Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 Direito Administrativo I Surgimento e evolução histórica do Direito Administrativo O Direito Administrativo tem a sua origem relacionada ao surgimento do Estado, quando começa a se consolidar como uma sociedade política- permanente, a partir do “O Príncípe”, de Maquiavel. Nesse sentido, com o surgimento do Estado, surge a necessidade da estruturação com órgãos administrativos para exercer as funções administrativas. Em outras palavras, a auto-organização estatal imprescinde de um estudo esquematizado, uma ciência jurídica para compreender esse fenômeno. Vale lembrar que o Direito Administrativo surge anterior ao seu reconhecimento como disciplina (este ocorreu no final do século XVIII e início do século XIX). Antes do seu “registro civil”. O Direito Administrativo não ganhou vida na Idade Média, pois não teve ambiente propício para ele vigorar, na medida em que o sistema vigente era o absolutismo, não havendo segurança jurídica, pois a vontade era do rei. Como o Estado mudava a depender da vontade do rei, não tinha como o Direito Administrativo prosperar. O Direito Administrativo começa a se consolidar com os Estados Democráticos de Direito. Este, ao mesmo tempo em que cria as regras, se submete às regras criadas por ele, seguindo o princípio da legalidade. Este tipo de Estado surge com a derrubada dos regimes absolutistas, que ocorrem por meio das revoluções. Daí começa a surgir a segurança jurídica, seguida das constituições. É aí que o Direito Administrativo vai prosperar. O impulso definitivo para o Direito Administrativo foi dada pela teoria da separação dos poderes. Com ela, as funções estatais foram se consolidando, com um destaque para a função executiva/administrativa. Houve, portanto, a necessidade de se estudar minuciosamente as funções do executivo. OBS: Essa teoria foi recepcionada como princípio fundamental na Constituição brasileira e cláusula pétrea. Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 Embora a teoria tenha aprimorado as funções públicas, a essência da separação dos poderes era o “check and balances”, para evitar o exercício arbitrário do poder. O Direito Administrativo nasce na França, com a ajuda da Revolução Francesa atrelada à existência do Conselho de Estado Francês, que compõe o Poder Executivo. O Conselho de Estado Francês exerce a jurisdição administrativa. Ele processa e julga as causas do Estado francês. Foi daí que surgiram as bases do direito administrativo como disciplina, através da jurisprudência, consolidando princípios e conceitos do direito administrativo. Fundamentos filosóficos e constitucionais do Direito Administrativo Na doutrina administrativa brasileira, alguns autores mais recentes defendem a origem autoritária do Direito Administrativo, que teria nascido para proteger os interesses econômicos e políticos da burguesia. Para Marçal Justen Filho, “o conteúdo do Direito Administrativo é preenchido por institutos vinculados a concepções políticas de um período distante. [...] A evolução radical do constitucionalismo do final do século XX permanece ignorada pelo Direito Administrativo”. A teoria autoritária do Direito Administrativo ainda defende que existe prerrogativas e privilégios do Estado diante do particular, criando uma posição de verticalidade ou de desigualdade entre Administração Pública e cidadão. Contudo, há controvérsias. Outros teóricos dizem que, na realidade, o caráter pretensamente autoritário do Direito Administrativo foi abrandado pelos princípios vigentes no Estado liberal, uma vez que a autoridade era limitada pelo reconhecimento de direitos individuais garantidos pelo Poder Judiciário ou por uma jurisdição administrativa independente do Poder Executivo. Nesse sentido, Miguel Reale diz que “o Direito Administrativo, embora vinculado originariamente a interesses políticos e econômicos burgueses, transcendia esses objetivos, representando, desde o início, uma das vertentes realizadoras do Estado de Direito de cunho liberal.” Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, “o Direito Administrativo nasce com o Estado de Direito. Nada semelhante àquilo que chamamos de Direito Administrativo existia no período histórico que precede a submissão do Estado à ordem jurídica. [...] Ao firmar a submissão do Estado, isto é, do Poder, ao Direito e ao regular a ação dos governantes nas relações com os administrados, fundando, assim, o Direito Administrativo, este último veio trazer, em antítese ao período histórico precedente, justamente a disciplina do Poder, sua contenção e a inauguração dos direitos dos, já agora, administrados – não mais súditos”. Nesse sentido, Di Pietro fala que “o Direito Administrativo se constitucionalizou, se humanizou, se democratizou. Este, desde as origens, encontrou fundamento no Estado de Direito e acompanhou a sua evolução nas várias fases (Liberal, Social e Democrática)”. Conclui, ainda, dizendo “por essas razões, não é possível concordar com os autores que apontam a origem autoritária do Direito Administrativo, negam a sua constitucionalização e afirmam a sua imutabilidade no decurso do tempo. Sistemas Administrativos (mecanismos de controle dos atos) São regimes adotados pelo Estado para corrigir atos ilegais ou ilegítimos praticados pelo poder público. São as formas que o Estado utiliza para o autocontrole. Há dois modelos de sistemas administrativos: o modelo inglês e o modelo francês. Modelo Inglês O modelo inglês dota de jurisdição única, isto é, os países que o adotam têm uma unicidade da jurisdição, na medida em que os atos ilegais são corrigidos por uma única instância, que é o Poder Judiciário. Assim, tem o controle exclusivo dos atos da administração pública. Modelo Francês É inegável a contribuição do direito francês para a autonomia do Direito Administrativo. O apego ao princípio da separação de poderes e a desconfiança em relação aos juízes do velho regime serviram de fundamento para a criação, na França, da jurisdição administrativa (o contencioso administrativo), ao lado da Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 jurisdição comum, instituindo-se, dessa forma, o sistema da dualidade de jurisdição. Foi com a criação do Conselho de Estado, que passa a exercer função jurisdicional a partir de 1872, quando se tornou independente e suas decisões deixaram de submeter-se ao chefe de Estado, que se desenvolveram inúmeros princípios informativos do Direito Administrativo, incorporados ao regime jurídico de inúmeros outros países. Quatro princípios essenciais informam o Direito Administrativo francês: o da separação das autoridades administrativa e judiciária, que determina as matérias para as quais os tribunais judiciais são incompetentes; o das decisões executórias, que reconhece à Administração a prerrogativa de emitir unilateralmente atos jurídicos que criam obrigações para o particular, independentemente de sua concordância; o da legalidade, que obriga a Administração a respeitar a lei; e o da responsabilidade do poder público, em virtude do qual as pessoas públicas devem reparar os danos causados aos particulares. Em suma, o modelo francês dota de uma jurisdição dual, pois existe uma jurisdição autônoma e paralela ao Poder Judiciário (jurisdição comum) com prerrogativa de decidir definitivamente questões jurídicas pertinentes à administração pública. Modelo Brasileiro O Brasil adota o modeloinglês desde 1891 (em 1824 era modelo francês). Contudo, a administração uma não veda o controle realizado pela própria administração pública. Contudo, o único órgão que decide definitivamente é o Poder Judiciário. OBS: Jurisdição uma é aquela que define em último grau, não cabe recurso. Exemplo: Se você tomou uma multa de trânsito, pode recorrer tanto à instância administrativa, quanto à instância judiciária. Se a administrativa der um resultado contrário ao que você pretende, você vai recorrer ao judiciário que dará a palavra final. É o direito fundamental à inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário. Sendo assim, é um direito incondicional, ou seja, não é Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 necessário o adimplemento de uma condição prévia para o exercício desse direito, exceto em duas ocasiões: 1. Habeas Data (é preciso que o órgão administrativo negue o documento que é preciso); 2. Art. 217, §1º, CF/88, causas desportivas só poderão ser processadas e julgadas pelo Poder Judiciário se houver o exaurimento das instâncias desportivas (TJD e STJD). Consequências da jurisdição administrativa As jurisprudências administrativas têm raízes pautadas na desigualdade. Esse fato começou a ser mudado com os direitos fundamentais. Assim, foi criada uma jurisdição desigual de proteção administrativa. Características principais do Direito Administrativo 1. Direito novo; 2. Em formação; 3. Multável, ou seja, muda independentemente de mudar a lei. Se mudar a administração pública, mudará o Direito Administrativo. A administração pública muda com muito mais rapidez que as outras matérias. Estado, Poder e Administração pública Não dá pra compreender o Direito Administrativo dissociando esses três elementos. Estado É uma ficção jurídica criada pelo homem. É um fenômeno político decorrente das experiências históricas de diversos povos no mundo. O ser humano entendeu a necessidade da regulação da vida em sociedade a partir do Estado. Definição mais completa: É um núcleo social, politicamente organizado e ordenado, com Poder Soberano, exercido em um território, com um povo, para cumprimento de finalidade específica. É necessária a existência desses três elementos para ser considerado Estado. Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 Forma de Estado do Brasil = forma federativa de Estado. Não existe outro país que adote a federação que seja multifacetado (União, estados, DF e municípios). Forma centrípeta (agragação) e forma centrífuga (segregação) São duas formas de gerar a federação. Os Estados Unidos adotaram a forma centrípeta, na qual as 13 colônias se agregaram para a realização da Constituição de um Estado único com poder soberano. Já o Brasil era um Estado Unitário, onde o governo cedeu parte de sua autonomia aos Estados. Portanto, adotou uma forma centrífuga. A consequência da diferença da forma de origem do Estado é ter mais ou menos autonomia nos estados membros. Cláusula pétrea: não pode extinguir a forma federativa de Estado, mas pode modifica-la. Por exemplo, é possível excluir os municípios, pois a forma federativa ainda continuaria de forma bifacetada. Poder Legislativo, com uma função típica de legislar e fiscalizar; executivo, com uma função típica gestora e atípica de julgar administrativamente e legislar; e judiciário, com função típica jurisdicional. OBS: Esses poderes não podem ser confundidos com o Poder Administrativo. O Direito Administrativo não se restringe ao estudo do Poder Executivo, mas sim à função administrativa. Administração Pública Uma faceta do Estado que atua no desempenho das atividades administrativas; é a máquina que faz o Estado funcionar. Ela possui dois sentidos: objetivo e subjetivo Sentido objetivo, material ou funcional Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 Conjunto de funções ou atividades de caráter essencialmente administrativo. Leva em consideração o objeto. Sentido subjetivo Leva em consideração sujeitos (pessoas físicas ou jurídicas). A Administração Pública, no sentido subjetivo, é o conjunto de pessoas, físicas ou jurídicas, que formam o aparelhamento orgânico ou a estrutura formal do Estado. Então o conceito completo de administração pública vem da conjugação de dois sentidos. Administração Pública patrimonialista, patriarcal ou paternalista É o primeiro modelo de gestão pública. Confunde a coisa pública com a coisa privada, ou seja, o gestor usava a coisa pública como se privada fosse. Vigorou nos Estados Absolutistas, surgindo na Idade Média. A administração era do Estado, mas não pública, pois não se destinava a atender às necessidades do povo. Predominavam as práticas clientelistas (escolher os seus contratados) e de nepotismo. Administração Pública burocrática Surgiu para combater as mazelas da administração patrimonialista. Traz a ideia da racionalidade. Serviço público passa a ser exercido visando o interesse da coletividade. Surgiu a meritocracia, ou seja, os cargos públicos seriam ocupados de acordo com o mérito. Seus princípios básicos eram o profissionalismo, organização em carreira, hierarquia funcional, impessoalidade e formalismo. O formalismo foi muito importante, pois no modelo anterior não havia regras, e o formalismo implementou. Contudo, houve uma aplicação exacerbada, o que tornou o nosso entendimento para o pior lado acerca da burocracia. Esse apego exagerado a normas, torna a administração, muitas vezes, ineficiente. Administração Pública gerencial Esse modelo busca cada vez mais eficiência e qualidade na prestação dos serviços públicos. Surge na segunda metade do século XX. Os pressupostos desse modelo foi decorrerem da expansão das funções do Estado e da Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 globalização da economia mundial, permitindo o acesso às novas tecnologias. Essa administração teve como objetivo a redução de custos para a administração pública e aumentar a produtividade. As principais características desse modelo eram: criar uma nova cultura organizacional (gerencial) e preocupação básica com os resultados. O princípio de eficiência não estava no texto legal, ele veio com a emenda em 1998. Diferença fundamental entre esses dois últimos modelos Ambos se configuraram em gestões racionais. Porém, as diferenças fundamentais entre esses são duas: forma de controle (no modelo burocrático os controles eram prévios e formais voltados para a administração pública e no modelo gerencial o controle