Buscar

AS NOTAÇÕES MATEMÁTICAS

Prévia do material em texto

Capı´tulo 1
As notac¸o˜es matema´ticas
“Uma boa notac¸a˜o possui uma engenhosidade e uma sugestividade que, a`s vezes, a faz parecer um
professor de verdade.”
Bertrand Russell (1872-1970)
In The World of Mathematics,
New York: Simon & Schuster, 1956, J. R. Newman (Editor)
A linguagem matema´tica consiste da lı´ngua materna e da linguagem simbo´lica, que usa sı´mbolos matema´ti-
cos. Na linguagem matema´tica, a lı´ngua materna e linguagem simbo´lica interagem para comunicar as mensagens.
Va´rias cieˆncias tambe´m usam sı´mbolos, mas, talvez, nenhuma a fac¸a com tanta frequeˆncia quanto a Matema´tica.
Apesar de universal, de generalizar e de tornar mais simples a manipulac¸a˜o de ideias, a linguagem matema´tica
tem caracterı´sticas bastante peculiares. Dentre essas caracterı´sticas destacamos a precisa˜o e a economia. Como
qualquer lı´ngua materna, a linguagem matema´tica tambe´m possui sua grama´tica, sua morfologia1 e sua sintaxe2,
que devemos conhecer para nos comunicar com eficieˆncia, entendendo as mensagens e nos fazendo entender.
Os enunciados de resultados e as demonstrac¸o˜es matema´ticas sa˜o feitas usando-se a linguagem matema´tica.
Por isso, como primeiro passo, ja´ que estamos acostumados com a lı´ngua materna, torna-se importante conhecer
os significados e como usar os va´rios sı´mbolos matema´ticos. O passo seguinte e´ treinar para usar essa linguagem
com flueˆncia e efica´cia. O objetivo desse livro e´ tambe´m orientar os leitores nesse sentido.
Ao longo de nosso texto, vamos apresentar va´rios sı´mbolos que denotam objetos matema´ticos. Mas e´ preciso
discorrer um pouco sobre esses sı´mbolos, seu uso, e sobre um pouco da interessante histo´ria de como surgiram.
Faremos isso neste capı´tulo.
1.1 Para que servem as notac¸o˜es matema´ticas?
Uma notac¸a˜o matema´tica e´ um conjunto de sı´mbolos − podendo ser apenas um u´nico sı´mbolo − que representa
um objeto ou uma ideia matema´tica. Esses sı´mbolos podem ser construı´dos com letras de algum alfabeto, com
algarismo de um sistema de numerac¸a˜o, com figuras conhecidas, etc.
Por exemplo, pi, e, <, −, R+ sa˜o algumas notac¸o˜es simples e bem conhecidas. Ja´
exp
{ 2n−2
ωnnn
(∣∣| b
D∗
∣∣|nLn(Γ+) + 1)} e´ uma notac¸a˜o mais elaborada, extraı´da de um livro avanc¸ado de equac¸o˜es
diferenciais.
Uma notac¸a˜o matema´tica precisa ter as seguintes caracterı´sticas:
1) Deve ser uma forma de comunicac¸a˜o concisa e precisa, que contribua para a facilidade e para a economia
da linguagem.
1Estuda a formac¸a˜o e estrutura das palavras. No caso da linguagem matema´tica, os sı´mbolos podem substituir palavras.
2Estudo da disposic¸a˜o lo´gica das palavras nas frases, das frases no discurso e a relac¸a˜o das frases entre si. No caso
da linguagem matema´tica, as frases podem ser construı´das por palavras e por sı´mbolos matema´ticos. Falaremos mais
formalmente sobre frases no pro´ximo capı´tulo.
12 CAPI´TULO 1. AS NOTAC¸O˜ES MATEMA´TICAS
2) Na˜o deve expressar ambiguidades.
3) Na medida do possı´vel, deve ter uma forma este´tica simples, fa´cil de ser manipulada, de ser memorizada e
de nos fazer lembrar o objeto que representa, toda vez que a virmos.
Na Matema´tica e´ comum o uso de sı´mbolos para representar conjuntos, elementos de um conjunto, operac¸o˜es
matema´ticas ou qualquer outro objeto. Lembremos que, em algumas ocasio˜es, a linguagem matema´tica se reduz
a` manipulac¸a˜o de sı´mbolos. Por isso, deve-se sempre ter em mente a escolha de uma notac¸a˜o adequada e eficaz
como um dos primeiros passos a fim de expressar e de manusear as ideias com eficieˆncia. Dessa maneira, facilita-
se a apresentac¸a˜o de teorias e a resoluc¸a˜o de problemas. As notac¸o˜es sa˜o ta˜o importantes para a compreensa˜o de
um texto que va´rios livros trazem um ı´ndice com as principais notac¸o˜es a serem utilizadas.
Em nossos dias, as notac¸o˜es sa˜o usadas com muita frequeˆncia e com a maior naturalidade, mas nem sempre
foi desse jeito. Desde os primeiros passos significativos dados pela Matema´tica na Antiga Babiloˆnia, passaram-se
quase 3.000 anos ate´ que nos Se´culos XVI e XVII o uso de notac¸o˜es comec¸asse a ser sistematizado e se tornado
uma pra´tica. Esse fato impulsionou enormemente o desenvolvimento e a divulgac¸a˜o das descobertas matema´ticas.
Apo´s centenas de anos de desenvolvimento e da contribuic¸a˜o de inu´meras pessoas, hoje, cada parte da Ma-
tema´tica − seja A´lgebra, Trigonometria, Geometria, ou qualquer outra − possui sua notac¸a˜o pro´pria, universal-
mente aceita e utilizada.
Figura 1.1: Fragmento de um texto matema´tico escrito em Japoneˆs, mostrando sı´mbolos matema´ticos atuais, usados
mundo a fora, independentemente da lı´ngua de cada paı´s.
Vale a pena conhecer a histo´ria da criac¸a˜o e do uso das notac¸o˜es, por ser uma interessante parte da Histo´ria
da Matema´tica. Mais adiante, apresentaremos algumas das notac¸o˜es mais usadas e certos fatos histo´ricos interes-
santes sobre a criac¸a˜o delas3. Veremos tambe´m como algumas foram criadas, e na Sec¸a˜o 1.4 mostraremos como
certas notac¸o˜es do passado eram bastante esquisitas, bem diferentes das usadas em nossos dias.
3Os interessados em saber mais sobre a histo´ria das notac¸o˜es matema´ticas podem consultar a monumental obra de Cajori
([Cajori, 1993]).
3.3. ARGUMENTOS 47
Exemplo 3.3.2
Todos os homens sa˜o mortais.
Ora, So´crates e´ um homem.
Logo, So´crates e´ mortal.
Um silogismo e´ formado por treˆs elementos ba´sicos:
1. ‘H e´ M’, que conte´m uma afirmac¸a˜o geral, chamada premissa maior;
Exemplo: Todos os homens sa˜o mortais.
2. ‘S e´ H’, que conte´m uma afirmac¸a˜o particular derivada, chamada premissa menor ou termo me´dio;
Exemplo: Ora, So´crates e´ um homem.
3. ‘S e´ M’, que deve ser coerente com as premissas anteriores e e´ chamada conclusa˜o.
Exemplo: Logo, So´crates e´ mortal.
Cada premissa tem um elemento comum com a conclusa˜o, e ambas um termo em comum. Qual seria esse
elemento em comum e esse termo em comum no exemplo de silogismo anterior?
Figura 3.1: O filo´sofo Aristo´teles foi pioneiro no estudo da Lo´gica. Neste detalhe do afresco A Academia de Plata˜o
(1508-1511), do pintor renascentista Rafael (1483-1520), podemos ver Aristo´teles e Plata˜o conversando. Plata˜o aponta para
o ce´u, Aristo´teles para a terra. O rosto de Plata˜o e´ o de Leonardo da Vinci.
O filo´sofo grego Aristo´teles2, pioneiro no estudo da Lo´gica, descreveu e classificou alguns tipos de silogismo.
Nos contentaremos com o tipo de silogismo anterior, em sua homenagem, conhecido como silogismo aristote´lico.
Observe que o silogismo e´ uma argumentac¸a˜o tı´pica do raciocı´nio lo´gico-dedutivo.
2Vide nota de Rodape´ 2, da Subsec¸a˜o 7.3.1.
4.1. SENTENC¸AS CONDICIONAIS 51
Exemplo 4.1.5
Sabemos que a sentenc¸a ‘1 = 1’ e´ verdadeira, e que a sentenc¸a ‘1 = 0’ e´ falsa; logo, por um processo
lo´gico-dedutivo, na˜o sera´ possı´vel deduzir a sentenc¸a ‘1 = 0’ da sentenc¸a ‘1 = 1’.
