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Fundação Centro de Ciências e Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro Universidade Federal Fluminense Curso de Licenciatura em Letras- UFF / CEDERJ Disciplina: Linguística III Coordenadora: Profª Silmara Dela Silva Avaliação PRESENCIAL 2 - 2013/1 Aluno(a): _______________________________________________________ Polo: __________________________ Matrícula ________________ Nota: _______________ Instruções: Escreva à tinta (azul ou preta) e com a maior legibilidade possível. Não escreva em tópicos. Escreva um texto coerente e coeso, em registro linguístico compatível com o trabalho acadêmico formal. A folha de perguntas deve ser devolvida junto com as respostas. Boa prova! 1. Com base no fragmento textual a seguir, discorra sobre a proposta da análise de discurso de linha francesa para os estudos de linguagem, abordando as noções de discurso, sujeito e ideologia nessa perspectiva teórica. (25 pontos) “A escola francesa de análise do discurso (de agora em diante AD) se apresenta como sendo uma teoria crítica da linguagem, constituindo uma disciplina que, por se situar no entremeio das ciências sociais humanas, encontra-se sempre reinvestigando os fundamentos de seu campo de conhecimento: as relações entre a linguagem, a história, a sociedade e a ideologia, a produção de sentidos e a noção de sujeito.” (MARIANI, B.S.C. O PCB e a imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais (1922-1989). Rio de Janeiro: Revan; Campinas-SP: Unicamp, 1998. p. 23). Como afirma Bethania Mariani, no fragmento textual apresentado, a análise de discurso de linha francesa constitui-se como ciência no entremeio, entre a linguística estruturalista e as ciências sociais, interessando-se pelo modo como a linguagem produz sentidos. Assim, a análise de discurso é uma disciplina de interpretação, que coloca em cena a relação entre a linguagem, a história e os sujeitos. O seu objeto de estudos é o discurso, compreendido, conforme Pêcheux, como “efeitos de sentido entre interlocutores”. A análise de discurso entende que os sentidos estão sempre em curso e se constituem em relação à língua, aos sujeitos e às condições sócio-históricas em que o dizer se inscreve. Ao tratar dos sujeitos, essa perspectiva teórica o concebe não como um indivíduo, mas como uma posição discursiva, um “lugar” determinado pela ideologia. A ideologia, por sua vez, também é compreendida de um modo bem particular na análise de discurso de linha francesa: como um mecanismo de produção de evidências, de naturalização dos sentidos. É também a ideologia que promove a interpelação dos indivíduos em sujeitos. 2. Utilize as duas capas da revista Cláudia expostas a seguir, que circularam na década de 1960 e no ano de 2008, respectivamente, para responder às questões a e b: a) Apresente a noção teórica de condições de produção na análise de discurso de linha francesa, mostrando o seu funcionamento na constituição de sentidos nas duas capas de revista. (15 pontos) b) Explique o que são as formações imaginárias e comente sobre a formação imaginária da mulher presente nas duas capas, apontando as marcas textuais que sustentam a sua análise. (15 pontos) a) As condições de produção do discurso compreendem tanto as circunstâncias imediatas do dizer (o aqui-agora enunciativo) como o contexto sócio-histórico que o determina. Também compõem as condições de produção, o sujeito enquanto uma posição discursiva e a memória do dizer (o interdiscurso). As duas capas da revista feminina Cláudia, apresentadas para análise, são um exemplo de como diferentes contextos históricos determinam diferentes efeitos de sentido, no caso, sobre a mulher e o feminino em nossa sociedade. Na primeira capa, com circulação na década de 1960, os dizeres sobre a mulher tematizam a sua relação com o lar (o que se observa pela expressão “O lar dos seus sonhos”, em destaque na capa) e com a moda (marcada na expressão “A moda de Cláudia”). Esse efeito de sentido de proximidade entre a mulher e a cena doméstica é decorrente das posições sociais atribuídas à mulher naquele momento histórico: uma mulher que, de um modo geral, tinha as suas atribuições restritas ao cuidado do lar e da família. Outros efeitos de sentido podem ser observados na capa da mesma revista, com circulação no ano de 2008. Nesse caso, a menção a “doenças sexualmente transmissíveis”, por exemplo, e o título “Xô, homem errado”, em destaque na página, apontam para outras posições femininas, na relação com a sexualidade e na possibilidade de troca de parceiros nos relacionamentos afetivos. Esses outros efeitos de sentido são possíveis porque a posição da mulher não é mais a mesma nesse novo período histórico. 