era finalístico, a posteriori, de resultado e qualidade) e flexibilização dos procedimentos (no modelo burocrático o foco eram os meios, a forma. Se esse gestor cumpriu a lei, ele ficava “feliz da vida”. No modelo gerencial há uma maior preocupação com o resultado dos atos e comportamentos do gestor. Esse gestor flexibiliza os meios a fim de um resultado melhor). Ineficácia dos modelos puramente gerenciais São considerados modelos centralizados e não abertos. Isso tornou esses modelos também ineficazes atualmente para atender as reais necessidades da população. A administração pública deve se adequar às complexas e plurais necessidades da sociedade. Com isso, estamos vivendo uma nova fase de administração. Essa fase de transição demora muito tempo. Variedade de interesses privados x Estado centralizado Conceituação e objeto do Direito Administrativo Critérios de definição do Direito Administrativo (evolução): o Direito Administrativo passou por uma sériede evoluções para se chegar no nosso critério atual da administração pública. Critério do serviço público: aqui se tem o início do Direito Administrativo (França). A doutrina entendia que o Direito Administrativo existia para estudar e compreender os serviços públicos. Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 Critério do poder executivo: Esse critério não tinha como prosperar, porque não se pode restringir o direito administrativo ao estudo desse poder. O direito administrativo também não se aplicará aos outros poderes. Existem funções realizadas pelo poder executivo que são fora também do âmbito do poder administrativo. Critério das relações jurídicas: Foi usado pela doutrina e dizia que o direito administrativo deveria estudar a relação jurídica entre administração pública e administrados. Esse conceito é incompleto, já que existem relações jurídicas internas que também estão relacionadas com direitos administrativos. Exemplo: quando o Estado cria estruturas jurídicas, como autarquia, também cria relações internas, que são estudadas pelo Direito Administrativo. Critério teleológico: Por esse critério se entendia o Direito Administrativo como uma displicente que iria estudar os fins do Estado. As finalidades essenciais do Estado. Esse critério também não teve sucesso por ser um critério abrangente demais. Na realidade, o Direito Administrativo só vai regulamentar uma das finalidades essenciais do Estado. Critério negativo ou residual: Esse critério foi utilizado para aprumar as arestas do critério anterior. Desta forma, esse critério trouxe que o Direito Administrativo iria estudar as finalidades essenciais do Estado, que não fossem as legislativas e as judiciais. Restrinjo aqui esse critério às funções administrativas e não ao poder executivo, como o critério do poder executivo. Critérios da Administração Pública: Esse critério trouxe uma real dimensão do objeto. O direito administrativo tem que ser entendido como um conjunto de normas visando ao interesse público. Conceito: Conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, agentes (sentido subjetivo) e as atividades públicas (sentido objetivo), tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado. Conceito: Conjunto de normas e princípios que, visando sempre ao interesse público, regem as relações jurídicas entre as pessoas (físicas e jurídicas) e órgãos do Estado e entre estes e as coletividades a que devem servir. Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 A disciplina existe para regulamentar, por meio de normas e princípios, a administração pública, nos seus dois sentidos (subjetivo e objetivo) Direito não codificado O Direito Administrativo não possui um código específico, encontra-se na Constituição, nas leis esparsas, portarias (as produzidas pelo Poder Executivo são meramente administrativas e a maioria das emitidas por um outro poder também possuem este caráter), e em outras fontes secundárias. Parte da doutrina acredita que a codificação é necessária, uma outra parte crê que seria necessário, e a terceira parte crê em uma codificação parcial (modelo brasileiro). O professor entende que atualmente uma codificação seria maléfica para o Direito Administrativo, pois é uma disciplina nova, em formação e mutável. Nesse sentido, a Constituição já traz uma parte do núcleo da disciplina. Com isso, entende-se que a Constituição traz uma espécie de codificação para o Direito Administrativo. Objeto O objeto do Direito Administrativo é a administração pública nos seus dois sentidos (funções administrativas e os órgãos incumbidos de exercê-las). Amputação do âmbito real da atividade administrativa