Como as demonstrac¸o˜es usam argumentac¸o˜es va´lidas, a regra geral e´:
Na˜o se pode deduzir sentenc¸as falsas de sentenc¸as verdadeiras. (4.1)
2. Ja´ no caso em que a sentenc¸a P for falsa (ou uma das premissas for falsa), e´ possı´vel deduzir uma sentenc¸a
Q que pode ser falsa ou verdadeira− compare com as 3a e 4a linhas da Tabela-verdade 3.3. Vamos ilustrar
esse fato com dois exemplos bastante simples:
Exemplo 4.1.6
Sejam ‘P : 1 = 0’ e ‘Q : 1 = 1’. Da sentenc¸a P , decorrem as igualdades 1 = 0 e 0 = 1. Daı´, somando
os respectivos termos do lado esquerdo e os do lado direito dessas igualdades, temos 1 + 0 = 0 + 1,
donde 1 = 1. Logo, a sentenc¸a ‘Se P , enta˜o Q’ e´ va´lida, nesse caso em que P e´ falsa e Q e´ verdadeira.
Neste exemplo, deduzimos uma sentenc¸a verdadeira de uma sentenc¸a falsa − compare com a 3a linha da
Tabela-verdade 3.3.
Exemplo 4.1.7
Ainda da sentenc¸a P , podemos deduzir que, se 1 = 0, enta˜o 1+ 2= 0+ 2 ou seja, 3 = 2. Dessa maneira,
considerando ‘Q : 3 = 2’, a sentenc¸a ‘Se P , enta˜o Q’ e´ va´lida, nesse caso em que P e´ falsa e Q e´ falsa.
Neste exemplo, deduzimos uma sentenc¸a falsa de uma outra sentenc¸a, tambe´m falsa − compare com a 4a
linha da Tabela-verdade 3.3.
Finalizamos, afirmando que todas as proposic¸o˜es matema´ticas, mesmo na˜o estando explı´cito, sa˜o sentenc¸as
condicionais e, de alguma maneira, podem ser escritas como sentenc¸as do tipo
‘Se P , enta˜o Q’.
EXERCI´CIOS 4.1
Nota: as respostas dos exercı´cios esta˜o na pa´gina www.fabricadeensino.com.br
1. Nos exercı´cios a seguir, assinale as alternativas corretas.
(a) Ao utilizar premissas falsas, e´ possı´vel deduzir concluso˜es:
i. verdadeiras;
ii. falsas;
iii. nada se pode afirmar.
(b) Ao utilizar premissas verdadeiras, e´ possı´vel deduzir concluso˜es:
i. verdadeiras;
ii. falsas;
iii. nada se pode afirmar.
2. Enuncie dois silogismos na forma de sentenc¸as condicionais.
3. Complete os silogismos abaixo e depois detalhe uma argumentac¸a˜o para deduzi-los:
(a) O que tem folhas e´ um livro (Premissa maior falsa)
Uma a´rvore tem folhas (Premissa menor verdadeira)
(Conclusa˜o falsa)
(b) Todo nu´mero par e´ maior do que cinco (Premissa maior falsa)
9 e´ um nu´mero par (Premissa menor falsa)
(Conclusa˜o verdadeira)
4.6. CONDIC¸A˜O NECESSA´RIA E CONDIC¸A˜O SUFICIENTE 57
4.6 Condic¸a˜o necessa´ria e condic¸a˜o suficiente
Sabemos que uma sentenc¸a condicional ‘Se P , enta˜oQ’ pode ser considerada como uma sentenc¸a implicativa
‘P ⇒ Q’, que e´ lida como ‘P implica Q’, e vice-versa.
Vamos agora aprender mais dois outros estilos de apresentar uma sentenc¸a implicativa ‘P ⇒ Q’, muito
comuns na Lo´gica-Matema´tica ao se enunciar teoremas:
“P e´ (uma) condic¸a˜o suficiente para Q”,
ou
“Q e´ (uma) condic¸a˜o necessa´ria para P”.
Exemplo 4.6.1
Teorema 4.6.1 (1a Versa˜o): Seja n um nu´mero inteiro. Se n for um mu´ltiplo de 5, enta˜o n termina em 0 ou
em 5.
Nessa sentenc¸a vamos considerar:
P : Um nu´mero inteiro n e´ mu´ltiplo de 5
e
Q: n termina em 0 ou em 5.
Sabemos valer a implicac¸a˜o ‘P ⇒ Q’. Pelo que acabamos de expor, duas outras maneiras de enunciar esse
resultado sa˜o:
Teorema 4.6.1 (2a Versa˜o): Um nu´mero inteiro ser mu´ltiplo de 5 e´ uma condic¸a˜o suficiente para que ele
termine em 0 ou em 5.
ou
Teorema 4.6.1 (3a Versa˜o): Um nu´mero inteiro terminar em 0 ou 5 e´ uma condic¸a˜o necessa´ria para que ele
seja mu´ltiplo de 5.
Usando a primeira, a segunda, ou a terceira versa˜o, estamos apenas apresentando o mesmo teorema de ma-
neiras distintas; o que muda e´ somente a maneira de enuncia´-lo.
Para justificar essa terminologia, recordemos que uma sentenc¸a implicativa ‘P ⇒ Q’ ou condicional ‘Se P
enta˜o Q’ e´ va´lida, caso seja possı´vel provar a sentenc¸a Q, todas as vezes em que considerarmos que P vale.
Quando isso acontece, observe ser suficiente, ou seja, e´ bastante a sentenc¸a P valer, para que a sentenc¸a Q valha;
ou, ainda, e´ necessa´rio a sentenc¸a Q valer, todas as vezes em que a sentenc¸a P valer.
Esses conceitos devem ficar bem claros pois, em geral, podem ser facilmente confundidos pelos iniciantes.
Tambe´m na˜o e´ raro encontrar alunos concluindo seus cursos de Matema´tica sem saber usar esses termos.
Talvez por exigirem maior atenc¸a˜o para entendeˆ-los, va´rios livros publicados hoje em dia esta˜o abandonando
essa linguagem ta˜o especı´fica da Matema´tica, e preferindo fingir que ela na˜o existe. Em nossa opinia˜o, essa e´
uma linguagem tradicional que deve ser preservada.
Vamos treinar mais um pouco. Comecemos agora com um exemplo fora da Matema´tica, em que os signifi-
cados das palavras necessa´ria e suficiente sa˜o bem instrutivos:
Exemplo 4.6.2
Suponha T seja a asserc¸a˜o Pedro e´ terra´queo, eB seja a asserc¸a˜o Pedro e´ brasileiro. Como Pedro e´ brasileiro,
e todo brasileiro e´ um terra´queo, concluı´mos que Pedro e´ terra´queo, logo, B ⇒ T , isto e´:
1a Versa˜o: Pedro e´ brasileiro, implica Pedro e´ terra´queo.
Como mencionamos, outra maneira de expressar essa frase e´:
2a Versa˜o: Pedro ser brasileiro e´ uma condic¸a˜o suficiente para Pedro ser terra´queo
ou
3a Versa˜o: Pedro ser terra´queo e´ uma condic¸a˜o necessa´ria para Pedro ser brasileiro.
Insistimos que estamos apenas enunciando o mesmo resultado de treˆs maneiras diferentes.
Capı´tulo 5
Se vale a ida, vale a volta?
A recı´proca de uma sentenc¸a
“Quando eu ia ela voltava, quando ela voltava eu ia.”
Mu´sica do forrozeiro Zenilton
In Disco LP vinil de Zenilton, Gravadora Copacabana, 1989.
5.1 A recı´proca de uma sentenc¸a
A recı´proca de uma sentenc¸a implicativa ‘P ⇒ Q’ e´ definida como a sentenc¸a ‘Q ⇒ P ’. No caso de uma
sentenc¸a condicional ‘Se P , enta˜o Q’, sua recı´proca e´ definida como a sentenc¸a ‘Se Q, enta˜o P ’.
Exemplo 5.1.1 A recı´proca do Exemplo 4.6.2 e´:
Pedro e´ terra´queo implica Pedro e´ brasileiro.
Exemplo 5.1.2 A recı´proca da sentenc¸a do Exemplo 4.6.1 (1a Versa˜o) e´:
Todo nu´mero inteiro que termina em 0 ou 5 e´ mu´ltiplo de 5.
Exemplo 5.1.3 A recı´proca do Exemplo 4.6.3 − (1a versa˜o) e´:
Se o produto de dois nu´meros terminar em 6, enta˜o esses nu´meros terminam em 6.
Seguindo o que fizemos nas outras verso˜es do Exemplo 4.6.3, tambe´m poderı´amos ter escrito o Exemplo
5.1.3 como:
Uma condic¸a˜o suficiente para dois nu´meros terminarem em 6 e´ que seu produto termine em 6
ou
Uma condic¸a˜o necessa´ria para que o produto de dois nu´meros termine em 6 e´ que esses nu´meros terminem
em 6,
e assim por diante.
