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Calvino - O Teólogo do Espírito Santo

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OO TTEEÓÓLLOOGGOO DDOO EESSPPÍÍRRIITTOO SSAANNTTOO 
 
Augustus Nicodemos Lopes 
 
Digitalizado e doado por: Alcimar Da Silva Rodrigues 
 
Revisado por : Levita Digital 
 
Lançamento: 
www.ebooksgospel.com.br 
 
CALVINO 
O Teólogo do Espírito Santo 
 
"A doutrina sobre a obra do Espírito Santo é uma 
dádiva de João Calvino à Igreja de Cristo... Nos amplos 
departamentos doutrinários sobre "A Graça Comum", 
"Regeneração", e "O Testemunho do Espírito" do livro 
terceiro das Instituías, Calvino foi o primeiro a 
desenvolver a doutrina da obra do Espírito Santo, e a 
dar a toda a doutrina do Espírito Santo uma formulação 
sistemática, fazendo dela uma possessão inalienável da 
Igreja de Deus." 
-B. B. Warfield 
 
AUGUSTUS NICODEMOS LOPES, Ph.D., é 
brasileiro, casado com Minka Schalkwijk. É pastor 
presbiteriano. Fez mestrado na África do Sul, e 
doutorado no Westminster Theological Seminary, em 
Filadélfia, nos Estados Unidos, com cursos especiais em 
Kampen, na Holanda. 
Atualmente é professor de Exegese Bíblica e 
Coordenador de Novo Testamento do Centro de Pós--
graduação do Seminário Presbiteriano José Manoel da 
Conceição, em São Paulo. 
 
 
PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS 
Rua 24 de Maio, 116 - 3o andar - salas 14-17 
01041-000 - São Paulo - SP 
 
CALVINO 
O Teólogo do Espírito Santo 
 
Seu Ensino sobre 
o Espírito Santo e a Palavra de Deus 
 
AUGUSTUS NICODEMUS LOPES 
 
INTRODUÇÃO 
O tema deste artigo é "Calvino, o Teólogo do 
Espírito Santo." Devo começar dizendo que esse título 
não foi atribuído a Calvino pelos seus contemporâneos, 
mas sim, pelos estudiosos modernos, reconhecendo a 
sua importância como teólogo e exegeta para esta área 
da teologia que está em tanta relevância hoje. 
O título pode confundir algumas pessoas. Podem 
pensarque o assunto sobre o qual Calvino mais 
escreveu, e ao qual mais se dedicou, foi o Espirito Santo. 
Na realidade, embora Calvino tenha escrito muita coisa 
sobre o Espírito Santo, nunca escreveu uma obra 
específica sobre o assunto, como, por exemplo, John 
Owen e Abraham Kuyper, cujos livros sobre o tema são 
fundamentais para a Igreja contemporânea.1 Embora em 
suas Instituías de Religião Cristã João Calvino trate 
freqüentemente da Pessoa e obra do Espírito Santo, não 
dedicou ao assunto um capítulo exclusivo.2 
 
1
 John Owen, The Holy Spirit: His Gifts and Power (Grand Rapids: Kregel, 1960); Abraham Kuyper, 
The Work of the Holy Spirit (Grand Rapids: Eerdmans, 1946). Outros autores poderiam ser 
acrescentados, como o puritano inglês Thomas Goodwin, e mais recentemente, Benjamim B. Warfield 
e George Smeaton. 
2
 Cf. João Calvino, As Instituías, ou Tratado da Religião Cristã, 4 vols., trad. WaldyrC. Luz (São Paulo: 
CEP e Luz para o Caminho, 1989). Calvino trata da deidade do Espírito em livro 1,13:14ss., e da Sua 
obra redentora (aplicando a salvação) no livro III, especialmente nos capítulos 1-2. 
Alguns têm criticado Calvino por não haver dado 
atenção mais direta ao Espírito Santo em seus escritos, 
especialmente nas Instituías. A crítica é injusta. Existem 
razões suficientes para essa aparente falta de atenção. 
Em primeiro lugar, a doutrina do Espírito Santo 
não era o foco do debate de Calvino com a igreja católica 
romana da sua época, e nem da sua polêmica com os 
reformadores radicais, os Anabatistas e os 
"Entusiastas", conhecidos como a ala esquerda da 
Reforma.3 Calvino só tratou da obra do Espírito Santo 
na medida em que esse assunto se relacionava com os 
pontos críticos em debate, como a doutrina da salvação, 
da santificação, das Escrituras, e dos sacramentos. 
Em segundo lugar, Calvino tinha a visão bíblica-
neotestamentária de que o Espírito Santo geralmente 
agia nos bastidores, como o agente da Trindade. Embora 
Sua ação fosse claramente perceptível, quem deveria 
sempre recebera proeminência eram o Pai e o Filho. 
Essa convicção reflete-se nas suas obras e em sua 
abordagem dos mais variados temas teológicos. Não 
existe praticamente nenhum assunto teológico em que 
Calvino não se refira, em seu tratamento, à obra do 
Espírito. Sua Pneumatologia é desenvolvida dentro das 
demais áreas da Teologia Sistemática, como 
Teontologia,* Soteriologia e Eclesiologia. 
Essa mesma abordagem se encontra refletida na 
Confissão de Fé de Westminster. É verdade que seus 
autores, os Puritanos, não escreveram um capítulo 
exclusivo sobre a pessoa e obra do Espírito. Mas, como 
sugeriu Dr. Benjamim B. Warfield, conhecido teólogo 
presbiteriano reformado, do início deste século, a razão é 
 
