta por dois Ministros (Estado e Justiça) e dois dos mais antigos membros do Conselho de Estado, sob a presidência da Imperatriz viúva (e, na sua ausência, pelo mais antigo membro do Conselho de Estado). A Regência provisória se manteria até a escolha da Regência permanente pela Assembleia Geral, na forma do art. 123 da Constituição de 1824: Art. 123. Se o Imperador não tiver parente algum, que reúna estas qualidades, será o Império governado por uma Regência permanente, nomeada pela Assembleia Geral, composta de três Membros, dos quais o mais velho em idade será o Presidente. Entretanto, os fatos do turbulento 07 de abril de 1831 atropelaram as disposições constitucionais pois: (a) a Imperatriz havia falecido em 11 de dezembro de 1826318; (b) não existiam outros herdeiros maiores de 25 anos319; e (c) o Imperador, que deveria ter sido o Defensor Perpétuo do Brasil, havia subitamente abdicado: A regulamentação constitucional, como se vê, pressupunha situações normais, enquanto o que acontecera naquele tumultuado 7 de abril fora anormalíssimo, excepcional, reclamando, desta sorte, tratamento diferente.320 Foi, então, constituída provisoriamente uma Regência Trina, composta pelos seguintes membros: Brigadeiro Francisco de Lima e Silva, José Joaquim Carneiro de Campos (o Marques de Caravelas) e pelo Senador Nicolau Pereira do Santos Vergueiro321. As derradeiras palavras de D. Pedro de Alcântara à Assembleia Geral (assinando apenas como Pedro), em mensagem de 08 de abril de 1831, manifestavam sua intenção de nomear como tutor do seu filho José Bonifácio de Andrade e Silva322. Iniciava-se o período regencial no Brasil e, com ele, aguçaram-se os debates sobre o problema do tráfico de escravos, afinal, desde 1830, pelo tratado ratificado em 13 de março de 1827, tal atividade já deveria ter sido considerada ilícita e os que a exerciam, seriam então considerados piratas323. 5. A Lei de 7 de novembro de 1831, a lei para inglês ver: a ilegalidade da escravidão Não obstante o debate acerca da legitimidade da escravidão, sobretudo por aspectos humanitários, uma forte tese começou a surgir no Brasil imperial: a escravidão era uma conduta ilegal e, em verdade, os senhores dos escravos estavam realizando alguma conduta típica: contrabando (art. 177 do Código Criminal) ou reduzir pessoa livre à escravidão (art. 179 do Código Criminal). A ideia era simples, mas é necessário vislumbrar a evolução legislativa brasileira. Como exposto, o Império do Brasil firmou com o Reino da Inglaterra um tratado internacional em 26 de novembro de 1826. Por esse instrumento: “[...] o Brasil proibia o tráfico dentro de três anos improrrogáveis. Seriam então punidos como piratas quantos neles se envolvessem. Conferiu-se à Inglaterra o tão cobiçado direito de visita e busca”324. Ora, tal tratado foi ratificado em 1827, devendo a proibição ao tráfico passar a vigorar a partir de 1830325. A Portaria de 21 de maio de 1831, expedida pelo Ministro da Justiça Manoel José de Souza Franco, durante a Regência, expressamente proibiu o contrabando de escravos: Constando ao Governo de S. M. Imperial que alguns negociantes, assim nacionais como estrangeiros, especulam com desonra da humanidade o vergonhoso contrabando de introduzir escravos da Costa da África nos portos do Brasil, em despeito da extinção de semelhante comércio, manda a Regência Provisória, em nome do Imperador, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, que a Câmara Municipal desta cidade faça expedir uma circular a todos os juízes de paz das freguesias do seu território, recomendando-lhes toda a vigilâncias policial ao dito respeito; e que no caso de serem introduzidos por contrabando alguns escravos novos no território de cada uma das ditas freguesias, procedam imediatamente ao respectivo corpo de delito e constando por este que tal ou tal escravo boçal foi introduzido aí por contrabando, façam dele sequestro, e o remetam com o mesmo corpo de delito ao juiz criminal do território para ele proceder nos termos de direito, em ordem a lhe ser restituída a sua liberdade, e punidos os usurpadores dela, segundo o art. 179 do Código, dando de tudo conta imediatamente à mesma Secretaria.326 Tal portaria teve pouca repercussão e quase nula efetividade327. Cumpre ressaltar que as portarias eram consideradas fontes do direito que buscavam regular os casos nela tratados, sem prejudicar terceiros, nem revogar ou alterar a legislação vigente328. Em face da insuficiente eficácia dessa portaria e da pressão inglesa, houve a promulgação, pela autoridade Regencial, da Lei de 7 de novembro de 1831329. O Art. 1º de tal diploma, de forma simples, prescrevia: “Todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil vindos de fora ficam livres”330.Diante disso, uma das duas alternativas abaixo deveria prevalecer: (a) se fosse considerado o argumento de que eventual ato de traficar escravos da Costa da África era importação de mercadoria – compreendendo o escravo como uma mercadoria, tendo em vista a sua possível natureza de res – sua importação seria proibida e, portanto, o importador cometeria o crime de contrabando: Art. 177. Importar, ou exportar gêneros, ou mercadorias proibidas; ou não pagar os direitos dos que são permitidos, na sua importação, ou exportação. Penas – perda das mercadorias ou gêneros, e de multa igual à metade do valor deles. No caso concreto, o senhor que viesse a importar tais escravos poderia figurar, no mínimo, como cúmplice, na forma do art. 6º, 1.º, do Código Criminal do Império: Os que receberem, ocultarem ou comprarem coisas obtidas por meios criminosos, sabendo que o foram, ou devendo sabe-lo em razão da qualidade, ou condição das pessoas, de quem receberam, ou compraram. (b) entretanto, é manifesto que o legislador, pela Lei de 7 de novembro de 1831, assegurou que escravos introduzidos após a vigência desse dispositivo seriam considerados homens livres. Em tese, não poderiam mais existir escravos que houvessem sido importados para o Brasil, a partir da publicação desse diploma legal. Essa é a única conclusão a que se pode chegar. Qualquer indivíduo que reduzisse esses homens à condição de escravo estaria cometendo o crime particular contra a liberdade individual de “reduzir à escravidão pessoa livre”: Art. 179. Reduzir à escravidão pessoa livre, que se achar em posse da sua liberdade. Pena – de prisão por três a nove anos, e de multa correspondente à terça parte do tempo; nunca porém o tempo de prisão será menor, que o do cativeiro injusto, e mais uma terça parte. Portanto, ou se estaria cometendo o crime de contrabando, ou de redução à condição análoga à de escravo. De qualquer forma, em qualquer uma das duas hipóteses, o escravo importado a partir da publicação da Lei de 7 de novembro de 1831, estaria automaticamente livre, por força do disposto no seu artigo 1º. Registre-se que a pretensão331 ao direito à liberdade era imprescritível, nos termos do Decreto de 12 de abril de 1832, que passou a regulamentar a Lei de 1831332: Art. 10. Em qualquer tempo, em que o preto requerer a qualquer Juiz de Paz ou Criminal, que veio para o Brasil depois da extinção do tráfico, o Juiz o interrogará sobre todas as circunstâncias, que possam esclarecer o fato, e oficialmente procederá a todas as diligências necessárias para certificar-se dele: obrigando o senhor a desfazer as dúvidas, que suscitarem-se a tal respeito. Havendo presunções veementes de ser o preto livre, o mandará depositar, e procederá nos mais termos da Lei. Comentando o tema, manifestou-se Joaquim Nabuco: Com efeito, a grande maioria desses homens, sobretudo no Sul, ou são africanos, importados depois de 1831, ou descendentes destes. Ora, em 1831 a lei de 7 de novembro declarou no seu artigo 1.º: “Todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil vindos de fora ficam livres.”. Como se sabe, essa lei nunca foi posta em execução, porque o Governo brasileiro não podia lutar com os traficantes; mas nem por isso deixa ela de ser a carta de liberdade de todos os importados de pois de sua data. Que antes de 1831, pela facilidade de aquisição de africanos, a mortalidade dos nossos escravos, ou da Costa ou crioulos, era enorme, é um fato notório. “É sabido – dizia Eusébio de Queirós em 1852 na Câmara dos Deputados – que a maior parte desses infelizes [os escravos importados] são ceifados logo nos primeiros anos, pelo estado desgraçado que os reduzem os maus tratos da viagem, pela mudança de clima, de alimentos e todos os hábitos que constituem a vida”. Desses africanos, porém, – quase todos eram capturados na mocidade – introduzidos antes de 1831, bem poucos restarão hoje, isto é, depois de cinqüenta anos de escravidão na América a juntar aos anos que vieram da África; e, mesmo sem a terrível mortalidade, de que deu testemunho Eusébio entre os recém- chegados, pode-se afirmar que quase todos os africanos vivos foram introduzidos criminosamente no país.333 (grifos nossos) Ora, se a partir de 1831 qualquer escravo, que após o advento dessa lei, fosse importado e desembarcado no Brasil, passasse a ser considerado como homem livre, pode-se concluir que somente seriam considerados cativos, em território brasileiro, os filhos de mãe e pais escravos que já houvessem chegado ao território nacional anteriormente ao diploma legislativo de 1831: [...] a lei de 1831 foi recuperada por abolicionistas como Luís Gama para argumentar em ações de liberdade que, como a lei nunca foi revogada, já em fins da década de 1860 boa parte dos indivíduos tidos como escravos estariam sendo mantidos ilegalmente em cativeiros.334 Nas palavras do advogado Busch Varela, em discurso proferido no dia 9 de março de 1884 em conferência realizada no Rio de Janeiro: Como já observei, a lei de 1831 não criava uma disposição transitória; não se limitava a abolir o tráfico; foi além – declarou livres todos os escravos, importados de então em diante. Tal disposição é, de sua natureza, irrevogável; a liberdade, uma vez adquirida, nunca mais se pode perder. Os importados depois de 1831 adquiriram-na, por disposição expressa de lei, nunca foram escravos no Brasil; foram vítimas de atroz e condenada pirataria; ninguém dirá que o roubo é meio de adquirir propriedade e de transmiti-la legitimamente.335 A conclusão a que chega Evaristo de Moraes é peremptória: Uma e única: muitos senhores de escravos, orgulhosos latifundiários brasileiros, se não eram ladrões, eram, pelo menos, receptadores de grande número de liberdades humanas; boa porção das suas fortunas tinha raízes na prática do crime previsto no art. 179 do Código Criminal do Império, pois resultava da escravidão direta dos africanos contrabandeados e da indireta dos africanos livres, misturados no eito com os outros.336 As sanções previstas na Lei de 7 de novembro de 1831 para o cometimento da conduta de importação de escravos eram graves: Art. 2º Os importadores de escravos no Brasil incorrerão na pena corporal do artigo cento e setenta e nove do Código Criminal337, imposta aos que reduzem à escravidão pessoas livres338, e na multa de duzentos mil réis por cabeça de cada um dos escravos importados, além de pagarem as despesas da reexportação para qualquer parte da África339; reexportação, que o Governo fará efetiva com a maior possível brevidade, contrastando com as autoridades africanas para lhes darem um asilo. Os infratores responderão cada um por si, e por todos. E havia também a definição de quem figuraria como importador de escravo: Art. 3º São importadores: 1º O Comandante, mestre ou contramestre. 2º O que cientemente deu, ou recebeu o frete, ou por qualquer outro título a embarcação destinada para o comércio de escravos. 3º Todos os interessados na negociação, e todos os que cientemente forneceram fundos, ou por qualquer motivo deram ajuda, a favor, auxiliando o desembarque, ou consentindo-o nas suas terras. 4º Os que cientemente comprarem, como escravos, os que são declarados livres no art. 1º; estes porém só ficam obrigados subsidiariamente ás despesas da reexportação, sujeitos, com tudo, ás outras penas.Havia previsão de incentivos financeiros para a denúncia do tráfico340 e também para as tripulações de embarcações militares nacionais que efetivamente apreendessem navios negreiros341. Tal lei proibia também a imigração de libertos para o Brasil342: Art. 7º Não será permitido a qualquer homem liberto, que não for brasileiro, desembarcar nos portos do Brasil debaixo de qualquer motivo que seja. O que desembarcar será imediatamente reexportado. Essa foi a chamada Lei para Inglês Ver343: um diploma legislativo construído com a finalidade de não ter nenhuma eficácia344, de natureza apenas simbólica, para dar uma resposta à grande potência da época, a Inglaterra, que exigia o cumprimento dos tratados anteriormente firmados345. Por que será que tal diploma legal “não pegou”? A resposta é simples: [...] os interesses econômicos de uma grande parte dos habitantes do Brasil, nacionais e estrangeiros, estavam ligados à mantença do tráfico africano. A “sentimentalidade” da maioria dos recentes cidadãos brasileiros, sob pressão desses interesses, ainda não fora alterada quanto ao tráfico, tendo sido indiferentes ao odioso da instituição os mais esforçados e adiantados fatores da nossa independência346. [Ademais] não pomos em dúvida que certas autoridades subalternas, subordinadas por interesse pecuniário ou dominadas por ligações políticas e familiares, se portassem com frouxidão e indolência347, no cumprimento dos seus deveres, favorecendo, direta ou indiretamente, os contrabandistas negreiros348. Ademais, esclarece Gurgel: [...] apesar de sua aparente severidade, ela desconsiderou o acordo assinado entre o Brasil e a Inglaterra em 1826, segundo o qual o tráfico era entendido como um ato de pirataria, o que permitia a ingerência da marinha britânica no aprisionamento e julgamento dos traficantes. Essa atitude veio, na verdade, favorecer aqueles importadores que continuaram trabalhando na clandestinidade, porque, a partir de então, eles passaram a ser subordinado exclusivamente às autoridades nacionais.349 Por fim, as melhores explicações para a não aplicação dessa lei estão contidas no célebre discurso proferido por Euzébio de Queirós, em 16 de junho de 1852, na Câmara dos Deputados: Sabe a Câmara que nós havíamos contratado com a Grã-Bretanha em 1926, que em 1830 seria o tráfico extinto entre nós. Desde logo os homens que se entregaram ao tráfico, então lícito, mandaram vir grande abundância de escravos para abastecer todos os mercados do Brasil350, e assim provida a agricultura de braços superabundantes, por algum tempo a supressão do tráfico não encontrou inconveniente algum. Fez-se a Lei de 7 de novembro de 1831, lei muito malconcebida, incapaz de fazer efetiva a repressão do tráfico, mas que, entretanto, revela o sentimento sincero da parte de seus autores de o reprimir. [...] Em um país tão fértil como o nosso, é sabido que o número de braços necessários para o plantio exige um número sempre maior para a colheita; daí resultar que qualquer que seja o número de braços de que disponha o fazendeiro para plantar, a sua colheita sempre exige maior número de braços. Aconteceu, pois, que, dentro de pouco tempo, esse grande abastecimento de braços, que nos últimos tempos tinha sido introduzido, já era insuficiente para as necessidades da colheita; então o tráfico, na falta de braços livres, achou grande incentivo; os nossos lavradores procuraram, com avidez, a compra de escravos, e, por consequência, os especuladores eram levados pelo desejo de grandes lucros, para o comércio ilícito.351 Argumentava-se também que o interesse da Inglaterra era o de apreender a carga de escravos nos navios negreiros e realocá-los nas suas colônias caribenhas352. Entretanto, Joaquim Nabuco ironizava o fato de que, apesar de a lei não ter sido aplicada, ela também não foi revogada353, defendendo uma verdadeira proibição do retrocesso, no que se refere à legislação que concede liberdades aos indivíduos: Fato curioso, a lei de 7 de novembro de 1831 que não pôde ser executada, senão muito excepcionalmente, não pôde também ser abolida. No nosso direito não se revogam cartas de liberdade, e qualquer governo, que ousasse propor às Câmaras a legalização do cativeiro dos africanos importados depois de 1831, teria a prova de que a nação não está inclinada a fazer o que não consente que outros façam. O escândalo continua, mas pela indiferença dos poderes públicos e impotência da magistratura, composta também, em parte de proprietários de africanos; e não porque se pretendia seriamente que a lei de 1831 fosse jamais revogada.354 Incrivelmente, o próprio Conselho de Estado se manifestou contrário à automática liberdade dos africanos355, pelos seguintes fundamentos: A intenção desta lei não podia ir além do pensamento dos tratados de que dimana [tratado firmado entre Brasil e Inglaterra em 1815] [...] Em todo caso é fora de dúvida que não pode ter apoio na Lei de 1831 o direito que se quer atribuir ao africano importado como escravo, depois daquela data, de ser equiparado à pessoa que nasceu livre no Brasil para gozo de plena liberdade civil.356 A falta de lógica de tal argumento agride a própria Constituição de 1824: o Poder legislativo brasileiro357 não estava limitado ao tratado de 1815, um ato firmado entre a Coroa portuguesa e o Reino da Inglaterra. Quando houve a decisão política de se criar uma lei concedendo a liberdade a qualquer escravo importado pelo tráfico, a partir da vigência de tal diploma legal deu-se origem a uma decisão soberana do Império do Brasil, tomada pelo seu órgão competente para criar leis: a Assembleia Geral358. Em síntese, apesar da existência de um arcabouço jurídico positivado, o tráfico de escravos se intensificou muito a partir da década de 1830359. Somente entre os anos de 1842 e 1852, mais de 300.000 escravos foram importados, segundo Eusébio de Queirós: Demais a proceder a opinião dos nobres deputados, pois que o feto, segundo o direito romano transplantado para o nosso, segue a condição do ventre, serão livres não só os escravos importados depois daquela data, como toda a sua descendência. Coloquemos a questão no seu verdadeiro terreno. Se, como demonstrei, somente no período de dez anos, de 1842 a 1852, como consta dos documentos oficiais, foram importados 326.317 africanos, e não sabendo nós quantos teriam sido importados no período anterior de 11 anos depois da lei de 1831, pergunto: quantos dos atuais escravos poderiam rigorosamente ser considerados como tais, a prevalecer a opinião que combato?360 Entretanto, os ingleses não ficaram satisfeitos com a permanência do tráfico de escravos e a situação diplomática se agravou. 6. O Bill Aberdeen e o impasse Diplomático O tratado de 1826, firmado pela Inglaterra e o nascente Império do Brasil361, estabelecia que o direito de visita iria expirar em 13 de março de 1845362. No dia 12 de março de 1845, o ministro de Negócios Estrangeiros notificou o Governo inglês que tal direito iria caducar363. Em face da pressão do Secretário de Estado Conde de Aberdeen, foi decretado, em 8 de agosto de 1845, o Bill Aberdeen364, que nada mais era que uma “lei para pôr em execução uma convenção entre S.M. o Imperador do Brasil para regulamentação e a final abolição do tráfico africano de escravos”365. O Bill Aberdeen sujeitava os navios brasileiros,que fizessem tráfico de escravos, ao Alto Tribunal do Almirantado e a qualquer tribunal do Vice-Almirantado dentro dos domínios de S. M. o Rei Jorge IV. Na prática, as tripulações seriam julgadas em tribunais britânicos da Serra Leoa366: 4º) E decreta-se que será lícito ao alto tribunal do almirantado e a qual quer tribunal de vice-almirantado de S. M. dentro de seus domínios tomar conhecimento e julgar qualquer navio que faça o tráfico de escravos africanos em contravenção da dita convenção de 23 de novembro de 1826, e que for detido e capturado por aquele motivo depois do dito dia 13 de março por qualquer pessoa ou pessoas a serviço de S. M. Curiosamente, esse diploma legal tinha por objetivo ratificar a vigência de um tratado de direito internacional cuja validade já havia expirado. Unilateralmente, a Inglaterra pretendia manter viva uma norma que não mais existia. A própria imprensa britânica enxergou tal lei como quase que um ato de beligerância, pois pretendia aprofundar os abusos que já vinham sendo cometidos367: [...] o direito de visita exercido violentamente, a alcance das baterias brasileiras nas águas territoriais do Império, por vezes mesmo no interior de seus portos; desembarques com força armada em diferentes pontos da costa, em presença das autoridades locais, e com menosprezo de suas representações; numerosas apreensões arbitrárias, gratuitas; e todas essas ofensas e atentados à nacionalidade brasileira, desfrutando uma impunidade revoltante, devida em grande parte à anarquia a que se achavam reduzidas as comissões mistas pelas razões já acima alegadas pelo abaixo- assinado.368 O Governo brasileiro, por meio de nota diplomática, em 22 de outubro de 1845, assinada pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, repudiou o Bill Aberdeen sem obter resposta369: Absurdo fora reconhecer no Governo britânico o direito de punir súditos brasileiros, nas suas pessoas ou na sua propriedade, por crimes cometidos no território do Império, sem muito expressa, clara e positiva delegação deste direito370, feita pelo soberano do Brasil ao da Grã- Bretanha.371 Não é concebível como possa ser considerado hoje pirataria, segundo o direito das gentes, quando, não há muitos anos, ainda a mesma Inglaterra não se reputava infamada em negociar em escravos africanos, e quando outras nações cultas ainda há bem pouco tempo proscreveram tal tráfico372. Com o Bill Aberdeen, a repressão inglesa ao tráfico de escravos aumentou, fazendo com que tal negócio se tornasse mais arriscado e oneroso: A Inglaterra esperou até 1845 que o Brasil entrasse em acordo com ela; foi somente em 1845, quando em falta de um tratado conosco ela ia perder o fruto de vinte e oito anos de sacrifícios, que lorde Aberdeen apresentou o seu bill. O bill Aberdeen, pode-se dizer, foi uma afronta ao encontro da qual a escravidão forçou o governo brasileiro a ir. A luta estava travada entre a Inglaterra e o tráfico, e não podia, nem devia acabar por honra da humanidade recuando ela. Foi isso que os nossos estadistas não pensaram. A cerração que os cercava não lhes permitia ver que em 1845 o sol do nosso século já estava alto demais para alumiar ainda tal pirataria neste hemisfério.373 Entretanto, apesar de tal rigorosa medida, o tráfico se intensificou, como se pode observar no quadro abaixo374: Ano Número de escravos importados 1842 17.435 1843 19.095 1844 22.849 1845 19.453 1846 50.000 1847 56.000 1848 60.000 1849 54.000 1850* 23.000 1851 3.287 1852 700 Quadro 1. Registro do número de escravos importados por ano *. “A queda súbita que se assinala neste último ano resulta, aliás, não só da aprovação da lei Eusébio de Queirós, que é de 4 de setembro, como da intensificação das atividades britânicas de repressão ao tráfico” (Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978, p. 44). Entre 1830 e 1852, estima-se que cerca de 646.315 africanos tenham sido contrabandeados como escravos para o Brasil375: Não obstante a proibição legal, e após decréscimo temporário nas entradas de africanos durante a primeira metade da década de 1830, o comércio negreiro, então clandestino, assumiu proporções aterradoras nos anos seguintes, impulsionado pela demanda por trabalhadores para as fazendas de café, useiro e vezeiro no logro aos cruzeiros britânicos auxiliado pela conveniência e corrupção de autoridades públicas e com o apoio de setores diversos da população.376 Como veremos, somente com o advento da Lei Eusébio de Queirós, efetivamente, o tráfico passou a entrar em decadência, vindo a desaparecer377. 