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OS DIREITOS SUCESSÓRIOS NA UNIÃO ESTÁVEL SOB A NOVA PERSPECTIVA DO STF: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS IMPACTOS DOS RE’S 879.694 E 646721 E AS MUDANÇAS NA EQUIPARAÇÃO DO COMPANHEIRO AO CÔNJUGE1. Ângelo Christian² Maria Soledade Bezerra Neta² Noemia Maria de Sousa Neta² RESUMO: Este trabalho analisa os direitos sucessórios na união estável e as mudanças decorrentes da equiparação do companheiro ao cônjuge considerando os impactos gerados pelos RE’s 879.694 e 646721. O direito como sendo uma manifestação dos anseios da sociedade evoluiu no sentido de garantir o reconhecimento dos direitos dos companheiros que convivem em união estável, resguardando assim o acesso à partilha dos bens adquiridos graças ao esforço comum, como também a garantia a alimentos. Nesse cenário a dinamicidade da vida social exigiu da constituição federal de 1988, em seu artigo 226, a ampliação do conceito de família dando assim uma maior notoriedade à questão da união estável. No entanto, o código civil de 2002 em seu artigo 1790 coloca companheiros e companheiras num patamar inferior ao das pessoas casadas, o que vai em sentido inverso da Lei maior. Sendo assim, o STF, através do julgamento dos Recursos Extraordinários (RE’s) 646721 e 878694, veio a agir como um verdadeiro guardião da Constituição Federal, garantindo com a sua decisão a equiparação entre cônjuge e companheiro para fins de sucessão, baseados nos princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade. Palavras chave: União Estável, equalização, princípios constitucionais, direito de sucessão. ABSTRACT: This article analyzes the succession rights in the stable union and the changes resulting from the equality of the partner to the spouse considering the impacts generated by the REs 879.694 and 646721. The law as a manifestation of the aspirations of the society evolved in order to guarantee the recognition of the rights of the companions which live together in a stable union, thus protecting access to shared goods, thanks to the common effort, as well as guaranteeing food. In this scenario, the dynamicity of social life demanded from the 1988 federal constitution, in its article 226, the expansion of the concept of family, thus giving greater prominence to the issue of stable union. However, the civil code of 2002 in its article 1790 places mates and companions at a lower level than married persons, which goes in the opposite direction of the larger Law. Thus, through the judgment of Extraordinary Remedies (RE's) 646721 and 878694, the STF came to act as a true guardian of the Federal Constitution, guaranteeing with its decision the equality between spouse and companion for succession purposes, based on the principles of dignity of the human person, freedom and equality. Keywords: stable union, equalization, constitutional principles, Law of Succession.___________________________________________________ 1 Artigo apresentado à disciplina Direito das Sucessões, ministrada pelo Professor Mestre Edmar Eduardo de Moura Vieira, no 7º período, do Curso de Direito, Semestre 2018.1, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. 2Alunos do 7º período do Curso de Direito, noturno, 2018.1, da Universidade do Estado do Rio grande do Norte – UERN. 2 1 INTRODUÇÃO No presente trabalho, projeta-se averiguar os direitos sucessórios na união estável sob a perspectiva do STF, bem como as mudanças na equiparação do companheiro ao cônjuge, no entanto, vale salientar que durante séculos houve uma distinção entre as pessoas casadas e aquelas que conviviam de uma forma extramatrimonial, a própria sociedade por vezes se encarregava desta distinção. Sendo assim, seria possível ocorrer uma equiparação no tocante aos direitos e a proteção social do companheiro e do cônjuge? O objetivo geral consiste em elucidar a existência de uma espécie de embate jurídico entre a constituição federal promulgada em 1988 e o artigo 1790 do código civil do ano de 2002 os quais observam a situação do companheiro e do cônjuge de uma forma distinta, desta forma o antagonismo vigente vincula-se ao objetivo de dirimir as dúvidas relativas ao mesmo acerca dos direitos sucessórios do companheiro e do cônjuge. Como objetivos específicos, têm-se: a questão dos direitos sucessórios. A partir de uma revisão doutrinária e normativa, será levada em consideração os aspectos relevantes acerca da temática em tela bem como o entendimento dos tribunais superiores e as perspectivas levantadas pela sociedade a qual se mostra como sendo uma das principais instâncias motivadoras da discussão tendo em vista o seu caráter dinâmico, sendo assim, cabe ao direito se amoldar aos anseios da mesma afim de dar uma resposta da melhor maneira possível. Por derradeiro, será analisada a importância