Não podemos compreender dentro do objeto do Direito Administrativo tudo que se concebe como atividade administrativa. Não podemos entender que todas as funções administrativas são do âmbito do Direito Administrativo. As funções de planejamento e arrecadação tributária são funções administrativas de função típica do Poder Executivo. Contudo, essa atividade não será estudada no Direito Administrativo. Isso será matéria do direito tributário. A atividade de planejamento urbanístico é uma atividade administrativa, porém não é estudado pelo direito administrativo, mas sim no direito ambiental. Alcance do termo atividade administrativa O termo atividade administrativa não está estrito ao poder executivo. Ele é alcançado por todos os poderes. Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 OBS: A função de governo exercida pela administração pública não constitui objeto de estudo do Direito Administrativo. Aqui não se tem função de gestão, mas sim funções políticas. Deste modo, iremos estudar essas funções no Direito Constitucional. Exemplo: Sanção do presidente, celebração de um tratado internacional, etc. Fontes do Direito Administrativo As fontes do Direito Administrativo, que constituem a origem da construção e produção desse ramo autônomo do Direito, são, basicamente, os atos legislativos, os atos infralegais, a jurisprudência, a doutrina e os costumes. Entre os atos legislativos, temos a Constituição, as leis em geral (lei complementar, ordinária e delegada), as medidas provisórias, os decretos legislativos e as resoluções legislativas. São as fontes primárias do Direito Administrativo, à medida que inauguram a ordem jurídica, criando Direito novo. É necessário dizer que a Constituição, em face da supremacia jurídica de suas normas, é a principal fonte do Direito em geral, e do Direito Administrativo em especial, tendo em vista que é a partir dela que se estrutura, organiza e fundamenta todo o sistema jurídico do Estado. Já os atos infralegais, destacam-se os regulamentos, as instruções normativas, as portarias, as circulares, os despachos e pareceres administrativos. São fontes secundárias, pois não inovam a ordem jurídica, limitando-se a executar e complementar os atos legislativos, aos quais estão sujeitos. A jurisprudência, por sua vez, se preocupa em interpretar e aplicar os atos legislativos na resolução dos litígios de natureza administrativa. Assim, embora não tenha força obrigatória, ela representa importante guia de orientação aos juízes e tribunais na interpretação e aplicação das normas administrativas. OBS: Há exceções. Se a jurisprudência vier de ADI, ADC, ADPF ou Súmula Vinculante, será de caráter obrigatório. A doutrina tem um papel muito importante no que tange à construção e consolidação de novos paradigmas para a compreensão do Direito Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 Administrativo, influenciando a própria produção legislativa e a interpretação judicial desse ramo do Direito. Por fim, os costumes, embora tenham perdido sua importância nas últimas décadas, ainda vêm tendo certa utilidade, desempenhando o papel de colmatar as lacunas ou omissões dos atos legislativos e de auxiliar à sua interpretação e aplicação. Eles não podem contrariar os atos legislativos, mas apenas auxiliar a sua compreensão e incidência. Superação da dicotomia Direito Pública e Direito Privado Durante muito tempo vigorou no Direito a ideia da sua grande dicotomia. Essa dicotomia seria pautada na ideia de direito público e direito privado. O direito público seria aquele direito em que o Estado iria aparecer de maneira predominante nas relações jurídicas. Exemplo: Direito penal, constitucional, tributário, administrativo, etc. No direito privado, as relações jurídicas serão eminentemente particulares.Exemplo: Direito do consumidor, civil, etc. Durante muito tempo se tinha a metáfora do jardim e da praça. O direito público seria a praça e o direito privado seria o jardim. Nessa época, tinha ideia de que “do meu jardim cuido eu e a praça será do povo”, sendo o governo o ditador das regras. Contudo, essa metáfora não corresponde à realidade atual. Depois da Constituição de 1988, criamos novos paradigmas. Hoje em dia, não podemos ter a visão de que “no meu jardim cuido eu e faço nele o que eu quiser”. Sabemos que em qualquer propriedade privada é preciso se cumprir uma função social. Além disso, a praça, embora seja do povo, ela precisa também ser cuidada pelas partes privadas. O grande motivo da superação dessa dicotomia foram as codificações dos direitos, além também da questão da administração pública ser atualmente mais participativa e plural. Regime jurídico-administrativo É o arsenal normativo principiológico que conforma toda a Administração Pública. Portanto, é o regime jurídico ao qual se encontra submetida a Administração Pública direta e indireta. Compreende um conjunto de princípios constitucionais que governam toda a atuação dos agentes públicos no desempenho das funções administrativas, conformando integralmente a Administração Pública. Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 OBS: Não se pode confundir REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO com REGIME JURÍDICO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. O primeiro, como dito, é um regime essencialmente de direito público, constituído de princípios e regras constitucionais; já o regime da administração pública é mais amplo, na medida em que compreende tanto o regime de direito público (regime jurídico- administrativo) como o regime de direito privado, ao qual a Administração Pública também pode se submeter. Bipolaridade do Direito Administrativo É a dicotomia entre poder x dever. A Administração Pública tem uma série de prerrogativas e privilégios, mas também limitações, deveres. Esses dois precisam estar equacionados. O lado do poder é representado pelo princípio da supremacia do interesse público sobre os interesses privados, enquanto o lado do dever é regido pelo princípio da indisponibilidade do interesse público. Assim, o regime jurídico-administrativo foi construído a partir desses dois grandes princípios jurídicos que governam todo o Direito Administrativo. Nesse sentido, esses dois princípios são considerados princípios reitores da administração pública. Contudo, não se pode dizer que eles valem mais que os outros; não há hierarquia entre princípios. Por outro lado, eles são princípios implícitos, mas, da mesma forma, não valem menos que os princípios expressos. OBS: Os princípios constitucionais que compõem o regime jurídico- administrativo vinculam diretamente a Administração Pública direta e indireta de todos os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, gozando de força jurídica imediata, não dependendo, portanto, da edição de lei formal. Supremacia do interesse público sobre os interesses privados Esse princípio exalta a superioridade do interesse da coletividade, estabelecendo a prevalência do interesse público sobre o interesse do particular, como condição indispensável de assegurar e viabilizar os interesses individuais. A supremacia do interesse público sobre o interesse privado é pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardados nos seus direitos e bens. Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 Na doutrina italiana é corrente a distinção entre interesse público primário e secundário. O primário visa o interesse da coletividade como um todo. Por exemplo: desapropriação dos postos de gasolina da paralela para a construção dos trilhos do metrô, melhorando a mobilidade. O secundário visa o interesse da máquina estatal, ou seja, são os interesses do Estado como sujeito de direitos, independentemente de sua qualidade de servidor de interesses de terceiros (restringido a um interesse de uma prefeitura, órgão estatal, etc.). Por exemplo: Banco do Brasil gostou do prédio da Baiana em Amaralina e quer colocar uma agência bancária. O Banco do Brasil terá que negociar com o proprietário, embora seja um interesse público, pois o Banco do Brasil é estatal. OBS: O interesse público primário que terá supremacia sobre os particulares. É uma relação de verticalidade, portanto haverá uma desigualdade jurídica entre a administração e os administrados. Por outro lado, o interesse público secundário terá uma relação de igualdade jurídica com os particulares. Uma relação de horizontalidade. OBS: Vale ressaltar que o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado pressupõe o absoluto respeito aos direitos fundamentais. Assim, não pode o Estado, a pretexto de agir em nome da supremacia do interesse público, suprimir direitos de seus cidadãos reconhecidos pela ordem jurídica. Exemplos de prerrogativas de autoridade ➢ Intervenção nas propriedades privadas – com limitações e servidões administrativas, as ocupações temporárias, as requisições administrativas, o tombamento e a desapropriação. (ex: época de eleição com colégios eleitorais em lugares privados); ➢ Execução direta de boa parte dos seus atos administrativos (exemplo: rebocar carro que estaciona em local proibido); ➢ Alterar ou rescindir unilateralmente contratos administrativos; ➢ Usufruir de privilégios processuais diante dos particulares, uma vez que