3
 O termo "esquerda" tem sido empregado recentemente por alguns historiadores para se referir a 
esse grupo, sem qualquer conotação politica. Veja abaixo p. 9. 
* Teontologia - estudo da Pessoa de Deus. 
 
que preferiram escrever nove capítulos em vez de apenas 
um. A tentativa que foi feita em nossa época, pela Igreja 
Presbiteriana dos Estados Unidos, para suprir esta 
alegada deficiência, produziu um capítulo a mais na 
Confissão de Fé que, segundo Warfield, nada mais é que 
um curto sumário destes nove capítulos originais.4 
E por fim, não se pode exigir de Calvino (e nem dos 
autores da Confissão de Fé) uma abordagem do assunto 
que seja aguçada pelas questões relacionadas com o 
surgimento do movimento pentecostal, séculos após a 
sua morte. Mesmo assim, Calvino é surpreendentemente 
atual no que ele diz sobre o Espírito. 
Por que, então, o título "teólogo do Espírito Santo"? 
Em primeiro lugar, Calvino foi o primeiro a sistematizar 
de forma clara o ensino bíblico sobre o Espírito Santo. 
Não é que ninguém, antes dele, não houvesse escrito 
sobre o assunto. Entretanto, é que poucos, antes e 
depois de Calvino, conseguiram ser tão claros, simples, e 
bíblicos.5 Ouçamos o testemunho de Dr. Warfield: 
A doutrina sobre a obra do Espírito Santo é uma 
dádiva de João Calvino à Igreja de Cristo. . . Nos amplos 
departamentos doutrinários sobre "A Graça Comum," 
"Regeneração," e "O Testemunho do Espirito" do livro 
terceiro das Instituías, Calvino foi o primeiro a 
desenvolver a doutrina da obra do Espírito Santo, e a 
dar a toda a doutrina do Espírito Santo uma formulação 
sistemática, fazendo dela uma possessão inalienável da 
Igreja de Deus.6 
Em segundo lugar, Calvino integrou 
indissoluvelmente a doutrina do Espírito Santo aos 
demais temas e áreas da teologia, como regeneração, 
 
4
 Cf. a nota introdutória de B. Warfield em Kuyper, The Work of the Holy Spirit, xxvii. 
5
 Para uma lista das obras mais importantes sobre o Espírito Santo escritas após Calvino nos séculos 
XVII e XVIII, ver Kuyper, The Work of the Holy Spirit, ix-x. 
6
 Kuyper, The Work of the Holy Spirit, xxxiii-xxxiv. 
santificação, os meios de graça, e o conhecimento de 
Deus, entre outros. A pneumatologia de Calvino, 
igualmente, abrangia e permeava todos os demais 
departamentos da Enciclopédia Teológica. Sua teologia é 
uma unidade orgânica, onde o Espirito aparece 
apropriadamente como o soberano Dinamizador. 
Em terceiro lugar, Calvino resgatou alguns 
aspectos da doutrina do Espírito Santo que estavam 
soterrados debaixo da teologia medieval da igreja 
católica romana, como por exemplo, a relação entre a 
Palavra e o Espírito. Nosso alvo neste ensaio é analisar 
mais exatamente esta contribuição de Calvino para 
nosso conhecimento da obra do Espírito Santo, ou seja, 
a relação vital e orgânica entre o Espírito e a Palavra de 
Deus, as Escrituras. 
O ensino de Calvino influenciou profundamente os 
estudos subseqüentes dentro dos círculos reformados. 
Sua ênfase na ação soberanado Espírito continua na 
tradição reformada entre os puritanos ingleses, 
particularmente John Owen e Richard Sibbes, que nos 
deram os estudos bíblicos teológicos mais extensos e 
profundos que existem em qualquer língua sobre o 
ministério do Espírito Santo. 
 