OBSERVAC¸A˜O IMPORTANTE: se uma sentenc¸a e´ verdadeira, o valor lo´gico de sua recı´proca pode ser falso
ou verdadeiro; o mesmo ocorre quando o valor lo´gico da sentenc¸a for falso. Em resumo, os valores lo´gicos de
uma sentenc¸a e de sua recı´proca sa˜o independentes, como voceˆ pode comec¸ar a comprovar com os exemplos a
seguir.
No Exemplo 5.1.1, acima, se chamarmos T : ‘Pedro e´ terra´queo’ e B: ‘Pedro e´ brasileiro’ temos
‘B ⇒ T ’, mas ‘T 6⇒ B’ (Observac¸a˜o: 6⇒ e´ a negac¸a˜o de ⇒. Leˆ-se ‘T 6⇒ B’ da seguinte forma: “T na˜o
implica B”), pois, evidentemente, existem terra´queos que na˜o sa˜o brasileiros; nesse caso, diz-se que ‘ser bra-
sileiro’ e´ uma condic¸a˜o suficiente, mas na˜o necessa´ria para Pedro ser terra´queo. Ainda nesse caso, podemos
dizer que ‘ser terra´queo’ e´ uma condic¸a˜o necessa´ria, mas na˜o suficiente para Pedro ser brasileiro.
Ja´ a recı´proca da sentenc¸a que aparece no Exemplo 5.1.2 e´ um fato verdadeiro, bastante conhecido.
Capı´tulo 7
Desvendando os teoremas-Parte II
“Mas se eu lhe dei vinte mil re´is / Pra´ pagar treˆs e trezentos / Voceˆ tem que me voltar / Dezesseis
e setecentos! /Dezessete e setecentos! / Dezesseis e setecentos!.../ ... Eu acho bom voceˆ tirar os
nove fora / Evitar que eu va´ embora / E deixe a conta sem pagar / Eu ja´ lhe disse / Que essa
droga esta´ errada / Vou buscar a tabuada / E volto aqui pra´ lhe provar... ”
Luiz Gonzaga (1912-1989), que brilhantemente compoˆs esse coˆmico forro´ usando a musicalidade
dos nu´meros de uma simples conta de subtrair.
No forro´ Dezessete e setecentos, de sua autoria.
7.1 Estendendo o conceito de teorema
Suponha que um teorema seja va´lido, por exemplo,
Todo nu´mero inteiro que termina em 0 ou 5 e´ mu´ltiplo de 5,
e que seu teorema recı´proco
Todo nu´mero inteiro mu´ltiplo de 5 termina em 0 ou 5
tambe´m seja va´lido. Dessa forma, por economia, podemos enunciar esses dois teoremas como duas sentenc¸as
equivalentes, formando um u´nico teorema, da seguinte maneira:
Teorema 7.1.1 Um nu´mero inteiro termina em 0 ou 5 se, e somente se, e´ mu´ltiplo de 5.
De agora em diante, vamos estabelecer que uma sentenc¸a P ⇔ Q − inclusive as diferentes formas de
escreveˆ-la − e´ tambe´m um teorema, desde que as sentenc¸as P ⇒ Q e Q⇒ P sejam ambas teoremas.
Esses tipos deteorema constituem-se de duas partes: um resultado, e seu resultado recı´proco. Para uma
sentenc¸a desse tipo ser um teorema, ambos os resultados devem ser va´lidos e, geralmente, a demonstrac¸a˜o do
teorema e´ dividida em duas etapas, que sa˜o as demonstrac¸o˜es de cada um desses resultados. Para cada uma dessas
demonstrac¸o˜es pode-se usar qualquer dos me´todos de demonstrac¸a˜o apresentados mais adiante neste livro. No-
vamente informamos que a demonstrac¸a˜o de uma implicac¸a˜o pode ser totalmente independente da demonstrac¸a˜o
da outra implicac¸a˜o.
Diante do que acabamos de expor, as sentenc¸as apresentadas nos Exemplos 5.2.1 e 5.2.2 sa˜o teoremas.
A`s vezes, o teorema ‘Q⇒ P ’ (‘Se Q, enta˜o P ’) e´ chamado teorema recı´proco do teorema ‘P ⇒ Q’ (‘Se P ,
enta˜o Q’).
EXERCI´CIOS 7.1
Nota: as respostas dos exercı´cios esta˜o na pa´gina www.fabricadeensino.com.br
1. A recı´proca de um teorema tambe´m e´ um teorema? Por queˆ?
2. Enuncie a recı´proca de cada teorema a seguir usando o mesmo estilo com que cada um foi apresentado:
(a) Se duas retas forem cortadas por uma transversal, e as medidas dos aˆngulos correspondentes forem
iguais, enta˜o essas retas sa˜o paralelas.
8.1. O QUE E´ UMA DEFINIC¸A˜O MATEMA´TICA? 89
(b) Ja´ em outro livro, afirma-se:
“A a´rea de uma superfı´cie esfe´rica de raio r e´ definida por A = 4pir2 e o volume de uma esfera e´,
por definic¸a˜o, igual a
4
3
pir3 (Sic).”
Fac¸a uma ana´lise crı´tica dessa frase. Mas bem crı´tica mesmo!!! Ela merece!
16. TEMA PARA DISCUSSA˜O: DEFINIC¸O˜ES × TEOREMAS
(a) Deˆ exemplo de uma definic¸a˜o e de um teorema, retirados de livros dida´ticos, em que foi utilizada a
palavra se. Compare o uso do se nos dois casos.
(b) Nos exemplos do item anterior, ficou claro para os leitores quando o autor anunciava uma definic¸a˜o
e quando anunciava um teorema?
(c) Fac¸a uma pesquisa e deˆ exemplo de um caso em que na˜o e´ possı´vel distinguir se o que o autor
esta´ escrevendo e´ uma definic¸a˜o ou um teorema. Qual a consequeˆncia para a aprendizagem se isso
ocorrer? De quem e´ a responsabilidade?
(d) Como redigir um teorema de forma a na˜o deixar margem para que o leitor na˜o o confunda com uma
definic¸a˜o?
(e) Como redigir um definic¸a˜o de forma a na˜o deixar margem para que o leitor na˜o a confunda com um
teorema?
17. UMA BOA DEFINIC¸A˜O:
Suponha que voceˆ encontre uma func¸a˜o definida da seguinte maneira
f : Q→ Z e´ tal que f(p
q
) = p+ q.
Ora, por exemplo, de acordo com essa definic¸a˜o, quanto vale f(0)?
Certamente, a definic¸a˜o dessa func¸a˜o esta´ ambı´gua, podemos encontrar mais de uma imagem para um
valor de x no domı´nio de f . Quando uma definic¸a˜o e´ ambı´gua, dizemos que a definic¸a˜o na˜o esta´ boa.
Em alguns casos, menos simples que o anterior, e´ preciso provar que uma definic¸a˜o formulada e´ realmente
uma boa definic¸a˜o, ou seja, a definic¸a˜o na˜o induz qualquer ambiguidade.
(a) Por que a definic¸a˜o da func¸a˜o anterior esta´ ambı´gua? (b) Como fazer para tornar a definic¸a˜o acima em
uma boa definic¸a˜o? (c) Deˆ exemplo de uma definic¸a˜o que na˜o esta´ boa e a modifique para torna´-la uma
boa definic¸a˜o.
8.1.1 Definic¸o˜es equivalentes
Dizemos que duas definic¸o˜es D1 e D2 sa˜o equivalentes quando D1 ⇔ D2. Certos objetos matema´ticos podem
ter va´rias definic¸o˜es equivalentes e, quando for o caso, uma definic¸a˜o pode ser trocada por outra. E´ importante
frisarmos que ao optar por uma das definic¸o˜es, as outras podem ser deduzidas como consequeˆncia da definic¸a˜o
escolhida.
Por exemplo: uma maneira alternativa de definir triaˆngulo iso´sceles, diferente daquela dada na Definic¸a˜o
8.1.3, poderia ser:
Definic¸a˜o 8.1.4 Um triaˆngulo e´ iso´sceles se tiver dois de seus aˆngulos internos coˆngruos.
Nos cursos de Geometria Plana, prova-se que todo triaˆngulo com dois aˆngulos internos coˆngruos possui os
respectivos lados opostos a esses aˆngulos tambe´m coˆngruos, e reciprocamente. Ou seja, as Definic¸o˜es 8.1.3 e
8.1.4 sa˜o equivalentes (Definic¸a˜o 8.1.3 ⇔ Definic¸a˜o 8.1.4) e, portanto, tanto faz usar qualquer uma para definir
triaˆngulo iso´sceles.
