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ARTIGO_DIREITOS DE VIZINHANÇA

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DIREITOS DE VIZINHANÇA
André Luiz Martins Martínez 1
Resumo: Este artigo trata sobre o tema dos Direitos de Vizinhança e as considerações acerca das relações entre os indivíduos e o seu resultado. É feita uma análise desta questão através de uma pesquisa bibliográfica, de fontes secundárias, das considerações doutrinárias das correntes de pensamento que ponderam sobre a necessária convivência em proximidade das pessoas, quer seja em moradias ou estabelecimentos comerciais individuais como também nos agrupamentos de propriedades denominados de condomínio e todas as regras que regem a dinâmica deste convívio, assim como também as implicações de responsabilidades ambientais. Por fim, é feito um apanhado geral e conclusão do atual panorama desta problemática em nossa atualidade, tecendo as considerações que se formam sobre o tema abordado na delicada tarefa dos juristas em identificar a fina linha divisória entre o uso adequado e inadequado da propriedade em relação ao interesse coletivo. Conclui-se que a solução mais correta pode ser equilibrar as ponderações de normal e anormal, definindo um meio termo para as partes interessadas, promovendo assim a convivência em sociedade com respeito e tolerância.
Palavras-chave: Direito Civil. Direito Imobiliário. Direito das Coisas. Direito Ambiental. Direito de Vizinhança.
1 INTRODUÇÃO - CONCEITO E EVOLUÇÃO
Esta análise pretende descrever as muitas possibilidades de problemas existentes nesta categoria de relação jurídica, assim como também equacionar suas possíveis soluções com base na legislação brasileira vigente, iniciando na pesquisa bibliográfica histórica das tradições oriundas do direito romano antigo, passando pela evolução do Direito na idade moderna, sofrendo inúmeras transformações e enriquecimentos e por fim chegando aos dias atuais carregado de grande bagagem de experiência e conhecimento com a nobre missão de regular o convívio das pessoas em seu dia a dia, em especial as que se estabelecem em moradias muito próximas umas das outras.
É sabido que na atualidade o ser humano enfrenta, em uma crescente exponencial, a dificuldade da explosão demográfica humana que ameaça o planeta e também sua futura sobrevivência. Logo é de conhecimento geral que a necessidade de convívio pacífico com tolerância, participação e colaboração tenham êxito para que a distribuição dos espaços possa suprir as diversas demandas e necessidades que este imenso e crescente volume de seres exige e exigirá do meio ambiente. Neste contexto fica inserido o ordenamento jurídico brasileiro, através da Lei 10.406/2002, o Código Civil, especialmente o seu capítulo V, a ditar e regular as regras aplicáveis ao universo das relações de vizinhança e a ocupação dos espaços.
A conceituação dos direitos de vizinhança então apoia-se na ideia de regras que regulam e limitam os direitos de propriedade até o ponto onde poderiam afetar negativamente o vizinho deste proprietário. O objetivo principal é cercear os possíveis atos prejudiciais que venham a ser realizados pelo morador da propriedade contígua à do morador, possuidor ou proprietário que se sinta lesado ou obstruído em seus direitos. Havendo tais regras, pode-se garantir a inviolabilidade pessoal do direito de uso e gozo da propriedade, evitando ou reprimindo atos ilegais, quando configurar um ilícito, e abusivos, que mesmo causando incômodo estão dentro dos limites da propriedade e os lesivos, que causam dano ao vizinho sem incorrer em uso anormal da propriedade, por exemplo, a emissão de fuligem por uma fábrica.
Os primórdios desta legislação remonta o direito romano e a Lei das Doze Tábuas, mais precisamente as tábuas sexta e oitava, que versam sobre os direitos da propriedade e da posse e os direitos prediais, respectivamente. Nesta última, mais especificamente, tratava-se sobre vários direitos ainda hoje apontados no capítulo V do Código Civil Brasileiro de 2002, como por exemplo o uso nocivo da propriedade, águas, limites entre prédios, entre outros. Estas leis acabaram influenciando, séculos mais tarde, uma grande compilação literária jurídica conhecida pelo nome de Corpus Juris Civilis, realizada por Justiniano, imperador do Império Romano do Oriente, sediado em Constantinopla, hoje Stambul capital da Turquia. Esta compilação não só preservou o teor literário jurídico criado na antiga Roma, como também influenciou fortemente as escolas do Direito nos séculos seguintes, até os dias atuais. No Brasil, estas tradições jurídicas foram trazidas pelas Ordenações Filipinas, onde já se estabelecia limites para o uso da propriedade.