O CONTEXTO TEOLÓGICO DE CALVINO 
Comecemos por lembrar-nos que a teologia de 
Calvino nasceu e desenvolveu-se em meio ao intenso 
conflito doutrinário que marcou a Reforma do século 
XVI. Sua doutrina do Espírito Santo foi moldada em 
meio à sua batalha em duas frentes. Em uma, ele 
enfrentava o cativeiro das Escrituras pela igreja católica 
romana, e na outra, o abandono das Escrituras pelos da 
Reforma radical. 
 
 
 
 
A igreja católica romana e o cativeiro das Escrituras 
Calvino e a igreja católica romana tinham algumas 
convicções em comum quanto à doutrina das 
Escrituras. Para eles, as Escrituras eram a Palavra de 
Deus, inspiradas pelo Espírito Santo, infalíveis, e 
autoritativas. Este ponto não estava sendo disputado 
por Calvino, nem pelos demais reformadores. O ponto de 
discórdia entre Calvino e os católicos era quanto ao 
ensino papista de que a autoridade das Escrituras 
dependia do testemunho da Igreja. A igreja católica 
romana afirmava que o cânon das Escrituras, a sua 
preservação, a sua origem divina e sua autoridade, 
deviam ser aceitos pelos fiéis como verdadeiros porque a 
igreja assim o afirmava. A autoridade das Escrituras, 
enfim, dependia do testemunho da igreja. A igreja, além 
disso, tinha a correta interpretação das Escrituras; a 
coleção dessas interpretações formava a tradição 
eclesiástica, que possui tanta autoridade quanto as 
próprias Escrituras. Assim, era vedado aos católicos 
leigos lerem e interpretarem as Escrituras. Eles 
dependiam da interpretação dada pela igreja. Dessa 
forma, a Palavra e a sua interpretação estavam cativas 
debaixo da autoridade eclesiástica. 
Calvino levantou-se contra esse estado de coisas, 
que havia prevalecido durante a Idade Média. Ele 
considerava esse ensino como sendo uma afronta ao 
Espírito Santo, e um abuso de autoridade por parte da 
igreja católica. Para ele a verdadeira Igreja foi fundada 
sobre as Escrituras, e não o contrário. A autoridade das 
Escrituras não dependia do testemunho da Igreja, e sim 
o contrário: a Igreja só possuía autoridade enquanto 
estivesse dentro da doutrina bíblica. Calvino apelava 
aqui para Ef. 2:20, onde Paulo ensina que a Igreja está 
edificada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, 
que é o ensino das Escrituras.7 A Igreja simplesmente 
reconhecia - não estabelecia e nem determinava - a 
inspiração e a autoridade dos livros que compunham o 
cânon sagrado.8 
Para Calvino, a maior de todas as provas da 
autoridade e inspiração das Escrituras era que o próprio 
Deus nos falava através delas. Calvino chamava a isto o 
testemunho interno do Espirito.7 Para ele, o homem 
natural não poderia ser convencido da divindade das 
Escrituras por argumentos apresentados pela igreja, por 
mais lógicos e racionais que eles parecessem (1 Cor. 
2:14).8 Era o Espírito quem persuadia o crente de que 
Deus estava falando nas Escrituras, inclinando-lhe o 
coração a aceitá-las, e dando-lhe plena certeza disso, 
gerando-lhe fé em seu coração. Nas suas Instituías e 
comentários Calvino aponta para alguns textos com este 
efeito, como por exemplo, 1 João 5:6-7, 2Tim. 1:14-15,1 
Cor. 2:10-16.9 
Para Calvino, o que o Espírito havia revelado nas 
Escrituras era suficiente e final. Maomé, o papa, e os 
"Entusiastas" estavam errados, ao reivindicarqueo 
Espírito estariaensinando novas verdades no presente. 
Para Calvino, as palavras do Senhor Jesus em João 
14:25 deixavam claro que o ministério do Consolador 
consistiria, não em revelar novas verdades, que fossem 
além das que haviam sido ensinadas pelo Senhor Jesus 
e Seus apóstolos, mas em iluminar as mentes e os 
corações dos crentes, para que compreendessem e 
cressem nas verdades, agora registradas nas Escrituras. 
Ele afirma: "O espírito que introduz qualquer doutrina 
 