Na maioria das vezes, quando se escolhe, por exemplo, a Definic¸a˜o 8.1.4 como a definic¸a˜o de triaˆngulo
iso´sceles, enta˜o a outra definic¸a˜o aparece como teorema:
Teorema 8.1.1 Um triaˆngulo e´ iso´sceles se, e somente se, tiver dois de seus lados congruentes.
98
CAPI´TULO 9. MODELOS AXIOMA´TICOS.
CONVENC¸O˜ES MATEMA´TICAS
ii. Trape´zio.
iii. Polı´gono regular de n lados circunscrito por uma circunfereˆncia de raio r.
(e) Como proceder para encontrar a´reas de figuras cujos bordos sejam curvos?
Como encontrar a a´rea do cı´rculo, por exemplo?
9. Esse exercı´cio e´ para novamente voceˆ perceber que e´ possı´vel fazer deduc¸o˜es sobre um objeto, sem ter-
mos qualquer ideia do que ele seja. O que importa sa˜o os postulados acerca desse objeto estarem bem
estabelecidos.
(a) Considere os seguintes postulados:
i. Toda flicarada e´ um conjunto de flics.
ii. Duas flicaradas distintas possuem um, e apenas um, flic em comum.
iii. Todo flic pertence a duas, e somente duas, flicaradas.
iv. Existem exatamente quatro flicaradas.
(b) Nos postulados acima, identifique as “noc¸o˜es primitivas”.
(c) Verifique que os postulados sa˜o independentes.
(d) Prove os seguintes teoremas:
i. T1 : Existem exatamente seis flics.
ii. T2 : Existem exatamente treˆs flics em cada flicarada.
iii. T3 : Para cada flic existe um outro flic, tal que ambos na˜o esta˜o na mesma flicarada.
10. Sejam A, B e C noc¸o˜es primitivas. Mostre que o conjunto das afirmac¸o˜es abaixo e´ inconsistente:
(a) Todo A e´ B. (b) Existe pelo menos um C. (c) Se C na˜o e´ B, enta˜o C e´ A. (d) Nenhum C e´ B.
11. Fac¸a uma pesquisa em livros de Geometria Plana e, em cada um deles, analise qual o conjunto de axiomas
adotado pelos autores. Ha´ diferenc¸a entre esses conjuntos de axiomas?
12. Nossa Constituic¸a˜o Federal e os modelos axioma´ticos.
Nossa constituic¸a˜o, com todas as leis e artigos, pode ser encarada como um modelo axioma´tico. De
fato, ha´ va´rias definic¸o˜es nos artigos da Constituic¸a˜o, e as leis podem ser encaradas como axiomas. Perceba
que o trabalho de advogados e juristas e´ inferir logicamente suas concluso˜es a partir dessas definic¸o˜es e
leis.
O Artigo 10 da nossa Constituic¸a˜o, na parte dos Princı´pios Fundamentais, reza que:
A Repu´blica Federativa do Brasil, formada pela unia˜o indissolu´vel dos Estados e Municı´pios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democra´tico de Direito e tem como fundamentos:
I− a soberania; II− a cidadania; III−a dignidade da pessoa humana; IV− os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa; V−o pluralismo polı´tico.
No para´grafo acima, identifique uma definic¸a˜o e o que poderı´amos encarar como um axioma.
13. TEMA PARA DISCUSSA˜O: ao discorrermos sobre os Elementos (Vide Nota de rodape´ 4), dissemos:
“Euclides comec¸a definindo algumas noc¸o˜es comuns,..”. Ora, mas tambe´m dissemos que noc¸o˜es comuns
na˜o se definem, o que houve? Erramos?
Na˜o! A frase foi escrita propositadamente dessa forma para chamar a atenc¸a˜o do leitor para um fato: uma
diferenc¸a do modelo axioma´tico atual para o adotado por Euclides e´ que no modelo axioma´tico grego na˜o
havia conceitos primitivos ([Eves, 2004], p.656). Eis uma das falhas lo´gicas, posteriormente criticadas nos
Elementos.
Euclides, nos Elementos, definiu alguns conceitos primitivos, como:
“Ponto e´ aquilo que na˜o tem partes” e “Reta e´ um comprimento sem largura”.
Com o ma´ximo de cuidado e de respeito ao trabalho de Euclides, analise e critique as definic¸o˜es que ele
deu.
11.3. DEFINIC¸A˜O DE DEMONSTRAC¸A˜O 111
Consideremos
P8 (axioma da existeˆncia do elemento neutro da adic¸a˜o): Existe um nu´mero real 0 tal que x + 0 = x para
todo nu´mero real x.
Usando P2 em P7, conclui-seque 3x+0 > 7−1 e, por P8, segue a desigualdade 3x > 7−1. Assim obtemos
P9 (sentenc¸a deduzida de sentenc¸as anteriores): O nu´mero x que satisfaz P1 e´ tal que 3x > 7− 1.
Consideremos agora
P10 (definic¸a˜o): 7− 1 = 6.
P11 (teorema a ser provado no Capı´tulo 19): Caso a > 0 e a.b > c, enta˜o b >
c
a
.
P12 (definic¸a˜o):
6
3
= 2.
Finalmente, usando P10, P11 e P12 em P9, resulta em 3x > 7− 1 P10⇒ 3x > 6 P11⇒ x > 63
P12⇒ x > 2.
Dessa forma, concluı´mos
P13 ( tese T , que e´ a conclusa˜o de nossa argumentac¸a˜o): O nu´mero x que satisfaz P1 e´ tal que x > 2.
Pronto! O que acabamos de fazer foi demonstrar formalmente o Teorema 11.2.1. Ufa, os leitores podem achar
estranho e cansativo resolver uma simples inequac¸a˜o dessa forma. Na˜o se preocupem, no´s tambe´m! Felizmente,
na pra´tica, ningue´m procede dessa maneira, e nosso objetivo aqui foi exemplificar a estrutura lo´gica de uma
demonstrac¸a˜o e apenas alertar os leitores de quanta teoria esta´ envolvida na resoluc¸a˜o de uma simples inequac¸a˜o.
O procedimento anterior indica como definir demonstrac¸a˜o.
11.3 Definic¸a˜o de demonstrac¸a˜o
Primeiramente, sem recorrer a muitos detalhes, e com o exemplo anterior em mente, uma demonstrac¸a˜o de que
uma proposic¸a˜o T e´ deduzida de uma outra proposic¸a˜o H e´ uma cadeia de argumentac¸o˜es lo´gicas, va´lidas, que
usam H para concluir os resultados apresentados em T . Nesse processo, H chama-se hipo´tese e T chama-se
tese.
Numa demonstrac¸a˜o, prova-se que todo objeto matema´tico satisfazendo as condic¸o˜es das hipo´teses, cumpre
necessariamente o que afirma a tese. Como ja´ vimos na Subsec¸a˜o 4.2, esse fato garante a validade de uma
proposic¸a˜o condicional ‘Se H , enta˜o T ’ ou de uma proposic¸a˜o implicativa ‘H ⇒ T ’.
Cada passo de uma demonstrac¸a˜o e´ provado dentro de um modelo axioma´tico, por meio de argumentac¸o˜es
va´lidas, usando-se hipo´teses, axiomas, definic¸o˜es, outros resultados anteriormente provados e os passos prece-
dentes, formando uma cadeia dedutiva de raciocı´nio.
Vamos formalizar essas ideias. Para efeito de simplificac¸a˜o, como um teorema pode ter mais de uma hipo´tese
(p.70), juntaremos todas as hipo´teses de um teorema em uma sentenc¸a H , chamando-a simplesmente de hipo´tese.
Se o teorema tiver mais de uma hipo´tese, H1, H2, . . . , Hn−1,Hn, consideraremos a sentenc¸a H = ‘H1 e H2 e
. . . e Hn−1 e Hn’ (H = H1 ∧H2 ∧ · · · ∧Hn−1 ∧Hn) como a hipo´tese.
Menos informalmente, vamos estabelecer a
Definic¸a˜o 11.3.1 Dentro de um modelo axioma´tico, dadas duas proposic¸o˜es H e T , uma demonstrac¸a˜o de que
a proposic¸a˜o H (hipo´tese) implica a proposic¸a˜o T (tese) e´ uma sequeˆncia finita de sentenc¸as P1, P2, ..., Pk, tais
que cada uma delas e´, ou um axioma, ou uma definic¸a˜o, ou uma hipo´tese Hi, ou uma sentenc¸a resultante das
sentenc¸as anteriores, deduzida por argumentac¸o˜es va´lidas. A proposic¸a˜o final Pk da sequeˆncia e´ a proposic¸a˜o T
(tese), resultado de todo o processo dedutivo.
