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Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 Hermenêutica Hermenêutica é o refletir sobre a interpretação. É de extrema importância no âmbito do direito, na medida em que praticamente tudo o que ocorre é alvo de diferentes interpretações para que se chegue a um consenso. Nesse sentido, falando da norma e da sua abstração, o que tira ela dessa condição para a sua aplicação é a capacidade de aplicação da norma em um caso concreto, mediante interpretação. Dessa forma, pode-se conceituar a hermenêutica como a ciência que pensa a interpretação (não o ato interpretativo, mas o campo que pensa a interpretação), isto é, o campo de crítica/debate sobre o campo jurídico. Nesse sentido, como o espaço da interpretação cresceu no direito, deixando-o mais complexo, a hermenêutica cresce na importância para a formação do direito. Richard Palmer Palmer traz a teoria da exegese bíblica, na qual a religião está ligada à interpretação do texto sagrado. Como é sabido que a religião é um costume milenar, pode-se afirmar que a hermenêutica nasce na teologia. Palmer fala que a hermenêutica tem a ver com o estudo da língua, isto é, interpretação de palavras/expressões e não o texto como um todo, o que ele chama de metodologia filológica geral. Exemplo: por que o verbo, em determinada oração do texto, está no presente e não no passado? Ele afirma também que a hermenêutica não é um campo apenas do direito, mas das humanidades; é a base metodológica de humanidades. Ele define a hermenêutica como a fenomenologia de existência e da compreensão existencial, onde esta seria o modo de existência. Ora, interpretar é compreender, compreender é uma forma de existir, logo interpretar é existir (perspectiva filosófica da hermenêutica). Tércio Sampaio Tércio fala da função simbólica da língua. Faz o retorno à origem da ideia de palavra para chegar à interpretação jurídica. Ou seja, faz a reconstrução desses conceitos, falando sobre os signos (palavras), que é composto pelo significante (som, fonema) + significado (ideia construída a partir dessas palavras; plano inteligível; o que aparece na mente das pessoas ao ouvir essa Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 palavra. Ou seja, se falar uma palavra estranha, não nasce um significado). Ele diz que significar é apontar para algo ou estar em lugar de algo. A função significativa pode ser exercida por emblemas, distintivos, roupas, etc. Tércio faz uma diferenciação entre língua e fala. A primeira é composta por símbolos, é a somatória dos signos. Os símbolos nada significam isoladamente. Para que se torne tal, tem de aparecer num ato humano, o ato de falar, na medida em que falar é atribuir símbolos a algo. Seu uso faz o significado. A fala é a dinamicidade da língua. A língua é um repertório de símbolos inter- relacionados numa estrutura. A língua portuguesa é uma só, mas a forma que falamos varia no tempo e no espaço. Isso torna as interpretações distintas. Portanto não se pode desconectar o que é dito do contexto em que foi dito. Resumindo: a fala é o uso atual da língua. Falar é dar a entender alguma coisa a alguém mediante símbolos linguísticos. Fala é o fenômeno comunicativo. Exige emissor, receptor e troca de mensagens, de forma que sem um receptor não há falas. É necessário que o receptor entenda a mensagem, ou seja, seja capaz de repeti-la. Isso diferencia a fala das outras formas de comunicação. Exemplo: é possível receber comunicação musical (piano) sem que o ouvinte seja capaz de repeti-la. Na fala, se o ouvinte não for capaz de repetir a mensagem, o discurso não ocorre. O entendimento da fala nem sempre corresponde à mensagem emanada. O ouvinte escolhe do que foi lhe comunicado algumas possibilidades que não coincidem necessariamente com a seletividade do emissor. Isso é interpretação. Interpretar é selecionar possibilidades comunicativas da complexidade discursiva. Toda interpretação é duplamente contingente, assim, precisamos de códigos que ambos os comunicadores tenham acesso. Os códigos precisam também serem interpretados e, daí, vêm códigos sobre códigos, o que torna a fala ainda mais complexa. Aí que se encontra o problema da interpretação jurídica: o que se busca na interpretação jurídica é um sentido válido de uma comunicação normativa, que manifesta uma relação de autoridade. Trata-se, portanto, de captar a mensagem normativa como um dever-ser para o agir humano. Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 Para interpretar temos de decodificar símbolos no seu uso, ou seja, conceder-lhes as regras de controle da denotação e conotação (regras semânticas), de controle das combinatórias possíveis (regras sintáticas) e de controle das funções (regras pragmáticas). Pode ocorrer de ter um símbolo vago, ambíguo. Por exemplo, no direito, há os conceitos jurídicos indeterminados, o que leva a uma discricionariedade na interpretação. É a partir disso que surge o que Tércio chama de poder de violência simbólica da língua, onde um sujeito pode se utilizar dessas margens para tirar vantagem. A desumanização da arte Algumas gotas de fenomenologia Uma mesma realidade se quebra em muitas realidades divergentes ao ser olhada de pontos de vista diferentes. Nesse sentido, não há uma única realidade autêntica, na medida