7
 Institutas, III. 1.1; I.7.5. 
8
 Institutas, 1.8.13; I.7.4. Cf. Ronald S. Wallace, Calvin's Doctrine of the Word and Sacrament (Grand 
Rapids: Eerdmans, 1957) 101-2. 
9
 Instituías, III.1.1; III.2.33-34; II.2.20; 1.7.5. Veja ainda Calvin's Commentaries, vol. 20,116-17, e vol. 
22, 257. 
ou novidade que vá além do evangelho, é um espírito de 
mentira, e não o Espírito de Cristo."10 
O efeito do ensino de Calvino foi libertador.11 
Através da ênfase no testemunho interno do Espírito 
Santo como a evidência máxima da divindade e da 
autoridade das Escrituras, ele libertou as Escrituras e a 
sua interpretação do cativeiro imposto pela Igreja 
Medieval, e as colocou de volta onde elas pertenciam de 
direito, nas mãos do Espírito Santo. Nesse sentido, 
estava certa a avaliação de alguns católicos 
encarregados da contra-reforma no século XVII, de que 
uma das maiores diferenças que existiam entre Roma e 
Genebra se encontrava em suas doutrinas sobre a 
Pessoa e a obra do Espírito Santo. 
 
Os reformadores radicais e seu desprezo pela Palavra 
A outra frente de batalha de Calvino era contra o 
ensino da Reforma radical, conhecida como a "ala 
esquerdista" da Reforma.12 Havia diversos grupos dentro 
dessa ala do movimento reformista. Havia, em primeiro 
lugar, como os Anabatistas, os "Fanáticos", os 
"Espiritualistas" e os Anti-trinitarianos, que "embora 
diferentes em seus propósitos e em suas doutrinas, 
tinham em comum o desejo de ver uma Reforma muito 
mais radical do que a propagada por Lutero e 
Zwínglio."13 A polêmica de Calvino contra os Anabatistas 
concentrou-se em questões como batismo infantil, 
predestinação, governo de Igreja, relação entre Igreja e 
Estado, e interpretação das Escrituras.14 
 
10
 Calvin's Commentaries, vol. 18, 101. 
11
 Devemos, com justiça, notar que Calvino deve muito dessa perspectiva ao ensino desbravador de 
Martinho Lutero, que já havia, antes dele, denunciado esse estado de coisas. 
12
 Veja nota 3. 
13
 William Balke, Calvin and the Anabaptist Radicais, trad. W. Heynem (Grand Rapids: Eerdmans, 
1981) 2. 
14
 Para uma análise mais profunda do debate de Calvino com os Anabatistas consulte Balke, Calvin 
and the Anabaptist Radicais. Resumos sobre o movimento Anabatista durante a Reforma poderão ser 
Foi contra os excessos dos "Entusiastas" ou 
"Fanáticos" (como eram conhecidos) na área de novas 
revelações contemporâneas do Espírito, que Calvino se 
concentrou em alguns de seus escritos. Ele escreveu um 
tratado em 1545 intitulado Contre la secte phantastique 
et furieuse des Libertines qui se nomment spirituelz 
(Contra a seita fantástica e furiosa dos Libertinos, que se 
chamam de Espirituais), que ainda não foi traduzido 
para o português.1 Freqüentemente em suas Institutas 
e comentários Calvino faz menções diretas ou sugestões 
implícitas sobre este movimento. 
Os "Entusiastas" enfatizavam o ministério didático 
do Espírito, um ponto que havia sido resgatado pelos 
Reformadores; porém, estavam indo além deles, 
reivindicando serem ensinados diretamente pelo Espírito 
através de novas revelações, por meio de uma luz 
interior. Afirmavam que o Espírito não podia ficar restrito 
a palavras escritas, pois isso diminuiria Sua soberania. 
Testar as manifestações espirituais seria desonrar o 
Espírito. Chegavam a ridicularizar os que se apegavam 
às Escrituras, pois a consideravam como uma forma 
inferior e temporária de revelação, e criticavam Calvino e 
os demais reformadores por se apegarem à letra que 
mata. 
Os "Entusiastas," portanto, eram uma reação à 
escravidão das Escrituras por parte da Igreja quehavia 
vigorado até a Reforma, mas uma reação que estava 
indo longe demais. Calvino, naturalmente, simpatizava-
se com os "Entusiastas" em vários pontos. Para ambos, 
as Escrituras, como a Palavra de Deus, não estavam 
cativas à interpretação da igreja católica romana, mas 
 