Em verdade, podemos dizer que uma demonstrac¸a˜o consiste de duas partes: sua estrutura lo´gica, como defi-
nida anteriormente, e sua apresentac¸a˜o, que e´ a maneira como ela e´ redigida, como esta estrutura lo´gica e´ apre-
sentada a uma outra pessoa. Certamente os leitores ja´ devem ter percebido que na˜o se escrevem demonstrac¸o˜es,
friamente, como uma sequeˆncia de proposic¸o˜es, tal como na definic¸a˜o e no exemplo anterior. Mais adiante va-
mos aprender como fazer isso. Mas, independentemente da forma como algue´m possa optar em redigir uma
demonstrac¸a˜o, ha´ sempre por tra´s dessa redac¸a˜o uma estrutura lo´gica, como definimos acima.
14.1. NEGAC¸A˜O DE SENTENC¸AS CONJUNTIVAS E DISJUNTIVAS,
ENVOLVENDO QUANTIFICADORES 127
Na˜o e´ difı´cil provar as seguintes equivaleˆncias:
A = ∅ ⇔ AC = U, (14.2)
A 6= U⇔ AC 6= ∅. (14.3)
Seja P (x) uma sentenc¸a que depende de uma varia´vel x pertencente a um conjunto universo U, e denotemos
o conjunto
P={x ∈ U; P (x) e´ va´lida }.
Logo vale a igualdade dos conjuntos
{x ∈ U;P (x) na˜o e´ va´lida } = PC . (14.4)
Como ja´ vimos na Sec¸a˜o 2.1, temos a equivaleˆncia
‘∃x ∈ U;P (x) vale’ ⇔ ‘P 6= ∅’.
Essa equivaleˆncia assegura que negar a sentenc¸a ‘∃x ∈ U;P (x) vale’ e´ negar que ‘P 6= ∅’, ou seja, e´ afirmar
que P = ∅. Ora, de P = ∅ e da equivaleˆncia em (14.2), segue-se que PC = U. Essa u´ltima igualdade, juntamente
com (14.4) asseguram que {x ∈ U;P (x) na˜o e´ va´lida } = U, isto e´, ‘∀x ∈ U, P (x) na˜o vale’. Diante do exposto,
temos a seguinte negac¸a˜o
˜(∃x ∈ U;P (x) vale) = (∀x ∈ U, P (x) na˜o vale).
Na maioria das vezes, colocamos a negac¸a˜o diretamente na propriedade P (x), e a negac¸a˜o anterior toma a
forma:
˜(∃x ∈ U;P (x) vale) = (∀x ∈ U, ˜P (x) vale).
Semelhantemente, usando (14.3), e´ fa´cil provar a negac¸a˜o
˜(∀x ∈ U, P (x) vale) = (∃x ∈ U;P (x) na˜o vale) = (∃x ∈ U; ˜P (x) vale). (14.5)
Por exemplo, as negac¸o˜es das proposic¸o˜es que aparecem na Sec¸a˜o 2.1:
P3: Existe x ∈ R, x > 0, tal que x < 0, 1 e x2 > 10
e
P6: Para todo x ∈ R, temos 2x2 + 8x− 10 < 0 ou x ≥ 1 ou x ≤ −5.
sa˜o, respectivamente,
˜P3: Para todo x ∈ R positivo, temos x ≥ 0, 1 ou x2 ≤ 10
e
˜P6: Existe x ∈ R, tal que 2x2 + 8x− 10 ≥ 0 , x < 1 e x > −5.1
1A segunda vı´rgula significa a presenc¸a da conjunc¸a˜o ‘e’.
130 CAPI´TULO 14. QUANDO E´ NECESSA´RIO SABER NEGAR (APRENDENDO A NEGAR NA MATEMA´TICA)
14.4 Me´todo pra´tico para formular a negac¸a˜o de sentenc¸as envol-
vendo mais de um quantificador
A ideia do me´todo e´ “passar a negac¸a˜o para direita” e ir negando cada quantificador e cada propriedade, na
ordem em que aparecem na frase. Nesse processo deve-se prestar bem atenc¸a˜o para ir juntando cada parte do que
foi negado e formar uma frase que fac¸a sentido e tenha significado lo´gico. Apesar de pra´tico, o me´todo na˜o e´
mecaˆnico, e requer atenc¸a˜o para ser usado.
Exemplo 14.4.1
Para negar a sentenc¸a
∀x > 0, ∀z ≤ 0 temos x.z ≤ 0 (14.7)
fazemos os seguintes passos
1. Colocamos o sı´mbolo de negac¸a˜o no lado esquerdo da sentenc¸a:
˜(∀x > 0, ∀z ≤ 0, temos x.z ≤ 0).
2. Passamos o sı´mbolo de negac¸a˜o para direita, pulando cada quantificador e cada propriedade, negando-os,
um a um. Negamos o primeiro quantificador.
∃x > 0 ˜(∀z ≤ 0, temos x.z ≤ 0).
3. Ao passarmos novamente o sı´mbolo de negac¸a˜o para o lado direito, negamos o outro quantificador. Para
formar uma frase com sentido, juntamos os dois quantificadores existenciais com a conjunc¸a˜o e.
∃x > 0 e ∃z ≤ 0 ˜( temos x.z ≤ 0).
4. Ao passarmos mais uma vez o sı´mbolo de negac¸a˜o para o lado direito, se repetı´ssemos a palavra temos, a
frase ficaria sem sentido. Trocamos o temos pelo tais que:
∃x > 0 e ∃z ≤ 0 tais que ˜(x.z ≤ 0).
5. Finalmente negamos a u´ltima condic¸a˜o x.z ≤ 0:
∃x > 0 e ∃z ≤ 0 tais que x.z > 0.
E´ preciso sempre ler a frase para ver que ela esta´ fazendo sentido.
Note no primeiro passo que na˜o negamos x > 0, pois negar ‘para todo x em um conjunto’ e´ afirmar ‘existe
um x no conjunto’. O conjunto nesse caso e´ o dos nu´meros positivos. Logo a negac¸a˜o de ∀x > 0 e´ ∃x > 0. O
mesmo ocorreu com ∀z ≤ 0, no segundo passo.
A sentenc¸a (14.7) poderia ser apresentada sem que os quantificadores estivessem explicitados, como:
Para x > 0 e z ≤ 0, temos x.z ≤ 0. (14.8)
Se a sentenc¸a fosse originalmente apresentada dessa maneira, recomendarı´amos reescreveˆ-la usando os quan-
tificadores, como em (14.7), e nega´-la tal como fizemos. Proceda dessa forma com os exercı´cios mais adiante.
Atente que a presenc¸a do e na sentenc¸a (14.8) na˜o representa a conjunc¸a˜o de duas sentenc¸as, ate´ porque x > 0
e z ≤ 0 na˜o sa˜o sentenc¸as. Logo, ao nega´-la, o e na˜o muda para o ou.
ATENC¸A˜O: antes de negar uma frase, sempre verifique com cuidado se o e ou o ou da frase representa, de
fato, uma conjunc¸a˜o ou uma disjunc¸a˜o de sentenc¸as, pois alguns mais desatentos podem achar queao negar uma
frase, todo e deve ser mecanicamente trocado por ou e vice-versa, e isso na˜o deve ser feito, como mostram o
exemplo anterior e o que segue.
Exemplo 14.4.2
Neguemos agora a seguinte sentenc¸a verdadeira, com dois quantificadores distintos:
∀x ∈ R e ∀² > 0,∃y ∈ Q tal que |x− y| < ². (14.9)
Procede-se da seguinte forma
˜(∀x ∈ R e ∀² > 0, ∃y ∈ Q tal que |y − x| < ²)
∃x ∈ R ˜(e ∀² > 0, ∃y ∈ Q tal que |y − x| < ²)
16.3. DEMONSTRAC¸A˜O DIRETA VERSUS DEMONSTRAC¸A˜O POR CONTRADIC¸A˜O 143
Versa˜o comentada da demonstrac¸a˜o anterior: suponha, por contradic¸a˜o, que
√
2 ∈ Q (estamos admitindo
a hipo´tese de contradic¸a˜o e informando ao leitor que iremos usar o me´todo de reduc¸a˜o a um absurdo). Logo,
existem p, q ∈ Z, q 6= 0, com p
q
=
√
2 (estamos usando a definic¸a˜o de nu´mero racional). Podemos considerar,
sem perda de generalidade, p e q primos entre si, ou seja, que na˜o possuam divisores comuns, ale´m da unidade
(aqui, estamos considerando uma hipo´tese adicional, com a qual na˜o perdemos a generalidade dos fatos. Note
que ha´ va´rias formas de escrever um nu´mero racional como uma frac¸a˜o. Com essa hipo´tese, iremos trabalhar
apenas com uma delas. Observe tambe´m que demos uma definic¸a˜o dentro da demonstrac¸a˜o). Da u´ltima igualdade
temos
p2
q2
= 2, e daı´ p2 = 2q2 (16.1) (esta foi uma maneira de apenas trabalhar com nu´meros inteiros na
demonstrac¸a˜o ). Como 2 divide o lado direito da u´ltima igualdade, ele divide p2, garantindo que p2 e´ divisı´vel
por 2 (este e´ um argumento esperado, ja´ que o 2 aparece no lado direito da igualdade, nos sugerindo que devemos
trabalhar com paridade de nu´meros). Decorre do Lema 16.2.1, que p e´ divisı´vel por 2 (aqui e´ onde o lema entra
em cena) e portanto e´ da forma p = 2k, para algum nu´mero k inteiro (estamos usando a expressa˜o de um
nu´mero divisı´vel por 2, ou melhor, usamos a definic¸a˜o de nu´mero par). Substituindo p por 2k na igualdade (16.1)
e fazendo a devida simplificac¸a˜o, encontramos 2k2 = q2 (retornamos a equac¸a˜o (16.1) e fizemos uma pequena
manipulac¸a˜o alge´brica). Aplicando o mesmo raciocı´nio para essa nova igualdade, se conclui que q e´ divisı´vel por
2 (como chegamos a uma igualdade ana´loga a` (16.1), tudo nos leva a usar o mesmo raciocı´nio ja´ utilizado, agora,
para essa nova igualdade), mas isso contradiz o fato de p e q serem primos entre si (chegamos a contradic¸a˜o de
nossa hipo´tese adicional). Portanto,
√
2 na˜o pode ser escrito na forma
p
q
, com p, q ∈ Z, q 6= 0. Assim, nossa
suposic¸a˜o inicial de que
√
2 ∈ Q e´ falsa, ou seja, √2 6∈ Q (mesmo na˜o sendo necessa´rio, explicamos de forma
detalhada como o raciocı´nio por absurdo nos levou a demonstrac¸a˜o que querı´amos). C.Q.D.