das decisões proferidas no sentido de amoldar o ordenamento jurídico, afim de que possa atender os princípios constitucionais mitigando assim os embates existentes na atualidade os quais envolvem a temática aqui discutida no tocante aos efeitos sucessórios. À vista disso, quanto mais o Judiciário participa da vida e das questões vigentes na sociedade, mais entra em sintonia na busca por uma solução para os litígios existentes 2.CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS CONCEITOS DE CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL Casamento ou matrimônio é um vínculo estabelecido entre duas pessoas, mediante o reconhecimento governamental, cultural, religioso ou social e que pressupõe uma relação interpessoal de intimidade, cuja representação costumaz é a coabitação, embora possa ser visto por muitos como um contrato, no qual na maioria das vezes depende de um ato solene. Ao longo do tempo está foi a única instituição reconhecida e protegida pela sociedade, bem como 3 pelo direito. Sendo assim as pessoas que conviviam sem a “proteção” oferecida pelo casamento eram malvistas pela sociedade e um tanto quanto rejeitadas em termos sociais ficando assim totalmente desprotegidas no tocante ao direito pátrio. O código civil de 1916 foi omisso no tocante as relações extramatrimoniais rotulando as mesmas de concubinato, uma vez desfeita a união por morte ou separação os mesmos não possuíam qualquer tipo de direitos em relação à herança, partilha de bens ou alimentos. A medida que a sociedade evolui a mulher vai ocupando novos espaços e chama a atenção para alguns detalhes como a partir da década de 1960 onde aquela que não possuía renda passa a receber uma espécie de “indenização pelos serviços prestados” após o fim da união de fato. Posteriormente essas uniões passaram a serem reconhecidas como sociedades de fato gerando assim uma obrigação, na qual após a comprovação e porventura uma futura dissolução judicial haveria a partilha dos bens adquiridos mediante esforços comuns. Até então esta era uma exclusividade do casamento, assim observa-se uma certa evolução no que diz respeito a união estável. No contexto recente da redemocratização, percebe-se uma evolução muito significativa nos costumes a partir de então as uniões extramatrimoniais passam a serem reconhecidas após a promulgação da constituição federal de 1988. No art. 226 da CF/88, o conceito de família foi ampliado e mais precisamente no §3º, a União Estável, teve seu merecido reconhecimento como entidade familiar. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. A Constituição Federal de 1988 é um divisor de águas no tocante à união estável, uma vez que, a partir de então as uniões entre homens e mulheres passam a contar com a devida proteção legal. Após os avanços registrados na nossa Lei maior surgem uma série de legislações infraconstitucionais as quais buscam regulamentar os direitos das pessoas que vivem em uniões estáveis,assim merecem destaque a leis 8.971/94, que assegurou o direito a alimentos e a herança e a Lei 9278/96, que não quantificou prazo mínimo de convivência. Posteriormente o Código Civil de 2002 em seus artigos 1723 a 1726 trouxe conceito da referida união, seus requisitos de configuração, suas relações patrimoniais e a facilitação da sua conversão em casamento. Ainda em seu artigo 1790 temos a polêmica regulamentação do direito sucessório dos companheiros. 4 3. OS ELEMENTOS CONFIGURADORES E OS EFEITOS JURÍDICOS DA UNIÃO ESTÁVEL Sabemos que a união estável, como entidade de constituição familiar não comporta um rito específico, se formos comparar ao casamento legalmente. Conforme Guilherme Calmon as características da união estável são: “1) finalidade de constituição de família; 2) estabilidade; 3) unicidade de vínculo; 4) notoriedade; 5) continuidade; 6) informalismo ou ausência de formalidades. Ao lado delas estão os requisitos objetivos: a) diversidade de sexos; b) ausência de impedimentos matrimoniais; c) comunhão de vida; d) lapso temporal de convivência; e os requisitos subjetivos: I) convivência more uxório; II) affectio maritalis: ânimo de constituir família”. 1. Finalidades de constituição de família A pretensão de constituir uma família é desejo de todo ser humano, pois esse desejo dos companheiros de compartilharem a mesma vida é inerente à ideia de constituição de família, onde irão dividir as alegrias e as tristezas. Para que venha a ser união estável faz-se que um homem e uma mulher estejam unidos, com o objetivo de constituir uma família, caso contrário, o vínculo entre eles não estaria sujeito às normas de Direito de família e não seria abrangido pelas disposições do art. 226, 3º, da CF. 2. Estabilidade Em relação ao requisito estabilidade, sabemos que a união entre um homem e uma mulher não nasce estável, tornando-se com o tempo estável, em um ambiente fático que se opera no plano ôntico. Então, não podemos ter essa ideia de estabilidade a priori, mas sim após razoável decurso de tempo, onde com o tempo se vai criando a solidez no compromisso assumido por ambos. E se esse compromisso, terminar antes de caracterizar a convivência duradoura e estável, de união estável não se tratou, mas de um namoro, ou mera tentativa fracassada de convivência, uma união instável. É necessário perceber, que a estabilidade é uma condição que ocorre após certo tempo e que não está unicamente vinculada ao tempo; fazendo necessária a presença de comportamentos que independem do tempo de convivência. 