16 
Para uma análise mais profunda do debate de Calvino com os Anabatistas Consulte Balke, Calvin 
and the Anabaptist Radicals. Resumos sobre o movimento Anabatista durante a Reforma poderão ser 
encontrados nos livros clássicos em português de História da Igreja, como Robert Nichols, W. Walker 
e Justo Gonzalez (vol. 6) 
deveriam ser livremente examinadas por todos. Calvino, 
porém, questionava seriamente a separação entre o 
Espírito e a Palavra, e considerava qualquer tendência 
nesse sentido como "demência".15 Ele também duvidava 
que "novas revelações' fossem uma obra do Espírito 
Santo, e chegava mesmo a suspeitar que os que 
reinvidicavam receber novas revelações, que excediam as 
Escrituras, estavam sendo guiados por outro espírito, 
que não o de Deus. Calvino cria na realidade e na 
atuação de espíritos mentirosos, e que satanás estava 
continuamente iludindo as pessoas, procurando afastá-
las da verdade, trans-figurando-se em "anjo de luz" (2 
Cor. 11:3,14). Para ele, "novas revelações", na verdade, 
eram invenções de espíritos mentirosos, não provinham 
do Espírito Santo, sendo o cumprimento de passagens 
como 1 Tim. 4:1-2.16 
 
 
O ENSINO DE CALVINO SOBRE O ESPÍRITO SANTO E 
A PALAVRA DE DEUS 
Calvino não se limitou a criticar os exageros dos 
"Entusiastas." Ele apresentou, de forma positiva e 
construtiva, o ensino bíblico sobre a direção divina para 
a Igreja vivendo após os tempos apostólicos. No livro I 
das suas Instituías, onde trata de "O Conhecimento de 
Deus como Criador", Calvino dá o seguinte título ao 
capítulo 9: Os fanáticos, abandonando as Escrituras e 
bandeando-se para revelação, derrubam todos os 
princípios da piedade. Nesse capítulo, o reformador 
aborda o ensino dos "Fanáticos", como eram conhecidos 
na época, a partirda inseparável relação entre o Espírito 
e a Palavra. 
 
 
18
 Institutas, I, 9, 1. 
19
 Instituías, I, 9, 2 
 
 
 
O Espírito fala pelas Escrituras 
O ponto central de Calvino era que o Espírito fala 
pelas Escrituras. Não que o Espírito estivesse restrito à 
pregação da Palavra e aos sacramentos, mas sim, que 
Ele não pode ser dissociado de ambos. O Espírito havia 
sido dado à Igreja, não para trazer novas revelações, e 
sim para nos instruir nas palavras de Cristo e dos 
profetas. De acordo com Calvino, o Espírito sela nossas 
mentes quando ouvimos e recebemos com fé a palavra 
da verdade, o evangelho da salvação (Ef. 1:13). Ele 
limita-Se a guiar os crentes e a iluminar seus 
entendimentos naquilo que ouviu e recebeu do Pai e do 
Filho, e não de Si mesmo (João 16:13). Como o ensino 
divino se encontra nas Escrituras, a obra do Espírito 
consiste em iluminá-las, fazendo com que esse ensino 
seja entendido pelos fiéis. 
Contra o desprezo pelas Escrituras da parte de 
muitos "Entusiastas," Calvino citava o exemplo do 
apóstolo Paulo, que mesmo tendo sido arrebatado ao 
terceiro céu, onde recebeu revelações extraordinárias (2 
Cor. 12:2), ainda assim jamais desprezou as Escrituras, 
como se fossem uma forma inferior de revelação, mas as 
reconheceu como suficientes e eficazes, pela graça do 
Espírito, para edificar a Igreja em todas as coisas 
concernentes ao reino de Deus (2 Tm. 3:15-17; cf. 1 Tm. 
4:13).17 
 