Essa demonstrac¸a˜o aritme´tica da irracionalidade de
√
2 aparece nos Elementos de Euclides e num dos livros
do filo´sofo grego Aristo´teles (384 a.C.-?). No Capı´tulo 20 daremos outra bela demonstrac¸a˜o desse fato, usando
argumentos puramente geome´tricos.
E´ importante atentar para a forma de redigir uma demonstrac¸a˜o por absurdo. Muitas vezes, empregam-se
frases como Vamos supor que T na˜o ocorre..., Suponhamos ˜T , ..., e conclui-se com Dessa forma, chegamos a
um absurdo, logo H ocorre...
Em alguns casos os leitores podem encontrar uma demonstrac¸a˜o em que o me´todo por reduc¸a˜o a um absurdo
esteja sendo usado e o escritor nem informe que o esta´ usando. Nesse caso, o escritor esta´ considerando seus
leitores sabedores do que esta´ ocorrendo. Outras vezes, o escritor informa que ira´ usar o me´todo de reduc¸a˜o a um
absurdo logo no comec¸o da demonstrac¸a˜o.
16.3 Demonstrac¸a˜o Direta versus Demonstrac¸a˜o por Contradic¸a˜o
No me´todo da demonstrac¸a˜o direta, a hipo´tese fornece informac¸o˜es suficientes que permitem usa´-la para deduzir
diretamente a tese, nesse caso percebe-se o papel da hipo´tese e da tese no processo de demonstrac¸a˜o.
Certamente o me´todo direto e´ mais informativo, exibe diretamente a ligac¸a˜o da hipo´tese com a tese e vice-
versa. Trabalha-se com a hipo´tese, com a tese, e a demonstrac¸a˜o direta liga, como uma ponte, essas duas
sentenc¸as.
Quando na˜o houver outra alternativa de demonstrac¸a˜o ale´m do me´todo indireto, certamente a hipo´tese na˜o
fornece informac¸o˜es suficientes para deduzir diretamente a tese. Como e´ necessa´rio mais informac¸o˜es, recorre-se
a` hipo´tese adicional de contradic¸a˜o ˜T .
Os leitores teˆm o direito de sentir que o me´todo indireto transmite a sensac¸a˜o da demonstrac¸a˜o ter algum
“truque”, pois a ligac¸a˜o da hipo´tese com a tese na˜o e´ diretamente percebida, uma vez que com a ajuda da hipo´tese
prova-se uma contradic¸a˜o qualquer, que pode ser totalmente diferente da tese.
Passemos a parte mais te´cnica de nossa comparac¸a˜o. Ao demonstrar uma sentenc¸a ‘Se H , enta˜o T ’ usando
o me´todo direto, voceˆ tem a hipo´tese H e sabe perfeitamente o que deseja deduzir: a tese T . No me´todo de
demonstrac¸a˜o por contradic¸a˜o, voceˆ tem as hipo´teses H e ˜T e, a princı´pio, na˜o se sabe o que deduzir, onde
chegar,. Procura-se deduzir alguma contradic¸a˜o, mas na˜o se sabe, a priori, qual. Essa contradic¸a˜o pode ser
qualquer uma; em geral, a negac¸a˜o de algum fato bastante conhecido ou mesmo a negac¸a˜o da hipo´tese.
148
CAPI´TULO 16. O ABSURDO TEM SEU VALOR!
AS DEMONSTRAC¸O˜ES POR REDUC¸A˜O A UM ABSURDO
(b) Usando a mesma te´cnica anterior e o Exercı´cio 12-(e), dos Exercı´cios 6.1, demonstre que 3
√
4 e´
irracional.
(c) Como feito em (a), deˆ uma demonstrac¸a˜o de que
√
3√
2
e´ irracional. Certifique-se de que a mesma
demonstrac¸a˜o continua va´lida para os nu´meros
√
5√
11
,
√
5√
2
,
√
13√
7
,
√
17√
3
, etc.
Qual a propriedade que os nu´meros 2, 3, 5, 7, 11, 13 e 17 teˆm em comum?
Enuncie uma generalizac¸a˜o do resultado anterior e deˆ uma prova para ele.
(d) Usando o fato de que
√
2 e´ irracional, mostre a irracionalidade do nu´mero
√
3−√2.
(Dica: suponha
√
3−√2 = p
q
. Escrevendo
√
3 =
√
2 +
p
q
, eleve ambos os membros ao quadrado,
e....)
Deˆ uma generalizac¸a˜o desse resultado.
(e) Partindo do fato de que ja´ se conhec¸a a irracionalidade de
√
35 (o pro´ximo item garante a irraciona-
lidade de
√
35) e inspirando-se na dica fornecida para o exercı´cio anterior, prove que
√
5+
√
7 e´ um
nu´mero irracional.
Formule uma generalizac¸a˜o desse fato.
Usando que
√
5 +
√
7 e´ um nu´mero irracional prove que
1√
5−√7 e´ um nu´mero irracional. Gene-
ralize esse resultado.
Dica: racionalizac¸a˜o.
DEˆ UMA PAUSA PARA CONSTRUIR OS SEGUINTES EXEMPLOS: deˆ exemplos de dois nu´meros
irracionais, cuja soma seja um nu´mero irracional, de dois outros, cujo produto seja irracional, e de
mais dois outros, cujo quociente tambe´m seja um nu´mero irracional. Contraste esses exemplos com
os exemplos pedidos no final do Exercı´cio 12.
(f) Prove: se p e q sa˜o dois nu´meros primos distintos, enta˜o
√
pq e´ um nu´mero irracional.
Deˆ exemplos desse caso, ale´m do que aparece no item anterior.
Dica: use o Teorema 6.1.2.
16. NU´MEROS IRRACIONAIS ENVOLVENDO LOGARITMO
Alguns nu´meros que possuem logaritmos em suas expresso˜es podem fornecer exemplos de nu´meros
irracionais. Esse fato deve ser observado com a devida atenc¸a˜o, pois, em geral, os livros de Ensino Me´dio
so´ apresentam exemplos de nu´meros irracionais apenas envolvendo radicais − com excec¸a˜o, a`s vezes, de
pi e de e. Por isso, e´ natural os alunos terem a falsa impressa˜o de que nu´meros irracionais, diferentes de pi
e e, teˆm necessariamente radicais em suas expresso˜es.
Vejamos como modificar essa falsa impressa˜o.
(a) Prove a irracionalidade do nu´mero log3 10.
Dica: se log3 10 =
p
q
, enta˜o 3p = 10q, e use o Exercı´cio 12-(d), dos Exercı´cios 6.1.
(b) Usando a mesma te´cnica empregada no item (a), mostre que log1012 e´ um nu´mero irracional.
(c) Generalize os resultados (a) e (b) anteriores: prove que log10 2n5m, m,n inteiros, e´ um nu´mero
racional, se e somente se, n = m.
(d) De (c), deduza que log10 k, k inteiro positivo, e´ um nu´mero racional se, e somente se, k for da forma
. . . , 10−2, 10−1, 100, 101, 102, . . .
isto e´, k = 10m com m ∈ Z.