7. A Lei Eusébio de Queirós e o fim do tráfico internacional de escravos Um escravo alcançava altos preços no mercado, não se tratava de uma “coisa” cujo valor de mercado fosse irrisório dentro do comércio jurídico do Brasil imperial. Ao contrário, por seu potencial de gerar riquezas para os seus proprietários378 e a dificuldade que envolvia o tráfico, fazia com que seu preço fosse altíssimo, sendo sua aquisição algo que envolvia grande investimento de capital379. Segundo Joaquim Nabuco, o tráfico de escravos acabou pelo “interesse dos agricultores, cujas propriedades estavam passando para as mãos dos especuladores e dos traficantes380, por causa das dívidas contraídas pelo fornecimento de escravos”381. Eis o discurso de Eusébio de Queirós, em 1852, denunciando tal realidade: A isto (o desequilíbrio entre as duas classes de livres e escravos produzidos “pela progressão ascendente do tráfico” que nos anos de 1846, 1847 e 1848 havia triplicado) veio juntar-se o interesse dos nossos lavradores: a princípio, acreditando que na compra do maior número de escravos consistia o aumento dos seus lucros382, os nossos agricultores, sem advertirem no gravíssimo perigo ameaçava o país, só tratavam da aquisição de novos braços comprando-os a crédito, a pagamento de três a quatro anos, vencendo no intervalo juros mordentes. [...] Assim os escravos morriam, mas as dívidas ficavam, e com elas os terrenos hipotecados aos especuladores383, que compravam os africanos aos traficantes para revender aos lavradores [...]384. Assim a nossa propriedade territorial ia passando da mão dos agricultores para os especuladores e traficantes385. [...] Esta experiência despertou os nossos lavradores, e faz-lhes conhecer que achavam sua ruína, onde procuravam a riqueza, e ficou o tráfico desde esse momento definitivamente condenado386. Joaquim Nabuco também tecia forte crítica ao total desrespeito à legislação que impunha um fim ao tráfico de escravos: Pela Convenção de 1826, o comércio de africanos devia, no fim de três anos, ser equiparado à pirataria, e a lei que os equiparou tem a data de 4 de setembro de 1850. A liberdade imediata dos africanos legalmente capturados foi garantida pela mesma convenção, quando ratificou a de 1817 entre Portugal e a Grã- Bretanha, e o decreto que emancipou os africanos livres foi de 24 setembro de 1864. Por último, a lei de 7 de novembro de 1831 está até hoje sem execução, e os mesmos que ela declarou livres acham-se ainda em cativeiro. Nessa questão do tráfico bebemos as fezes todas do cálice.387 Euzébio de Queirós lidava com o que poderia ser executado. Alterou um anteprojeto de Lei de 1837 que pretendia reformar a Lei de 7 de novembro de 1831 e que se encontrava arquivado, desde 1848, na Câmara dos Deputados388. A Lei de 7 de novembro de 1831 foi aproveitadano que se refere aos efeitos penais e civis previstos389. Porém, no que se refere aos demais temas, se comparamos a Lei nº 581, de 1850, com a sua precedente, houve significativas alterações. Importante observar que a referida Lei buscava alcançar fatos ex nunc, ou seja, para o futuro, visando corrigir as falhas da Lei de 1831 Art. 1º As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros, ou mares territoriais do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação é proibida pela Lei de sete de novembro de mil oitocentos e trinta e um, ou havendo-os desembarcado, serão apreendidas pelas Autoridades, ou pelos Navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos. Aquelas que não tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porém que se encontrarem com os sinais de se empregarem no tráfico de escravos, serão igualmente apreendidas, e consideradas em tentativa de importação de escravos. Note-se que, em última análise, esse diploma legal apenas ratificou a proibição de importação de cativos africanos já estabelecida pela Lei de 7 de novembro de 1831. Caberia ao poder executivo regulamentar as presunções legais390 que permitiriam inferir que uma embarcação estava operando como navio negreiro. A lei equiparava à pirataria o ato de importar escravos no território do Império391: Art. 4º A importação de escravos392 no território do Império fica nele considerada como pirataria, e será punida pelos seus Tribunais com as penas declaradas no Artigo segundo da Lei de sete de novembro de mil oitocentos e trinta e um. A tentativa e a cumplicidade serão punidas segundo as regras dos artigos trinta e quatro e trinta e cinco do Código Criminal. Note-se que se tratava do crime previsto no art. 82 do Código Criminal do Império; não a pirataria do direito internacional, que permitia a visita da embarcação por navios de guerra estrangeiros: Art. 82. Exercitar pirataria; e este crime julgar-se-á cometido: 1º Praticando no mar qualquer ato de depredação, ou de violência, ou contra brasileiros, ou contra estrangeiros, com quem o Brasil não esteja em guerra. 2º Abusando da Carta de Corso, legitimamente concedida, para praticar hostilidades, ou contra navios brasileiros, ou de outras nações, que não fosse autorizado para hostilizar. 3º Apossando-se alguém do navio, de cuja equipagem fizer parte, por meio de fraude, ou violência contra o Comandante. 4º Entregando alguém aos piratas, ou ao inimigo, um navio, a cuja equipagem pertencer. 5º Opondo-se alguém por ameaças, ou por violência, a que o Comandante, ou tripulação defenda o navio em ocasião de ser atacado por piratas, ou pelo inimigo. Penas – de galés perpétuas no grau máximo; de prisão com trabalho por vinte anos no médio; e por dez no mínimo. 6º Aceitando Carta de Corso de um Governo estrangeiro sem competente autorização. Penas – de prisão com trabalho por dois a oito anos. Em síntese, o tráfico de escravos foi equiparado à pirataria prevista no Código Criminal do Império393. Os escravos apreendidos394 seriam “reexportados” para o porto de origem ou para qualquer local fora do Império, por ato discricionário do poder público395. Enquanto esse ato de “reexportação” não era concretizado, eles eram “empregados em trabalho debaixo da tutela do Governo, não sendo em caso algum concedidos os seus serviços a particulares”396. Ademais, a competência para realizar a fiscalização e julgar os ilícitos era das autoridades brasileiras397. Tal atribuição para julgamento dos apresamentos seria da Auditoria da Marinha398, bem como a determinação de liberdade dos escravos importados, conferida pelo art. 8º da Lei nº 581, de 1850, se os atos fossem praticados em “alto mar, ou na costa antes do desembarque, no ato dele, ou imediatamente depois em armazéns, e depósitos sitos nas costas e portos”. A Regulamentação do procedimento seria fixada pelo Poder Executivo399, com a possibilidade de designação de Auditores de Marinha nos portos onde julgasse conveniente, que seriam os Juízes de Direito das respectivas Comarcas400. Para julgamento dos crimes previstos no art. 3º da Lei nº 581, de 1850, seriam competentes tais Auditores da Marinha, com recurso para o respectivo Tribunal da Relação: Art. 9º Os Auditores de Marinha serão igualmente competentes para processar e julgar os réus mencionados no Artigo terceiro401. De suas decisões haverá para as Relações os mesmos recursos e apelações que nos processos de responsabilidade. A Lei Eusébio de Queirós alcançou seu objetivo402 e, já em 1852, o tráfico de escravos pelo Atlântico havia sido efetivamente extinto403, em resultado da aplicação rápida desse diploma legislativo. 8. O Tráfico interprovincial de escravos404 A severa aplicação da Lei nº 581, de 04 de setembro de 1850405, entretanto, incentivou406 o tráfico de escravos dentro do território nacional, pois a demanda pela mão de obra servil não cessou407, fazendo com que houvesse a transferência maciça de cativos das regiões do Norte do Império408 para os centros cafeicultores do Sul, que utilizavam de forma intensiva tal tipo de trabalho409: [...] é somente a partir de 1850, com a abolição do tráfico africano, que ele toma vulto inusitado, de vez que passara a constituir, com o crescimento vegetativo da escravaria sulista, as únicas fontes de mão-de-obra para a lavoura cafeeira.410 Em verdade, houve um grande desnível de produtividade entre as províncias do Império411, o que justificou a exportação desse excedente de mão de obra escrava (entre 100 e 200 mil cativos exportados) para os centros cafeicultores412: “O tráfico interprovincial foi a última tentativa de remanejamento da mão-de-obra escrava dentro do território nacional”413. O tráfico interno se iniciava com a compra e venda de escravos414, quando o proprietário do escravo o ofertava em uma casa de comissões415. Efetuava-se a compra (com emissão do recibo de pagamento), sem a lavratura da escritura, mas de uma procuração416, para que o comerciante (intermediário) pudesse apresentar tal escravo em outras praças. Esse mesmo escravo era oferecido a outro comerciante exportador, que recebia um substabelecimento417 da procuração original, fornecendo ao escravo um passaporte418 e enviando-o para a província do Rio de Janeiro419, por exemplo. Ao desembarcar, o escravo era submetido à autoridade policial, remetido a um grande comerciante, que repassava para outros intermediários, em casas de comissões, onde seria revendido na praça, aos destinatários finais420. Esse tráfico interprovincial foi excelente para as finanças públicas421, pois pesados tributos passaram a incidir sobre tal atividade econômica, por sua vez, com o tempo, esta excessiva carga tributária tornou proibitivo o comércio interprovincial de escravos em virtude dos impostos pagos tanto na operação de exportação do escravo quanto na de importação422: As restrições ao interprovincial multiplicavam-se. [...] Na Bahia, já em 1862, taxava-se em 200 mil-réis a saída dos escravos, o mesmo sucedia em outras províncias do Norte423. Em São Paulo Em São Paulo, no ano de 1871, a Assembleia Provincial tributou com o imposto de 200 mil-réis o escravo importado. O objetivo era embaraçar a entrada de escravos na província, pois começava-se a pensar que, enquanto houvesse escravidão, não haveria emigração. [...] EmSão Paulo, voltou-se a insistir na questão em 1880-1881, taxando-se finalmente em dois contos a transferência de escravos procedentes de outras províncias (Lei Provincial nº 1, de 2 de janeiro de 1881)424. Já no ano de 1881, devido aos impostos incidindo sobre a compra e venda interprovincial de escravos, o tráfico interno estava praticamente extinto 425. A sua vedação somente veio a se efetivamente instituída pelo § 19, do art. 3º, da Lei nº 3.270, de 28 de setembro de 1885, com a proibição da alteração do domicílio do escravo que importasse em transferência para outra Província426. Notas 204. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social: africanos, v. III. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867, p. 54. 205. Boxer, Charles R. O império marítimo português: 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 110-119. 206. Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2004, p. 392. Importantes as observações de Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 15. 207. “O tráfico não serviu senão de enriquecer por esse meio a alguns poucos indivíduos, com grande prejuízo do bem geral, e também da fortuna e interesses de particulares, dos quais muitos se arruinaram, quer dos que igualmente empreenderam tão abominável e arriscada especulação, quer os consumidores de tão horripilante mercadoria, e com especialidade os fazendeiros e lavradores” (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social: africanos. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867, p. 62). 208. “[...] os traficantes daqui ou da costa africana foram sempre homens ricos e poderosos, capazes de improvisar novos meios de burlar a vigilância inglesa e de inventar recursos legais como esse de compra de navios americanos, ou ilegais, já que o tráfico foi um dos maiores negócios do Brasil durante os primeiros cinquenta anos do século XIX” (Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2004, p. 392). 209. Nabuco, Joaquim. O Abolicionista. Rio de Janeiro: Vozes, 1977, p. 112-113. 210. Alencastro, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 247ss e p. 353-354. 211. Nabuco, Joaquim. O Abolicionista. Rio de Janeiro: Vozes, 1977, p. 108-109 e Dugard, Martin. No coração da África. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 12. 212. “Para evitar confusões, os mercadores da Costa dos Escravos marcavam seus ‘fardos’ com ferro quente, como se faz hoje com gado. [...] Cada mercador de escravo utiliza a sua própria marca; assim, quando o barco chega ao seu destino, é possível determinar a quem pertencem os que estão mortos” (Narloch, Leandro. Achados e perdidos da história: escravos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017, p. 83-84). 213. James, Cyrill Lionel Robert. Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos. Tradução de Afonso Teixeira Filho. São Paulo: Bomtempo, 2010, p. 22-23. 214. Luna, Luís. O Negro na Luta contra a Escravidão. Brasília: Editora Cátedra, 1976, p. 25. Acerca da existência da escravidão nas sociedades africanas e as suas diferenças em relação ao sistema de produção escravista implantado no Novo Mundo v. D’Amorim, Eduardo. África: essa mãe quase desconhecida. Recife, Editora Liber, 1996, p. 52-55. 215. Um exemplo: “[...] o reino do Daomé tinha uma tradição escravista centenária. [...] Ajudá se tornou um dos mais movimentados portos de embarque de escravos da África. Saíram dali pelo menos 430 mil prisioneiros, o que fez daquele porto o terceiro com mais embarques em toda a história da escravidão africana, ficando atrás de Luanda, em Angola (1,4 milhão de escravos embarcados) e da Costa da Mina (648 mil)” (Narloch, Leandro. Achados e perdidos da história: escravos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017, p. 86). 216. Exemplo era o reino de Iorubá que, na atual Nigéria, havia montado esquadrões de cavalarias para invadir pequenas vilas de inimigos e transformar os derrotados em escravos (Narloch, Leandro. Achado e perdidos da história: escravos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017, p. 58). 217. Ibidem, p. 87. 218. Ibidem, p. 46. 219. “Ao norte do Benim, Oyó, reino dos Iorubás, atacava os vizinhos com guerreiros a cavalo. Já o Daomé era um Estado militarizado por excelência – contava até com tropas de mulheres para assaltar povos vizinhos, escraviza-los ou usá-los em rituais de sacrifício humano. [...] os reinos africanos intensificaram a caça de escravos entre os povos vizinhos” Ibidem, p. 74-75). 220. “As caçadas de escravos garantiam o sustento dos guerreiros, senhores locais, nobres e do rei. Muitos escravos eram trocados por dinheiro, espingardas e pólvora que serviam para avançar sobre mais territórios e caçar mais escravos” Ibidem, p. 87). 221. É o caso dos Jagas, que eram “[...] hordas de negros que, na África caçavam escravos, agrupando-os em quilombos [...] Ali aguardavam a chegada de agentes comerciais portugueses, os pombeiros, para vender as levas conforme o preço alcançado por cada uma” (Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2004, p. 224). 222. “[...] E um círculo vicioso se formou, cada povo se fortificando mais, para não perecer como escravo nas mão do Estado mais forte. [...]” (D’Amorim, Eduardo. África: essa mãe quase desconhecida. Recife: Editora Liber, 1996, p. 49). 223. Sobre as origens do tráfico, ver Taunay, Afonso D’Escragnole. Subsídios para a hisória do tráfico africano no Brasil colonial. In: Estudos sobre a Escravidão Negra, v. 1. Apresentação e organização Leonardo Dantas Silva. Recife: Ediutora Massangana: Fundaj, 1988, p. 88-92. 224. O vocábulo abolição pode ser empregado tanto para indicar o fim da existência de escravos em um determinado território quanto para indicar o fim do tráfico de escravos. Para Macedo Soares, autor do Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, escrito na segunda metade do século XIX, acerca do termo abolição: “[...] termos novos, criados modernamente para exprimir ideias relativas a medidas tendentes à extinção da escravidão. ‘Partido dos Estados Unidos’ – dizem Littré e diversos. Podiam acrescentar – e do Brasil, e de todos os países onde se mantém, como instituição social, o abuso da escravatura, sustentado pelo homem ladrão, locupletando-se com o suor da força, tolerada pelos governos covardes, em benefício de sociedades que não têm noção clara de justiça” (Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 367). No Brasil, no século XIX, como sinônimo para abolição da escravatura, empregava-se o vocábulo emancipação. 225. “Em 1761, a escravidão foi abolida no território português (e proibido o transporte de negros para território fora do império português), mas nada fez, nem podia ser feito, para emancipar os escravos nos territórios ultramarinos portugueses ou para abolir o tráfico de escravos pata o Brasil” (Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 19.). 226. Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Editora da USP, 1976,p. 19. 227. Entre 1750 e 1777, quando Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, foi nomeado ministro pelo monarca D. José I, então El-Rei de Portugal (Azevedo, Jorge Duarte de. Portugal e Brasil: dos Afonsinos aos Bragança. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 299-307). 228. Moraes, Evaristo. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 23 e Bandeira, Visconde de Sá da. Escravatura e o bill de lord Palmerston. Lisboa: Typ. De José Baptista Morando, 1840, p. 3. 229. A justificativa para a existência de tal diploma era simples: apesar da abolição da escravidão e da proibição do tráfico de escravos para as terras da metrópole, em 1761, a prática de manter-se negros escravos, bem como de reputar como cativos os filhos de escravas concubinas perdurou. 230. “Ao ler as condições para que a emancipação se concretizasse, entende-se que esta medida previa o fim gradual da escravidão em Portugal, pois seriam agraciados automaticamente apenas os escravos de quarta geração. Somente no futuro esta medida tornar-se-ia efetiva, atingindo, então, todos os que nascessem. Note-se, entretanto, que para a época esta medida constituiu algo inusitado, pois a liberdade do ventre seria medida comum apenas ao longo do século XIX” (Lima, Priscila de. De libertos a habilitados: interpretações populares dos alvarás anti-escravistas na América portuguesa (1761-1810). Curitiba, 2011, p. 74). 231. Lima, Priscila de. De libertos a habilitados: interpretações populares dos alvarás anti-escravistas na América portuguesa (1761-1810). Curitiba, 2011, p. 75. 232. Moraes, Evaristo. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 15. 233. Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 38-39. 234. “O visconde do Rio Branco disse mesmo no Conselho de Estado, antes de ler esse alvará, cujas palavras qualificou de memoráveis, que a lei portuguesa ‘estendeu esse favor (o de declará-los livres e ingênuos) aos infantes que fossem libertados no ato de batismo, e aos libertos que se achassem em certa classe’, e acrescentou – ‘o que não se poderia fazer entre nós sem ferir a Constituição do Império’” (Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 38-39, grifo nosso). 235. “Nos últimos anos do século XVIII parecia que o antiescravismo chegara a seu limite na Inglaterra. [...] Na Grã-Bretanha acontecera uma campanha sem precedentes contra o tráfico negreiro, mas ainda em 1790 o comércio britânico de escravos atingira proporções extraordinárias” (Blackburn, Robin. A queda do Escravismo Colonial: 1776-1848. Tradução de Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 174). 236. “O projeto foi aprovado na segunda leitura na Câmara dos Lordes por cem votos contra 36 [...] O projeto foi aprovado na Câmara dos Comuns por 283 votos a 16. Esta provação fez com que se tornasse ilegal que qualquer navio britânico participasse do comércio atlântico de escravos a partir de 1º de janeiro de 1808” (Blackburn, Robin. A queda do Escravismo Colonial: 1776-1848. Tradução de Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 335- 336). “A abolição da escravidão no império inglês [somente] foi aprovada no Parlamento britânico em 1833. A lei, que entraria em vigor a partir de agosto de 1834 estipulava uma fase de transição do regime escravista para o livre, chamada de aprendizagem, em que os trabalhadores, ex-escravos, se submetiam a estrita vigilância. Prevista para durar até 7 anos, a aprendizagem foi abolida em 1838, antes do prazo final” (Alencar, José de. Cartas a favor da escravidão. In: Parron, Tâmis (org.). São Paulo: Hedra, 2008, p. 79). 237. A severa Lei penal de 4 de maio de 1811 estabelecia as respectivas sanções (Moraes, Evaristo. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 36). 238. “Pelos próximos doze anos, a Europa teria o cheiro acre de pólvora. As guerras acabariam influenciando a maioria dos atos futuros de Napoleão, e imporiam um selo militar em seu governo” (Cronin, Vincent. Napoleão: uma vida. Tradução de Anna Lim e Lana Lim. Barueri: Amarilys, 2013, p. 239). Para uma descrição do exército multinacional que invadiria a Rússia sob a liderança de Napoleão ver Cronin, Vincent. Napoleão: uma vida. Tradução de Anna Lim e Lana Lim. Barueri: Amarilys, 2013, p. 312-314. 239. Ibidem. 240. “No mar, entretanto, os franceses estavam por essa época completamente derrotados. Após a batalha de Trafalgar (1805), qualquer chance não apenas de invadir a Grã-Bretanha pelo Canal da Mancha, como também de manter contatos ultramarinos, desapareceu. O único modo que parecia haver para derrotar a Grã- Bretanha era a pressão econômica, e isto Napoleão tentou exercer eficazmente através do Sistema Continental (1806)” (Hobsbawm, Eric J. A era das revoluções: 1789-1848. Tradução de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 128). 