Como será visto adiante, a aplicação do Direito de Vizinhança é abrangente e extremamente necessária e importante para regrar a vida na sociedade, assim como também possui uma tradição jurídica muito sólida, regendo as relações cotidianas dos homens e suas atividades de convivência. Na atualidade, com o surgimento das edificações verticais, apartamentos, moradias uma sobre a outra, enfim, toda a maneira de aproximação por necessidade das residencias, a proteção desses direitos tornam-se de extrema importância para a manutenção da ordem e civilidade do convívio social.
2 OS SEIS PRINCIPAIS DIREITOS DE VIZINHANÇA
2.1 Direito de construir
Segundo o artigo 1.299 do Código Civil, "o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos". O que vale dizer que o proprietário deve ressarcir seu vizinho por eventuais danos causados por sua construção, podendo este último utilizar-se da ação de indenização, onde poderá provar o dano gerado e seu nexo causal com a construção. Existe uma liberdade irrestrita em construir, porém os limites estão exatamente onde se inicia a criação de problemas para as demais pessoas próximas, resguardadas também as regras municipais que controlam estas atividades e o plano diretor da cidade. É importante também frisar que os responsáveis técnicos pela obra, engenheiros, arquitetos, etc., também respondem solidariamente como coautores, devido à implicação de que são especialistas habilitados para estas funções. Neste caso o proprietário que gerou o dano, ao responder sozinho juridicamente pelo fato, pode também ingressar com ação de regresso contra os técnicos responsáveis.
2.2 Limites em prédios
Este outro item apontado pelo legislador, abordado especialmente nos artigos 1.297 e 1.298 do Código Civil, traz à vigência um aperfeiçoamento do antigo Código Civil de 1916. Este aperfeiçoamento surge das características detalhadas do uso dos direitos que podem ser exercidos na relação de vizinhança, e especificamente no tocante às divisas limítrofes das propriedades, como claramente explana FIUZA2: 
Este artigo disciplina o direito de tapagem, que pode ser definido como o poder que tem o proprietário de vedar o seu prédio, urbano ou rural. Os tapumes sempre se presumem comuns, e, em havendo danos, sua reparação é obrigatória. Qualquer das formas de divisão previstas no § 1o pertencem a ambos os proprietários dos terrenos 
vizinhos. sendo obrigação deles, conforme o costume local, arcar com todas as despesas advindas dessas divisórias. As cercas vivas, elencadas no § 2o , só podem ser podadas ou arrancadas com a concordância dos dois vizinhos. A construção de tapumes especiais, prevista no § 3o, será suportada pelo vizinho que provocou a necessidade da construção. O artigo em exame é a compatibilização dos arts. 569, 571 e 588 do Código Civil de 1916. Aprimorou-se sua redação e é, tecnicamente, mais bem apresentado. Deve ser dado a ele o mesmo tratamento dispensado àqueles . 
Quando houver confusão entre os limites, ela se resolverá sempre em favor do possuidor de boa-fé e mais antigo (JTJSP, 143/113). 
A regra é idêntica à do art. 570 do Código Civil de 1916, devendo a ela ser dado o mesmo tratamento doutrinário.
(FIUZA et al, 2008, p. 597)
Desta forma foi contemplada com objetividade a clareza necessária para dirimir estas questões, fonte de muitos conflitos e que agora
não fica dúvida alguma para todos como se pode proceder nas divisas de propriedades, a fim de promover o equilíbrio das relações sociais. Como dentro do conceito fundamental dos Direitos de Vizinhança, vê-se a convivência contraditória dos limites do conflito de interesses com o exercício da propriedade atendendo à função social que se destina. Os proprietários sendo próximos, necessitam coexistir no mesmo espaço em conjunto, cada um em sua área circunscrita e dessa forma exercer a solidariedade e a boa fé entre vizinhos. A lei existe para amparar esta condição.