2. b) As formações imaginárias são compreendidas na análise de discurso como projeções no discurso das posições sociais ocupadas pelos sujeitos. As formações imaginárias são as imagens que o sujeito faz de si mesmo, do outro a quem se dirige e daquilo sobre o que fala, e que não decorrem de uma impressão particular do sujeito, mas de enunciações anteriores. Nas duas capas da revista Cláudia, podemos observar diferentes formações imaginárias para a mulher, em contextos sócio-históricos distintos (na década de 1960 e na atualidade). Uma marca que podemos tomar para análise são as mulheres retratadas em cada capa. Enquanto na capa com circulação na década de 1960 temos uma ilustração de uma mulher, maquiada, de unhas feitas, e com vestes recatadas, na capa do ano de 2008, temos uma fotografia de uma artista famosa, que olha diretamente para a câmera, com o ombro nu em destaque. Os efeitos de sentido produzidos em cada caso são diferentes. No primeiro, o olhar que não “encara” o leitor e a roupa que não deixa o corpo à mostra apontam para a formação imaginária de uma mulher recatada, que se dedicada ao cuidado de si e dos seus familiares (o que se marca na expressão “O lar dos seus sonhos”). No segundo, o olhar direto da cantora Ivete Sangalo e a exibição de seu corpo marcam a imagem de uma mulher decidida e poderosa (o que se observa, por exemplo, no título “O verdadeiro poder das mulheres”), na lateral da capa. Mas também podemos observar que, apesar dessas diferenças, a formação imaginária da mulher permanece a mesma em alguns pontos: o interesse pela beleza e pela moda, e o cuidado com a família, por exemplo, estão presentes nas duas capas, mantendo-se como um domínio do feminino, o que indica que a formação imaginária da mulher feita pela revista Cláudia não mudou tanto assim em quase cinco décadas. 3. Utilize a tirinha a seguir para discorrer sobre o funcionamento do discurso, com base nos processos de paráfrase e polissemia, conforme proposto pela análise de discurso de orientação francesa. (20 pontos) Níquel Náusea – Tiras do baú (n° 14) De acordo com a perspectiva teórica da análise de discurso, todo discurso funciona na relação entre dizeres que se repetem e dizeres outros, que promovem deslizamentos de sentidos. Na paráfrase, temos o domínio da repetição dos dizeres, da reiteração dos sentidos. Já na polissemia, o que vemos é o deslizamento, a ruptura, a possibilidade do comparecimento de sentidos outros. É na tensão entre paráfrase e polissemia que os sentidos se constituem, uma vez que não há sentido sem a retomada; do mesmo modo, o sujeito não está condenado à mera repetição: os sentidos se movimentam, são (re)significados. No caso da tirinha do Níquel Náusea, podemos observar a retomada de ditados populares bastante conhecidos (como: “Em terra de cego, quem tem um olho érei” e “Mais vale um pássaro na mão que dois voando”), (re)significados para o contexto da barata, personagem da tirinha. No caso desses dois provérbios, no entanto, há uma tendência à paráfrase, pois os sentidos se mantêm. É no terceiro quadro da tirinha que a polissemia se marca, na expressão “filosofia barata”, que tanto pode se referir aos devaneios filosóficos da barata, em sua retomada dos provérbios, como qualificar o tipo de filosofia em questão, como bastante ordinária. É na relação entre paráfrase e polissemia que a tirinha produz o seu efeito de humor. 4. Leia o fragmento textual a seguir, extraído do livro de Eni Orlandi, As formas do silêncio. Depois observe alguns dos versos da música Você só pensa em grana, de Zeca Baleiro e responda: como se pode depreender, na materialidade linguística da música, o funcionamento da interdição ao dizer? Aponte ao menos dois exemplos de marcas linguísticas que permitem constatar o funcionamento do silêncio local neste fragmento analisado. (25 pontos) “A censura tal como a definimos é a interdição da inscrição do sujeito em formações discursivas determinadas, isto é, proíbem-se certos sentidos porque se impede o sujeito de ocupar certos lugares, certas posições. (...) Desse modo, impede-se que o sujeito, na relação com o dizível, se identifique com certas regiões do dizer pelas quais ele se representa como (socialmente) responsável, como autor.” (ORLANDI, 2007, p. 104) Você só pensa em grana – Zeca Baleiro Você só pensa em grana meu amor você só quer saber quanto custou a minha roupa custou a minha roupa você só quer saber quando que eu vou trocar meu carro novo por um novo carro novo um novo carro novo meu amor você rasga os poemas que eu te dou mas nunca vi você rasgar dinheiro você vai me jurar eterno amor se eu comprar um dia o mundo inteiro [...] Na análise de discurso, uma das formas de se considerar o silêncio em sua relação com a linguagem é pelo que Eni Orlandi nomeia silêncio local. O silêncio local funciona pela censura, pela interdição ao dizer. Interditar o dizer significa impedir que certos sentidos apareçam, o que tanto pode se dar pelo impedimento a um dizer específico, como pela insistência em um único dizer, já que, como nos diz Orlandi, ao dizer “x”, o sujeito fica impedido de dizer “y”. No fragmento da letra da música “Você só pensa em grana”, de Zeca Baleiro, podemos observar um exemplo da interdição ao dizer. Nos versos, temos o eu lírico que atribui ao outro a quem se dirige a produção de um único sentido, o que se marca no termo “só”, no verso que dá título à canção. No fio do discurso, temos marcas como “trocar meu carro novo/ por um novo carro novo”, que apontam a identificação desse sujeito com uma formação discursiva consumista. Ao insistir nesses sentidos, o sujeito impede que outros sentidos apareçam, como a relação romântica, por exemplo, como podemos observar no verso: “você rasga os poemas que eu te dou”.
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