241. “Artigo 1º. As Ilhas Britânicas são declaradas em estado de bloqueio. Artigo 2º. Todo o comércio e correspondência com as ilhas britânicas são proibidos. Como resultado, cartas ou pacotes endereçados ou Inglaterra, ou um inglês, ou escritos em Inglês não terá aulas para cargos e serão apreendidos. Artigo 3º. Qualquer sujeito individual da Inglaterra, em qualquer estado ou condição que possa ser, que será encontrado nos países ocupados por nossas tropas, ou os de nossos aliados, serão feitos prisioneiros de guerra. Artigo 4º. Qualquer loja de quaisquer bens, qualquer propriedade de qualquer tipo que seja, pertencente a um sujeito da Inglaterra, será declarado prêmio legal. Artigo 5º. Comércio de mercadorias inglesas é proibida; e quaisquer bens pertencentes a Inglaterra, ou a partir de suas fábricas e suas colônias, é declarado prêmio legal. Artigo 6º. Metade dos recursos obtidos com a confiscação de bens e propriedades declaradas jogo justo pelos artigos anteriores, serão utilizados para compensar as perdas que os comerciantes (que experimentaram tomando navios mercantes foram removidos por Inglês cruzeiro. Artigo 7º. Nenhum navio vindo diretamente de Inglaterra ou as colônias inglesas, ou ter sido, desde a publicação do presente decreto, serão recebidos em qualquer porta. Artigo 8º. Um navio que, por meio de uma declaração falsa, que violem o disposto no número anterior serão apreendidas; e o navio de carga serão confiscados como se fossem propriedade Inglês [...]”. 242. Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã- Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 20 e Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 7. 243. Juntamente com a elite da Corte portuguesa, após a invasão de Portugal, pelo exército francês, em 18 de outubro de 1807, sob liderança do general Andoche Junot. Zarpando em 29 de novembro de 1807 da embocadura do Tejo, em Lisboa, uma esquadra com catorze embarcações, sob comando do vice- almirante Manuel da Cunha Souto Maior, partiu, levando consigo a família real e figuras proeminentes da sociedade lusitana (Azevedo, Jorge Duarte de. Portugal e Brasil: dos Afonsinos aos Bragança. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 325- 327). 244. O vice-reino do Brasil foi elevado posteriormente, por ato de D. João VI, à Reino Unido ao de Portugal e Algarves, em 16 de dezembro de 1815. (Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 43). “Embora não seja conhecido acto normativo que eleve o Brasil a Vice-reino, normalmente este estatuto da colónia surge associado ao espaço de tempo em que foi dado o título de Vice-rei ao representante máximo da Coroa naquele território” (Marcelino, Maria da Graça dos Santos. O esclarecido vice-reinado de D. Luís de Almeida Portugal, 2º Marquês do Lavradio: Rio de Janeiro 1769- 1779. Lisboa, 2009, p. 29). 245. O mesmo comandante das forças britânicas em Waterloo, que derrotou Napoleão e o exército francês (Cronin, Vicent. Napoleão: uma vida. Tradução de Anna Lim e Lana Lim. Barueri: Amarilys, 2013, p. 265). 246. Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã- Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 21. 247. Bandeira, Visconde de Sá da. Escravatura e o bill de lord Palmerston. Lisboa: Typ. de José Baptista Morando, 1840, p. 9-10. 248. Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Editora da USP, 1976, p. 21-22 e Moraes, Evaristo. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 27. 249. Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Editora da USP, 1976, p. 22. 250. Moraes, Evaristo. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 28. Muito antes houve outra inútil tentativa legislativa para humanizar o tráfico de escravos, pelo Alvará de 18 de março de 1684 (Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2004, p. 287). 251. Tais importantes trabalhos estariam relacionados à abertura de comunicações interiores, seja por terra, como pelos rios, entre essa Capital e as diferentes Capitanias do Império; ao desenvolvimento da agricultura; a ampliação das plantações de cânhamos, de especiarias e de outros gêneros “de grande importância e de conhecida utilidade, assim para o consumo interno, como para exportação”; o estabelecimento de fábricas autorizadas por lei; a exploração e extração dos preciosos produtos dos reinos mineral e vegetal. 252. Determinando “que tão bárbaro invento mais se não pratique, devendo substituir-se por uma manilha ou coleira, em que se grave a marca que haja de servir de distintivo”. 253. Por aplicação da pena prevista na Ordenação do Liv. 5º, tit. 36, § 1º. 254. Entre 5% a 10% da carga (Narloch, Leandro. Achado e perdidos da história: escravos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017, p. 65). Para mais detalhes sobre variações acerca dessa mortalidade em Ribeiro, Alexandre Vieira. Perdas em trânsito: mortalidade escrava na travessia Atlântica. In: XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. Anais. São Paulo, julho 2011, disponível em: <https://goo.gl/vVE4E6>. Acesso em: 23 dez. 2017. Entretanto, segundo Moura: “Na travessia, era enorme a mortalidade, de tal modo que não se pode fazer um cálculo exato do seu montante” (Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2004, p. 287). 255. Aprovados e examinados em terra na presença do Delegado do Physico- Mor do Reino ou pelos responsáveis sanitários do navio. 256. “Sendo a falta de uma suficiente porção de agua a que mais custa a suportar, principalmente a bordo dos navios sobrecarregados de passageiros, e enquanto se não afastam das adustas Costas de África; e tendo-se reconhecido que de uma tal falta resultam ordinariamente as moléstias e a morte de um grande número de negros, vítimas da inumanidade e avidez dos Mestres das embarcações; determino que a aguada haja de regular-se na razão de duas canadas por cabeça em cada um dia, assim para beber como para a cozinha, regulando-se as viagens dos portos de Angola, Benguela e Cabinda, para este do Rio de Janeiro a 50 dias , daqueles mesmos portos para a Bahia e Pernambuco de 35 a 40 dias , e de três meses quando o navio venha de Moçambique; e da sobredita porção de agua se deverá fornecer a cada indivíduo impreterivelmente uma canada por dia para beber; a saber, meia canada ao jantar e meia canada a ceia; e querendo que mais se não pratique a barbaridade com que se procedia na distribuição da agua, chegando a inumanidade ao ponto de espancar aqueles que, mais aflitos pela sede, vinham mui apressadamente saciar-se; determino que, conservando-se a pratica estabelecida para a comida dos negros, dividindo-se estes em ranchos de 10 cada um, se forneça semelhantemente a cada rancho a porção da agua que lhe toca, a razão de meia canada por cabeça, assim de madeira ou cassengos, que contenha cinco canadas de agua”. 257. “Embarcação construída especialmente para o transporte dos africanos escravos da África para o Brasil. O nome originou-se, evidentemente, do vocábulo ‘tumba’ (sepultura), devido ao avultado número de mortes durante a travessia. Daí também a denominação de túmulos flutuantes” (Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2004, p. 404). 258. Em 1823, houve um levante de escravos em um tumbeiro, que estava carregando negros Macuas (etnia majoritária de Moçambique). A grande parte da tripulação branca foi jogada ao mar ou foram mortos, após luta corporal, na qual os negros utilizaram o que encontraram na embarcação para lutar. A embarcação atracou na Bahia. A razão dessa sangrenta rebelião era de que os negros transportados tinham um imenso pavor de que os brancos praticassem o canibalismo, devorando-os, logo que desembarcassem no Brasil (Goulart, José Alípio. Da fuga ao suicídio: aspectos da rebeldia dos escravos no Brasil. Rio de Janeiro: Conquista, 1972, p. 149-150). “Boatos de canibalismo nos navios negreiros se difundiam tanto na África quanto na América. Chefes africanos se aproveitavam do temor dos escravos para ameaça-los: se não se comportassem, seriam vendidos para os ‘europeus canibais’. [...] A suspeita de canibalismo motivava suicídios, revoltas e greves de fome [...]” (Narloch, Leandro. Achado e perdidos da história: escravos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017, p. 99-100). 259. James, Cyrill Lionel Robert. Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos. Tradução de Afonso Teixeira Filho. São Paulo: Bomtempo, 2010, p. 22-23. 260. Nabuco, Joaquim. O Abolicionista. Rio de Janeiro: Vozes, 1977, p. 109. “Os navios negreiros variavam muito de modelo e capacidade. Alguns carregavam até mais de seiscentos escravos, outros, menos de sessenta” (Narloch, Leandro. Achado e perdidos da história: escravos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017, p. 98). Segundo Pinsky, a viagem normal entre Angola e Recife demorava por volta de 35 dias. Para o Rio de Janeiro, aproximadamente 50 dias. Se houvesse calmarias poderia a demorar até 6 meses. Havia tumbeiros que chegavam a transportar 700 escravos (Pinsky, Jaime. Escravidão no Brasil. São Paulo: Global, 1981, p. 27). 261. Moraes, Evaristo de. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 30 e Freitas, Décio. Escravidão de índios e negros no Brasil. Porto Alegre: EST/ICP, 1980, p. 30-35. 262. Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Editora da USP, 1976, p. 26. 263. Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil. Rio de Janeiro:Expressão e Cultura; São Paulo: Editora da USP, 1976, p. 30-31. 264. “A 28 de julho de 1817, após um grande receio e hesitação, o Conde de Palmella, à época embaixador de Portugal em Londres, foi forçado a assinar uma Convenção Adicional ao tratado de 1815. Definia mais precisamente a parte do tráfico português de escravos que permaneceria legal, ou seja, o tráfico feito em barcos lusos entre portos dentro dos domínios da coroa portuguesa ao sul do equador e território português no litoral africano, ao sul da linha” (Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Editora da USP, 1976, p. 30-31). Para a íntegra do referido diploma, ver Freitas, Décio. Escravidão de índios e negros no Brasil. Porto Alegre: EST/ICP, 1980, p. 36-43. 265. Nos termos do art. 2º desse Tratado: “Não poderia ser visitado ou detido, debaixo de qualquer pretexto ou motivo, navio algum mercante ou empregado no comércio de negros, enquanto estivesse dentro de um porto ou enseada pertencente a uma das duas altas partes contratantes, ou ao alcance de tiro de peças das baterias [canhões] de terra...” (Moraes, Evaristo. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 38). Entretanto, não raro, a Inglaterra não respeitava tais limites para exercício do direito de visita, o que acarretou vários incidentes diplomáticos entre os países. 266. Moraes, Evaristo de. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 30. 267. Ibidem. p. 30. 268. Ibidem, 1988, p. 28. 269. “Como, porém, não demorou a ficar claro, o fato de os navios negreiros ficarem livres de qualquer interferência até o momento em que embarcassem escravos, constituía a maior fraqueza dos tratados do direito de busca” (Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 35). 270. “Menos de um ano após a família real deixar Lisboa a cidade libertou-se das mãos dos franceses e em meados de 1812 tornara-se politicamente viável o retorno da Corte portuguesa” (Azevedo, Jorge Duarte de. Portugal e Brasil: dos Afonsinos aos Bragança. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 328). 271. Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 42-43. 272. Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã- Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 39. 273. Azevedo, Jorge Duarte de. Portugal e Brasil: dos Afonsinos aos Bragança. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 348. 274. Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 43. 275. Ibidem, p. 43. 276. Azevedo, Jorge Duarte de. Portugal e Brasil: dos Afonsinos aos Bragança. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 366-367. 277. Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 43. 278. Ibidem. 279. “A independência do Brasil foi essencialmente o resultado da tentativa desesperada, por parte de Portugal e durante os anos de 1821-1822, logo a seguir ao retorno de D. João a Lisboa, após uma ausência de treze anos, de retroceder o tempo e reduzir o Brasil, política e economicamente, à sua antiga condição colonial” (Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã- Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 38). 280. Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 43 e Godoy, Arnaldo Sampaio de Moraes. História da tributação no período joanino (Brasil – 1808 – 1821). Brasília: Esaf, 2008, p. 20-21. 281. “Afinal chegaram as Cortes e a Regência do Brasil a uma situação de verdadeiro rompimento. Um projeto, longamente discutido, declarava nula a convocação de uma Assembleia Constituinte e Legislativa para o Brasil, decretada pelo Príncipe a 3 de junho; responsáveis por isso seriam os seus ministros; sendo ilegal o seu governo, não lhe deveriam obedecer, nem os militares, nem os funcionários públicos; enfim, deveria D. Pedro regressar a Portugal dentro de quatro meses, sob pena de incidir nos dispositivos constitucionais” (Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 51). 282. Em 26 de abril de 1821 (Lima, Manoel de Oliveira. Pernambuco e seu desenvolvimento histórico. Recife: Fundaj/Editora Massangana, 1997, p. 273). 283. Caetano, Marcelo. Direito Constitucional, v. I. Prefácio do Ministro Aliomar Baleeiro. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 483 e Lima, Manoel de Oliveira. Pernambuco e seu desenvolvimento histórico. Recife: Fundaj/Editora Massangana, 1997, p. 266. 284. Caetano, Marcelo. Direito Constitucional, v. I. Prefácio do Ministro Aliomar Baleeiro. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 485-489. 285. Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 46-51. 286. Ibidem, p. 60. 287. “Deixado no Rio de Janeiro como príncipe regente, o filho mais velho de D. João, D. Pedro, então com 24 anos, preferiu liderar a ser esmagado pelo crescente movimento pró-independência” (Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 39). 288. Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 60. 289. Já que não mais existia fundamento para que a Coroa portuguesa mantivesse o tráfico, que, segundo o discurso oficial, apenas se realizava para permitir o desenvolvimento da sua principal colônia, o Brasil (Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 39-40). 290. Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Editora da USP, 1976, p. 40, grifo nosso. 291. “A importação anual de escravos para o Brasil aumentava de 15 a 20 mil, no início do século, para 30 mil, no princípio da década de 1820” (Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 52). 292. Ibidem, p. 73. 293. “Em troca do reconhecimento da independência do Brasil, a Grã-Bretanha obtinha a consolidação de uma posição econômica altamente privilegiada, no Brasil, juntamente com o compromisso, do governo brasileiro, de abolir o tráfico de escravos em 1830”. Ibidem, p. 70). Tal tratado fora assinado quando D. Pedro estava a bordo de um navio de guerra que zarpava do Rio de Janeiro com destino ao Rio Grande do Sul. Ibidem, p. 69). 294. Ratificado em 13 de março de 1827, previa que o tráfico de escravos africanos na costa brasileira deveria ser extinto em até três anos, ou seja, em 1830 (Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2004, p. 241). 295. “É preciso enfatizar a diferença entre o corsário e o pirata comum, o filibusteiro ou bucaneiro, como eram chamados no Caribe. O pirata era um criminoso também em sua própria Nação, perseguido pela Marinha, o que resultava muitas vezes de não poderem mais habitar sua terra natal. [...] Por outro lado, o corsárioera considerado um vassalo fiel do reino a que servia. Vivia em sua própria pátria, possuindo propriedades e, não raro, era elevado ao status de fidalgo ou cavaleiro [...]”, pois os corsários eram “piratas reconhecidos por um Estado e autorizados a pilhar navios das Nações rivais. Nesse caso, o butim, o resultado do assalto aos navios, seria dividido entre o corsário e o Estado contratante” (Silva, Kalina Vanderlei; Silva, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo: Contexto, 2010, p. 329). 296. “Ao direito de visita, e busca, em tempo de paz, nas embarcações suspeitas do trafego, anexou-se ainda a exorbitante concessão, de que falamos; como se o trafego de escravos pudesse ser equiparado ao roubo no mar, como e esse tráfego ameaçasse, porventura, o comércio marítimo de todos os povos, da mesma forma que a pirataria!” (Pinto, Antônio Pereira. Apontamentos para o Direito Internacional. Rio de Janeiro: F. L. Pinto & Cia Livreiro e Editores, 1864, t. I, p. 348). 297. Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã- Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. p. 69. “O artigo primeiro do tratado de 1826 [...] obrigava as autoridades brasileiras, e apenas elas, a tratar os negreiros brasileiros como piratas; não conferia à Grã-Bretanha quaisquer direitos sobre súditos brasileiros ou seus navios: ‘a intervenção do governo britânico... é limitada ao direito de exigir do governo imperial uma exata e pontual observância do tratado e nada mais’” Ibidem, p. 257). 298. “Art. 2º: Sua Majestade, o imperador do Brasil, e sua majestade o rei do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, julgando necessário declararem as obrigações pelas quais se acham ligados para regular o dito comércio até o tempo da sua abolição final, concordam por isso mutuamente em adotarem, e renovarem tão eficazmente, como se fossem inseridos palavra por palavra nesta convenção, todos os artigos e disposições dos tratados concluídos entre sua majestade britânica e El-Rei de Portugal sobre este assunto em 22 de janeiro de 1815, e 28 de julho de 1817, e os vários artigos explicativos que lhes têm sido adicionados. Art. 3º: As altas partes contratantes concordam mais em que todas as matérias e cousas nos ditos tratados conteúdos assim como as instruções e regulações, e formas de instrumentos anexos ao tratado de 28 de julho de 1817, sejam aplicadas mutatis mutandis às ditas altas partes contratantes, e seus súditos, tão eficazmente, como se fossem aqui repetidas palavra por palavra, confirmando e aprovando por este ato tudo o que foi feito pelos seus respectivos súditos em conformidade dos ditos tratados, e em observância deles” (Brasil. A Abolição no parlamento. Brasília: Senado, 2012, p. 55). 299. Essa convenção foi questionada perante o parlamento brasileiro sob a alegação de que somente ao Poder Legislativo competia estabelecer penalidades (art. 15, VIII c/c art. 179, XI, da Constituição de 1824), não tendo atribuições para tanto o Poder Executivo (Estrada, Osório Duque. A Abolição. Brasília: Edições do Senado Federal, 2005, p. 31). São Vicente fundamenta as razões para apreciação dos tratados pelo Poder Legislativo: “Se um tratado de aliança se estipularem cláusulas que estabeleçam prestações do Tesouro Nacional, estas não produzirão direitos e obrigações senão depois de aprovadas pelo poder legislativo, porquanto pela Constituição e só a este compete exclusivamente autorizar despesas públicas, e porque as atribuições do poder executivo não derrogam as do legislativo, antes sim entendem-se em harmonia. [...] Se a título de celebrar tratados fosse permitido tal abuso, então o poder executivo se erigiria em supremo ditador: poderia por este meio alterar toda a Constituição e leis nacionais, pactuar por exemplo a intolerância religiosa, suprimir a liberdade de imprensa, alterar o sistema de impostos, de heranças, enfim anular as instituições e os outros poderes políticos” (Bueno, José Antônio Pimenta. Marquês de São Vicente. Organização e introdução de Eduardo Kugelmas. São Paulo: Ed. 34, 2002, p. 326-327). 300. Muitos parlamentares, quando da rejeição de tal tratado na Assembleia, alegaram que somente competia ao Poder Legislativo estabelecer penalidades. (Estrada, Osório Duque. A Abolição. Brasília: Edições do Senado Federal, 2005, p. 33). O Imperador, mesmo após a Constituição de 1824, passou a introduzir diretamente, no ordenamento jurídico brasileiro, os tratados internacionais firmados por ele ou pelos representantes imperiais, por meio de Cartas de Lei, que eram espécies legislativas por ele editadas e que prescindiam da deliberação da Assembleia Geral. 301. Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Editora da USP, 1976, p. 74. As ratificações foram trocadas, em Londres, aos 13 de março de 1827. 302. Ibidem, p. 73. 303. “Em mais de uma ocasião, a revolta suscitada pela violência dos cruzeiros ingleses de repressão, que chegavam a apresar navios brasileiros dentro dos nossos portos, pôde fortalecer de algum modo a corrente de opinião favorável ao prosseguimento do tráfico, fazendo apelo aos sentimentos patrióticos do povo” (Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978, p. 43). 304. Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Editora da USP, 1976, p. 73-74. 305. Ibidem, p. 73. 306. Acerca da impulsiva personalidade de D. Pedro I ver Lustosa, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 20- 21. 307. Sobre as causas que deflagraram esse episódio político ver Azevedo, Jorge Duarte de. Portugal e Brasil: dos Afonsinos aos Bragança. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 435-438. 308. Sousa. Octávio Tarquínio de. A vida de D. Pedro I. Rio de Janeiro: Livraria J. Olympio, 1972, t. III, p. 114. 309. Sousa. Octávio Tarquínio de. A vida de D. Pedro I. Rio de Janeiro: Livraria J. Olympio, 1972, t. III, p. 928. 310. Nas palavras de D. Pedro I: “A todo custo, até arriscando a vida, se preciso for, desempenharei o título, com que os povos deste vasto e rico continente em 13 de maio do ano pretérito, me honraram de Defensor Perpetuo do Brasil” (Brasil. Falas do Trono: do ano de 1823 até o ano de 1889. Org. Barão de Javari. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889, p. 14). 311. “Muito mais do que o produto de um simples arranjo das leites, a sintomaticamente chamada Revolução do 7 de abril foi resultado não só das tramas urdidas na imprensa, no Parlamento, nas sociedades secretas e nos quartéis, mas também da forte pressão popular; participação essa manifesta nos frequentes movimentos de protesto envolvendo até centenas de pessoas , que se multiplicavam pelas ruas da corte no mês de março e na primeira semana de abril, e que culminaram na grande mobilização do dia 6, reunindo nada menos do que cerca de quatro mil pessoas” (Basile, Marcelo. O laboratório da nação: a era regencial (1831-1840). In: Grinberg, Keila; Salles, Ricardo (orgs.). O Brasil Imperial, v. II – 1831-1840. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 59). 312. Havia apenas 26 senadores e 36 deputados na Casa, no dia da abdicação (Porto, Costa. O marquês de Olinda e o seu tempo. Recife: UFPE/Editora Universitária, 1976, p. 104). 313. Vianna, Hélio. História do Brasil, v. 2. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 104. 314. “Art. 18. A Sessão Imperial de abertura será todos os anosno dia três de maio” (Constituição de 1824). 315. Art. 15, II, da Constituição de 1824. 316. Art. 47, IV c/c arts. 121 e 122, da Constituição de 1824. (Porto, Costa. O marquês de Olinda e o seu tempo. Recife: UFPE/Editora Universitária, 1976, p. 104). 317. Vianna, Hélio. História do Brasil: monarquia e república, v. II. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 104. 318. Lustosa, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 219. 319. Porto, Costa. O marquês de Olinda e o seu tempo. Recife: UFPE/Editora Universitária, 1976, p. 104. A princesa D. Januária tinha 9 anos de idade. (Porto, Costa. O marquês de Olinda e o seu tempo. Recife: UFPE/Editora Universitária, 1976, p. 104). 320. Porto, Costa. Os tempos da Praieira. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981, p. 10. 321. Vianna, Hélio. História do Brasil: monarquia e república, v. II. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 104-105. 322. “Augustos e Digníssimos Senhores Representantes da Nação. Participo-vos, Senhores, que no dia sete do corrente abril, usando do direito que a Constituição me concede, no capítulo V, art. 130, nomeei tutor de mus amados filhos ao muito probo, honrado e patriótico cidadão, o meu verdadeiro amigo José Bonifácio de Andrada e Silva. Não vos hei, Senhores, feito esta participação, logo que a Augusta Assembleia Geral principiou seus importantíssimos trabalhos, porque era mister que o meu amigo fosse primeiramente consultado, e que respondesse favoravelmente, como acaba de fazer, dando-me deste modo mais uma prova de sua amizade: resta-me agora como pai, como amigo de minha pátria adotiva e de todos os brasileiros, por cujo amor abdiquei duas coroas para sempre, uma oferecida e outra herdada, pedir à Augusta Assembleia Geral que se digne confirmar esta minha nomeação. Eu assim o espero, confiando nos serviços, que de todo o meu coração fiz ao Brasil, e em que a Augusta Assembleia Geral não deixará de querer aliviar-me desta maneira um pouco as saudades, que me atormentam, motivadas pela separação de meus caros filhos e da Pátria, que adoro. Bordo na nau inglesa ‘Warspite’, surta neste porto, aos oito de abril de 1831, décimo da independência e do Império. Pedro” (Castro, Therezinha de. História Documental do Brasil. São Paulo: Record, 1968, p. 157-158). Posteriormente surgiu a tese na Assembleia Geral que fora nula a nomeação de José Bonifácio como tutor, já que tal ato deveria ter sido feito por D. Pedro I por meio de testamento, não por uma carta particular, na forma do art. 130 da Constituição de 1824 (“[...] será seu Tutor, quem seu Pai lhe tiver nomeado em Testamento [...]”). Entretanto, houve um acordo e o Patriarca da Independência prosseguiu na sua função (Porto, Costa. Os tempos da Praieira. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981, p. 16). 323. Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 154. 324. Taunay, Affonso de E. Subsídios para a História do Tráfico Africano no Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1941, p. 264. 325. Vianna, Hélio. História do Brasil: monarquia e república, v. II. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, p. 148. O próprio D. Pedro I, na Fala do Trono de 1830 chegou a anunciar que o tráfico de escravos havia cessado totalmente: “O tráfico de escravatura cessou, e o governo está decidido a empregar todas as medidas que a boa fé e a humanidade reclamam, para evitar sua continuação debaixo de qualquer forma, ou pretexto que seja [...]” (Brasil. Falas do Trono: do ano de 1823 até o ano de 1889. Org. Barão de Javari, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889, p. 179). Ver também Freitas, Décio. Escravidão de índios e negros no Brasil. Porto Alegre: EST/ICP, 1980, p. 19. 326. Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 366. “O decreto de 12 de abril de 1832, que deu regulamento à lei, pormenorizou as atribuições das autoridades e os critérios que deveriam seguir na inspeção das embarcações suspeitas de contrabando de africanos” (Chalhoub, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 46). 327. Nas palavras do desesperançado Diogo Antônio Feijó: “[...] o vergonhoso e infame tráfico dos pretos continua por toda parte” (Sousa, Tarquínio. História dos fundadores do Império do Brasil, v. VII. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1942, p. 194). 328. Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 154. 329. Ribas, Conselheiro Joaquim. Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1982, p. 83 e Moraes, Evaristo. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 34. Tal lei também ficou conhecida também como a Lei Feijó, fazendo referência ao então futuro Regente Diogo Antônio Feijó, então ministro da justiça, durante o turbulento período compreendido entre julho de 1831 e agosto de 1832 (Sousa, Tarquínio. História dos fundadores do Império do Brasil, v. VII. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1942, p. 207). 330. As exceções estavam previstas nos parágrafos do art. 1º dessa Lei: “Excetuam-se: 1º Os escravos matriculados no serviço de embarcações pertencentes ao país onde a escravidão é permitida, enquanto empregados no serviço das mesmas embarcações. 2º Os que fugirem do território, ou embarcação estrangeira, os quais serão entregues aos senhores que os reclamarem, e reexportados para fora do Brasil. Para os casos da exceção nº 1º, na visita da entrada se lavrará termo do número dos escravos, com as declarações necessárias para verificar a identidade dos mesmos, e fiscalizar-se na visita da saída se a embarcação leva aqueles, com que entrou. Os escravos, que forem achados depois da saída da embarcação, serão apreendidos, e retidos até serem reexportados”. 331. “Pretensão é o poder do titular do direito subjetivo de exigir uma ação ou omissão de quem deve praticá-la ou de quem deve abster-se. A exigência pode ser feita extrajudicialmente ou por via judicial, esta através de ação” (Gomes, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 109). 332. Decreto de 12 de abril de 1832 sobre exames de embarcações suspeitas de importação e reexportação de escravos. 333. Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. 4. ed. Introdução de Gilberto Freyre. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 115-116. 334. Grineberg, Keila. Escravidão, alforria e direito no Brasil oitocentista: reflexões sobre a lei de 1831 e o “princípio da liberdade” na fronteira sul do Império brasileiro. In: Carvalho, José Murilo de (org.). Nação e Cidadania no Imperio: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2007, p. 270. 335. Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 159-160. 336. Ibidem, p. 165. 337. “Penas – de prisão por três a nove anos, e de multa correspondente á terça parte do tempo; nunca porém o tempo de prisão será menor, que o do cativeiro injusto, e mais uma terça parte”. 338. “Da tipificação da conduta de reduzir pessoa livre à escravidão enquanto crime particular, contra a liberdade individual, resulta que os responsáveis por tal ação estariam protegidos das severas punições aplicadas ao crime de pirataria” (Sá, Gabriela Barretto de. A cor da escravização ilegal de pessoas livres no Brasil oitocentista: por uma tentativa de genealogia do artigo 179 do Código Criminal doImpério. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 25, v. 135, p. 178, 2017) 339. “Tendo já em depósito centenas de africanos livres, mas não tendo conseguido cobrar todas as quantias para sua reexportação, nem obter lugar, na África, para onde os remetesse, o governo pediu ao Parlamento, em data de 9 de agosto de 1834, providenciasse no sentido de lhe fornecer meios de cumprir a lei” (Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 161). Entretanto, como não houve destinação de verbas orçamentárias para tanto, nem possibilidade de mantê-los em depósito, na Casa de Correção, os africanos livres passaram a ser alugados a indivíduos (Aviso de 19 de novembro de 1835). Africanos livres seriam aqueles negros africanos ilicitamente importados na condição de escravos que, após desembarcarem no Império do Brasil, estariam livres por força da Lei de 7 de novembro de 1831. Eles deveriam, por catorze anos, prestar serviços em estabelecimentos públicos ou a particulares, que arrendariam sua mão de obra, nos termos do previsto no Decreto de 19 de novembro de 1835. Registre-se que estes africanos livres não adquiriam a cidadania brasileira, sendo considerados estrangeiros (Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo, Editora da USP, 2004, p.18-20). Para detalhes acerca da prestação de serviços dos Africanos livres no Brasil v. Mamigonian, Beatriz G. Africanos livre: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2017, p. 129-164. Por meio do Decreto nº 1.303, de 28 de dezembro de 1853, foram declarados alforriados os africanos livres que houvessem prestado serviço a particulares por 14 anos, sendo emancipados de acordo com o Aviso de 26 de janeiro de 1818 (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social: africanos Vol. III. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1867, pp.64-66 e Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1986, p.162). 340. Trinta mil réis por escravo apreendido. 341. Art. 5º Todo aquele, que der noticia, fornecer os meios de se apreender qualquer número de pessoas importadas como escravos, ou sem ter precedido denuncia ou mandado judicial, fizer qualquer apreensão desta natureza, ou que perante o Juiz de Paz, ou qualquer autoridade local, der notícia do desembarque de pessoas livres, como escravos, por tal maneira que sejam apreendidos, receberá da Fazenda Pública a quantia de trinta mil réis por pessoa apreendida. 342. E estipulava sanção pecuniária para os “Comandante, mestre, e contramestre, que trouxerem as pessoas mencionadas no artigo antecedente [o liberto]” (art. 8º da Lei de 7 de novembro de 1831). 343. Rodrigues, Jaime. O fim do tráfico transatlântico de escravos para o Brasil: paradigmas em questão. In: O Brasil Imperial, v. II: 1831 – 1870. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011, p. 324-325. 344. “[...] jamais houvera a expectativa de cumprimento da lei” (Chalhoub, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 48). 345. Acerca do manifesto descumprimento de tal diploma legislativo ver Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 154, 155 e 366: “Era a infração da lei tão escandalosa e frequente que o velho Rebouças (Antônio Pereira), pai de André Rebouças [abolicionista brasileiro, 1838-1898], mais de uma vez mostrou, em discurso na Câmara dos Deputados, ter ela servido apenas para o mal, sem nenhuma vantagem do Estado, que perdera os impostos antes auferidos pela entrada de escravos”. Houve uma significativa queda de arrecadação, apesar de haver o aumento do tráfico: “Os efeitos dessa ‘renúncia fiscal’ involuntária se fizeram sentir de forma imediata: segundo dados do Ministério da Fazenda, a participação dos impostos sobre escravos no total da arrecadação, caiu de cerca de 14% em 1828 para aproximadamente 2% em 1833” (Costa, Wilma Peres. Estratégias ladinas: o imposto sobre o comércio de escravos e a ‘legalização’ do tráfico (1831-1850). Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 67, p. 57-75, nov. 2003). A razão era simples, como o tráfico de escravos interoceânico passou a ser considerado atividade ilícita, não poderia o Império tributá-lo. 346. Moraes, Evaristo. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 35. 347. Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978, p. 43-44. 348. Moraes, Evaristo. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 36. “A 15 de março, o ministro da Justiça informava aos presidentes das províncias marítimas que os tribunais ordinários do Brasil seriam doravante, competentes para julgar navios negreiros, capturados pelas forças navais e militares brasileiras” (Circular de 15 de março de 1845, do Ministro da Justiça) (Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 238). 349. Gurgel, Argemiro Eloy. Uma Lei Para Inglês Ver: A Trajetória da Lei de 7 de Novembro de 1831. Disponível em: <https://goo.gl/RuPHv7>. Acesso em: 27 jul. 2015. 350. Estrada, Osório Duque. A Abolição. Brasília: Edições do Senado Federal, 2005, p. 29. 351. Moraes, Evaristo. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 37-38. 352. Ibidem, p. 39. “[...] Maciel da Costa, que condenava a escravidão e era favorável, em princípio, à cessação do tráfico, acusava a Inglaterra de má fé. Dizia ele que ‘a Inglaterra lutava com tanto afinco pela abolição universal do comércio de escravos, porque pretendia arruinar a agricultura das Antilhas Francesas e Holandesas e criar obstáculos à prosperidade brasileira’” (Costa, Emilia Viotti da. A Abolição. São Paulo: Global, 2001, p. 26). 353. “Em nenhuma das ações de liberdade julgadas em primeira instência e pelo tribunal da relação do Rio de Janeiro se contestava a vigência da lei de 1831; as discussões se davam na tentativa de contestar os fatos apresentados por ambas as partes, discuntindo-se o escravo em questão teria realmente cruzado a fronteira, se teria nascido no Uruguai; ou se teria ido a determinado lugar a mando de seu senhor: mas nunca um advogado ou juiz argumentou que, por nunca ter sido colocada em prática, ou por força da lei Eusébio de Queirós, de 1850, a lei de 1831 não poderia ser considerada em vigor” (Grinberg, Keila. Escravidão, alforria e direito no Brasil oitocentista: reflexões sobre a lei de 1831 e o “princípio da liberdade” na fronteira sul do Império brasileiro. In: Carvalho, José Murilo de (org.). Nação e Cidadania no Imperio: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2007, p. 278). Em verdade, foi apresentado projeto de lei (em 1837) propondo a revogação da Lei de 7 de novembro de 1831: “Nenhuma ação poderá ser tentada contra os que tiverem comprado escravos, depois de desembarcados, e fica revogada a lei de 7 de novembro de 1831 e todas as outras em contrário” (Rodrigues, Jaime. O fim do tráfico transatlântico de escravos para o Brasil: paradigmas em questão. In: O Brasil Imperial, volume II: 1831 – 1870. Rio de Janeiro:Civilização brasileira, 2011, p. 337). 354. Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 74-75. 355. Pela aplicação do art. 1º da Lei de 07 de novembro de 1931. 356. Lopes, José Reinaldo de Lima. O Oráculo de Delfos: o Conselho de Estado no Brasil – Império. São Paulo: Saraiva, p. 286. 357. “Art. 13. O Poder Legislativo é delegado à Assembleia Geral com a Sanção do Imperador”. 358. “Art. 15. É da atribuição da Assembleia Geral: [...] VIII. Fazer Leis, interpretá-las, suspendê-las, e revogá-las”. 359. “Nas duas décadas seguintes à promulgação da lei, mais de 750 mil negros foram introduzidos no território nacional por contrabando, permanecendo ilegalmente escravizados, assim como seus descendentes” (Chalhoub, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 30). 360. Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 73. 361. Conjuntamente com outro tratado de comércio e amizade, pela Carta de Lei de 17 de novembro de 1827. 362. Entre 1837 e 1847 foram capturados 634 navios negreiros, apenas pelos ingleses (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social: africanos, v. III. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867, p. 58). O tratado de 1826, no seu art. 2º, ratificava o de 1817: “[...] Por mais que o governo britânico fosse contra as violações brasileiras do tratado [...], agora já não podia obrigar a cumpri-lo, porque, com a expiração do tratado de 1817, a marinha britânica já não tinha o direito de abordar e vistoriar os navios brasileiro” (Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã- Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 249). 363. Pinto, Antônio Pereira. Apontamentos para o Direito Internacional. Rio de Janeiro: F. L. Pinto & Cia Livreiro e Editores, 1864, t. I, p. 355. 364. “Lei aprovada pelo Parlamento Britânico em 8 de agosto de 1845, que conferiu à marinha britânica o direito de aprisionar qualquer navio negreiro e obrigava os traficantes a responderem perante o Almirantado ou de qualquer tribunal do Vice-almirantado dos domínios ingleses. A repressão ao tráfico foi assim intensificada” (Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2004, p. 69). “O bill Aberdeen (1845) previa prisão unilateral de barcos brasileiros envolvidos no tráfico negreiro e seu julgamento em tribunais britânicos. De 1849 a 1851, a Inglaterra estendeu sua aplicação às águas territoriais do Império, provocando um estado de guerra virtual no que talvez tenha sido o pior impasse diplomático da história brasileira. O resultado imediato foi a supressão definitiva do contrabando (1850), mas a Inglaterra só revogou o bill Aberdeen em 1869, após a Guerra Civil selar o destino mundial da escravidão” (Alencar, José de. Cartas a favor da escravidão. Org. de Tâmis Parron. São Paulo: Hedra, 2008, p. 109). 365. Moraes, Evaristo de. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 44. 366. Estrada, Osório Duque. A Abolição. Brasília: Edições do Senado Federal, 2005, p. 33. 367. Moraes, Evaristo de. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 44. “A colônia britânica de Serra Leoa, na costa ocidental africana, era sede de quase todas as comissões mistas do lado do continente africano, além de uma corte do vice-almirantado, que julgava os navios britânicos ou sem nacionalidade. A ‘Província da Liberdade’, como foi chamada por seus fundadores abolicionistas, recebeu a maior parte dos navios levados a julgamento por tráfico ilegal graças ao ativo patrulhamento do litoral pelo esquadrão da Royal Navy, e, consequentemente, a maioria dos africanos emancipados durante a campanha abolicionista: mais de 90 mil entre 1808 e 1867” (Mamigonian, Beatriz G. Africanos livre: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 34). 368. Brasil. A Abolição no parlamento, Brasília: Senado, 2012, p. 124. 369. Pinto, Antônio Pereira. Apontamentos para o Direito Internacional. Rio de Janeiro: F. L. Pinto & Cia Livreiro e Editores, 1864, t. I, p. 357. 370. “Equiparando o contrabando de negros à pirataria, capturando negreiros nas águas e nos portos do Brasil e levando-os a julgamento perante os tribunais do Almirantado Inglês, a cujo exclusivo direito ele se arrogava, deu a Inglaterra, com o famoso “bill”, uma demonstração de desestima à serena política de repressão ao comércio marítimo de escravos, bem como descrença nas possibilidades de o Império imprimir o justo rigor que o caso estava a exigir [...]” (Gouveia, Maurílio de. História da Escravidão. Prefácio de Pedro Calmon. Rio de Janeiro: Editora Tupy, 1955, p. 121-122). 371. “Eles [os ingleses] poderiam punir os seus súditos como piratas, mas seriam capazes de fazer aprovar uma lei para punir como piratas súditos de outra nação, por terem cometido uma ação contra súditos de uma terceira nação? Não teriam mais direito a fazer uma lei vinculando os súditos do Brasil do que os da China ou de qualquer outra nação; e não tinham o direito de puni-los por um alegado ato de pirataria que, pela lei daquele país, não fosse considerado como tal” (Bethell, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos. Rio de Janeiro: Expressão; São Paulo: Ed. da USP, 1976, p. 251). Ver também Pinto, Antônio Pereira. Apontamentos para o Direito Internacional. Rio de Janeiro: F.L. Pinto & Cia Livreiro e Editores, 1864, t. I, p. 358. 372. Moraes, Evaristo. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 46-47. 373. Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 64-65. 374. Moraes, Evaristo. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 49. 375. Estrada, Osório Duque. A Abolição. Brasília: Edições do Senado Federal, 2005, p. 32. Entretanto, para Rui Barbosa, citando fontes britânicas, foram contrabandeados mais de um milhão de negros africanos nesse mesmo período, sendo que cem mil escravos só em 1830. No período compreendido entre 1849 e 1851 foram apreendidas noventas embarcações suspeitas de tráfico de escravos (Costa, Emilia Viotti da. A Abolição. São Paulo: Global, 2001, p. 28-29). 376. Chalhoub, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 36. 377. A última tentativa de desembarque de escravos no Brasil ocorreu em 1857, na Vila de Serinhaém, no litoral pernambucano, a qual foi severamente reprimida pelas autoridades imperiais (Estrada, Osório Duque. A Abolição. Brasília: Edições do Senado Federal, 2005, p. 35). 378. Mattoso, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. São Paulo: Vozes, 2016, p. 97. 379. Duas dezenas de escravos homens, na faixa dos vinte anos, aptos ao trabalho braçal, valiam tanto quanto um engenho inteiro, com a casa grande e toda sua mobília, na Zona da Mata de Pernambuco. Quanto mais o escravo estivesse apto, seja pela idade ou por sua saúde, ao trabalho (e à procriação), maior o seu valor. Para se fazer uma comparação, por volta de 1870, uma imagem trabalhada em ouro de um santo padroeiro de uma Paróquia, em Paudalho, na província de Pernambuco, era estimada em quatro mil-réis; a um escravo crioulo de 17 anos atribuía-se um valor de mais de um contoe duzentos mil-réis. Para (para mais detalhes, ver Luna, Luís. O Negro na Luta contra a Escravidão. Brasília: Editora Cátedra, 1976, p. 26-31 e Mattoso, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. São Paulo: Vozes, 2016, p. 107-121). 380. “[...] um comércio cada vez mais lucrativo e que os transformaria [os traficantes] em verdadeiros magnatas das finanças do Império” (Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978, p. 44). Uma outra interpretação: “A abolição do tráfico de escravos foi também uma tentativa de silenciar novas agitações internas. [...] O governo brasileiro também deixou categoricamente claro que todos os africanos importados ilegalmente no país entre 1830 e 1850 permaneceriam na escravidão. Os fazendeiro permaneciam confiantes na duração da sua própria instituição na época da secessão sulista norte-americana” (Drescher, Seymour. Abolição: uma história da escravidão e do antiescravismo. Tradução de Antônio Penalves Rocha. São Paulo: Unesp, 2011, p. 500). 381. Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 65. 382. “Possuir escravos significava lucro e ‘status’, mesmo custando, depois, como ocorreu, o endividamento de muitos dos seus donos” (Figueiredo, Ariovaldo. O negro e a violência do branco: o negro em Sergipe. Rio de Janeiro: J.Álvaro, 1977, p. 20). 383. “A perpetuação da dependência dos agricultores em relação aos traficantes consubstanciava-se no endividamento daqueles para com estes. Isso acontecia exatamente por causa da continuidade do tráfico negreiro. Esse endividamento ocorria pela compra de escravos, em longo prazo, com juros exorbitantes e por meio de hipotecas de suas propriedades, de modo a limitar a capacidade de compra de mais escravos pelos senhores escravocratas, tornando estes ainda mais dependentes dos traficantes” (Vale, Valter do. Causas da extinção da escravatura no Brasil. Recife: Livro Rápido, 2007, p. 47). 