Portanto, ao usarmos uma calculadora ou uma tabela para encontrar o logaritmo decimal de um
nu´mero que na˜o esta´ na sequeˆncia acima, devemos perceber que o valor encontrado e´ um nu´mero
irracional e, portanto, e´ sempre aproximado!
156 CAPI´TULO 18. DEMONSTRAC¸O˜ES USANDO A CONTRAPOSITIVA
(Se H , enta˜o T )⇔( Se ˜T , enta˜o ˜H).
Pelo Princı´pio da Contrapositividade, como uma sentenc¸a implicativa e´ equivalente a` sua contrapositiva, a
implicac¸a˜o H ⇒ T sera´ va´lida se, e somente se, sua contrapositiva ˜T ⇒ ˜H for va´lida. Logo, se demonstrarmos
˜T ⇒ ˜H , temos assegurada a validade de H ⇒ T , e reciprocamente. O me´todo de demonstrac¸a˜o usando a
contrapositiva baseia-se em demonstrar ˜T ⇒ ˜H para assegurar a validade da sentenc¸a H ⇒ T . O mesmo vale
para sentenc¸as condicionais.
Exemplo 18.1.1
A sentenc¸a condicional, apresentada como o teorema a seguir
Teorema 18.1.1 Se a ≥ 0 e a < ε, ∀ε > 0, enta˜o a = 0.
tem como contrapositiva a sentenc¸a condicional
Se a 6= 0, enta˜o a < 0 ou existe um nu´mero ε0 > 0, tal que a ≥ ε0,
pois nesse caso,
H: a ≥ 0 e a < ε, ∀ε > 0; T : a = 0; ˜H : a < 0 ou a ≥ ε0, para algum ε0 > 0; ˜T : a 6= 0.
Vamos admitir ˜T , ou seja, que a 6= 0 e devemos deduzir ˜H , que em nosso caso e´ a sentenc¸a disjuntiva
‘a < 0 ou a ≥ ε0, para algum ε0 > 0’. A demonstrac¸a˜o de sentenc¸as do tipo H ⇒ T1 ou T2 ja´ foi vista na
Subsec¸a˜o 15.4.3.
Demonstrac¸a˜o: ora, como a 6= 0, temos a < 0 ou a > 0. Se a < 0, chegamos a um caso da negac¸a˜o da
hipo´tese, e, portanto, a demonstrac¸a˜o esta´ encerrada. Se a > 0, basta considerar (por exemplo) ε0 =
a
2
> 0, que
temos a ≥ ε0, para algum ε0 > 0, que e´ o outro caso da negac¸a˜o da hipo´tese. C.Q.D.
Como se pode observar, o me´todo de demonstrac¸a˜o usando a contrapositiva e´ um outro me´todo de demonstrac¸a˜o
indireta, ja´ que provar H ⇒ T , reduz-se a provar a implicac¸a˜o ˜T ⇒ ˜H .
Conve´m observar que, a`s vezes, e´ mais fa´cil, ou mais conveniente, provar a contrapositiva de uma sentenc¸a
do que provar a pro´pria sentenc¸a. O exemplo anterior ilustra esse fato.
Pertinentemente, algue´m poderia perguntar: em vez de apresentar a sentenc¸a, por que na˜o apresentar sua
contrapositiva, ja´ que e´ ela que vai ser demonstrada? Nesses casos, a apresentac¸a˜o da sentenc¸a em sua forma
original e´ mais u´til e, muitas vezes, tem uma forma mais “agrada´vel” de ser apresentada do que a da sua contra-
positiva.
18.2 O me´todo de reduc¸a˜o a um absurdo versus o me´todo de de-
monstrac¸a˜o usando a contrapositiva
Primeiramente, observe que o me´todo de demonstrac¸a˜o de uma sentenc¸a implicativa H ⇒ T , usando a contra-
positiva, pode ser considerado um me´todo de reduc¸a˜o a um absurdo, no qual o absurdo que se deseja deduzir e´
conhecido: H ∧ ˜H . Assim, diferentemente do me´todo de reduc¸a˜o ao absurdo original, no qual geralmente na˜o
se sabe qual a contradic¸a˜o que se deseja chegar, no me´todo usando a contrapositiva, o absurdo a ser encontrado e´
conhecido, que e´ justamente a negac¸a˜o da hipo´tese.
19.1. TRABALHANDO COM DEMONSTRAC¸O˜ES EM UM MODELO AXIOMA´TICO 161
COMENTA´RIOS:
1. Os axiomas anteriores constituem um conjunto com o menor nu´mero de axiomas com o qual se pode provar
todas as propriedades conhecidas de adic¸a˜o e de multiplicac¸a˜o de nu´meros reais. Observamos tambe´m que
nenhum desses axiomas pode ser deduzido dos demais.
2. Adicionamos o comenta´rio apo´s o axioma (A2), pois, a princı´pio, nada garante que o elemento neutro
da adic¸a˜o seja u´nico. Essa unicidade e´ uma das primeiras consequeˆncias decorrentes dos axiomas, e a
provaremos a seguir.
Proposic¸a˜o 19.1.1 O elemento neutro da adic¸a˜o de nu´meros reais e´ u´nico.
(Hipo´tese: ξ e ξ′ satisfazem (A2)
Tese: ξ = ξ′)
Demonstrac¸a˜o: Caso existissem dois elementos neutros da adic¸a˜o, digamos, ξ e ξ′, ambos deveriam
satisfazer (A2):
x+ ξ′ = ξ′ + x = x
e
x+ ξ = ξ + x = x,
para todo nu´mero real x. Em particular, considerando x = ξ nas duas primeiras igualdades, e x = ξ′ nas
duas u´ltimas., resulta
ξ + ξ′ = ξ′ + ξ = ξ e ξ′ + ξ = ξ + ξ′ = ξ′.
Das igualdades anteriores e da propriedade comutativa (A4) seguem as igualdades
ξ = ξ′ + ξ = ξ + ξ′ = ξ′,
garantindo a unicidade do elemento neutro da adic¸a˜o. C.Q.D.
Agora sim, podemos denotar esse elemento. E, como ja´ dissemos, para preservar a tradic¸a˜o, a notac¸a˜o na˜o
poderia ser diferente de ξ = 0.
3. Ana´logo ao caso anterior, cada nu´mero real possui um u´nico inverso aditivo, isto e´, para cada nu´mero real
x, so´ existe um u´nico nu´mero real y, tal que (A3) vale.
Proposic¸a˜o 19.1.2 Cada nu´mero real possui um u´nico elemento sime´trico aditivo.
(Hipo´tese: dado x real suponha que (A3) seja satisfeito por y e y′.
Tese:y = y′)
Demonstrac¸a˜o: Com efeito, caso algum nu´mero real x tivesse dois elementos inversos da adic¸a˜o, digamos,
y e y′, ambos deveriam satisfazer (A3):
(h.1) x+ y = y + x = 0 (hipo´tese)
e
(h.2) x+ y′ = y′ + x = 0 (hipo´tese).
Temos enta˜o1:
y
(A2)
= y + 0
(h.2)
= y + (x+ y′)
(A1)
= (y + x) + y′
(h.1)
= 0 + y′
(A2)
= y′. C.Q.D.
Como acabamos de provar que cada nu´mero real x possui um u´nico inverso aditivo, podemos agora denota´-
lo, e o faremos usando o sı´mbolo −x.
1A validade de cada igualdade que segue e´ justificada pela refereˆncia acima de cada uma delas. Adotaremos essa
convenc¸a˜o a partir desse ponto.
168 CAPI´TULO 20. DEMONSTRAC¸O˜ES COM O AUXI´LIO DE FIGURAS
α
β
b c
a b
a
α
β
c
Figura 20.1: Figura de um trape´zio usada para demonstrar o Teorema de Pita´goras.
(
a+ b
2
)
× (a+ b) = ab
2
+
ab
2
+
c2
2
,
e fazendo as devidas simplificac¸o˜es, encontra-se
a2 + b2 = c2. C.Q.D.
O segundo exemplo, usando figuras e argumentos geome´tricos, tambe´m simples e inteligentes, e´ uma belı´ssima
demonstrac¸a˜o da irracionalidade de
√
2, bem ao modelo da demonstrac¸a˜o da incomensurabilidade entre a diago-
nal e o lado de um quadrado (ou seja, que
√
2 6∈ Q) dada pelos antigos gregos (vide [de Souza A´vila, 1998] ou
[Eves, 2004]).
OUTRA DEMONSTRAC¸A˜O DA IRRACIONALIDADE DE
√
2 :
(A demonstrac¸a˜o e´ devida a Apostol. Vide [Apostol, ])
Suponha, por absurdo, que
√
2 seja racional e possa ser escrito como
√
2 =
p
q
, com p e q inteiros positivos.