em que todas aquelas realidades são equivalentes, cada uma delas é a autêntica segundo o ponto de vista que lhe corresponde. O que se pode fazer é classificar os pontos de vista e escolher entre eles o que se pareça mais normal ou espontâneo. Fala-se em uma distância espiritual entre a realidade e nós próprios. Nessa escala, os graus de proximidade equivalem a graus de participação sentimental nos fatos. Os graus de afastamento, pelo contrário, significam graus de libertação em que objetivamos o acontecimento real, convertendo-o em puro tema de contemplação. Situados num dos extremos, deparamos com um aspecto do mundo – pessoas, coisas, situações – que é a realidade “vivida”. Do outro extremo, em contrapartida, vemos tudo sob o seu aspecto de realidade “contemplada”. Entre esses diversos aspectos da realidade que correspondem vários pontos de vista, há um do qual derivam todos os restantes que todos os restantes pressupõem: o da realidade vivida. Um quadro, uma poesia onde não permanecesse resto algum das formas vividas seriam ininteligíveis, ou seja, não seriam nada, como nada seria um discurso em que cada uma das palavras tivesse sido extirpada do seu sentido habitual. Dessa forma, a realidade vivida corresponde a um primado peculiar que Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 nos obriga a considera-la como “a” realidade por excelência, ou seja, a realidade humana. Seis definições modernas da hermenêutica A hermenêutica tem sido interpretada, em uma ordem cronológica, como: 1. Uma teoria da exegese bíblica; 2. Uma metodologia filológica geral; 3. Uma ciência de toda compreensão linguística; 4. Uma base metodológica dos Geisteswissenschaften; 5. Sistemas de interpretação, simultaneamente recolectivos e inconoclásticos, utilizados pelo homem para alcançar o significado subjacente aos mitos e símbolos. OBS: Cada uma delas indica uma abordagem ao problema da interpretação. A hermenêutica como teoria da exegese bíblica O significado mais antigo refere-se aos princípios da interpretação bíblica. A hermenêutica (regras, métodos ou teoria que o orientam) se diferencia da exegese (comentário real) enquanto metodologia da interpretação. O termo “hermenêutica” datadoséculo XVII, contudo as operações de exegese textual e as teorias da interpretação – religiosa, literária, legal – remontam à antiguidade. Assim, tratando a hermenêutica como uma teoria da exegese, pode-se dizer que o seu campo estende-se, retroativamente, aos tempos do Antigo Testamento. Num certo sentido, apropria teologia como intérprete histórica ad mensagem bíblica, já é hermenêutica. A natureza da hermenêutica indicada pelo exemplo da hermenêutica bíblica conceitua a hermenêutica como o sistema que o intérprete tem para encontrar o significado oculto do texto. Por exemplo, no Iluminismo, o texto bíblico é um receptáculo de grandes verdades morais, que encontram-se nele porque se moldou a um princípio interpretativo que as encontrasse. A hermenêutica como metodologia filológica Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 O desenvolvimento do racionalismo junto com o advento da filologia clássica no século XVIII teve um efeito profundo na hermenêutica bíblica. A hermenêutica como ciência da compreensão linguística Marca o começo da hermenêutica não disciplinar. Pela primeira vez a hermenêutica define-se a si mesma como estudo da sua própria compreensão. Esta concepção de hermenêutica implica uma c´ritica radical do ponto de vista da filologia, pois procura ultrapassar o conceito de hermenêutica como conjunto de regras, fazendo uma hermenêutica sistematicamente coerente, uma ciência que descreve as condições da compreensão, em qualquer diálogo. O resultado é uma hermenêutica geral, cujos princípios possam servir de base a todos os tipos de interpretação de texto. A hermenêutica como base metodológica para as geisteswissenschaften Dilthey viu na hermenêutica a disciplina central que serviria de base a todas as disciplinas centradas na compreensão da arte, comportamento e escrita do homem. Ele defendia que a interpretação das expressões essenciais da vida humana implica um ato de compreensão histórica, pois neste ato está em causa um conhecimento pessoal do que significa sermos humanos. Acreditava ser necessário nas ciências humanas uma crítica da razão histórica (em analogia à crítica da razão pura kantiana feita às ciências naturais). A hermenêutica como fenomenologia do Dasein e da compreensão existencial Heiddeger empreendeu um estudo fenomenológico da presença quotidiana do homem no mundo. A análise de Heiddeger indicou que a compreensão e a interpretação são modos fundantes da existência humana. Assim, a hermenêutica heiddegeriana do Dasein, transforma-se também em hermenêutica, na medida em que apresenta uma ontologia da compreensão. Nesse sentido, a hermenêutica é relacionada de uma só vez com as dimensões ontológicas da compreensão e simultaneamente com a fenomenologia específica de Heiddeger. Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 A hermenêutica avança ainda mais um passo entrando na sua fase linguística, com a afirmação de Gadamer de que “um ser que pode ser compreendido é linguagem, ou seja, a hermenêutica é um encontro com o ser através da linguagem”. A hermenêutica como um sistema de interpretação: recuperação de sentido vs. Iconoclasmo Para Paul Ricoeur, “por hermenêutica entendemos a teoria das regras que governam uma exegese, quer dizer, a interpretação de um determinado texto ou conjunto de sinais suscetíveis de serem considerados como texto”. A psicanálise e a interpretação dos sonhos é uma forma de hermenêutica, na medida em que o sonho é o t exto cheio de imagens simbólicas e o psicanalista usa um sistema interpretativo para produzi uma exegese que traga à superfície o significado oculto. Ricoeur distingue símbolos unívocos de equívocos. Os primeiros são signos de sentido único, como os símbolos da lógica simbólica. Os segundos são o verdadeiro centro da hermenêutica. A hermenêutica é o sistema pelo qual o significado mais fundo é revelado para além do conteúdo manifesto. Ortega y Gasset É um filósofo existencialista, autor do texto “algumas gotas de fenomenologia”. Ele procura mostrar que há diferentes interpretações para o mesmo fato. Nós no direito somos diferentes expectadores do mesmo fato. Exemplo: acusação, defesa, juiz e testemunhas em diferentes interpretações sobre um mesmo fato. Ele traz no texto a questão sobre qual é a verdade autêntica. Nós nunca saberemos o que de fato aconteceu, o que ocorre é uma reconstrução processual, na qual a “verdade autêntica” será revelada pela verossimilhança que melhor se enquadra na situação descrita. Mesmo que exista vários pontos de vista, eles partem de uma realidade comum: a realidade vivida, tratada como a realidade humana. Exemplo: houve uma morte. Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 Desafios da hermenêutica 1. Conseguir, pelo menos, o mínimo de objetividade na interpretação. 2. Necessidade de reconhecer a ordem jurídica como um sistema aberto e dinâmico 3. Reconhecimento da pré-compreensão na interpretação geral e jurídica O indivíduo não é folha em branco. Ser humano já traz pré-compreensões, que são produtos dos espaços de pertencimento de cada indivíduo. A partir disso, o juiz precisa saber julgar um processo afastando ao máximo a sua pré- compreensão, buscando o maior equilíbrio em sua decisão. 4. Direito é discurso? Há uma linha de pós-positivismo dizendo que direito é discurso, sem, contudo, negar a norma. Direito = fato da vida + hipótese normativa. Ou seja, a relação jurídica só existe porque há um fato da vida sobre a qual incide uma hipótese normativa, gerando o fato jurídico. Quando o princípio entra na decisão judicial, aumenta mais ainda o campo desse discurso, na medida em que é preciso fazer a justificação fundamentada da aplicação deste princípio. O projeto de Scheiermacher de uma hermenêutica geral Ele afirma que a hermenêutica como arte da compreensão não existe como uma área geral, apenas existe uma pluralidade de hermenêuticas especializadas. O objetivo fundamental de Scheiermacher é construir uma hermenêutica geral como arte da compreensão. Essa arte é na sua essência a mesma, seja o texto um documento jurídico, um escrito religioso ou uma obra de arte. Cada texto desse tem, certamente, suas particularidades, mas implícito a isso, há uma unidade fundamental: os textos exprimem-se numa língua e assim utiliza-se a gramática para encontrar o sentido de uma frase. Afirma Scheiermacher que se fossem formulados os princípios de toda a compreensão da linguagem, certamente que incluiriam uma hermenêutica geral, que poderia servir de vase e de centro a toda a hermenêutica especial. Contudo, não há essa Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 hermenêutica geral, mas no lugar dela, várias hermenêuticas especiais: a filológica, a teológica, a jurídica. No diálogo, uma coisa é a operação de formular e de o transformar em discurso; outra, totalmente diferente, é a de compreender aquilo que é dito. Scheiermacher defende que a hermenêutica lida com este último aspecto. Esta distinção entre falar e compreender constitui a base para uma nova orientação em hermenêutica e abriu caminho a uma base sistemática para a hermenêutica na teoria da compreensão. E assim Scheleiermacher coloca esta questão geral como ponto de partida da sua hermenêutica: como é que toda ou qualquer expressão linguística, falada ou escrita, é compreendida? A situação de compreensão pertence a uma relação de diálogo. Em todas as situações desse tipo há uma pessoa que fala, que constrói uma frase com sentido,e há uma pessoa que ouve. O ouvinte recebe uma série de meras palavras e, subitamente, através de um processo misterioso, consegue adivinhar o seu sentido. Este processo misterioso, um processo de adivinhação, é o processo hermenêutico. É o verdadeiro lugar da hermenêutica. A hermenêutica é a arte de ouvir. Voltamo-nos agora para alguns princípios desta arte ou processo. O círculo hermenêutico Compreender é uma operação essencialmente referencial; compreendemos algo quando o comparamos com algo que já conhecemos. Scheleiermacher traz o conceito de círculo hermenêutico quando ele fala que um conceito individual tira o seu significado de um contexto no qual se situa e, reciprocamente, o contexto se constrói com os próprios elementos individuais que o compõem. Assim, por uma interação dialética entre o todo e a parte, cada um dá sentido ao outro. A compreensão é, portanto, circular. E por conta de o sentido aparecer dentro deste círculo, chama-se de círculo