desfruta de prazos dilatados nos processos judiciais em que é ré (quádruplo para contestar e em dobro para recorrer); Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 ➢ Desfrutar de um processo de execução específica de seus débitos (exemplo: precatória). Como dito, essas prerrogativas decorrentes da supremacia do interesse público sobre o interesse privado só podem se empregadas legitimamente para satisfazer os interesses públicos, e não para atender os interesses ou conveniências tão-somente do aparelho estatal e muito menos dos agentes públicos. Relativização desse princípio: Não existe uma supremacia apriorística. Devemos sempre analisar o caso concreto. Muitas vezes o interesse privado pode prevalecer, como, por exemplo, no caso da usina Belo Monte em que o Estado queria desaproprias as terrar indígenas. Aqui os interesses dos índios sobressaíram ao interesse público. Aqui utilizou-se o princípio da preservação da cultura que prevaleceu sobre o princípio da supremacia do interesse público. Princípio da indisponibilidade do interesse público Em razão da indisponibilidade do interesse público, os próprios sujeitos da Administração Pública, aos quais cumprem zelá-lo, não têm a disponibilidade sobre ele. Têm o dever de protegê-lo e conservá-lo nos estritos termos das finalidades públicas legalmente preestabelecidas. Por isso mesmo, a Administração Pública submete-se a sujeições ou restrições, decorrentes da necessidade de proteção dos direitos dos administrados, que “limitam a sua atividade a determinados fins e princípios que, se não observados, implicam desvio de poder e consequente nulidade dos atos da Administração”. Princípio da Legalidade Como decorrência da indisponibilidade do interesse público, a atividade administrativa só pode ser exercida em conformidade absoluta com a lei. É a submissão do Estado ao império da ordem jurídica. Diferentemente do âmbito das relações privadas, onde há a ideia de que tudo que não está proibido em lei, está permitido, nas relações públicas, o princípioda legalidade envolve a ideia de que a Administração Pública só pode atuar quando autorizada ou permitida pela lei. Ou seja, a vontade da Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 Administração Pública é a que decorre da lei, não se aplicando a autonomia das vontades das relações entre particulares. OBS: Esse princípio pode sofrer constrições provisórias e excepcionais, em situações especiais e expressamente previstas na Constituição, como nas hipóteses permissivas de medidas provisórias (provimentos normativos urgentes editados pelo Presidente da República em caso de urgência e relevância) e na vigência do Estado de Defesa e Estado de Sítio (Estados de Exceção, durante os quais se instaura no Brasil um regime de Constitucionalidade Extraordinária, com a suspensão até de direitos e garantias fundamentais). Princípio da Impessoalidade Este princípio exige que a atividade administrativa seja exercida de modo a atender a todos os administrados, ou seja, a coletividade, e não a certos membros em detrimento de outros, devendo apresentar-se, portanto, de forma impessoal. A atuação impessoal da Administração Pública funciona como uma via de mão dupla, se aplicando ao administrado e ao administrador. Como já dito, em relação ao administrado, deve ser uma atividade destinada a satisfazer a todos; em relação ao administrador, a atividade da Administração Pública deve ser imputada à pessoa jurídica, jamais à pessoa física dos gestores públicos. Ou seja, os atos e provimentos administrativos são imputáveis, não ao agente que os pratica, mas sim ao órgão ou entidade da Administração Pública, em nome dos quais o agente atua. Princípio da Moralidade Deve-se entender por moralidade administrativa um conjunto de valores éticos que fixam um padrão de conduta que deve ser necessariamente observado pelos agentes públicos como condição para uma honesta, proba e íntegra gestão da coisa pública, de modo a impor que estes agentes atuem no desempenho de suas funções com retidão de caráter, decência, lealdade, decoro e boa-fé. OBS: A moralidade não se confunde com a legalidade administrativa. A norma ou atividade pode estar perfeita do ponto de vista legal, mas moralmente Leonardo David – Direito Administrativo I – Luciano Chaves – T4A – 2019.1 deficiente, caso não represente atitude ética e de boa-fé, não sendo útil a adoção desta norma ou atividade. Ademais, amoralidade administrativa também impede o nepotismo ou o favorecimento de parentes no âmbito da Administração Pública. Tal situação ensejou a edição a súmula vinculante nº 13 do STF.
Compartilhar