384. Registre-se que a arruinada cultura açucareira, em meados do século XIX, estava passando por serias dificuldades de financiamento, já que as instituições financeiras não tinham interesse em fornecer empréstimos para os proprietários de engenhos açucareiros. A compra e venda de escravos só passou a ser realizada com a oferta de garantias reais, em regra de imóveis (Mattoso, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. São Paulo: Vozes, 2016, p. 105-106). 385. “[...] a circunstância de serem principalmente portuguesas, não brasileiras, as grandes fortunas formadas à sombra do comércio negreiro, tendia a mobilizar contra a introdução de escravos e, por conseguinte, em favor de um governo disposto a enfrenta-la sem hesitações, toda a descendência ainda numerosa dos caramurus da Regência” (Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978, p. 43). Os caramurus, partido lusófilo, eram os partidários do retorno de D. Pedro I ao trono (Sousa, Tarquínio. História dos fundadores do Império do Brasil, v. VII. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1942, p. 217). 386. Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 68. 387. Ibidem, p. 66-67. 388. Moraes, Evaristo de. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 50. 389. Ibidem, p. 51. 390. Estabelecidas na segunda parte do art. 1º da lei nº 581, de 4 de setembro de 1850. 391. Ou seja, buscava-se restringir os efeitos da norma ao Princípio da Territorialidade da Lei Penal. 392. Foram estabelecidos, pela legislação, fatos que levavam à presunção de que o sujeito de direito estava a promover o tráfico de escravos: Dos sinais que constituem presunção legal do destino das embarcações ao trafico Art. 32. Os sinais, que constituem presunção legal, de que uma embarcação se emprega no tráfico de escravos, são os seguintes: 1º Escotilhas com grades abertas em vez das fechadas, que se usam nas embarcações mercantes. 2º Divisões, ou anteparos no porão ou na coberta em maior quantidade que a necessária em embarcações de comércio lícito. 3º Taboas de sobressalente preparadas para se colocarem como segunda coberta. 4º Quantidade d’agua em tonéis, tanques, ou em qualquer outro vasilhame maior, que a necessária para o consumo da tripulação, passageiros, e gado, em relação á viagem. 5º Quantidade de grilhões, correntes, ou algemas, maior que a necessária para a polícia da embarcação. 6º Quantidade de bandejas, gamelas, ou celhas de rancho, maior que a necessária para a gente de bordo. 7º Extraordinária grandeza da caldeira, ou número delas, maior que o necessário nas embarcações de comércio lícito. 8º Quantidade extraordinária de arroz, farinha, milho, feijão, ou carne, que exceda visivelmente ás necessidades da tripulação e passageiros, não vindo declarada no manifesto como parte de carga para comércio. 9º Uma grande quantidade de esteiras ou esteirões superior ás necessidades da gente de bordo. Art. 33. Também constituem presunção legal do emprego da embarcação no tráfico: 1º A existência de vasilhame para líquidos além do empregado na aguada, que não tiver sido especialmente despachado debaixo de fiança de ter destino licito; ou quando se mostrar, que esse vasilhame não teve o destino que se indicou na ocasião de o despachar. 2º A duplicata dos Diários de navegação. 3º A falta dos papeis mencionados nos seis primeiros §§ do Art. 466, e nos Arts. 501 até 504 do Código Comercial depois que estiver em execução. 4º A substituição do verdadeiro capitão por outro de bandeira, ou nominal. 5º A fuga da tripulação, ou abandono do navio em presença de embarcação de guerra em tempo de paz, ou em presença de Autoridade, que se dirija à bordo; o incêndio, ou danificação voluntariamente feitos ao navio por sua tripulação. 393. Rodrigues, Jaime. O fim do tráfico transatlântico de escravos para o Brasil: paradigmas em questão. In: O Brasil Imperial, v. II: 1831 – 1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 330. 394. Em 1860 havia, no Brasil, aproximadamente 5.000 africanos livres (Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 163). 395. Quando fosse possível, o que não era comum de ocorrer devido ao custo do transporte e o desinteresse do governo. Regra geral os escravos eram mantidos em depósitos, de forma degradante, para os parâmetros da época, e, posteriormente, colocados para trabalhar por particulares nas cidades, a ponto que por meio do Decreto nº 1.303, de 28 de dezembro de 1853, foram libertos os africanos livres que houvessem prestado serviço a particulares por 14 anos, sendo emancipados de acordo com o Aviso de 26 de janeiro de 1818 (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico- social: africanos, v. III. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867, p. 64-66 e Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 162). Nesse mesmo sentido: “Para fazer cessar tais irregularidades, assinou o governo o decreto de 23 de dezembro de 1853 dando emancipação aos cativos portadores do certificado de livre e que já tivessem prestado serviços a particulares pelo espaço de quatorze anos” (Gouveia, Maurílio de. História da Escravidão. Prefácio de Pedro Calmon. Rio de Janeiro: Editora Tupy, 1955, p. 133). 396. Nos termos do art. 6º, da Lei nº 581, de 04 de setembro de 1850. O que não aconteceu na prática, quando oficiou como Curador desses africanos livres, vítimas do tráfico (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A Escravidãono Brasil: ensaio histórico-jurídico-social: africanos, v. III. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867, p. 65-66). 397. Moraes, Evaristo de. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção. Brasília: Editora UnB, 1988, p. 51. 398. Ao contrário da Lei de 7 de setembro de 1831, que atribuía a competência para julgamento dos delitos o Júri, em face do previsto no Código de Processo Criminal do Império e no art. Art. 54 da Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841: “As sentenças de pronuncia nos crimes individuais proferidas pelos Chefes de Polícia, Juízes Municipais, e as dos Delegados e Subdelegados, que forem confirmadas pelos Juízes Municipais, sujeitão os réus à acusação, e a serem julgados pelo Júri, procedendo-se na forma indicada no art. 254 e seguintes do Código do Processo Criminal”. Evidente que foi acelerada a possibilidade de punição dos envolvidos no crime de importação de escravos. 399. Regulamentos nº 708, de 14 de outubro de 1850, e nº 731, de 14 de novembro de 1850, explicados pelo Aviso de 9 de janeiro de 1854, que tinham por objetivo: (a) evitar o desembarque de escravos, com a preensão das embarcações utilizadas e também as suspeitas de tráfico; (b) apreender em terra os escravos desembarcados; (c) punir os traficantes, sequestrando suas embarcações; (d) simplificar o procedimento de apuração da culpa e aplicação da pena; e (e) manter a liberdade dos africanos apreendidos (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico- social: africanos, v. III. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867, p. 54-55). 400. Parecer do Conselho de Estado, de 1874, elaborado por Nabuco de Araújo, sustentava que só os Auditores da Marinha, criados pela Lei nº 581, de 1850, poderiam sentenciar acerca do estado e da condição dos africanos sobre os quais pairassem dúvidas acerca da sua importação, após 1831, afastando, de certo modo, do Judiciário, o debate acerca do status libertatis dos escravos que ingressassem no Brasil de forma ilícita (Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 367-368). Eis o que dispunha o art. 8º da Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850: “Todos os apresamentos de embarcações, de que tratam os Artigos primeiro e segundo, assim como a liberdade dos escravos apreendidos no alto mar, ou na costa antes do desembarque, no ato dele, ou imediatamente depois em armazéns, e depósitos sitos nas costas e portos, serão processados e julgados em primeira instancia pela Auditoria de Marinha, e em segunda pelo Conselho d’Estado. O Governo marcará em Regulamento a forma do processo em primeira e segunda instancia, e poderá criar Auditores de Marinha nos portos onde convenha, devendo servir de Auditores os Juízes de Direito das respectivas Comarcas, que para isso forem designados”. 401. “Art. 3º São autores do crime de importação, ou de tentativa dessa importação o dono, o capitão ou mestre, o piloto e o contramestre da embarcação, e o sobrecarga. São cúmplices a equipagem, e os que coadjuvarem o desembarque de escravos no território brasileiro, ou que concorrerem para os ocultar ao conhecimento da Autoridade, ou para os subtrair a apreensão no mar, ou em ato de desembarque, sendo perseguido”. 402. “A abolição do tráfico teve um impacto imediato no preço dos escravos. [...] Em curto prazo, os preços dobraram e daí por diante, até a década de oitenta, continuaram a subir” (Costa, Emilia Viotti da. A Abolição. São Paulo: Global, 2001, p. 31). Uma outra consequência do aumento do preço dos escravos: “[...] os fazendeiros de café tornaram-se mais resistentes quanto à abolição da escravatura. Isso porque a facilidade para os créditos sugeria a permanência desse regime de trabalho, pois os credores, para concederem financiamentos, levavam em consideração a valorização do cativo. Em consequência disso, os proprietários de escravos encaravam a permanência do regime como uma condição mais favorável às suas atividades” (Vale, Valter do. Causas da extinção da escravatura no Brasil. Recife: Livro Rápido, 2007, p. 58). 403. “De 1856 a 1856 houve ainda dois desembarques, em Serinhaem e S. Mateus; foram, porém, apreendidos todos os africanos, à exceção de quatro, sendo o número total deles o de 542” (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social: africanos, v. III. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867, p. 56). 404. Também denominado de comércio inter-regional de escravos, que descreveria com muito mais propriedade o deslocamento da mão de obra elemento servil do Norte para o Sul do império, segundo a terminologia empregada por Mello, Evaldo Cabral de. O Norte, O Sul e a proibição do tráfico interprovincial de escravos. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, v. 51, p. 330, 1979. 405. “Em 1850, a população escrava significa 31 por cento do total da população brasileira, então de 5.520.000 habitantes” (Figueiredo, Ariovaldo. O negro e a violência do branco: o negro em Sergipe. Rio de Janeiro: J. Álvaro, 1977, p. 31). 406. O tráfico interprovincial de escravos não era uma novidade do Brasil, já que houve significativa transferência de mão de obra servil para a região aurífera mineiras, no século XVIII, entretanto, houve uma intensificação do seu volume, sobretudo ao crescimento exponencial da demanda de força de trabalho na lavoura cafeeira (Mello, Evaldo Cabral de. O Norte, O Sul e a proibição do tráfico interprovincial de escravos. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, v. 51, p. 314, 1979). 407. O tráfico interprovincial de escravos não era uma novidade do Brasil, já que houve significativa transferência de mão de obra servil para a região aurífera mineiras, no século XVIII, entretanto, houve uma intensificação do seu volume, sobretudo ao crescimento exponencial da demanda de força de trabalho na lavoura cafeeira (Mello, Evaldo Cabral de. O Norte, O Sul e a proibição do tráfico interprovincial de escravos. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, v. 51, p. 314, 1979). “Com a abrupta supressão do tráfico africano, o fluxo de escravos do norte para o sul transformou-se numa autêntica torrente e começou sendo considerado vital para os interesses dos fazendeiros da região do café.” (Conrad, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, INL, 1975, p. 65). 408. Registre-se que quando se fala de províncias do Norte do Império, refere-se ao que atualmente compreendem os estados do Norte e Nordeste do Brasil. De igual modo, quando se fala de províncias do Sul, faz-se referência às situadas principalmente no atual Sudeste. A atual divisão do Brasil em Regiões apenas adveio no período republicano, após a primeira metade do século XX. 409. “[...] O tráfico interprovincial surgiu tanto pela perspectiva da abolição da escravatura nas províncias do Norte, quanto pela falta de condições de muitos dos escravocratas em sustentaram seus próprios escravos causada pelas grandes secas bem como pela decadência da cultura da cana-de-açúcar e do algodão” (Vale, Valter do. Causas da extinção da escravatura no Brasil. Recife: Livro Rápido, 2007, p. 31). 410. Mello, Evaldo Cabral de. O Norte Agrário e o Império: 1871-1889. Topbooks, p. 37. 411. “O comércio inter-regional atingiu seu nível mais elevado nos anos setenta.Para isto, contribuiu não só a crise da agricultura nortista (aniquilamento da lavoura algodoeira e redução dos preços do açúcar no mercado internacional, que a elevação da taxa cambial [...] tornara ainda mais insuportável) como também a grande seca de 1877-1879. No Ceará, a província mais atingida, a exportação de escravos, que fora em média de 800 por ano durante o triênio 1874-1876, subia a cerca de 2.000 durante os três anos de estio” (Mello, Evaldo Cabral de. O Norte Agrário e o Império: 1871-1889. Topbooks, 1999, p. 47-48). No mesmo sentido Drescher, Seymour. Abolição: uma história da escravidão e do antiescravismo. Tradução de Antônio Penalves Rocha. São Paulo: Unesp, 2011, p. 515-516. 412. Mello, Evaldo Cabral de. O Norte Agrário e o Império: 1871-1889. Topbooks, 1999, p. 37 e Costa, Emilia Viotti da. A Abolição. São Paulo: Global, 2001, p. 33. 413. Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2004, p. 396. 414. O negócio jurídico da compra e venda passou a ser regido pelos arts. 510 e seguintes das Consolidações das Leis Civis, de Teixeira de Freitas, de 1858. 415. Tratava-se do contrato de comissão mercantil previsto no Código Comercial de 1850: “Art. 165 A comissão mercantil é o contrato do mandato relativo a negócios mercantis, quando, pelo menos, o comissário é comerciante, sem que nesta gestão seja necessário declarar ou mencionar o nome do comitente. Art. 166 O comissário, contratando em seu próprio nome, ou no nome de sua própria firma ou razão social, fica diretamente obrigado às pessoas com quem contratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este contra elas; salvo se o comissário fizer cessão dos seus direitos a favor de uma das partes”. 416. A procuração era o instrumento que fazia prova do contrato de mandato: “Haverá mandato expresso, quando o mandante o tiver conferido por procuração, verbalmente, ou por gestos não equívocos que manifestem sua vontade de conferi-lo” (Freitas, Augusto Teixeira. Esboço do Código Civil, v. 2. Brasília: Fundação UnB, 1983, p. 459). O contrato de mandato era regulamentado pelo art. 456 das Consolidações das Leis Civis de 1858 (Ordenações Filipinas, título 48, § 15): “O procurador não é legitimamente constituído, senão por procuração feita em instrumentos públicos dos Tabeliães; ou em instrumentos particulares de pessoas, à quem se concede este privilégio” (Freitas, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis, v. 1. Brasília: Senado, 2003, p. 317). 417. Art. 470, § 1º, das Consolidações das Leis Civis de 1858. Substabelecimento seria o “[...] ato de transferir um a representação, delegação, ou mandato, ou o ato de se substituir o mandatário estabelecido (instituído), por outrem, que venha executar, por ele, o mandato que lhe havia sido outorgado” (Silva, de Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 1333). 418. Até o advento do Código de Processo Criminal do Império, a Lei de 29 de novembro de 1832, era exigido passaporte dos Cidadãos e escravos ao se deslocarem no território nacional. Posteriormente, apenas passou a ser exigido, na prática, passaporte dos escravos, por interpretação do art. 118 do Código de Processo Criminal de 1832: “O cidadão, que viajar por mar, ou terra dentro do lmpério, não é obrigado a tirar passaporte, mas fica sujeito ás indagações dos Juízes locais” (Chalhoub, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 52-53 e 58). Merece registro que “[...] a lei de 7 de novembro de 1831 não fora suficiente para organizar a burocracia imperial quanto aos passaportes de escravos e libertos” (Chalhoub, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 57). 419. “O tráfico interno deslocou para o sudeste, a partir de meados do século XIX, milhares de escravos que se viram subitamente arrancados de seus locais de origem, da companhia de seus familiares, e do desempenho das tarefas às quais estavam acostumados” (Chalhoub, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 29-30). 420. Chalhoub apud Jacinto, Cristiane Pinheiro Santos. Fazendeiros, Negociantes e Escravos: Dinâmica e Funcionamento do Tráfico Interprovincial de Escravos no Maranhão (1846-1885). In: Galves, Marcelo Cherche; Costa, Yuri (orgs.). O maranhão oitocentista. Imperatriz: Ética/São Luís: Editora Uema, 2009, p. 182. 421. Esse tributo de competência tributária do Município neutro e das Províncias, poderia ser instituída para incidir sobre a compra e venda de escravos, em operações inter ou intraprovinciais. Em São Paulo, com a fixação da alíquota de 5% sobre a operação, chegou-se a uma recita equivalente a 7% da renda global. Por essa razão, também não existia interesse para a abolição, já que a manutenção da escravidão era um negócio ótimo para os cofres públicos (Luna, Luís. O Negro na Luta contra a Escravidão. Brasília: Editora Cátedra, 1976, p. 88-89). 422. Houve tentativas de criação de leis proibindo o tráfico interprovincial de escravos, as quais não prosperaram no Parlamento brasileiro (Mello, Evaldo Cabral de. O Norte, O Sul e a proibição do tráfico interprovincial de escravos. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, v. 51, p. 321, 1979). 423. Mello, Evaldo Cabral de. O Norte Agrário e o Império: 1871-1889. Topbooks, p. 38. 424. Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2004, p. 396-397. 425. “As casas de comerciantes que se ocupavam com esse gênero de negócio fecharam as portas, e hoje são raras as vendas” (Mello, Evaldo Cabral de. O Norte Agrário e o Império: 1871-1889. Topbooks, p. 55). O apogeu desse tráfico interprovincial deu-se na década de 1870, com a crise da agricultura do Norte, ligada ao algodão, e a queda do preço do açúcar no mercado internacional (Mello, Evaldo Cabral de. O Norte, O Sul e a proibição do tráfico interprovincial de escravos. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, v. 51, p. 320, 1979). 426. “Art. 3º. [...] § 19. O domicílio do escravo é intransferível para Província diversa da em que estiver matriculado ao tempo da promulgação desta Lei. A mudança importará aquisição da liberdade, exceto nos seguintes casos: 1º Transferência do escravo de um para outro estabelecimento do mesmo senhor. 2º Se o escravo tiver sido obtido por herança ou por adjudicação forçada em outra Província. 3º Mudança de domicílio do senhor. 4º Evasão do escravo” (Lei nº 3.270, de 28 de setembro de 1885). Capítulo 4 Estatuto Civil do Escravo Falar de estatuto civil do escravo pode parecer quase que uma contradição. Como uma coisa427ou, no máximo, uma pessoa que era reduzida ao status de coisa, um objeto do poder de um terceiro, poderia possuir um estatuto civil? Como falar de direitos e deveres se o escravo era a antítese da capacidade civil? Afinal, como o Direito brasileiro regulamentava o estatuto civil do escravo, considerando a perda da sua liberdade? Ao tratar-se do Estatuto Civil do Escravo, além de vislumbrar a sua capacidade civil, estuda-se como a lei civil regulamentava as relações jurídicas nas quais o cativo era agente ou paciente. Registre- se que asregras civis aplicadas aos cativos eram sempre uma exceção ao Direito comum e que, em muitos momentos, utilizavam o Direito Romano subsidiariamente, como inclusive já havia decidido o Conselho de Estado do Império: A doutrina que autoriza esta prática tem assento no Direito Romano o qual conforme a Lei de 18 de agosto de 1769 pode na falta de lei pátria ser admitido como texto para julgar-se por ele subsidiariamente uma vez que concorram certas, e determinadas condições. É necessário para isto que o Direito Romano se funde ou naquela boa razão, que consiste nos primitivos princípios, que contém verdades essenciais, intrínsecas, e inalteráveis que a Ética dos Romanos havia estabelecido [...].428 Nas palavras de Malheiro429: [...] qual o direito que rege as relações dos escravos entre si, com seus senhores, e com terceiros, quanto aos direitos e obrigações civis e naturais [...] em que a própria legislação Romana (a fonte mais abundante e rica de disposições a respeito) tantas vezes flutuou contraditória e incerta, rompendo quase sempre contra as regras gerais. Por modo que se pode dizer que as leis que regem essas relações são todas de exceção ao Direito Civil Comum. Evidente que, ao longo dos anos, a regulamentação da vida civil sofreu alterações, com o advento da Lei do Ventre Livre (Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871), a qual estabeleceu verdadeiramente um Estatuto Civil para o elemento servil, revogando a legislação anterior. Mesmo assim, trata-se de um diploma legal que apenas concedia “direitos civis” com a finalidade de manter um regime exploratório que já perdurava há mais de 300 anos no solo brasileiro. Como afirmou Joaquim Nabuco, o legislador foi frio e seco, na tardia Lei do Ventre Livre de 1871: Não há na lei de 28 de setembro nada nesse sentido, que revele cuidado e desvelo pela natureza humana no escravo: o legislador neste caso cumpriu apenas um dever, sem amor, quase sem simpatia; naquele, em falta da liberdade imediata que lhe pesava não poder decretar, ele mostrou pelas vítimas da injustiça social o mais estranhado interesse, carinho mesmo, que não podia deixar de ir-lhes direito ao coração.430 Entretanto, deve-se frisar que tal lei surgiu quase cinco décadas depois da Independência brasileira, vigorando até então as disposições das Ordenações Filipinas431, que regulamentavam cruelmente a vida civil do elemento servil. Para se captar a brutalidade de tal estado de submissão civil, que levava milhões de homens e mulheres a um drama indizível, é importante a leitura da seguinte passagem de Joaquim Nabuco sobre sua infância no Engenho Massangana, no Cabo de Santo Agostinho, na província de Pernambuco, no século XIX: [...] a escravidão para mim cabe toda em um quadro inesquecido da infância, em uma primeira impressão, que decidiu, estou certo, do emprego ulterior de minha vida. Eu estava uma tarde sentado no patamar da escada exterior da casa, quando vejo precipitar-se para mim um jovem negro desconhecido, de cerca de dezoito anos, o qual se abraça aos meus pés suplicando-me pelo amor de Deus que o fizesse comprar por minha madrinha para me servir. Ele vinha das vizinhanças, procurando mudar de senhor, porque o dele, dizia-me, o castigava, e ele tinha fugido com risco de vida... Foi este o traço inesperado que me descobriu a natureza da instituição com a qual eu vivera até então familiarmente, sem suspeitar a dor que ela ocultava.432 Imagine presenciar um homem adulto, ajoelhado aos seus pés, em desespero, implorando para ser comprado, por ter fugido de um outro cativeiro no qual era submetido a uma rotina de tratamento feroz. Admitir que a capitis diminutio maxima maculava a dignidade do indivíduo é imprescindível para que nós, homens e mulheres do século XXI, tentemos compreender o que representava ter a sua vida civil reduzida à condição de escravo. O desespero e a total ausência de dignidade eram realidades na existência desses indivíduos, literalmente esmagados por uma estrutura exploratória que os marginalizava para poder oprimi-los. Joaquim Nabuco433 oferece uma perfeita descrição ao apresentar ao leitor as consequências de uma relação humana em que uma das partes detinha total poder (o senhor) e a outra se encontrava em total sujeição (o escravo): Como se há de definir juridicamente o que o senhor pode sobre o escravo, ou que este não pode contra o senhor? Em regra, o senhor pode tudo. Se quiser ter o escravo fechado perpetuamente dentro de casa, pode fazê-lo; se, tendo ele mulher e filhos, quiser que eles não se vejam e não se falem, se quiser mandar que o filho açoite a mãe, apropriar-se da filha para fins imorais, pode fazê-lo. Imaginem-se todas as mais extraordinárias perseguições que um homem pode exercer contra outro, sem o matar, sem separá-lo por venda de sua mulher e filhos menores de quinze anos – e ter-se-á o que legalmente é a escravidão ente nós. A Casa de Correção é, ao lado desse outro estado, um paraíso. Exceto a ideia do crime – que é pior que a sorte do escravo mais infeliz, tomando-se por exemplo um condenado inocente – não há comparação ente um regime de obrigações certas, de dependência a lei e dos seus administradores, e um regime de sujeição como sua propriedade, a um indivíduo, que pode ser um louco ou um bárbaro.434 Fica evidente a necessidade de se estudar a natureza jurídica do escravo. O primeiro passo que se dá, portanto, é analisar como o direito em vigor enxergava o escravo. 