hermenêutico. O autor ainda diz que para atuar eficazmente, o círculo hermenêutico implica um elemento de intuição. Isso ocorre, pois há aí uma contradição lógica, que se baseia no questionamento de que se temos que captar o todo antes de poder conhecer as partes, então nunca compreenderemos nada. Contudo, é necessário afirmar que a lógica não valida totalmente as tarefas da Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 compreensão. Scheleiermacher considera a compreensão, em parte, como uma questão comparativa e, em parte, como uma questão intuitiva e divinatória. Há uma outra questão. O autor fala que o círculo hermenêutico propõe uma área de compreensão partilhada, na medida em que a comunicação é uma relação dialógica. Isto é, presume-se, desde o início, uma comunidade de sentido, partilhada por quem fala e por quem ouve. Nesse sentido, temos que previamente possuir, até certo ponto, um conhecimento do tema em causa. Isso pode ser designado como o conhecimento prévio, minimamente necessário à compreensão, sem o qual não podemos saltar para o círculo hermenêutico. Interpretação gramatical e interpretação psicológica No pensamento mais tardio de Schleiermacher há uma tendência crescente para separar a esfera da linguagem da esfera do pensamento. A primeira é a província da interpretação gramatical, e a segunda é da interpretação psicológica. A interpretação gramatical pertence ao momento da linguagem e Schleiermacher encarava-a como um procedimento essencialmente negativo, geral e mesmo limitativo, no qual se coloca a estrutura em que opera o pensamento. Contudo, a interpretação psicológica procura a individualidade do autor, o seu gênio particular. Ambos os aspectos da interpretação são necessários e de fato interatuam constantemente. Os usos individuais da língua acarretam mudanças na própria língua. O intérprete compreende a individualidade do autor relativamente ao geral, mas compreende-a também de um modo positivo, quase de um modo direto e intuitivo. Tal como o círculo hermenêutico envolve a parte e o todo, a interpretação gramatical e psicológica como uma unidade, envolve o específico e o geral. Tudo isso pressupõe que a hermenêutica tem como meta a reconstrução da experiência mental do autor do texto. Nesse sentido, o objetivo não é atribuir motivos ou causas aos sentimentos do autor (psicanálise), mas sim reconstruir o próprio pensamento de outra pessoa através da interpretação das suas expressões linguísticas. Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 A abordagem gramatical pode usar o método comparativo e proceder do geral para as particularidades do texto; a abordagem psicológica utiliza tanto o método comparativo como o divinatório. Este consiste em nos transformamos no outro, de modo a captar diretamente a sua individualidade. Neste momento da interpretação, saímos de nós próprios e nos transformamos no autor, de modo a podermos captar numa plena imediatez, o seu processo mental. Contudo, o objeto último não é compreender o autor de um ponto de vista psicológico; é antes ter acesso mais pleno àquilo que é significado no texto. O significado do projeto de Schleiermacher de uma nova hermenêutica A sua contribuição para a hermenêutica marcou uma viragem na história desta disciplina. A hermenêutica deixa de ser vista como um tema disciplinar específico do âmbito da teologia, da literatura ou do direito, passando a ser a arte de compreender uma expressão linguística. Aprendeu-se a importância de uma pré-compreensão em toda a compreensão. Scheleiermacher, e teóricos da hermenêutica que lhe são anteriores, apontaram para esta última concepção ao enunciar o princípio do círculo hermenêutico dentro do qual toda a compreensão ocorre. Dilthey: A hermenêutica como fundamento das Geisteswissenschaften Dilthey começou a ver na hermenêutica o fundamento para as Geisteswissenschaften – quer dizer todas as humanidades e as ciências sociais, todas as disciplinas que interpretam as expressões da vida interior do homem, quer essas expressões sejam gestos, ator históricos, leis codificadas, obras de arte ou de literatura. Dilthey tinha como objetivo apresentar métodos para alcançar uma interpretação objetivamente válida das expressões da vida interior. Ele determinou que a experiência concreta e não especulação tem que ser o único ponto de partida admissível para uma teoria das Geisteswissenschaften. É a partir da própria vida que temos que desenvolver o nosso pensamento e é para ela que orientamos as nossas questões. Não tentemos encontrar ideias por detrás da vida. O nosso pensamento não pode ir para além da própria vida. Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 A tentativa de encontrar uma base metodológica para as Geisteswissenschaften O projeto de formular uma metodologia adequada às ciências que se centram na compreensão das expressões humanas é primeiramente encarado por Dilthey no contexto de uma necessidade de abandonar a perspectiva reducionista e mecanicista das ciências naturais, e de encontrar uma abordagem adequada à plenitude dos fenômenos. Para Dilthey, qualquer espécie de base metafísica para descrever o que se passa quando compreendemos um fenômeno humano é logo de início recusada, pois dificilmente levaria a resultados considerados universalmente válidos. Num certo sentido, Dilthey continua o idealismo crítico de Kant mesmo não tendo sido um neo-kantiano, mas sim um filósofo da vida. Kant escrevera a Crítica da Razão Pura colocando os fundamentos epistemológicos das ciências. Dilthey atribuiu-se cuidadosamente a tarefa de escrever uma crítica da razão histórica que colocasse os fundamentos epistemológicos dos estudos humanísticos. Chegamos ao conhecimento de nós próprios não através da introspecção, mas sim através da história. O problema da compreensão do homem era para Dilthey um problema de recuperação de consciência da historicidade da nossa própria existência que se perdeu nas categorias estáticas da ciência. Dilthey defendia que a dinâmica da vida interior de um homem era um conjunto complexo de cognição, sentimento e vontade, e que estes fatores não podiam sujeitar-se às normas da causalidade e à rigidez de um pensamento mecanicista e quantitativo. Invocar as categorias do pensamento da Crítica da Razão Pura para a tarefa de compreender o homem, impõe um conjunto de categorias abstratas exteriores á vida, de modo algum derivadas da vida. Essas categorias são estáticas, intemporais, abstratas, são o oposto da própria vida. Então, em suma, para Dilthey, a interpretação,antes de ser um método, é uma condição existencial, ou seja, o ato de interpretar não se separa da existência. Nesse sentido, a historicidade assume o local central, onde a interpretação deve se fazer tomando a história como um ponto fixo, ou seja, Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 objetivando a interpretação a partir da história. Nesse sentido, Dilthey diz que a história traz uma racionalidade mínima para essa hermenêutica. Visa forçar o problema da interpretação em um objeto como um estatuto fixo, duradouro e objetivo. Por exemplo: discute-se a Segunda Guerra, mas não se pode discutir a sua ocorrência, que é um ponto fixo. Para entender o que aconteceu em um determinado momento, precisa-se fazer uma recomposição tomando a história como ponto fixo. Assim, as ciências naturais se utilizam de métodos explicativos e as ciências humanas utilizam os métodos compreensivos. Daí surgiu, para Dilthey, o método de interpretação HISTÓRICO-COMPREENSIVO, ou seja, ele recompõe a historicidade do que se interpreta para se compreender. Hermenêutica Filosófica Martin Heidegger Foi o primeiro defensor da Hermenêutica Filosófica. Heidegger contesta a ideia de interpretação como um método, isto é, ele contesta a metodologia, pois a interpretação antes de ser método é uma condição existencial. Para ele, estar no mundo é compreender e compreender é interpretar. Desse modo, o ato de interpretar não se separa da existência. Ele não compreende a hermenêutica como um problema de metodologia das ciências humanas: acreditava na compreensão como prolongamento da existência humana. O pensamento do ser no tempo é inseparável das línguas e linguagens, pois transformamos a compreensão (interpretação) em comunicação. Portanto, a linguagem não é apenas um instrumento de comunicação, é uma continuidade de como se ver o mundo. Ou seja, a interpretação é uma continuidade da forma como eu vejo o mundo. Por exemplo: tenho medo de algo, mas esse algo não tem um mal materializado, logo o medo surge como uma compreensão minha do mundo. Assim temos traumas, medos, etc., tudo isso à luz de como o indivíduo compreende o mundo). Para Heidegger, o problema da hermenêutica é o ser intérprete, ou seja, sai de uma questão metodológica e vai para uma questão existencial. Levando isso ao Direito, pode-se perceber essa questão nas diferentes opiniões que surgem sobre um mesmo fato, ou seja, o modo como interpreto é resultado do modo como compreendo o mundo e, sendo assim, será diferente da forma de como outra pessoa vê o mundo e, portanto, a interpretação dela será diferente. Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 A hermeneutica filosófica vai se preocupar menos com a relação sujeito- objeto, e vai se preocupar mais com a relação sujeito-sujeito. Isto é, o foco está no sujeito (ser) interprete e no mundo que o circunda, ou seja, a forma que este ser interprete compreende o mundo. Hans Georg Gadamer Também faz parte da Hermenêutica Filosófica. Para Gadamer, a verdade não pode ser alcançada pelo método, mas somente através da dialética. Isso porque a interpretação não é um resultado face a um objeto, mas sim do homem com o seu próprio modo de ser. Ou seja, só se chega à compreensão ao experimentar e fazer parte do objeto, o que acontece de modo singular, variando de pessoa para pessoa. Portanto, a compreensão não é resultado da relação entre homem e objeto, mas sim do homem dentro das suas próprias conclusões. Nesse sentido, para Gadamer, não existe compreensão em abstrato, diferentemente da hermenêutica científica, pois, como dito, só se consegue chegar à compreensão ao experimentar e fazer parte do objeto. Da mesma forma, não existe interpretação objetivamente válida, na medida em que a interpretação varia de pessoa para pessoa, de acordo com as suas experiências vividas. Gadamer diz que se a interpretação se desse através de um método, não haveria resultados diferentes, apenas um resultado seria possível. Assim, por não existir uma interpretação objetivamente válida, não existe uma decisão correta, mas sim interpretações