O Espírito é reconhecido pela 
Sua harmonia com as Escrituras 
 
21
 Institutas, I, 9, 1; cf. Wallace, Calvin's Doctrine of the Word and Sacrament, 130. 
Outro ponto importante destacado por Calvino nas 
Institutas era que a atuação do Espírito Santo poderia 
ser reconhecida pela Sua harmonia com as Escrituras, 
as quais haviam sido inspiradas pelo próprio Espírito.18 
Calvino desejava apresentar um critério pelo qual a 
Igreja pudesse discernir de forma segura, no âmbito da 
experiência religiosa, o que realmente procedia da parte 
do Espírito de Deus, ou de espíritos enganadores. Para 
ele, havia somente um critério seguro e infalível: o 
Espírito falando nas Escrituras. Assim, não haveria 
qualquer diminuição do poder e da glória do Espírito 
Santo ao concordar com elas, já que Ele as havia 
inspirado. Seria concordar consigo mesmo, e qual a 
desonra que poderia haver nisso? Testar as 
manifestações supostamente provenientes do Espírito, 
usando-se o crivo das Escrituras, era, na realidade, 
agradável a Ele, pois Ele mesmo havia determinado que 
a Igreja assim procedesse com as manifestações 
espirituais. Para Calvino, não poderia haver qualquer 
contradição entre o ensino bíblico e a atuação do 
Espírito nos tempos pós-apostólicos; e é por essa razão 
que ele freqüentemente se refere às Escrituras como "a 
imagem do Espírito."19 
 
 
A soberania do Espírito 
Um último ponto ao qual desejo me referir é a 
insistência de Calvino sobre a soberania do Espírito 
Santo nesta relação íntima com a Palavra de Deus. Para 
ele, a Palavra é o instrumento pelo qual Deus dispensa a 
iluminação do Espírito aos crentes.20 Assim, Cristo fala 
 
22
 institutas, I, 9, 2. 
20
 Para um estudo mais aprofundado, veja W. Kreck, "Wort und Geist bei Calvin", em Festchrift für 
Günther Dehn (Neukirchen, 1957) 168-173. 
24
 Institutas, I, 9, 2-3. 
20
 Ibid. 
hoje através do ministro do evangelho, quando o mesmo 
expõe fielmente a Palavra. O Espírito torna eficaz a 
Palavra exposta nos corações dos que a ouvem. Ao 
mesmo tempo, a relação Espírito-Palavra não é mágica, 
ou automática. A Palavra não é como um talismã, que 
sempre que invocado, libera seu poder mágico, ao bel-
prazer do seu possuidor. A eficácia da Palavra, ao 
contrário, está totalmente na dependência da soberania 
do Espírito.21 Para Calvino, a afirmação de Paulo de que 
somos ministros de uma nova aliança, do Espírito que 
vivifica (2 Cor. 3:6), não é uma garantia de que nossa 
pregação sempre será acompanhada pelo poder 
vivificador do Espírito. Pastores não retém o poder de 
dispensar a graça do Espírito a qualquer um que eles 
desejem, nem quando o desejem. É por um ato soberano 
que o Espírito torna a Palavra pregada em Palavra eficaz. 
7 
Assim, a eloqüência, a habilidade, a erudição e o 
fervor do pregador de nada adiantam, se a graça e o 
poder do Espírito não estiverem presentes. E assim 
ocorre, porque o mérito sempre deve ser de Cristo, e não 
dos pregadores. 
 
A INFLUÊNCIA DE CALVINO NA 
CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
A Confissão de Fé de Westminster foi elaborada no 
século XVII, quase um século após a morte de Calvino, 
por pastores e teólogos puritanos, reunidos com esse 
finalidade pelo Parlamento Inglês, na Assembléia de 
Westminster. O alvo dos eruditos ali reunidos durante 
vários anos era um só: formular de forma sistemática a 
 