1. Natureza Jurídica do escravo Falar da natureza jurídica de algo é inserir o objeto estudado dentro das categorias lógicas do direito vigente naquele contexto histórico, ou seja, é dizer que aquilo que está sendo estudado tem características que tornam possível, para fins de classificação, indicar que ele se encontra dentro de um específico conjunto com propriedades similares. O debate sobre a natureza jurídica do escravo versa necessariamente sobre a controvérsia se aquele ser humano, à luz do direito, deveria ser regido pelo regime jurídico das coisas ou das pessoas. Cumpre registrar, a fim de esclarecer a natureza da relação jurídica da escravidão, que não se trata de uma locação de serviços, mas de uma relação em que juridicamente um ser humano está sujeito a outro, que o possui: [...] não é um contrato de locação de serviços que imponha ao que se obrigou certo número de deveres definido para com o locatário. É a posse, o domínio, o sequestro de um homem corpo, inteligência, forças, movimentos, atividades – e só acaba com a morte.435 Portanto, na escravidão, como não existe a manifestação da vontade para a formação do vínculo, não se trata de uma relação contratual436 e, por isso, sua natureza jurídica possui inúmeras peculiaridades. 2. O status do escravo na legislação brasileira: persona e res Para o Conselheiro Joaquim Ribas, o escravo não era tão-somente uma res, era considerado também personae, ou seja, os direitos do senhor sobre seu escravo (dominica potestas) não eram apenas exercidos a título de dominus, mas também como potestas: A dominica potestas dos Romanos, constando de dois elementos – o dominium e a potestas, impunha ao escravo duplo sujeição ao senhor, e o considerava ao mesmo tempo como coisa e como pessoa. Esta instituição não despessoalizava, pois, inteiramente o escravo, nem poderiaele sê-lo, pois que a sua incapacidade era sujeita a restrições. À proporção, porém, que o direito estrito se foi aproximando do racional, foi-se restringindo a dominica potestas, e paralelamente alargando a capacidade dos escravos, esta instituição reconhecida como oposta à natureza, e a liberdade como faculdade natural Entre nós também os direitos do senhor sobre o escravo constituem domínio e poder, em relação ao domínio o escravo é cousa, em relação ao poder é pessoa.437 Tal raciocínio pode ser explicado pela compreensão dos institutos de direito romano que eram aplicados subsidiariamente para sistematizar a escravidão brasileira: o escravo era res e personae ao mesmo tempo, desde que se compreenda esse último termo não como sujeito de direito, mas como ser humano: No direito romano o termo personae era usado como equivalente a homo e não como titular de direito. Por isso os escravos eram considerados ao mesmo tempo personae, e res. Isto não significa que o escravo pudesse ser titular de direito, pois Ulpiano esclarece muito bem a sua posição perante o direito civil –Quod attinet ad IUS CIVILE SERVI pro nullis habentur. [...] O escravo não era sujeito de direito, pois era considerado uma coisa, ou melhor, um animal humano438. O dominus exercia sobre o servus o direito de propriedade e para sancionar esse direito fazia uso da reivindicatio, isto é, da mesma ação de que se servia em se tratando de um objeto móvel439. Nesse sentido, Malheiro defende: Por isso que o escravo é reputado coisa, sujeito ao domínio (dominium) de seu senhor, e por ficção da lei subordinado às regras gerais da propriedade. Enquanto homem ou pessoa (acepção lata), é sujeito ao poder do mesmo (potestas) com suas respectivas consequências.440 Para exemplificar, pode-se analisar um caso concreto, descrito no Parecer nº 05, de 20 de março de 1858, da lavra do Conselho de Estado do Império, que discutia as questões apontadas, analisando a extensão do direito de propriedade do dominus sobre o servus. A questão levada ao Conselho de Estado iniciava-se com o fato de que Porfírio Fernandes Siqueira, residente na província do Rio Grande do Sul, hipotecou três escravos seus a Francisco Manuel dos Passos. A hipoteca441, assim como hoje, era considerada garantia real442. O art. 13 do Regulamento de 14 de novembro de 1846 previa os seus efeitos legais: “[...] são efeitos legais o registro das hipotecas, tornar nula a favor do credor hipotecário, qualquer alienação dos bens hipotecados por título, quer gratuito, quer oneroso”. Posteriormente, com a finalidade de retirar o gravame que incidia sobre seus escravos, com manifesta má-fé, Porfírio Fernandes Siqueira levou-os à República Oriental do Uruguai, cuja legislação considerava livre os escravos que ali se encontrassem. Francisco Manuel dos Passos, diante do prejuízo com a perda da garantia real do seu crédito, formulou requerimento ao Presidente da Província requerendo que esse, junto à legação imperial em Montevidéu, reclamasse a extradição dos escravos brasileiros hipotecados com fundamento no art. 6º do tratado de extradição firmado entre a República Oriental do Uruguai e o Império do Brasil, que dizia: O governo da República Oriental do Uruguai reconhece o princípio da devolução dos escravos pertencentes a súditos brasileiros que, contra a vontade dos seus senhores, forem, por qualquer maneira, para o território da dita república e aí se acharem. Na fundamentação da decisão ao requerimento formulado por Francisco Manuel dos Passos443 encontra-se descrito o status do servus perante a legislação brasileira: [...] O governo [da República] oriental, concedendo a devolução, como exceção da lei que aboliu a escravatura em todo o território da república, limitou-a aos casos em que os escravos passarem a esse território contra a vontade de seus senhores. O Governo Imperial, aceitando essa limitação, garantiu a liberdade aos que se acharem no caso contrário. Por isso, em toda questão de devolução, é mister ter em vista não somente os direitos do governo oriental e do senhor do escravo, mas também a posição deste para com aquele. O escravo ignora as transações de que é objeto, não entra, nem pode entrar, no exame delas: obedece a seu senhor.444 Se este o traz para o Estado Oriental, quaisquer que sejam as obrigações contraídas, haja ou não hipotecas, por aquele simples fato, o escravo adquire a sua liberdade, é livre nesta república, é liberto no Brasil. Ambos os governos estão obrigados a manter- lhe o direito que lhe concederam, nem um pode reclamar a sua devolução, nem o outro pode concedê-la. [...] Finalmente, devem ser considerados libertos os escravos, que estando como contratados, ou em serviço autorizado por seus senhores no território indicado – voltarem à província do Rio Grande do Sul, porquanto, pelo princípio geral acima exposto, o fato de permanecer ou ter permanecido, por consentimento do seu senhor, em um país onde está abolida a escravidão, dá imediatamente ao escravo a condição de liberto [...]445. (grifos nossos) Tais conclusões foram remetidas ao Conselho de Estado do Império, que as ratificou e acrescentou: “Se esses escravos voltassem ao Império, então poderia o reclamante fazer valer seus direitos hipotecários contra uma liberdade conferida com fraude manifesta e, ainda assim, o êxito seria duvidoso”446. O Imperador aprovou o parecer em 29 de março de 1859. Portanto, manifestando que o escravo possuía, ao lado da sua condição de personae, a natureza de coisa447, tendo em vista que sobre ele, inclusive, poderiam recair direitos reais de garantia. Como ensina Freitas448: Na classe dos bens móveis entram os semoventes, e na classe dos semoventes estram os escravos. Posto que os escravos, como artigos de propriedade, devam ser considerados coisas; não se equiparam em tudo aos outros semoventes, e muito menos aos objetos inanimados, e por isso tem legislação peculiar. Para o civilista, os escravos teriam natureza jurídica, para fins de aplicação das leis civis e comerciais, de bens móveis semoventes449 submetidos a um regime jurídico especial. O ordenamento jurídico brasileiro, como exposto, também considerava o escravo como uma quase-pessoa, logo, o servus poderia ser paciente ou agente de condutas que desencadeariam o surgimento de consequências jurídicas450. A seguir será realizada a análise das limitações da vida do cativo, nas várias dimensões da personalidade civil do sujeito de direito. 3. Escravo e Patrimônio O patrimônio é um elemento indispensável à personalidade do indivíduo e que está relacionado à sua capacidade para adquirir propriedade real, na terminologia utilizada pelos doutrinadores do século XIX, que era um dos direitos fundamentais dos Cidadãos brasileiros: A propriedade real, assim como a intelectual ou moral, tem pois a sua origem na natureza, e é sagrada, porque, como já dissemos, é o fruto dos esforços, fadigas e sacrifícios do homem, do suor do seu rosto, é o pão da sua família. [...] O fruto do trabalho do homem pertence decididamente ao homem, e lhe deve ser garantido em toda a sua plenitude, ou a propriedade se bens móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos.451 Um dos pressupostos para a aquisição do patrimônio era a capacidade para adquirir direitos, como sintetizou Freitas no art. 21 do seu Esboço de Código Civil: A capacidade civil é de direito, ou de fato. Consiste a capacidade de direitono grau de aptidão de cada classe de pessoas para adquirir direitos, ou exercer por si ou por outrem, atos que não lhe são proibidos452. A plenitude do status libertatis seria a condição fundamental para que a personalidade existisse e daí derivasse a capacidade para a aquisição de direitos453. Se fosse ela ausente, como no caso dos cativos, estaria prejudicada a construção de um patrimônio454. Naturalmente, o que justificaria o escravo construir um patrimônio seria obter aquilo que lhe falta, a liberdade: “Obter direitos inerentes à qualidade de homem livre, isto é, a possibilidade de sair da escravidão, é uma consequência necessária da mesma escravidão”455. Diante disso, será realizado o estudo da capacidade para construir patrimônio pelo cativo, analisando a própria possibilidade de alcançar sua alforria. 4. A Alforria e as Cartas de Liberdade A alforria era conceituada por Malheiro como uma representação do exercício do direito de propriedade: A alforria não é, portanto, em sua última, única, e verdadeira expressão mais do que a renúncia456 dos direitos do senhor sobre o escravo, e a conseqüente reintegração deste no gozo de sua liberdade, suspenso pelo fato de que ele foi vítima; o escravo não adquire, pois, rigorosamente a liberdade, pois sempre a conservou pela natureza, embora latente (permita-se o termo) ante o arbítrio da lei positiva457. Mattoso explicita que a intenção de conceder liberdade458, no amparo da lei, ao escravo poderia assumir diversas formas: A liberdade por manumissão459 era uma disposição legal. Podia ser concedida solenemente ou não, direta ou indiretamente, expressamente, tacitamente ou de maneira presumida, por certidão entre vivos ou por ato de última vontade, de próprio punho ou diante de tabelião, com ou sem certidão passada.460 As cartas de liberdade, também chamadas de cartas de alforria461, eram documentos que faziam prova462 do negócio jurídico da manumissão (alforria) realizada pelo senhor463, em prol do escravo: Eram cartas ou títulos de alforria, documentos por meio dos quais os senhores legitimavam a liberdade concedida aos seus escravos. Era documento [em regra] registrado em cartório464 e, com ele, o escravo ficava livre da tutela do senhor465. Não existia previsão legal de forma a ser seguida por tal documento, nem mesmo regulamentação específica sobre o assunto466: Por ato voluntário do senhor pode o escravo ser restituído à liberdade. [...] Quanto ao modo ou forma, é indiferente [...] Não a prejudica, igualmente, a falta de escritura pública; toda a prova é admissível, seja qual for o valor pecuniário.467 O batismo, apesar de ato solene, por si só, não alforriava o escravo, sendo necessária a manifesta intenção de manumitir realizada pelo senhor468, quando ocorria a “alforria de pia”469. Evidentemente, somente o proprietário poderia conceder a manumissão470, entretanto, Malheiro elenca hipóteses em que o escravo poderia ser alforriado por ato do anterior senhor: 1.º se o escravo é vendido com a cláusula de ser libertado pelo comprador; obrigado este a cumpri-lo, todavia ficava sendo seu patrono, ainda que coagido por sentença; disposição extensiva ao caso da doação ou título gratuito; e de tal força, que a mudança de vontade não prejudica a liberdade; 2.º se por algum ato, sobretudo de última vontade, alguém dispõe a favor de escravo alheio; entende-se em forma fideicomissária; 3.º se o legatário, ou herdeiro, ou beneficiado aceita o legado, herança, ou doação, com semelhante cláusula a bem de algum escravo seu471; 4.º se o senhor se satisfaz com o preço ou valor do escravo [de quem deseja comprar a alforria para este] [...]472. Como tais cartas de liberdade representavam a vontade do senhor473 de alforriar e serviam para fazer prova do status de liberto, elas eram individuais, mesmo que a manumissão tivesse como beneficiários um grupo de escravos474. As cartas poderiam ser concedidas a qualquer momento, durante a vida do proprietário, inclusive por meio de testamento475 – cuja eventual nulidade do documento, por inobservância de formalidade, não contaminava a manifestação de vontade de alforriar476. Tais cartas de alforria poderiam ser consideradas nulas quando houvesse vício na manifestação da vontade do proprietário, erro substancial, incapacidade do manumissor477, ou falsidade478 que contaminassem o negócio jurídico479. Entretanto, mesmo nessas situações, haveria presunção legal de liberdade em situações em que o escravo não deu causa à nulidade: Assim, posto que falso o título, o testamento, por ex., se o herdeiro ou legatário libertou o escravo, não volta este ao cativeiro; há apenas lugar à indenização; se o erro não é essencial, igualmente; se o senhor é coagido, não pelo escravo, nem pelo povo, nas manumissões por modo não solene, era válida a manumissão [...]; se o menor incapaz de libertar, exceto por justa causa, iludia, nem por isto deixava de ser valiosa a manumissão.480 A alforria condicional concedida pelo proprietário colocava o cativo na condição de statuliber. Nas palavras de Rui Barbosa481: Statuliber é o servo, que se acha destinado a ser livre em certo tempo, ou cumprida certa condição [...]; de onde se colige que essa situação tem um caráter individual, resultante especialmente, em relação a cada beneficiado. De um ato particular da pessoa que o manumite, não de uma providência geral, instituída em lei, para uma geração inteira, sem nenhuma alteração expressa quanto às relações habituais entre ela e os senhores.482 Segundo Malheiro483, o alforriado sob condição – statuliber – não estava mais submetido estritamente à escravidão, portanto, seu regime jurídico seria diferente do cativeiro484, já que: 1.º [...] o statuliber é liberto, embora condicional, e não mais rigorosamente escravo; 2.º [...] ele tem adquirido desde logo a liberdade, isto é, o direito; ou antes, tem desde logo sido restituído à sua natural condição de homem e personalidade; 3.º [...] só fica retardado o pleno gozo e exercício da liberdade até que chegue o tempo ou se verifique a condição; à semelhança dos menores, que dependem de certos fatos ou tempo para entrarem, emancipados, no gozo de seus direitos e atos da vida civil; 4.º [...] pode fazer aquisições para si, como os menores; 5.º [...] não é passível de açoites nem de penas só exclusivas dos escravos; nem ser processado como escravo; 6.º [...] não pode ser alienado, vendido, hipotecado, adquirido por usucapião; é mesmo crime de reduzir à escravidão pessoa livre; 7.º responde pessoal e diretamente pela satisfação do delito como pessoa livre; 8º [...] os filhos da statulibera são livres e ingênuos, visto como livre é o ventre485; a condição ou o termo não mudam nem alteram a sorte da mãe quanto à sua verdadeira e essencial condição de livre486; 9.º [...] o serviço, a que o statuliber seja ainda obrigado, já não é propriamente servil; 10. [...] não há aí patronos a respeito mesmo dos assim libertos, à exceção somente do próprio ex-senhor.487 Deve-se frisar que a alforria concedida, seja a gratuita ou onerosa, estava isenta de quaisquer direitos, emolumentos ou despesas488. Nas cartas de liberdade poderia constar a cláusula resolutiva do negócio jurídico em caso de implementação de uma condição, no caso, a ingratidão: Nessa situação, o cativo que conseguia a alforriapodia voltar à condição de escravo do seu antigo senhor, se este se sentisse ofendido pelo liberto por qualquer ato que, segundo ele, configurasse ingratidão do alforriado.489 A ingratidão poderia ser uma causa de revogação da alforria concedida. 5. A ingratidão: precariedade da liberdade concedida Observe-se que mesmo o liberto – o escravo que havia sido alforriado – vivia sob um estado de constante insegurança jurídica, pois existia real possibilidade jurídica de perda do seu status libertatis caso fosse invocada ingratidão por supostos atos praticados pelo liberto em relação ao seu antigo dominus490. Essa possibilidade de revogação do status libertatis encontrava fundamento no disposto no § 7º, Título 63, do Livro IV, das Ordenações Filipinas: Se alguém forrar seu escravo, livrando-o de toda a servidão, e depois que for forro, cometer contra quem o forrou, alguma ingratidão pessoal em sua presença, ou em sua ausência, quer seja verbal, quer de feito e real, poderá este patrono revogar a liberdade, que deu a este liberto, e reduzi-lo à servidão, em que antes estava. E bem si por cada uma das outras causas de ingratidão, porque o doador pôde revogar a doação feita ao donatário, como dissemos acima. As consequências práticas desse odioso dispositivo podem ser assim compreendidas: A prática da alforria permitia a um indivíduo constituir uma clientela de homens obrigatoriamente dedicados491. Mercê da alforria, o político escravista podia aumentar o número de votos que controlava nas eleições primárias ou paroquiais. Nisto reside a explicação da circunstância, repetidamente lamentada por Joaquim Nabuco, de que nas eleições os libertos votavam nos candidatos antiabolicionistas. Por medo de serem acusados de ingratos, os libertos denunciavam as conspirações escravas. O liberto se vinculava ao patrono até mesmo pelo sobrenome. Escravos, como se sabe, não tinham sobrenome, e por isto ao se alforriarem adotavam o do patrono492. É importante frisar que esse dispositivo, que permitia a reversão no status do liberto, somente foi revogado transcorrido aproximadamente meio século da outorga da Constituição imperial, pela Lei n.º 2.040, de 28 de setembro de 1871493, a denominada Lei do Ventre Livre494. A Lei do Ventre Livre criou um regime jurídico civil aplicado ao escravo, permitindo que ele viesse a constituir um patrimônio com o fim de obter a sua manumissão. 6. Lei do Ventre-Livre: direito à alforria:indenização assegurada ao senhor Somente com o advento da Lei do Ventre-Livre (Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871), o escravo passou realmente a adquirir o direito à sua alforria 495, independentemente da manifestação de vontade do seu senhor. Esse diploma legal criou uma regulamentação civil mínima para os escravos, assegurando-lhes uma gama de direitos, que serão estudados mais adiante. De modo geral, antes do advento da Lei do Ventre-Livre, não era possível que o escravo construísse patrimônio próprio sem que houvesse o consentimento do seu dominus496: Entre nós, nenhuma lei garante ao escravo o pecúlio; e menos a livre disposição sobretudo por ato de última vontade, nem a sucessão, ainda quando seja escravo da Nação. Se os senhores toleram que, em vida ou mesmo causa mortis, o façam, é um fato, que todavia deve ser respeitado.497 A Lei do Ventre-Livre alterou tal situação, ao criar, para o escravo, o direito de construir um patrimônio próprio. Pelo disposto no seu art. 4º, permitia-se que o escravo formasse um pecúlio decorrente de “doações, legados e heranças”, bem como daquilo que obtivesse com as economias decorrente do seu trabalho, nesse caso, com o consentimento do seu senhor: “É permitido ao escravo a formação de um pecúlio com o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias [...]”498. O conceito de pecúlio era dado pelo Direito Romano: “Pecúlio diz-se tudo aquilo que ao escravo era permitido, de consentimento expresso ou tácito do senhor, administrar, usufruir, e ganhar, ainda que sobre parte do patrimônio do próprio senhor”499. A finalidade de tal pecúlio seria o de obter a liberdade, nos termos do § 2º do art. 4º da Lei do Ventre-Livre: O escravo que, por meio do seu pecúlio, obtiver meios para indenização de seu valor, tem direito a alforria.500 Se a indenização não for fixada por acordo, o será por arbitramento. Nas vendas judiciais ou nos inventários o preço da alforria será o da avaliação. A fim de respeitar o direito à propriedade, no caso de escravo submetido à condomínio, se apenas um dos senhores libertasse o escravo, ele teria direito à alforria, mas o servo teria que indenizar os demais senhores na medida das suas quotas (§ 4º do art. 4º, da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871): “O escravo que pertencer a condôminos e for libertado por um destes, terá direito a sua alforria indenizando os outros senhores da quota do valor que lhes pertencer”. Nesse caso, o escravo poderia pagar a indenização mediante a prestação de serviços, por prazo não superior a sete anos (§ 4.