possíveis. Nesse sentido, Gadamer entende a interpretação como uma relação dialética, um permanente diálogo entre o intérprete e a obra, ou seja, a interpretação não é linear, mas há um movimento constante que vai se construindo a interpretação. Gadamer rompe com Dilthey, pois Dilthey vê a história como ponto concreto para a compreensão. Já Gadamer fala que, mesmo tendo a história, a pré compreensão do intérprete vai influenciar na interpretação. Nesse sentido, a hermenêutica e a pré-compreensão compõem o círculo hermenêutica (veja que Sch falava do círculo hermenêutica também, mas entre o sentido gramatical x sentido psicológico; Gadamer fala entre a hermenêutica (interpretação) x pré compreensão), onde a compreensão é vista como um processo linguístico em Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 que a gramática e a retórica são os meios pelo qual se realiza o acordo e o entendimento sobre a coisa/objeto. Então, diferentemente dos científicos que utilizam a hermenêutica como método pronto, os filosóficos vão usar o processo dialético, ou seja, o sujeito dá sentido à obra e a obra modifica o sujeito. Isto é, não existe a interpretação da obra pelo método, mas sim da troca de diálogo entre o intérprete e a obra. Então não se deve ter método interpretativo, mas sim a interpretação a partir do próprio objeto. “Não podemos pegar métodos na prateleira e aplicar”. Gadamer não diverge de Heidegger, mas vai adiante. Ele categoriza melhor, dando conceitos, ou seja, acaba sendo mais didático. De volta à Hermenêutica Científica Emílio Betti É italiano, historiador, mas se dedica uma parte grande de sua vida ao estudo da hermenêutica, especialmente a hermenêutica jurídica. Esta é um exemplo constante na obra de Betti. Mas ele em si não é da área do Direito, é historiador. Betti escreve a “Teoria da Interpretação” nos anos 60, depois do livro de Gadamer, fazendo uma crítica a ele. Propõe um retorno à hermenêutica metodológica, dizendo que a hermenêutica pode ser sim um campo de métodos e princípios para a interpretação, entendendo isso como o papel da hermenêutica. Então nesse ponto ele já se contrapõe ao pensamento de Gadamer e ele diz isso afirmando que, se não for dessa maneira, se tornaria impossível você definir qual interpretação está certa ou qual está errada. Logo, qual seria o papel da hermenêutica, senão refletir acerca do que é uma interpretação realizada de maneira correta ou não. Então, por essa razão, ele propõe um retorno à hermenêutica metodológica. Gadamer, por outro lado, dizia que a hermenêutica não serve como um auxiliar de metodologia dos estudos humanísticos. A segunda crítica de Betti a Gadamer é o fato de que, para Betti, o modo como Gadamer pensa a interpretação, ele relativiza, a tal ponto, o processo interpretativo que, na visão dele, se cairia no risco de não se ter nenhuma baliza Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 do que é certo e o que é errado. Diz ele que reconhecer a existência de uma subjetividade no intérprete, como Gadamer faz ao falar da pré-compreensão é aceitável, mas fazer disso algo que é a própria condição interpretativa, significa criar um critério de relativização permanente. É admitir que qualquer interpretação é válida. Na prática o que Betti tá dizendo é que, se a gente toma a visão da hermenêutica filosófica como a visão própria do processo interpretativo, a gente está abrindo uma porta paraadmitir qualquer interpretação. E isso não seria possível, ainda mais fazendo a conexão com o Direito. Ou seja, tem que ter um mínimo de razoabilidade no processo interpretativo. Betti ainda retorna à questão do sujeito-objeto, onde os hermeneutas antigos trabalhavam com esse binômio, o qual Heidegger reprimiu. Betti traz à tona, novamente, a questão de que, embora exista a subjetividade, o objeto a ser interpretado continua a ser objeto. Então ele resgata a ideia da relação sujeito-intérprete-objeto interpretado dizendo que o objeto a ser interpretado contém uma autonomia que lhe é essencial e que faz com que haja nele uma objetividade verificável. Da mesma maneira, trazendo para efeitos práticos, ele quer dizer que, embora duas pessoas sejam diferentes, a Constituição é a mesma, ou seja, o objeto a ser interpretado, a norma, esta não se modifica, esta é um objeto. Assim, se o objeto não é diferente do observador, então pra que a interpretação? Ou seja, já que não há essa relação sujeito-objeto, pra que interpretar? Está interpretando o que se não há nada diferente do próprio sujeito a ser interpretado? Então ele diz que é claro que há uma relação sujeito-objeto, porque o sujeito interpreta algo. Então esse objeto existe, assim como a relação. Então ele questiona um dos pressupostos da hermenêutica filosófica, que é a relação sujeito-objeto, mostrando que essa relação existe e é necessária para que se torne possível a interpretação, porque se não se considera a existência de um objeto a ser interpretado, está se negando a própria existência do que se motiva a interpretar. A diferença de Betti para os outros hermeneutas da linha científica (seus antecessores Dilthey e Schleiermacher) é porque esses outros não discutiram essa condição da subjetividade, e Betti traz esse debate, por uma razão de que ele escreveu a sua obra depois de Heidegger e Gadamer. Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 Ele reconhece essa condição da subjetividade, mas diz que, embora exista a subjetividade, o objeto se mantém objeto. Mais uma vez, o fato de os observadores serem diferentes, não muda em nada a existência do objeto a ser interpretado. Betti fala da ideia de que há, entre as partes do discurso, a necessidade de uma relação de coerência. Ou seja, por exemplo, em uma sentença, toda a sua estrutura deve ter uma relação de coerência (justificação interna). Isso se viu em Gadamer e volta a se ver em Betti. Se não há uma relação de coerência entre as partes de uma decisão, não irá se alcançar a justificação externa, que é a capacidade da decisão de se legitimar, que é alcançar a aceitabilidade social. Então Gadamer e Betti dizem que, havendo essa relação de logicidade, isso justifica a própria racionalidade do todo da decisão. A finalidade da hermenêutica de Betti é criar critérios para avaliar o que é certo e o que é errado. Mas ele não apresenta, ao final, nenhum método ou nenhum princípio que sirva ao que ele quer. Então ele afirma a necessidade de uma hermenêutica metodológica, critica a hermenêutica filosófica, mas não diz que método ou princípio é esse. Ele não dá esse passo adiante para criar, de fato, métodos. Humberto Eco É italiano também. É um autor contemporâneo, morreu em 2016. Se tornou notório como intelectual, não de uma área específica, produziu inúmeras obras. Autor bem plural e dentro dessa pluralidade, escreveu um livro chamado “interpretação e super interpretação”. Ele trabalha, no livro, a ideia da existência de excessos do processo interpretativo. Ele quer discutir os limites da interpretação, quer debater até onde é possível e até onde está havendo a super interpretação, que é a interpretação que foge totalmente do texto (hoje é o que mais temos, principalmente na mídia). Nesse sentido, ele fala do risco no processo interpretativo se sair da curva e produzir o que ele denomina de super interpretação. Ele fala de três conceitos: Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 • A intenção do leitor: Diz que à intenção do leitor está aberta a indetermináveis interpretações. Ou seja, sendo você sujeito humano, você está passível de fazer toda e qualquer interpretação. É um texto aberto a leituras indeterminadas. Exemplo: duas pessoas leem o mesmo texto e têm interpretações completamente diferentes, pois isso está condicionado à própria condição existencial. • A intenção do autor: Ele coloca a intenção do autor como a tentativa de reconstrução dos objetivos do autor do texto. É tentar recompor a intenção do autor ao escrever o livro (como se vê em Schleiermacher, que fala em sentido gramatical e sentido psicológico, na qual esta última é a tentativa de reconstrução do pensamento do autor). OBS: Qualquer dessas duas possibilidades, levaria à super interpretação. • A intenção da obra: Na prática, o que Eco está querendo dizer é que entre a intenção do autor e a intenção do leitor, está o texto, que é onde, de fato, nós devemos nos ater para o processo interpretativo. Ou seja, nem nos prendermos às possibilidades de várias interpretações do leitor, nem nos prendermos à tentativa de recomposição do pensamento do autor. Nós devemos buscar o texto, que é o mesmo que se discute em Betti: há um objeto, há um texto e é a ele que se deve se prender. OBS: Não nega a intenção do autor, mas não se deve se prender apenas a este aspecto, pois cai no risco da super interpretação. Eco contesta a ideia da super interpretação, dizendo que há graus de aceitabilidade da interpretação. Não é possível se aceitar qualquer interpretação. Ele fala isso dizendo que foi vítima disso em sua obra “O nome da rosa”. Hermenêutica jurídica Premissas do processo interpretativo Tércio Sampaio diz que a interpretação jurídica parte de dois pressupostos: Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 Inegabilidade dos pontos de partida: É a ideia de que, no direito, há sempre um ponto de partida de onde se deve começar. Em IED aprende-se o dogma da completude, pois houve uma concepção jurídica em que se acreditava que o sistema jurídico era completo. Hoje já não concebe mais a completude do ordenamento, mas continua afirmando a inegabilidade dos pontos de partida, dizendo que sempre haverá ou uma regra ou um princípio de onde se pode partir para a decisão de um caso concreto. Então a ideia desse pressuposto é a ideia de que o operador do Direito tem sempre um ponto a buscar no ordenamento jurídico que lhe sirva de partida para a solução. Esse pressuposto está diretamente relacionado com a proibição do non liquet. Proibição do non liquet: É uma regra contida no artigo 140 do CPC. Vai dizer que, ao juiz, não é dado não decidir. O juiz está obrigado a decidir. Então se o juiz está obrigado a decidir, ele sempre terá que encontrar um ponto de partida. Então, essa regra é a obrigatoriedade de que o magistrado dê uma decisão, mesmo que seja que o pedido é juridicamente impossível, ou que ele é incompetente para o caso concreto. Tércio fala que essas duas condicionantes juntas, são premissas para o processo interpretativo. A interpretação do Direito é decorrência da somatória desses dois elementos. Tércio trabalha esses dois conceitos, onde o conceito do legislador racional pode-se entender como