2.3 Águas
Devido à importância que a água tem para a manutenção da vida de um modo geral e para a satisfação das necessidades humanas, este tópico dos direitos de vizinhança deve ser tratado com a importância e zelo que merece o tema. Este é sem dúvida alguma um dos recursos naturais mais preciosos de que dispõem o homem na atualidade e surge dai a necessidade de haver normas reguladoras dos usos desses bens. Nos ensinamentos de Maria Helena DINIZ3, vemos:
"A norma jurídica se atém, obviamente, à conformação do solo e a lei da gravidade, segundo a qual as águas, sejam elas pluviais ou nascentes, correm naturalmente de cima para baixo. Logo, por ser esse fato uma lei da natureza, o proprietário do prédio inferior terá, obrigatoriamente, que receber águas procedentes do prédio superior, incluindo-se nesse ônus as águas advindas de derretimento da neve ou do gelo, excluindo-se, é claro, as águas extraídas de poços, piscinas ou reservatórios, as oriundas de fábricas ou usinas, as elevadas artificialmente e as que caem dos tetos das casas."
(DINIZ, 2004, p. 264)
O homem ao instalar-se nos terrenos, encontra naturalmente os obstáculos e conformações do solo que ali sempre existiram. Esta característica somada ao exercício de seus direitos, condiciona os homens à necessidade de coexistir com um problema em comum a ser solucionado. O Código Civil em seus artigos 1.288 à 1.296 abordam este tema com a devida propriedade, no sentido de regrar as ações e responsabilidades dos moradores, para a manutenção do movimento natural das águas e o que fazer para que o eventual problema gerado por este movimento não criem prejuízos e infortúnios aos ocupantes vizinhos.
2.4 Passagem forçada
Trata-se do direito que possui a propriedade que tem uma limitação natural de acesso à via pública, nascente ou porto, em proceder a aquisição de espaço relativo à passagem necessária a estas vias, mediante indenização onerosa pecuniária ao proprietário do espaço de será utilizado como passagem. Esta possibilidade de passagem é fornecida aos proprietários de terrenos encravados de maneira natural, através das circunstâncias de que outras propriedades foram o fechando em redor. Este direito de passagem está fundamentado essencialmente sobre o princípio da solidariedade social que preside as relações de vizinhança e no fato de ter a propriedade uma função econômico-social que interessa à coletividade (DINIZ, 2004, p. 261). Desta forma observa-se que o objetivo aqui é não permitir a exclusão da propriedade, e consequentemente seu dono de participar das atividades da coletividade e ser uma fonte geradora de bem estar social.
A passagem forçada, diferente da servidão, é onerosa e existirá enquanto persistir a necessidade de passagem para a via pública. Finda essa necessidade, por exemplo, ao abrir-se uma rua nova que permita acesso direto, a passagem forçada extingue-se naturalmente.
Da mesma forma que a necessidade de passagem e acesso à propriedade, existe também a a passagem forçada de cabos e tubulações, aéreos ou subterrâneos, para a passagem de energia, comunicação, esgotos pluviais, água, etc. Todas estas necessidades podem incidir sobre a propriedade vizinha caso o acesso a esses bens e serviços sejam impossíveis ou por demais oneroso por parte da propriedade encravada. Logo, a passagem forçada possui esse caráter de onerosidade, porque se trata de algo que é cedido em definitivo, até sua extinção, como tal se fosse uma aquisição e incorporação da área à propriedade e que por tal, o proprietário cedente, que não possui alternativa, merece receber a justa compensação pelo incômodo gerado e a parcela de território subtraído de seu patrimônio e sua consequente desvalorização.
2.5 Árvores limítrofes
As árvores que se localizam na divisa de prédios vizinhos ou muito próximas dela, são chamadas de árvores limítrofes. Seu tronco localizando-se nestas condições, torna-se esta árvore de propriedade de ambos os proprietários dos prédios. Dos artigos 1.282 ao 1.284 CC, os legisladores definiram as regras para este elemento de relação de vizinhança. A responsabilidade é de ambos os donos. Chamada de "árvore meia" por Pontes de Miranda, toca exatamente a metade da árvore e seus frutos para cada um, mesmo que haja uma quantidade pouco maior de frutos no terreno de um do que no de outro. Por motivos de segurança do coletivo, esta árvore pode ser cortada pelo Poder Público, assim como os galhos que invadem o terreno de quem sente-se incomodado, também o podem ser aparados, sem consentimento do outro e sem que haja iminente risco potencial ao bem estar. É conhecido também pela doutrina de "condomínio forçado", devido ao fato de que os vizinhos possuidores de árvores limítrofes, não tem escolha em ser condômino em uma propriedade nessas condições, visto a responsabilidade que toca compulsivamente para cada um.