27 Calvin's Commentaries, vol. 20,174; veja ainda Wallace, Calvin's Doctrine of the Word and Sacrament, 89-90. 
23
 Institutas, I, 9, 2. Passagens como 1 Cor. 12:1-3, 14:29 e 1 João 4:1, entre outras, estabelecem 
critérios doutrinários pelos quais pode-se julgar as profecias e os profetas. 
26
 Calvin's Commentaries, vol. 22, 102-3. 
doutrina bíblica, partindo dos princípios de 
interpretação herdados da Reforma. A Igreja 
Presbiteriana tem adotado essa Confissão como a 
expressão correta do ensino das Escrituras.22 Os seus 
autores foram profundamente influenciadospor João 
Calvino. Essa influência se percebe claramente no 
ensino da Confissão sobre o Espírito Santo, e em 
especial, na relação do Espírito com a Palavra. 
Assim, no seu capítulo sobre as Escrituras, a 
Confissão declara, nos melhores termos calvinistas, que 
a autoridade das Escrituras não depende do testemunho 
do homem ou da Igreja, mas de Deus (I, 4), que a nossa 
certeza da sua infalível verdade e autoridade divina 
provém do testemunho do Espírito Santo em nossos 
corações (1,5), que às Escrituras nada se acrescentará 
em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, 
nem por tradições de homens (I, 6). A Confissão 
reafirma, com Calvino, que é necessária a íntima 
revelação do Espírito de Deus para a compreensão 
salvadora das coisas reveladas na Palavra (I, 6), e que, 
finalmente, o Juiz supremo pelo qual todas as 
controvérsias religiosas têm de ser examinadas é o 
Espírito Santo falando nas Escrituras (I, 8). 
 
 
RELEVÂNCIA DO ENSINO DE 
CALVINO PARA NÓS HOJE 
 
A época em que vivemos 
• A influência do movimento neopentecostal, 
surgido na década de sessenta, tem-se feito sentir de 
forma profunda nas denominações evangélicas 
 
* 
 Inclusive a Igreja Presbiteriana do Brasil 
 
históricas, e também dentro da Igreja Presbiteriana do 
Brasil. Não podemos tratar o movimento como um bloco 
monolítico existem, dentro dele, diversas correntes e 
ramificações, o que faz com que generalizações tornem-
se injustas. Mas, onde aparece com toda a liberdade, o 
neopentecostalismo manifesta a crença em novas 
revelações através de profecias e línguas, visões e 
sonhos, todos atribuídos ao Espírito Santo, e em alguns 
casos, práticas estranhas ao cristianismo histórico, que 
são atribuídas ao poder do Espírito Santo, como "cair" 
no Espírito, o "sopro" do Espírito, o "riso santo", 
característica principal do movimento conhecido como "a 
bênção de Toronto". Há pastores que pretendem ter 
controle sobre o Espírito Santo, que presumem concedê-
lO pela imposição de mãos, lançá-IO sobre o povo, 
girando o paletó, soprando sobre eles, etc, como o 
conhecido carismático Benny Hinn. Estes super-
pastores determinam até mesmo quando o Espírito vai 
curar ou agir, pois marcam com antecedência reuniões 
de cura e libertação, coisa que nem mesmo o Senhor 
Jesus e os apóstolos fizeram. 
As denominações evangélicas (a presbiteriana 
incluída!) estão aturdidas, tomadas de surpresa por 
esses ensinos. Muitas de suas igrejas locais têm 
adotado, em maior ou menor medida, as doutrinas e 
práticas do neopentecostalismo. Poderíamos receber 
ajuda do ensino de Calvino, nesta hora? 
 
Em que o ensino de Calvino nos ajuda hoje? 
Em primeiro lugar, o ensino de Calvino sobre o 
testemunho interno do Espírito vem lembrar à Igreja 
que, nestes tempos difíceis, ela deve buscar de Deus a 
íntima iluminação do Espírito para compreender e 
aplicar as Escrituras à sua vida e missão. Corremos o 
risco de pensar que Calvino, em sua luta contra os 
excessos dos "Entusiastas", caiu no extremo do 
academicismo frio. Balke nos relata o que de fato 
ocorreu: "Calvino, o teólogo do Espírito Santo, queria 
guardar-se contra o fanatismo, sem porém impedir a 
liberdade do Espírito."23 Como Calvino, devemos nos 
guardar dos excessos de hoje, ao mesmo tempo em que, 
submetendo-nos à liberdade do Espírito, procuramos a 
Sua iluminação. Todavia, para isso, é necessário 
arrependimento e saneamento da vida das igrejas focais, 
dos conselhos, concílios, organizações e instituições 
eclesiásticas que compõem a IPB. É preciso nos 
voltarmos a Deus em oração, suplicando a iluminaçãodo 
Espírito, como bem orienta a Carta Pastoral da Igreja 
Presbiteriana do Brasil sobre o Espírito Santo: 
Ao mesmo tempo em que orienta a Igreja a 
guardar-se de uma interpretação das Escrituras que 
parte dos princípios hermenêuticos equivocados da 
experiência neopentecostal, a Igreja também adverte 
contra uma interpretação intelectualizada e árida das 
Escrituras, que se esqueceda necessidadeda iluminação 
do Espírito para sua compreensão e de que Deus 
promete ensinar àqueles que procuram andar em 
santidade e retidão (Sal. 119:18, 33-34; Luc. 24:44-
45).24 
Em segundo lugar, Calvino nos desafia a examinar 
todas as manifestações espirituais pelo crivo da Palavra 
de Deus, quanto à natureza, ao propósito, e ao modo 
dessas manifestações. Essa prática está pressupondo 
corretamente o ensino bíblico de que o Espírito Santo 
não Se contradiz. As Escrituras foram inspiradas por 
Ele. Embora o Espírito aja de formas distintas em 
 