º, do art. 4º, da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871): “Esta indenização poderá ser paga com serviços prestados por prazo não maior de sete anos [...]”. Outra forma de alforria prevista na Lei do Ventre-Livre foi a cessão de trabalho futuro, mediante contrato com terceiro: É, outrossim, permitido ao escravo, em favor da sua liberdade, contratar com terceiro a prestação de futuros serviços por tempo que não exceda de sete anos, mediante o consentimento do senhor e aprovação do Juiz de Órfãos.501 Por tais dispositivos, a aquisição do status libertatis não mais estava condicionada à manifestação de vontade do senhor: a lei concedia ao escravo o direito à alforria se o seu pecúlio fosse suficiente para indenizar o seu senhor, ou mesmo, concedia a possibilidade de a indenização ser adimplida por meio de trabalho. A justificativa para indenização decorre, claramente, do disposto no § 22, do art. 179, da Constituição de 1824, que prescreve a exceção ao direito à propriedade: É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A Lei marcará os casos, em que terá lugar esta única exceção, e dará as regras para se determinar a indenização. Ou seja, somente por meio de lei, nos termos da Constituição de 1824, poderia o Cidadão do Império ter o seu direito à propriedade violado, mas, nem a lei, mesmo que para a assegurar a primazia da liberdade dos escravos, poderia “agredir” o legítimo direito à justa indenização. Por essa razão, durante os debates acerca da Abolição da escravidão, sempre foi defendida a tese (pelos escravistas) de que não seria possível o Governo imperial alforriar os escravos sem que fosse conferido o direito à indenização por esse ato de desapropriação502. Portanto, o escravo seria libertado, sob condição de se submeter a trabalho em favor de terceiro, por período não superior a sete anos, com a finalidade de indenizar o senhor. Nesse caso a alforria estaria condicionada tanto à aquiescência do dominus, quanto à apreciação do juiz de órfãos. E se o escravo, após obtida a liberdade, não sendo mais um cativo, não cumprisse o seu deverde prestar serviços pelo prazo estabelecido no momento da alforria? Ele retornaria à situação de escravo? Não. O inadimplemento do dever de prestar serviços, por prazo certo, decorrente do contrato de alforria não geraria a nulidade (ou a revogação) da liberdade concedida, ou seja, o instituto da ingratidão havia desaparecido503. Nesse caso, pela Lei do Ventre-Livre, o então liberto seria compelido a trabalhar em estabelecimentos públicos ou para particulares: A alforria com a cláusula de serviços durante certo tempo não ficará anulada pela falta de implemento da mesma clausula, mas o liberto será compelido a cumpri- la por meio de trabalho nos estabelecimentos públicos ou por contratos de serviços a particulares.504 Portanto, com o advento da Lei do Ventre Livre a alforria passou a ser um direito do escravo505 que pudesse cumprir com os requisitos legais. 7. Ações de Liberdade As ações de liberdade eram ajuizadas, perante o Poder Judicial506, por terceiros, no papel de curadores de escravos, ou pelos próprios libertos, pelas quais se deduzia a pretensão de obtenção da alforria ou a manutenção do seu status libertatis. A pretensão de obtenção da liberdade era imprescritível507: As ações de liberdade entre nós têm lugar em diversas hipótese: assim, ou pode ser restituída a liberdade natural aquele que ilegal e abusivamente está dela privado; ou aquele que, tendo estado a princípio legalmente sujeito à escravidão, deixou, entretanto, de o ser por qualquer circunstância; ou finalmente aquele que, reconhecendo e confessando a ilegalidade de seu estado servil, oferece, entretanto, uma indenização em troca de sua liberdade.508 Tais ações, com previsão expressa no art. 7º da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871, serviam de instrumento para que, recorrendo o Poder Judicial, por meio curador que lhe representava, o escravo viesse a obter a alforria não aceita pelo seu senhor509. A ação ajuizada não poderia ser de competência de juízo arbitral, pois não era possível se admitir transação em ação de liberdade de modo a vir prejudicar tal direito510. Por essa razão, a ausência de tentativa de conciliação511 não gerava nulidade do feito512 e, se viesse a ocorrer, seria apenas para reconhecer o status libertatis do escravo513. Nos termos do art. 10, do Decreto de 12 de abril de 1832514, tal ação poderia ser proposta perante qualquer órgão do Poder Judicial515, entretanto passou-se a entender que o juízo competente seria o do domicílio do proprietário516. Na forma do § 1º do art. 7º da Lei nº 2.040, de 28 de março de 1871, elas se processavam sob rito sumário517, inclusive aquela em que o autor viesse (ou estivesse) a sofrer um esbulho no seu direito à liberdade518: “Uma ação de liberdade é iniciada quando, depois de receber um requerimento – assinado por qualquer pessoa livre, geralmente ‘a rogo’ do escravo –, o juiz nomeia um curador ao escravo e ordena o seu depósito”519. O ônus da prova seria daquele que postulasse contra liberdade, seja autor ou réu, uma vez que a escravidão não se presume520. Deveria ser nomeado um curador ao escravo521 No que se refere ao julgamento, de acordo com Malheiro, devia-se decidir preferencialmente em favor da liberdade, exceto se o direito de propriedade do senhor fosse evidente ou, ao menos, possível o fim do cativeiro por meio de pagamento de indenização522: Os casos em que os escravos alegam o direito à carta de alforria são aqueles em que os senhores prometeram-lhes dar a liberdade, geralmente verbalmente, e não cumpriram, ou então eles os alforriaram em testamento e seus herdeiros não os queriam libertar523. O termo jurídico para as ações em que o argumento é o de que o escravo já tinha sido libertado, antes é “ação de manutenção de liberdade”: é quando o liberto, já vivendo como tal, sofre tentativas de rescravização por parte de seu antigo senhor ou de qualquer outro homem livre.524 Nas ações de “ventre livre”, os escravos alegam ser descendentes de uma mulher livre; portanto, seriam também livres e não poderiam ser rescravizados. Os casos de compra de alforria são aqueles em que o escravo tenta comprar sua liberdade e o senhor não permite, ou então quando este desrespeita um acordo anteriormente feito com o primeiro sobre seu valor. Os processos com base na data de chegada ao Brasil são alegações de que o escravo teria chegado depois da primeira proibição do tráfico negreiro, em 1931; e os de violência são aqueles em que o senhor é acusado de ser muito violento no trato com seus escravos ou de forçar alguma escrava à prostituição525. (grifos nossos) Segundo o § 2º, do art. 7º, da Lei nº 2.040, de 28 de março de 1871, haveria apelações de ofício quando as decisões, nessas ações, fossem contrárias à liberdade. A sentença526, que negasse o direito à liberdade, nunca transitaria em julgado, sendo possível que viesse a ser revisada por meio de provas supervenientes ou por outras causas e, consequentemente, o ajuizamento de ação rescisória, ainda que houvesse sido proferida em sede de recurso de revista527. A pretensão do proprietário em postular uma ação de escravidão528, demonstrando o seu direito de propriedade contra um indivíduo, prescrevia em cinco anos, segundo Malheiro529. 8. O escravo: família e herança Por definição, nas clássicas lições de Direito Romano que serviam de fonte parcial para o estudo das instituições civis, o escravo não poderia constituir uma família: O Direito Romano já havia reconhecido e firmado o princípio de que – o escravo não tinha nem tem família; entre escravos não havia, em regra, casamento, apenas contubernium, união natural ou de fato; nem parentesco; nem poder marital, ou pátrio.530 No Direito brasileiro531, admitia-se tal violenta e antinatural impossibilidade de constituição de vínculos matrimoniais e familiar entre escravos, bem como da impossibilidade de exercício do pátrio poder pelo cativo, à luz da lei civil: Entre nós, infelizmente, os escravos vivem em uniões ilícitas, por via de regra, tanto os do serviço urbano como os do rural; entregues, por conseguinte, à lei da natureza ou à devassidão. Em algumas partes, é verdade confessar, sobretudo entre os lavradores, não é raro verem-se famílias de escravos, marido, mulher, filhos. [...] O Direito Civil, porém, quase nenhuns efeitos, em regra, lhes dá, com quanto reconheça o fato e o sancione implicitamente pela recepção das leis da Igreja. Continuam marido, mulher e filhos a ser propriedade do senhor.532 Portanto, o senhor poderia alienar separadamente o casal de escravos, bem como pais de filhos e as mães da sua prole533, pois não existia nenhuma vedação legal, até porque a lei vigente em nada protegia os cativos534. Somente com o advento da Decreto n.º 1.695, de 16 de setembro de 1869, foi vedada, sob pena de nulidade, a venda de cativos casados separadamente, bem como o filho do pai ou da mãe, salvo os filhos maiores de quinze anos: “Art. 2º. Em todas as vendas de escravos, sejam particulares ou judiciais, e proibido, sob pena de nulidade, separar o marido da mulher, o filho do pai ou mãe, salvo sendo os filhos maiores de 15 anos”. O advento da Lei do Ventre Livre (Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871), ampliou tal proteção por meio do disposto nos seus § 5º, do art. 1º, e § 7º, do art. 4º: § 5º No caso de alienação da mulher escrava, seus filhos livres,menores de 12 anos, a acompanharão, ficando o novo senhor da mesma escrava subrogado nos direitos e obrigações do antecessor [...] § 7º Em qualquer caso de alienação ou transmissão de escravos, é proibido, sob pena de nulidade, separar os cônjuges, e os filhos menores de 12 anos, do pai ou da mãe. Entretanto, para que o casamento fosse realizado, era necessária a autorização do senhor. Regra geral, os escravos não se casavam535 e os filhos nascidos de uma escrava536 pertenciam ao senhor537, obedecendo ao odioso princípio romano partus sequitur ventrem538: “O princípio regulador é que – partus sequitur ventrem539 –, como dispunha o Dir. Romano. Por forma que – o filho da escrava nasce escravo –; pouco importando que o pai seja livre ou escravo”540. Havia um debate doutrinário541 acerca da determinação do momento em que a mãe era escrava542 a fim de indicar também a natureza do seu filho: a concepção, o nascimento ou durante qualquer momento da gestação. Na experiência dada pelo Direito Romano, após muitas incertezas doutrinárias543, fixou-se que se em algum momento durante a gestação a mulher fosse livre, seu filho também o seria: O Direito Romano vacilou por muito tempo. A princípio olhou-se à data do nascimento; de sorte que era livre ou escravo o filho, conforme a mãe o era também nessa época. Decidiu-se mais tarde que, se a mãe era livre ao tempo da concepção, o filho o devia igualmente ser, ainda que ao do nascimento fosse ela escrava. Por último, que, ainda que ela fosse escrava ao tempo da concepção e do parto, o filho seria livre, se a mãe durante a gestação foi livre.544 No direito brasileiro, baseado em aplicação do Direito subsidiário, cristalizou-se o entendimento que a liberdade da mãe, em qualquer momento durante a gestação, implicaria também na liberdade do filho: Conseguintemente devemos assentar como regra a seguir entre nós – que, se a mãe é livre em qualquer tempo, desde a concepção até o parto, o filho nasce livre e ingênuo, ainda que ela em qualquer dessas épocas seja ou fosse escrava.545 Registre-se que, como o escravo não poderia constituir patrimônio próprio, também não poderia transmitir alguma posse a seus herdeiros, uma vez que a lei não reconhecia a possibilidade de possuírem um vínculo de parentesco. Se não poderia constituir nenhum patrimônio e nem ter sucessores, na forma da lei, não existiria transmissão de herança do escravo falecido546. Igualmente, o escravo não herdaria, nem teria a aptidão para fazer testamento547, pois ele integrava o conjunto patrimonial do seu senhor: “[...] a herança, o legado: se deixados a escravos, não os adquire o senhor, tem-se por não escritos ou nulos. Era ficção própria da legislação Romana, instituição particular desse Direito”548. Logo, a sujeição jurídica do escravo fazia com que os institutos de direito de família e das sucessões simplesmente não lhes fossem aplicados na prática, por integrarem o patrimônio do respectivo dominus: “O escravo como propriedade passa por sucessão ou por testamento, do mesmo modo que os outros bens do defunto senhor. E os impostos sobre as heranças e legados lhes são extensivos da mesma maneira”549. Foi pelo § 1º do art. 4º da Lei do Ventre Livre que o escravo passou a ter direito a herdar o pecúlio constituído, na forma da lei civil, por ocasião do falecimento do seu ascendente ou cônjuge: § 1º Por morte do escravo, a metade do seu pecúlio pertencerá ao cônjuge sobrevivente, se o houver, e a outra metade se transmitirá aos seus herdeiros, na forma da lei civil. Na falta de herdeiros, o pecúlio será adjudicado ao fundo de emancipação, de que trata o art. 3º.550 Portanto, com o passar dos anos, houve evolução legislativa que passou a atribuir autonomia jurídica às ações praticadas pelo escravo na esfera civil. Na compreensão do Conselheiro Joaquim Ribas: À proporção, porém, que o direito estrito se foi aproximando do racional, foi-se restringindo a dominica potestas, e paralelamente alargando a capacidade dos escravos551, esta instituição reconhecida como oposta à natureza, e a liberdade como faculdade natural552. Apesar de o escravo, paulatinamente, ao longo do século XIX, passar a adquirir legitimação para a prática de atos da vida civil, merece ser estudado como ele se inseria como objeto diante das leis civis. 9. O Escravo como agente e objeto de relações do direito civil O escravo era um capital empregado para gerar, por seu trabalho, riquezas que seriam apropriadas pelo seu senhor553, que tinha direito de “auferir do escravo todo o proveito possível”554, isto é, explorar essa mão de obra de todas as formas555 a fim de que os rendimentos da sua labuta viessem a ser incorporados ao patrimônio do proprietário556. Nessa configuração de coisa, o escravo poderia ser objeto de várias relações jurídicas previstas na lei civil557. Para o Direito Civil, a regra era de que o escravo, como detinha uma capitis diminutio maxima, não poderia contrair, por si só, obrigações: “[...] o escravo nem se obriga nem obriga ao senhor ou terceiros. Nem, mesmo depois de liberto, responde pelos atos praticados enquanto escravo”558. Entretanto, como visto, o escravo também era considerado uma pessoa. Se a lei assim não o admitisse, não seria possível, por exemplo, estabelecer efeitos jurídicos para alguns atos civis por eles praticados. Coisas não praticam atos jurídicos, pois não existe possibilidade de que venham a manifestar vontade, nem por ficção legal559. Portanto, a lei estabelecia consequências jurídicas para os atos praticados pelos escravos, como ensina Malheiro560: 1.º que, quando o escravo obrasse em qualidade de mandatário do senhor, ou mesmo como gestor mas aprovado ou ratificado o ato, fosse o senhor obrigado pela totalidade; compreendendo-se nesta disposição os mandatos especiais, como de preposto à navegação, ao comércio; 2.º que o fosse igualmente, quando do ato do escravo viesse proveito ao senhor; 3.º que, em relação ao pecúlio, o senhor fosse obrigado dentro das forças do mesmo; 4.º que ainda nessas relações entre terceiros, senhor, e escravo quanto ao pecúlio, no caso em que fosse este empregado no comércio, se desse ação entre os credores e o senhor para seu pagamento; 5º que contra os terceiros podia o senhor intentar diversas ações, já para fazer valer os seus direitos dominicais, já pelas aquisições provenientes dos escravos como instrumentos delas, e pelos fatos e obrigações que contraísse obrigando-o, já por delitos contra os seus escravos, já por corrompê-los, e acoutar os fugidos; e 6.º que nos delitos do escravo contra terceiros, embora fosse ele obrigado naturalmente e esta obrigação o acompanhasse mesmo depois de liberto, o senhor ficava, todavia, sujeito a pagar o dano. Evidentemente os escravos poderiam ser objeto de contrato de compra e venda561, sendo aplicáveis as normas referentes a vício oculto da “coisa”, quando afetasse a qualidade do cativo adquirido562. Se tal negócio jurídico excedesse determinado valor563, tal contrato deveria ser celebrado por meio de escritura pública564, sob pena de nulidade565. Essa compra e venda servia de fato gerador para incidência de tributo566. Também poderia ser permutado por bens móveis ou imóveis567. Com o advento do Decreto nº 1.695, de 15 de setembro de 1869, foi proibida vendas deescravos por meio de pregão, em leilões, com exibição pública deles568. O escravo poderia ser objeto de contrato de locação, por prazos variados, existindo, nos centros urbanos569, mercados em que se ofereciam os cativos para aluguel570. Quando o contrato era por prazo curto, geralmente os contratos eram celebrados verbalmente571, entretanto, se por prazo mais dilatado, o negócio jurídico era firmado perante tabelião572. O escravo poderia ser hipotecado573 ou empenhado574. A hipoteca era realizada exclusivamente por escritura pública575 e registrada576, sendo judicial ou convencional577. Para o pagamento de uma dívida do seu senhor, o escravo poderia ser penhorado578, quando era recolhido a uma prisão, aguardando o resgate da dívida ou que houvesse a adjudicação para pagamento do valor cobrado579. Merece registro, também, o fato de que o escravo era considerado um acessório da propriedade rural580. Além disso, o escravo poderia ser objeto de seguro comercial. Em virtude de sua capitis diminutio maxima, o escravo era considerado também como uma coisa semovente, ou seja, como não era um homem livre, seria possível fazer um seguro que viesse a proteger o seu valor581. Para os doutrinadores da época, o escravo poderia ser objeto de usucapião582, no prazo de três anos, desde que o possuidor estivesse munido de boa-fé, com justo título, exercendo sua posse de forma mansa e pacífica583. Entretanto, a fuga do escravo não gerava prescrição extintiva584 do vínculo que lhe submetia àquela triste situação585, já que se entendia que havia uma espécie de “roubo de si mesmo”, ou seja, havia a má-fé586. De outro modo, o abandono do escravo passou a gerar a perda do direito de propriedade587. Ademais, o senhor era responsável pelo pagamento de indenização pelos danos causados pelo escravo588 a terceiros por atos ilícitos praticados por este, até o limite do valor escravo589. Por fim, o escravo seria objeto de herança590 ou testamento, devendo o valor deles ser incluído na base de cálculo dos respectivos tributos591. O escravo não poderia ser senhor de outro escravo, pelo fato de que, em tese, como não detinha capacidade jurídica, não poderia exercer um poder sobre outro indivíduo e as suas posses se confundiam com a do seu dominus. Evidente que não existia no ordenamento jurídico brasileiro tal previsão legal, afinal, como era considerado um bem semovente, o escravo, até o advento da Lei do Ventre Livre, não poderia constituir patrimônio, e quando pôde fazê-lo, era um pecúlio a fim de obter a sua alforria592. Por outro lado, havia senhores que permitiam que alguns de seus escravos viessem a ser “proprietários” de outros escravos593: tratava- se de uma “posse” precária e sempre condicionada a tolerância do senhor594. A finalidade desse precário domínio de um escravo sobre outro era a de o servus vicarius obter a sua alforria595. Em alguns casos, os frutos do trabalho do seu escravo serviam para constituir um pecúlio596; em outros, o “escravo-senhor”, que possuía habilidades para o exercício de determinada profissão, deveria transmitir seus conhecimentos para o outro cativo, quando então poderia obter a sua liberdade treinando seu substituto597. Estudados os aspectos de incidência da lei civil, volta-se, agora, para como o ordenamento jurídico brasileiro do século XIX dispunha sobre a responsabilidade penal dos escravos. Notas 427. “Art. 317. Todos os objetos materiais suscetíveis de uma medida de valor são coisas. [...] Entende-se por coisas somente os objetos corpóreos, e fique portanto em esquecimento a divisão que fez o Direito Romano, e que fazem todos os códigos, de coisas corpóreas e coisas incorpóreas, atribuindo à palavra um sentido amplíssimo, e fazendo-a compreender tudo quanto pode ser objeto de direito na opinião de alguns, ou pelo menos tudo quanto faz parte integrante do patrimônio na opinião de outros” (Freitas, Augusto Teixeira. Esboço do Código Civil, v. 1. Brasília: Fundação UnB, 1983, p. 115). 428. Disponível em: <https://goo.gl/XBgLtC>. Acesso em: 18 jul. de 2015. 429. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 39. 430. Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. Brasília: Vozes, 1977, p. 89. 431. E respectiva legislação superveniente. 432. Nabuco, Joaquim. Minha Formação. Brasília: Senado Federal, 1998, p. 182. 433. Sobre a desigualdade no tratamento, inclusive de negros heróis ver Luna, Luís. O Negro na Luta contra a Escravidão. Brasília: Editora Cátedra, 1976, p. 40-41. Por motivo de status, mas não apenas por essa razão, muitos negros libertos compravam escravos para atenuar o estigma da sua cor diante de uma sociedade que continuava a marginalizá-los (Narloch, Leandro. Achado e perdidos da história: escravos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017, p. 118). 434. Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 90. 435. Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 90. 436. Portanto inaplicável, por exemplo, ao escravo a Lei nº 108, de 11 de outubro de 1837, que regulamentava a locação de serviços de colonos: “Art. 1. O contracto de locação de serviços, celebrado no lmperio, ou fora, para se verificar dentro dele, pelo qual algum estrangeiro se obrigar como locador, só póde provar-se por escrito”. 