2.6 Uso nocivo da propriedade
De acordo com os artigos 1.277 à 1.281 CC, sobre a utilização anormal da propriedade, o seu uso não deve causar prejuízo a segurança, o sossego ou a saúde de quem habita próximo a ela, salvo os casos em que a atividade anormal, que gera o incômodo ao vizinho, tenha justificação comprovada de interesse social e comunitário ou o incomodado esteja em desacordo com a categoria da zona urbana onde escolheu residir. Este novo ponto inserido pelo Código Civil de 2002 (Lei 10.406) à esta questão, trouxe parâmetros mais claros e determinantes para o trabalho do julgador e definição inclusive das regras municipais de zoneamento urbano. Neste contexto, LOUREIRO4 em obra coordenada pelo Ministro Cesar Peluso, explana:
"A grande novidade do Código Civil foi a de estabelecer, no parágrafo único do artigo 1.277, parâmetros e balizas para o juiz aferir a normalidade do uso e da interferência entre vizinhos. Na dicção da lei, devem se considerar a natureza da utilização e a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas. O barulho que produz a utilização normal de um imóvel residencial é inferior ao que produz a utilização normal de imóvel industrial. Em certas porções da cidade, com zoneamento permitido, o ruido que produz a atividade normal de uma casa noturna seria anormal em zona estritamente residencial. Aquele que adquire imóvel em zona rural ou estritamente residencial tem a justa expectativa de ouvir menos ruído que aquele que vive em zona comercial ou industrial."
(PELUSO et al, 2010, p. 1.282).
A sequencia de todos os artigos que compõem a seção I do capítulo V do livro III do Código Civil, do 1.278 até o 1.281, expõem muito bem o interesse do legislador em regularizar igualitariamente o uso da propriedade imóvel. 
A análise do uso nocivo da propriedade pensada em conjunto com a função social da propriedade remete à relação do privado com o social. Fundamenta-se na busca pelo equilíbrio entre os interesses do proprietário, da sociedade e do Estado em detrimento do individualismo. 
Neste universo, um dos temas mais comuns encontrados na relação entre o privado e o social, neste contexto, é a função ambiental da propriedade. Surgem interesses maiores que tendem a conduzir o privado ao público, fundamentados em nome da justiça social. Assim, encontra-se em PINTO5: 
"A análise doutrinária até aqui expedida presta-se à demonstração de um crescente sentido de publicização da propriedade, como resultante de disciplinamento constitucional, em direção a uma desprivatização do instituto, em homenagem a interesses
maiores, representados pelo harmônico conviver de princípios estampados na Constituição, em nome da justiça social, com aqueles de abrigo exclusivamente individuais, e consubstanciados no bem-estar geral."
(PINTO, 1998, p.78)
Neste sentido, aquele que pretende fazer uso individual da propriedade, mesmo que em direção ao benefício próprio de empreendimento econômico, fica sem amparo legal quando tal uso causar ônus social pelas agressões ambientais. Aqui, a disciplina dos direitos de vizinhança surge para resolver tais conflitos de interesses. 
Fica fácil compreender porquê itens ambientais estão presentes na legislação do Relatório de Impacto de Vizinhança (RIV), no Estatuto da Cidade. O foco está claramente definido no sentido de garantir ou de prover qualidade de vida aos cidadãos. 