28
 Balke, Calvin and the Anabaptist Radicals, 326. 
29
 "O Espírito Santo Hoje - Os Dons de Línguas e Profecia", em Carias Pastorais (São Paulo: Casa 
Editora Presbiteriana, 1995). O documento foi elaborado pela Comissão Permanente de Doutrina da 
IPB. 
épocas distintas, jamais o faz em contradição ao que nos 
revelou na Palavra. Deveríamos estar abertos para o fato 
de que o Espírito tem enfatizado aspectos diferentes da 
Palavra em épocas diferentes - porém, jamais indo além 
dela ou contra ela. 
Em terceiro lugar, o ensino de Calvino nos alerta 
contra os que pretendem ter total controle sobre o 
Espírito, que pretendem dispensar o batismo do Espírito 
pela imposição de mãos, que "ensinam" aos crentes 
imaturos e incautos a falar em línguas. Alerta-nos a 
rejeitar todo ensino, movimento, culto, liturgia, onde a 
Palavra de Deus não receba a devida proeminência. Se o 
Espírito fala pela Palavra, a Palavra deve ser o centro. 
Muitos presbiterianos consideram-se calvinistas e 
reformados, mas quantos realmente percebem as 
implicações do ensino calvinista reformado sobre a obra 
do Espírito para as práticas neopentecostais que são 
aceitas em muitas das nossas igrejas? Calvino foi, de 
fato, um homem do Espírito Santo, que guiado por Ele, 
tornou-se o principal instrumento de Deus para a 
Reforma do século XVI, movimento que, na realidade, foi 
um dos maiores avivamentos espirituais ocorridos na 
Igreja Cristã, após o período apostólico. Todos nós 
queremos um avivamento espiritual, da mesma 
magnitude. Calvino, que viveu e ministrou em meio 
àquela tremenda manifestação de poder divino, não teve 
receio de ofender o Espírito por inquirir, de forma 
profunda e meticulosa, sobre a genuinidade dos fenôme-
nos que sempre acompanham os grandes movimentos 
espirituais da história. Se por um lado não devemos ter 
medo do que o Espírito possa fazer, por outro, devemos 
temer a obra espúria dos espíritos enganadores, corno 
também o nosso próprio coração enganoso. 
E por fim, vale a pena mencionarmos que "a era do 
Espírito Santo", como é conhecida em muitos meios 
neopentecostais, iniciou-se, não em 1906, com a reunião 
na rua Azuza, nos Estados Unidos, mas desde o dia de 
Pentecoste. As evidências bíblicas são numerosas. Em 
seu sermão no dia de Pentecoste, o apóstolo Pedro 
declarou que a descida do Espírito estava inaugurando 
os últimos dias (Atos 2:16-21). Os demais apóstolos 
ensinaram, semelhantemente, que os últimos dias, a 
dispensação anterior ao dia do julgamento final, já havia 
chegado (1 Cor. 7:29; 1 João 2:18). Enfatizo esse ponto 
pois alguns poderiam argumentar que estamos vivendo 
hoje na "era do Espírito", e que Calvino viveu antes 
dessa época. Os que assim acreditam, afirmam que hoje 
o Espírito está agindo de uma forma muito mais intensa, 
e mesmo, diferente, da época da Reforma, e que, 
portanto, o que Calvino experimentou e ensinou está, 
num certo sentido, ultrapassado. Entretanto, as 
Escrituras nos ensinam que a Igreja já está vivendo os 
últimos dias, a dispensação do Espírito, desde o período 
apostólico. Calvino viveu e ensinou emplena época do 
Espírito, tanto quanto nós hoje vivemos e labutamos. O 
ensino de Calvino, por ser bíblico, pode nos servir de 
balizamento, indicando-nos o estreito caminho do 
equilíbrio, entre uma vida de piedade e uma mente 
firmada nas antigas doutrinas da graça.

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