437. Ribas, Conselheiro Joaquim. Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1982, p. 281-282. 438. “As Ordenações Filipinas – recompiladas por ordem de Filipe I depois da anexação de Portugal à Espanha em 1580 – regulavam a compra e venda de escravos no mesmo capítulo dedicado aos animais” (Freitas, Décio. Palmares: a guerra dos escravos. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982, p. 28). 439. Nóbrega, Vandick Londres da. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 120 e 130. 440. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 68. “O escravo constituía uma propriedade total e ilimitada do amo, privado de quaisquer direitos e submetido a uma relação absoluta de dependência. Não tinha existência civil, vale dizer, não era pessoa natural capaz de direitos e obrigações” (Freitas, Décio. Palmares: a guerra dos escravos. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982, p. 28). 441. “[o senhor] hipotecava um escravo a terceiros por um prazo determinado, findo o qual e não sendo paga a hipoteca, o escravo passava a pertencer ao credor. A hipoteca do escravo podia ser estabelecida pelas partes na forma judicial ou convencional, isto é, por uma formalização judicial ou por um pacto individual entre as partes com valor moral” (Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2004, p. 190). 442. Nos termos das Ordenações Filipinas, Livro II, f. 52, § 5º e Livro IV, f. 3º. 443. De 15 de dezembro de 1857, da lavra do Presidente da Província do Rio Grande do Sul. 444. “Nas formas jurídicas do século XIX, o escravo é tido como ser ausente. É ausente por não ser sujeito ou ser quase-sujeito” (Costa, Yuri. A transmutação da fala: uso e desuso de testemunhos dos escravos nos tribunais do Maranhão imperial. In: Galves, Marcelo Cherche; Costa, Yuri (orgs.). O maranhão oitocentista. Imperatriz: Ética/São Luís: Editora Uema, 2009, p. 204). 445. Brasil. O Conselho de Estado e a política externa do Império: Consultas da Seção dos Negócios Estrangeiros: 1858-1862. Centro de História e Documentação Diplomática. Rio de Janeiro: CHDD;Brasília: Funag, 2005, p. 32-33. 446. Ibidem, p. 34. 447. “O escravo subordinado ao poder (potestas) do senhor, e além disto equiparado às coisas por uma ficção da lei enquanto sujeito ao domínio de outrem, constituído assim objeto de propriedade, não tem personalidade, estado. É, pois, privado de toda a capacidade civil” (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, p. 44). 448. Freitas, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis. Brasília: Senado, 2003, p. 35. 449. “Art. 389. Quando as coisas móveis por natureza podem por si mover-se de um lugar para outro, têm a denominação de semoventes” (Freitas, Augusto Teixeira. Esboço do Código Civil, v. 1. Brasília: Fundação UnB, 1983, p. 138). 450. Diferindo das perspectivas clássicas que impediam a atribuição das consequências jurídicas para o dominus por atos praticados pelos seus escravos (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 52). 451. Bueno, José Antônio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Brasília: Senado Federal, 1978, p. 421. 452. Freitas, Augusto Teixeira. Esboço do Código Civil. Brasília: Fundação UnB, 1983, p. 14. 453. Silva, Luís Antônio Vieira da. História Interna do Direito Romano privado até Justiniano. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 60-61. 454. Teixeira de Freitas ressaltava que no caso dos escravos, não havia um total desaparecimento da capacidade: “Sabe-se que neste projeto prescindo da escravidão dos negros, reservada para um projeto especial de lei: mas não se creia que teria de considerar os escravos como coisas. Por muitas que sejam as restrições, ainda lhes fica a aptidão para adquirir direitos; e tanto basta para que sejam pessoas” (Freitas, Augusto Teixeira. Esboço do Código Civil. Brasília: Fundação UnB, 1983, p. 14.). Em sentido igual: Nabuco, Joaquim. A escravidão. Recife: Fundaj/Editora Massangana, 1988, p. 113. 455. Silva, Luís Antônio Vieira da. História Interna do Direito Romano privado até Justiniano. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 80. 456. “O proprietário renunciava assim voluntariamente a seu manus sobre o cativo que se tornava homem livre ‘como se fosse de nascimento’ conforme a expressão utilizada nos textos das alforrias” (Mattoso, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. São Paulo: Vozes, 2016, p. 200). 457. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 123. 458. “Legalmente, só havia duas maneiras do escravo adquirir a liberdade: pela morte natural ou pela alforria” (Freitas, Décio. Palmares: a guerra dos escravos. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982, p. 29). 459. “A manumissão é aquela declaração pela qual o senhor dava liberdade ao seu escravo; declaração esta, porém, que devia ser feita conforme os direitos que regulavam este ato” (Silva, Luís Antônio Vieira da. História Interna do Direito Romano privado até Justiniano. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 81). 460. Mattoso, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. São Paulo: Vozes, 2016, p. 200. 461. Pode-se dividir as cartas de liberdade nas seguintes categorias: (a) as que se originaram na gratidão do senhor; (b) as concedidas sob condição; (c) as vendidas a escravos ou pagas por alguma associação; (d) as concedidas a crianças, filhos de escrava com o senhor e pai da criança; e (e) as concedidas em favor de determinado escravo, para lhe ser entregue após a morte do senhor (Sena, Marina de Avellar apud Moura, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Ed. USP, 2004, p. 89). Eis um exemplo de carta de liberdade, concedida por Perdigão Malheiro e sua esposa em favor do seu escravo Sabino: “Registro de uma Carta de liberdade conferida pelo Dr. Agostinho Marques Perdigão Malheiro sua mulher ao pardo Sabino [...] Pela presente, por um de nós escrita e por ambos assinada, declaramos que, desejando comemorar por um ato digno da Religião de Cristo, o Redentor, e de humanidade, o aniversário que hoje celebramos, e atendendo aos serviços que já nos tem prestado o pardo Sabino, nosso escravo, temos de comum acordo e de muita nossa livre e espontânea vontade, resolvido conferir ao mesmo, como conferimos, a sua liberdade, podendo conduzir-se como se de ventre livre fosse nascido; com a cláusula, porém, de continuar servindo-nos ou à pessoa por qualquer de nós designada, ainda por espaço de cinco anos, a contar desta data [...]” (Chalhoub, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 174). 462. “[...] se não havia documento escrito, era preciso provar por meio de testemunhas que houve alforria” (Mattoso, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. São Paulo: Vozes, 2016, p. 200). 463. “[...] em geral, a alforria era concedida por carta, assinada pelo senhor ou, a seu pedido, por um terceiro, quando era iletrado” (Mattoso, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. São Paulo: Vozes, 2016, p. 200). 464. “Nem sempre essas cartas eram transcritas no Livro de Notas do Cartório local. Às vezes eram entregues a pessoas de confiança do concedente até que ele falecesse, para então serem levadas ao Cartório para legaliza-las, ou ainda podiam ser guardadas junto ao testamento do senhor do escravo e só eram dadas a conhecer com a abertura deste” (Moura, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Ed. USP, 2004, p. 89). 465. Ibidem, p. 89. 466. “Esses documentos não obedeciam a uma determinada forma. Aliás, não havia praticamente nenhuma norma a ser obedecida rigidamente” (Ibidem, p. 89). 467. Ibidem, p. 82-83. 468. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 236. 469. “Isto somente ocorria quando o pai era também o senhor da escrava, mas queria beneficiá-la com a liberdade do filho bastardo. No entanto, era raro o fato e não chegou a se transformar em norma, pois a filosofia dos senhores de escravos era fazer filhos nas negras para aumentar o plantel” (Moura, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Ed. USP, 2004, p. 90). 470. “[...] apesar do benigno acolhimento que as ideias filantrópicas recomendam em questões de liberdade, contudo, como há oposição no reconhecido senhor [...] não pode ser privado do domínio [...]” (Provis. de 15 de dezembro de 1823) (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 239). “O testador não pôde conferir alforria direta senão a seus próprios escravos, isto é, que lhe pertençam ao tempo do testamento, ou ao tempo de seu falecimento” (Freitas, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis, v. II. Brasília: Senado, p. 2003, p. 653). 471. Chalhoub, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 158. 472. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 84. 473. Vontade que somente poderia ser externada por quem fosse capaz: “O louco, demente, furioso é incapaz [para alforriar], exceto em lúcidos intervalos”. Malheiro entendia que o pródigo, interditado por sentença, poderia realizar atos em favor da liberdade; bem como a mulher casada, em atos entre vivos, também poderia alforriar, apesar de sua capacidade estar limitada (Malheiro,Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 85 e 243). 474. Moura, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Ed. USP, 2004, p. 89. 475. Ibidem, p. 89. 476. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de outubro de 1864 (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 82 e 236). 477. Evidentemente, escravos não poderiam alforriar, por não ter capacidade civil; nem menores, tutelados ou curatelados, por igual razão. Tutores ou curadores não o podiam conceder alforria pelo fato de que eles apenas administravam o patrimônio de incapazes, não podendo praticar atos de alienação. O usufrutuário também não poderia conceder a liberdade por não ter direto de dispor de patrimônio alheio (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 84). 478. Era vedada a concessão de manumissões que viessem a prejudicar terceiros credores do proprietário, sendo consideradas fraudulentas: “1.º a respeito do escravo especialmente hipotecado ou dado em penhor; 2.º a alforria em fraude dos credores; 3.º nas manumissões testamentárias a alforria em fraude ou prejuízo dos herdeiros necessários [...]” (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 89). “A alforria era proibida [...]: primeiramente, quando no documento de venda do escravo, venda privada ou em leilão, o primeiro senhor estipulava que o escravo não poderia nunca ser alforriado. Por outro lado, o documento de venda podia também incluir cláusulas que liberavam o escravo a termo ou se o novo senhor o obrigasse a se prostituir. [...]” (Mattoso, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. São Paulo: Vozes, 2016, p. 205). “É nula a alforria, quando a herança é insolvável, ainda que se transmita a um herdeiro rico [...] Reputa-se em fraude dos credores a alforria dada pelo devedor, quando este é insolvável no momento dela, ou deve ficar insolvável em virtude dela” (Freitas, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis, v. II. Brasília: Senado, 2003, p. 656). 479. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 83. 480. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 83. 481. “[...] estado livre é aquele a quem ê concedida a liberdade para certo tempo ou sob certa condição. (Dig. Livro 40, tit. 7º)” (Pereira, J. Baptista. Da condição atual dos escravos: especialmente após a promulgação da Lei nº 3.270 de 28 de setembro de 1885. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, p. 6). A alforria condicional estava prevista nas Ordenações Filipinas, Livro 4, título 63. 482. Barbosa, Rui. Emancipação dos Escravos. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1884, p. 80-81. 483. “[...] o statuliber já não é própria e rigorosamente escravo” (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 24). 484. Chalhoub, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 159-161. 485. Há uma interessante análise de um caso concreto envolvendo uma escrava alforriada sob condição, que já estava grávida, em Chalhoub, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 151ss. 486. “[O Instituto dos Advogados do Brasil, consolidou entendimento, em 1857, 1º) que a escrava, a quem por testamento se conferira a liberdade com a obrigação de servir a alguma pessoa, enquanto esta vivesse, ou por certo prazo de tempo, era desde logo livre os filhos que lhe nascessem nesse entretempo; 2º) que em tal caso, ademais, a obrigação de prestar serviços seria antes um ônus imposto à liberdade do que uma condição suspensiva; e 3º) que a hipótese de modo algum se poderia confundir com aquela outra em que a escrava se deixava em legado para servir a alguma pessoa por certo tempo, findo o qual se lhe daria a liberdade: em cujo caso, porém, igualmente, ingênuos seriam os seus filhos, como nascidos de ventre livre” (Nequete, Lenine. Alforria ‘condicionada’ à prestação de serviços: a exemplaridade de um acórdão da Relação de Porto Alegre. Revista da AJURIS, Porto Alegre, n. 20, ano VII, p. 151, 1980). 487. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 126-127. 488. “As alforrias, quer gratuitas, quer a título oneroso, serão isentas de quaisquer direitos, emolumentos ou despesas” (§ 6º, do art. 4º, da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871 e § 1º do art. 1º do Decreto nº 2.699, de 28 de novembro de 1860: “§ 1º Excetuam-se da regra acima estabelecida: 1º a alforria de qualquer escravo, onerosa ou gratuita, qualquer que seja a forma do ato por que ela se efetue; 2º as compras de escravos feitas pela Fazenda Nacional”. 489. Moura, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Ed. USP, 2004, p. 89-90. 490. Chalhoub, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 164-166. 491. “A representação senhorial dominante sobre a alforria no século XIX, pelo menos até o seu terceiro quartel, era a de que o escravo, sendo dependente moral e materialmente do senhor, não podia ver essa relação bruscamente rompida quando alcançava a liberdade. [...] A possibilidade da revogação [da alforria] seria um forte reforço à ideologia da relação entre senhores e escravos como caracterizada por paternalismo, dependência e subordinação, traços que não se esgotariam com a ocorrência da alforria” (Chalhoub, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 169). Para uma minuciosa análise do dispositivo, ver Nequete, Lenine. Escravos & magistrados no segundo reinado. Brasília: Ministério da Justiça/Fund. Petrônio Portella, 1988, p. 9-33. 492. Freitas, Décio; et al. A Cidadania no Brasil: o índio e o escravo negro. Brasília: Ministério do Interior, 1988, p. 55-56. 493. “Fica derrogada a Ord. liv. 4.º, tit. 63, na parte que revoga as alforrias por ingratidão” (§ 9º do art. 4º da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871). 494. A Lei Rio-Branco (Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871), ao revogar o dispositivo das Ordenações que facultava a revogação da alforria, conferiu a todos os libertos a mais completa independência jurídica, mas nem por isso suprimiu a restrição aos seus direitos políticos (Freitas, Décio; et al. A Cidadania no Brasil: o índio e o escravo negro. Brasília: Ministério do Interior, 1988, p. 55- 56). Registre-se que “[...] não faltou quem sustentasse, [...] que continuavam em vigor entre nós as Ordenações do Reino, enquanto não se organizasse um novo Código ou nãop fossem elas especialmente alteradas” (Nequete, Lenine. Escravos & magistrados no segundo reinado. Brasília: Ministério da Justiça/Fund. Petrônio Portella, 1988, p. 17). 495. A pretensão para obtenção da liberdade, pela alforria prevista na Lei do Vente Livre, se assemelhava ao exercício de um direito potestativo pelo escravo, já que não havia uma contraprestação decorrente da manumissão, após o pagamento da indenização, já que almejava-se a simples alteração do status libertatis:“Nas ações para o exercício de um direito potestativo, o autor não exige prestação alguma do réu, querendo apenas que o juiz modifique, por sentença, a relação jurídica que admite a modificação pretendida [...]” (Gomes, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 109). 496. “O escravo nada adquiria, nem adquire, para si; tudo para o senhor. Tal era o princípio do Direito Romano; fossem direitos reais, desmembrações da propriedade, créditos, legados, herança, posse, ainda que sem ciência e consentimento do senhor” (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 48). 497. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 4-50. 498. A regulamentação protetiva desse pecúlio adviria de atos normativos praticados pelo Estado imperial: “O governo providenciará nos regulamentos sobre a colocação e segurança do mesmo pecúlio” (art. 4º, segunda parte, da Lei do Ventre-Livre). 499. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 49. 500. “No entanto, nenhuma lei garantia ao escravo a livre utilização do que ganhava; ademais, o escravo nada possuía em si. O senhor deveria decidir se tal situação era tolerável e se o escravo, que trabalhava para fora, tinha o direito de guardar para si o dinheiro que permitiria que comprasse sua liberdade. A constituição desse pecúlio resultava assim de um verdadeiro acordo verbal entre o senhor e o escravo, pois ele deveria ao senhor uma soma fixa diária ou semanal, dessa forma, o que conseguia a mais lhe pertencia” (Mattoso, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. São Paulo: Vozes, 2016, p. 213). 501. § 3º, do art. 4º, da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871. 502. Muitos abolicionistas que defendiam a escravidão sem indenização eram chamados de divulgadores de ideias socialistas ou comunistas (Barbosa, Ruy. Emancipação dos Escravos. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1884, p. 64). Em meio ao procedimento para a aprovação da Lei Áurea, merece destaque a fala do Barão de Cotegipe, quem refutava a tese da abolição sem indenização: “Enfim, decreta-se que, neste país, não há propriedade, que tudo pode ser destruído por meio de uma lei sem atenção nem a direitos adquiridos, nem a inconvenientes futuros! A verdade é que vai haver uma perturbação enorme no país durante muitos anos, o que não verei, talvez, mas aqueles a quem Deus conceder mais vida, ou que forem mais moços presenciarão” (Moraes, Evaristo de. A Campanha Abolicionista: 1879-1888. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 277). 503. Chalhoub, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 172. 504. § 5º, do art. 4º, da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871. 505. Na prática, o escravo levava, pelos seus ganhos diários, mais de uma década para obter os valores, pelo seu trabalho, para constituir um pecúlio suficiente para obter a sua alforria, como analisado em Mattoso, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. São Paulo: Vozes, 2016, p. 214-215. 506. Denominação atribuída ao Poder Judiciário pelo art. 10 da Constituição de 1824. 507. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 134. 508. Cirne, Adolfo apud Nequete, Lenine. Escravos & magistrados no segundo reinado. Brasília: Ministério da Justiça/Fund. Petrônio Portella, 1988, p. 166. 509. “[...] estas ações de liberdade, seus procedimentos e seus resultados, não eram uma prática anormal no Estado imperial brasileiro, mesmo que o acesso de escravos ao sistema judiciária (como autores de ações e não réus) tenha sido, no fundo, tão restrito” (Grinberg, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade: as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 45). 510. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 132. 511. Art. 23 do Regulamento nº 737, de 25 de novembro de 1850 (Paula, Jônatas Luiz Moreira de. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à escola crítica do processo. Barueri: Manole, 2002, p. 237). 512. “Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum” (Constituição do Império). 513. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 133. 514. “Art. 10. Em qualquer tempo, em que o preto requerer a qualquer Juiz de Paz, ou Criminal, que veio para o Brasil depois da extinção do tráfico, o Juiz o interrogará sobre todas as circunstâncias, que possam esclarecer o fato, e oficialmente procederá a todas as diligencias necessárias para certificar-se dele: obrigando o senhor a desfazer as dúvidas, que suscitarem-se a tal respeito. Havendo presunções veementes de ser o preto livre, o mandará depositar, e procederá nos mais termos da Lei”. 515. “O argumento de Luiz Gama buscava ressaltar que esse decreto tratava de um princípio geral e indubitavelmente pensado para favorecer todos os escravos que, introduzidos através do tráfico ilegal em território brasileiro, requeressem seu direito à liberdade em qualquer foro comum” (Azevedo, Elciene. O direito dos escravos: lutas jurídicas e abolicionismo na província de São Paulo. Campinas: Editora Unicamp, 2010, p. 102). Nos debates sobre a Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871, foi expressamente afastada a criação de um “juízo excepcional” para processar e julgar tais ações (Rio-Branco, Miguel P. do. Centenário da Lei do Ventre Livre. Brasília: Conselho Federal de Cultura, 1975, p. 206-207). 516. Azevedo, Elciene. O direito dos escravos: lutas jurídicas e abolicionismo na província de São Paulo. Campinas: Editora Unicamp, 2010, p. 201. 517. No curso do processo poderia o indivíduo que postulava a sua liberdade vir a ser depositado em poder de pessoa idônea, com o objetivo de assegurar a sua segurança e sua liberdade de defesa (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 137). “Este ‘depósito’ refere-se ao contrato de depósito, no qual alguém obriga-se a guardar, quando lhe for exigido, qualquer objeto móvel que de outrem receba. Neste caso, o escravo cuja ação é aceita deixa de ficar sob a guarda de seu senhor, indo para um ‘depósito’, provavelmente aos cuidados de seu curador” (Grinberg, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade: as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 22). 518. Entretanto, Malheiro ressalva: “mas por estilo de foro, é tratada em forma ordinária, bem como a de escravidão; porque, em regra, são ou podem tornar-se de alta indagação, e a questão de liberdade é conexa com a de escravidão” (Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 133). 519. Grinberg, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade: as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro: Relume- Dumará, 1994, p. 22. 520. Malheiro, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil, v. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867, p. 134. Todavia, “[...] se tal posse de estado não há, e o indivíduo tem ao contrário vivido em cativeiro”,