Ampliando a visão desta discussão do empreendedor econômico para o particular surgem diversos exemplos do uso nocivo da propriedade em conflito com a questão sócio-ambiental. Entre eles, podemos relatar o problema dos esgotos lançados diretamente e sem tratamento algum nas redes de captação e drenagem pluvial com destino ao mar ou aos mananciais de captação de água potável. Seguindo no exame da questão dos resíduos que o homem urbano produz, eis que nos deparamos com outra questão do direito de vizinhança, aqui em relação ao princípio de tolerabilidade. Trata-se da possibilidade de se encontrar na condição de vizinho de um aterro sanitário, como bem explana PINTO:
"Clara e objetivamente: ninguém, proprietário urbano ou rural, pessoa física ou jurídica, almeja ser vizinho do aterro sanitário! Destaque-se ainda a integral falta de solidariedade daqueles que se livram do problema, representados pela massa de administradores que, aliviados, veem o problema se instalar em outra comunidade que não a sua. Malgrado todo o inconformismo comunitário próximo, tal destinação do domínio é tolerada, desde que seguidos cuidados ambientais básicos."
(PINTO, 1998, p.94):
Por outro lado, tolerância e mesmo ética podem estar ausentes quando o poder econômico for o combustível que alimenta demandas jurídicas executadas em nome da proteção do meio ambiente. Recursos financeiros e políticos são mobilizados na transformação de conflitos urbanos em conflitos ambientais. Como exemplo, pode-se ver o caso das associações de bairro de camadas mais abastadas do Rio de Janeiro ao se mobilizar na remoção de favelas em expansão em sua vizinhança através da justificativa da questão ambiental. Assim temos em COIMBRA6:
"A pretensão de universalidade a priori do discurso ecológico e ambientalista, configurado, juridicamente, na noção de interesses e direitos difusos, corre sempre o risco de desconsiderar a diversidade dos atores e interesses envolvidos em um determinado contexto de conflito. As medidas de proteção ambiental podem produzir novas formas de segregação, considerando o contexto de desigualdade social e diversidade cultural. O caso do uso e ocupação do solo urbano é exemplar. Camadas pobres urbanas, moradores em áreas de proteção, podem ser duplamente vitimizadas. Dependendo do grau de rigor da lei, ou da interpretação que se faça dela, produz-se um "conflito entre direitos": entre o direito difuso de todos (inclusive meu) de um ambiente saudável e os meus direitos à terra, à habitação, ao saneamento básico. "
(COIMBRA, 2002, p. 273)
A grande dificuldade está em identificar a tênue linha divisória que separa o lícito do ilícito, do normal e do abusivo, sendo que a maioria dos doutrinadores entende que esta linha está exatamente entre o normal e aceitável, por ser óbvio e necessário e o anormal, abusivo, desrespeitoso, o que certamente merecerá a repressão legal atinente.
O problema tende a se complexar quando o incômodo que afeta a propriedade confinante está sendo gerado de acordo com o exercício pleno e legal dos direitos do outro vizinho em sua propriedade. Por isso, na tendência moderna de supremacia do direito coletivo em detrimento do direito privado, essa equação fica um pouco mais fácil de ser executada, porém exigindo dos juristas modernos um maior e extremado cuidado para não penalizar injustamente aquele proprietário que apenas está fazendo uso daquilo que é seu por direito, incluindo-se os próprios direitos irrestritos de usar, gozar, dispor da coisa e de reavê-la de quem a tenha injustamente detido ou possuído (CC, art. 1.282).
É evidente que o foco do estudo jurídico é exatamente esta tênue linha que separa o certo do errado, o justo do injusto, o normal do anormal. Desta forma foi surgindo gradativamente, aos moldes do direito coletivo, onde o que vem em primeiro plano, em primazia, é justamente o bem estar de relevância social. Com as regras do direito de vizinhança e de respeito ao coletivo, a propriedade está subordinada também à interferência do direito ambiental, que permite a consecução da finalidade social da propriedade, pois não se pode falar em exercício do direito à propriedade, sem observar-se as normas do direito ambiental (ALMEIDA, W. C. de, p. 37).
O direito ambiental está entremeado nas relações de vizinhança, e entenda-se aqui vizinhança por proximidade de pessoas, cada uma exercendo seus direitos amplos sobre aquilo que é seu. Pois bem, sendo esta proximidade um fator de obrigatoriedade de observação dos princípios de cordialidade e bom relacionamento, isso faz com que aquele indivíduo que faz uso de seu bem, mesmo móvel, um aparelho de som, uma máquina, um automóvel, enfim qualquer dessas propriedades que podem e são desfrutadas por seus donos com toda a liberdade que os seus direitos intrínsecos lhe conferem. A regulagem do uso dessas coisas está restrita à legislação, no entanto sempre será a ética do bom senso que poderá nortear o uso civilizado do exercício do direito irrestrito sobre a propriedade.