o próprio conceito de intérprete. Ou seja, legislador racional, pois teria essa função de mediar a realidade no plano do ser com a linguagem normativa que é o plano do dever-ser. Isto é, o papel do intérprete é retirar a norma do estado de abstração e trazê-la para o caso concreto.Outro conceito é acerca da decibilidade dos conflitos que é a ideia da atividade interpretativa máxima. O direito é voltado à decisão de conflitos, é o seu propósito. A atividade interpretativa máxima é, portanto, a atividade de solucionar o conflito que ora se apresente. O Direito, ao ser linguagem, demanda uma uniformidade em torno de sentidos jurídicos, ou seja, a possibilidade de se utilizar de conceitos jurídicos, Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 passa por uma existência de uma compreensão uniforme desses conceitos. Precisa disso para aplicar a técnica do Direito. Conceitos meramente formais do Direito: São conceitos exclusivamente do Direito. Fora do mundo do Direito não tem significação. São conceitos técnicos que são necessários em qualquer espaço de profissão. Dentro deste conceito, ele ainda chama atenção para o “regular juris”, que são expressões que são capazes de sintetizar um conjunto de regras jurídicas. Por exemplo: quando se fala de direito de propriedade, não se está falando de apenas um direito, mas sim um leque de direitos que estão relacionados à propriedade. Conceitos tipológicos: São conceitos que são da linguagem comum, mas que estão incorporados ao Direito. São expressões que, mesmo fora do universo jurídico, tem significação. Uma vez incorporados na norma jurídica, passam a significar um direito garantido pelo ordenamento. Exemplo: a ideia de boa-fé, de interesses públicos, etc. Esses conceitos podem representar a necessidade de um juízo de valor, isto é, no momento em que se traz uma expressão como essa da linguagem natural, e torna linguagem jurídica, isso pode demandar de quem for aplicar a norma, que faça um exercício de valoração desse conceito. Nesse sentido, quando a norma traz essa situação que abra uma margem de escolha, o judiciário pode avaliar se é cabível ou não. Sempre que houver esses conceitos tipológicos, o modo de análise é a partir das especificidades da situação + os limites principiológicos. A hermenêutica jurídica vai ser deflagrada a partir do debate entre as teorias subjetivistas e as teorias objetivistas. Teorias subjetivistas São as teorias que entendem que a interpretação deve se voltar para a vontade do legislador. Compreendem que o papel da interpretação do Direito é fazer um retorno para compreender a vontade do legislador. O que seria identificar a vontade do legislador? É uma interpretação que faz um retorno à origem da norma, tentando entender os motivos do legislador para a criação daquele direito. Isso é de difícil possibilidade, pois muitas vezes há uma distância grande entre o intérprete e o legislador (distância temporal). Essa linha Leonardo David – 4º semestre – Hermenêutica – Cláudia Albagli – 2019.1 interpretativa carrega, então, uma dificuldade natural de entender as razões do legislador. Nesse sentido, as teorias subjetivistas propõem essa interpretação através de uma análise linguística, por isso são consideradas teorias restritivas, que estão restritas a letra da lei. Interpretação restrita ao texto da norma, portanto. O erro que se aponta aqui é a supervalorização da figura do legislador. Então geralmente os métodos e a interpretação subjetivista estão relacionados aos regimes de caráter autoritário, onde a figura do legislador tem uma supervalorização. Então entende-se que há um risco nesse tipo de interpretação. Teorias objetivistas Vão entender que o papel da interpretação jurídica é ir em busca da vontade da lei. Entende que a lei é expressão da convicção comum da sociedade. Então a lei não é expressão da vontade do legislador, e sim expressão da vontade do povo. Traz a ideia de “espírito do povo”. Então o papel do intérprete é ir em busca da vontade da lei. O legislador seria apenas um instrumento para a realização dessa vontade. Não é a literalidade da norma, mas todo e qualquer método que permita associar o texto da norma com a vontade da própria sociedade. Então sai de uma interpretação de caráter restritivo para uma interpretação, ainda a partir de métodos, mas com uma outra perspectiva, outra metodologia. Essa interpretação seria ex nunc, ou seja, não retroage, diferentemente das teorias subjetivistas, pois é preciso pensar a norma no momento da sua interpretação para o futuro, e não para o passado. Dessa linha vão surgir os métodos axiológico (procura extrair o valor afirmado pela norma; entendimento de que toda norma carrega consigo algum valor que pretende ser afirmado), teleológico (busca identificar os fins da norma) e sociológico (ligado a uma interpretação que considera os aspectos sociais da aplicação da norma). O equívoco dessa linha interpretativa seria o fato de haver um risco de anarquização da atividade interpretativa, ou seja, no momento em que se prende a aspectos que não aqueles restritos ao texto da norma, se abre uma porta para qualquer tipo de interpretação. Na opinião dos críticos, seria um grande risco, pois permitiria uma interpretação sem baliza, sem regras.
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