Logo,
p
q
e´ a hipotenusa de um triaˆngulo retaˆngulo de catetos medindo 1. Multiplicando os comprimentos dos
lados desse triaˆngulo por q, encontramos um novo triaˆngulo retaˆngulo 4ABC com hipotenusa de comprimento
p e catetos de comprimentos q (Figura 20.2, na pro´xima pa´gina). Nosso trabalho, a partir desse ponto, e´ provar
que na˜o pode existir um triaˆngulo desse tipo: iso´sceles com lados de comprimentos inteiros.
p
q
1
1
B
C AE
D
p
q
q
Figura 20.2: Uma bela demonstrac¸a˜o atual, a` la Gre´cia Antiga, da irracionalidade de
√
2. Diferentemente do que fizemos
no Capı´tulo 16, essa demonstrac¸a˜o utiliza argumentos puramente geome´tricos.
Trac¸ando uma circunfereˆncia de centro no ponto B e raio BC, ela corta o lado AB no ponto D. Observe que
AD e´ um segmento de comprimento inteiro valendo p− q. Baixe por D uma perpendicular ao lado AB, que toca
o lado AC no ponto E. Como os triaˆngulos4EDB e4EBC sa˜o congruentes (por queˆ?), o lado EC e´ coˆngruo
ao lado DE. E´ imediato que os lados DE e AD tambe´m sa˜o coˆngruos e, pela congrueˆncia anterior, o lado EC
mede p− q. Logo, o comprimento do lado AE e´ tambe´m inteiro, valendo q − (p− q) = 2q − p. Dessa forma, o
triaˆngulo4ADE e´ um triaˆngulo retaˆngulo iso´sceles, cujas medidas dos lados ainda sa˜o nu´meros inteiros.
Podemos repetir os mesmos argumentos anteriores, agora, para o triaˆngulo 4ADE, encontrando um outro
triaˆngulo com as mesmas propriedades dos triaˆngulos4ABC e4ADE: sempre triaˆngulos retaˆngulos iso´sceles
176
CAPI´TULO 21. DEMONSTRAC¸O˜ES POR INDUC¸A˜O.
O ME´TODO INDUTIVO E O ME´TODO DEDUTIVO
5. Deˆ duas demonstrac¸o˜es distintas de que a soma dos n primeiros nu´meros naturais e´
n(n+ 1)
2
.
6. TEMA PARA ANA´LISE: suponha que P (n) seja a proposic¸a˜o (falsa):
1 + 2 + 3 + . . .+ (n− 1) + n = 1
8
(2n+ 1)2.
(a) Mostre que se P (k) for va´lido para algum k, enta˜o P (k + 1) e´ va´lido.
(b) Ora, isso garante uma demonstrac¸a˜o para a identidade acima? O que esta´ havendo?
(c) Tire uma boa observac¸a˜o desse fato.
7. Suponha que tenha sido provado o seguinte resultado
O produto de dois nu´meros terminados em 6 tambe´m termina em 6.
Usando esse resultado e o Princı´pio de Induc¸a˜o, mostre que se o nu´mero a termina em 6, enta˜o an tambe´m
termina em 6, para todo n ∈ N.
8. Prove indutivamente que entre dois nu´meros racionais distintos existem uma infinidade de nu´meros racio-
nais. Interprete na reta real esse resultado. O resultado vale para dois nu´meros irracionais?
9. (Uma interessante aplicac¸a˜o do Princı´pio de Induc¸a˜o:) Joa˜o Pedro vai organizar seus CD’s em uma prate-
leira. Ele possui apenas CD’s de mu´sica cla´ssica e CD’s de mu´sica popular. Organizado e ecle´tico, Joa˜o
Pedro decide enfileirar seus CD’s de forma que durante a arrumac¸a˜o o primeiro CD seja sempre de mu´sica
cla´ssica e o u´ltimo de mu´sica popular. Maria Ju´lia afirma que da maneira em que os CD’s esta˜o sendo
arrumados, havera´ sempre, entre o primeiro e o u´ltimo CD, um CD de mu´sica popular a ficar logo atra´s de
um de mu´sica cla´ssica. Justifique matematicamente a afirmac¸a˜o da Maria.
10. Vejamos um algoritmo, definido por recorreˆncia, usado para encontrar valores aproximados de pi. Consi-
dere as sequeˆncias abaixo
xn−1 =
1
2
[√
xn +
1√
xn
]
, yn+1 =
yn
√
xn +
1√
xn
yn + 1
e pin+1 =
xn + 1
yn + 1
pin,
onde as condic¸o˜es iniciais sa˜o dadas por
x0 =
1√
2
, y0 = 0 e pi0 = 2.
Esse algoritmo converge muito rapidamente. Com 4 passos voceˆ pode verificar a igualdade
pi4 = 3, 14159265358976,
uma aproximac¸a˜o fabulosa, com 14 casas decimais corretas! Que tal verificar a u´ltima igualdade?
[Bongiovanni and Watanabe, 1991].
11. INTERESSANTE PROVA DA EXISTEˆNCIA DE INFINITOS NU´MEROS PRIMOS:
Euclides, nos Elementos, deu o que parece ter sido a primeira demonstrac¸a˜o da existeˆncia de infinitos
nu´meros primos. A demonstrac¸a˜o de Euclides usa reduc¸a˜o ao absurdo e esta´ no Exercı´cio 2, dos Exercı´cios
16.1. Agora, a partir de uma identidade provada por induc¸a˜o, vamos dar outra demonstrac¸a˜o desse fato,
dessa vez, uma demonstrac¸a˜o na˜o-construtı´vel e usando o me´todo direto.
Em [Ribenboim, 2001], os interessados podera˜o encontrar oito demonstrac¸o˜es diferentes de que exis-
tem infinitos primos. Conhecendo essas demonstrac¸o˜es voceˆ podera´ escolher a sua preferida.
Para fazer a demonstrac¸a˜o de que existem infinitos nu´meros primos, siga os passos:
i) Prove, usando Induc¸a˜o, que os nu´meros de Fermat Fn = 22
n
+ 1 (vide Texto Adicional de Leitura-1,
na pa´gina www.fabricadeensino.com.br) gozam da seguinte propriedade
F0F1F2 . . . Fn−1 + 2 = Fn, (21.3)
182 CAPI´TULO 22. SOFISMAS, O CUIDADO COM OS AUTOENGANOS E COM OS ENGANADORES!
Figura 22.3: Figura referente ao Exercı´cio 8. Uma “obra-de-arte”, feita apenas para enganar. Esse “paradoxo”, inventado
em 1953 por um ma´gico amador, Paul Curry, de Nova Iorque, e´ uma variac¸a˜o de um outro, chamado “Paradoxo” de Hooper,
que ja´ aparecera em 1794 ([Gardner, 1956], p.131).
Figura 22.4: Figuras referentes ao Exercı´cio 9. Esse “paradoxo”, tambe´m uma variac¸a˜o do “Paradoxo” de Hooper,
apareceu em 1868 ou em 1858, em livros de recreac¸a˜o matema´tica ([Gardner, 1956], p.133).
e´ 64, enquanto a do segundo retaˆngulo e´ 65. Ganhou-se, portanto, uma unidade de a´rea ao rearrumar as
figuras!!! O que houve???
Veja que interessante: do mesmo modo que trabalhamos com o par de nu´meros (5, 8), a mesma ideia con-
tinuaria valendo, caso substituı´ssemos esse par pelos pares de nu´meros (8, 13 = 5+8), (13, 21 = 8+13),
(21, 24 = 13 + 21), e assim por diante. Para quem conhece, a famosa sequeˆncia de Fibonacci (c.1175-
1250): 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21,
34, ... aparece nos pares acima. Cada termo da sequeˆncia, a partir do terceiro, e´ a soma dos dois an-
teriores.
10. Detecte os erros nas “demonstrac¸o˜es” a seguir.
(a) Define-se o ma´ximo de dois nu´meros a, b como
max(a, b) =
{
a, se a ≥ b
b, se b ≥ a.
EXEMPLO: max(3, 2) = 3, max(1, 234) = 234, max(2010, 2010) = 2010.
“Teorema”: Sejam a e b nu´meros naturais. Se max(a, b) = n, n ∈ N, enta˜o a = b.
“Demonstrac¸a˜o”: Usaremos induc¸a˜o em n.
i) Suponha max(a, b) = 1. Nesse caso, tem-se necessariamente a = b = 1, e o teorema vale para
n = 1.
ii) Suponha o teorema va´lido para n = k, k > 1:
x, y ∈ N,max(x, y) = k, enta˜o x = y.
iii) Provemos que o teorema vale para n = k + 1:
Se max(a, b) = k + 1, definindo x+ 1 = a e y + 1 = b, e´ imediato que max(x, y) = k. Pelo Item
(ii), tem-se necessariamente a igualdade x = y, donde a = b. C.Q.D.

Continue navegando