3 CONCLUSÃO
O direito de uso da propriedade é sem dúvida o mais amplo e importante dos direitos patrimoniais, e seu exercício de acordo com a legislação civil brasileira é alvo de extenso estudo ao longo de muitos anos até hoje. Sempre foi uma preocupação das pessoas definir as cercanias de seus bens imóveis no sentindo de evitar toda a sorte de ações indesejáveis por parte de estranhos que possam a vir depredar seu patrimônio. Este tipo de cuidado talvez seja um dos mais antigos atos de manifestação de marcação de território e remonta a pré-história certamente, época onde os homens começaram a se fixar na terra e deixar de serem nômades. A demarcação dos limites da terra para garantir o cuidado com tudo o que havia dentro de suas imediações, se transformava então em necessidade de garantia de sobrevivência e a afirmação da propriedade. A outra necessidade era a não menos importante convivência em grupo, que também por sua vez era garantia de força e sobrevivência.
Ao refletir sobre estes possíveis e óbvios fatos, percebe-se que a relação de vizinhança está intrinsecamente ligada a uma longínqua herança ancestral de seres que tinham na boa convivência um fator estratégico de sobrevivência. Esta necessidade ao correr dos tempos chega aos dias atuais com força e naturalidade. O homem tende a se agrupar com seus iguais, onde assim surgiram as cidades de todos os tamanhos e volumes populacionais. O regramento da forma como agrupar-se é que faz o homem moderno ser diferente de seu ancestral. Todo o resultado das relações de vizinhança, com seus detalhes e razões que levam um indivíduo a abrir mão de boa parcela daquilo que poderia realizar com sua propriedade em prol de seu interesse, para contemplar a necessidade do vizinho ao lado, beneficiando-o, gera um equilíbrio de relacionamento saudável e produtivo, onde pode-se observar claramente que se instala um ambiente pro-ativo e harmônico.
Observando toda a dinâmica gerada pelas relações de vizinhança e todo o arcabouço de leis que existem em torno desse tema, pode-se concluir que este é um instituto jurídico de longa tradição, de fatos e de leis, que chega à atualidade com força renovada, demonstrando grande flexibilidade e vitalidade
em seu bojo de discussões. Neste contexto percebe-se nitidamente o quanto ainda é possível realizar em nível de aprimoramento das regras e interpretações que o regem, para que o futuro da sociedade tenha mais garantias de equilíbrio, desenvolvimento justo e sustentabilidade.
NOTAS
1 Acadêmico do Curso de Bacharelado em Direito da Universidade de Caxias do Sul – UCS
2 SILVA, R. B. T. da; FIÚZA, R. Código civil comentado. 6.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. lxxvi, p. 2321
3 DINIZ, M. H.. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004. 8 v.
4 PELUSO, C., Codigo civil comentado, São Paulo: Manole, 4ª ed. 2010.
5 PINTO, A. C. B. Turismo e meio ambiente: aspectos jurídicos. Campinas: Papirus, 1998.
6 COIMBRA, J. de A. A. (org.). Fronteiras da ética. São Paulo: Senac, 2002.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, W. C. de, Direito de propriedade: limites ambientais no código civil. São Paulo: Manole, 2006. 
BRASIL, Código Civil. ABREU Filho, Nylson Paym de (org.). Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006.
COIMBRA, J. de A. A. (org.). Fronteiras da ética. São Paulo: Senac, 2002.
DINIZ, M. H.. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004. 8 v.
NEGRÃO, T.; GOUVÊA, J. R. F.. Código civil e legislação civil em vigor. 23.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2004.
PELUSO, C., Codigo civil comentado, São Paulo: Manole, 4ª ed. 2010.
PINTO, A. C. B. Turismo e meio ambiente: aspectos jurídicos. Campinas: Papirus, 1998.
SILVA, R. B. T. da; FIÚZA, R. Código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 6.ed. rev. e atual. 2008.

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