3. Unicidade do vínculo O Direito brasileiro, impede que uma pessoa adote mais de um vínculo matrimonial, ou seja, a monogamia, ou, no caso da união estável, extramatrimoniais. 5 Desse modo, a união estável constituída por um homem e uma mulher deve ser o único vínculo existente para ambos os companheiros. Devendo assim ser a relação revestida de respeito e consideração de ambos, como forma de manter a harmonia e a estabilidade da mesma. Desse modo Guilherme Calmon enfatiza que, “as uniões adulterinas ou incestuosas, não merecem ser tratadas como espécies de família, justamente por contrariarem valores morais, adotados pela sociedade, e reconhecidos juridicamente, neste caso especifico sob a forma como impedimentos matrimoniais.” 4. Notoriedade A união estável não se caracteriza por relacionamentos às escondidas, típicos das uniões adulterinas ou censuradas pela sociedade. Portanto, faz-se necessário frisar que não são elementos de prova para a união estável os encontros casuais, mesmo que tenham de relações sexuais, se o casal não ostentar a convivência e, com ela, a existência de um vínculo psicológico e afetivo que os une com a finalidade de constituir um núcleo familiar. Por outro lado, se os mesmos são conhecidos perante a comunidade como um casal que frequenta os mesmos ambientes, dispensando-se mútuo respeito, tal requisito estará atendido, mesmo que seu grupo de relação seja reduzido. Portanto, o requisito notoriedade, não exige que todos venham a saber do relacionamento, mas que muitos saibam, ou pelo menos alguns, que com eles convivam. 5. Continuidade A continuidade significa o convívio continuo, que não estão sujeitos a abalos e deslizes, identificando a solidez e estabilidade do relacionamento. É de extrema importância essa característica, porque na união estável, ao contrário do casamento, só pode ser caracterizada a posteriori, ou seja, após a confirmação de uma série de fatores combinados. Se assim não fosse, haveria uma completa insegurança jurídica na sociedade. 6. Ausência de formalismo Essa característica é o diferencial da união estável em relação ao casamento, sendo ela uma das características exclusivas das uniões extramatrimoniais. Enquanto o casamento é um ato solene e formal, a união estável é composta de informalidade. Dessa forma, não podemos pôr em dúvida o papel essencial representado pelo núcleo familiar na manutenção e evolução da sociedade, devendo assim, o Estado enquanto entidade pública promover as condições necessárias para o seu pleno desenvolvimento, 6 estabelecendo regras mínimas para permitir o cumprimento dos deveres decorrentes desta relação e resguardando os valores que alicerçam a vida social. Assim como no casamento na União Estável tem seus efeitos Jurídicos que podemos elencar alguns: ● Direito à Meação; ● Direito à Herança; ● Direito ao Benefício Previdenciário; ● Direito aos Alimentos; ● Direito Real de Habitação; ● Possibilidade do Exercício de Inventariança e ● Legitimidade para os Embargos de Terceiros. O primeiro diz respeito ao Direito à Meação, que é o direito a divisão dos bens quando do termino de uma ralação, seja ela rompida em vida ou pela morte de um dos companheiros. Sendo importante deixar claro que os bens abrangidos pela meação são aqueles adquiridos onerosamente na constância da relação. Onde os Artigos: 1.659, 1666, 1.660 e 1.662 do Código Civil Brasileiro trata a respeito da União Estável: O artigo. 1.659 do CC trata dos bens que não se comunicam, ou seja, que não entram na meação daqueles que escolheram o regime parcial de bens, são eles: “I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; III - as obrigações anteriores ao casamento; IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes”. Já o art. 1.666. As dívidas, contraídas entre os cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns. Por outro lado, o artigo 1.660 do Código Civil, por sua vez, nos traz a lista dos bens que se comunicam no decorrer da união estável, são eles: “I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV - as benfeitorias 7 em bens particulares de cada cônjuge; V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão”. O artigo 1.662, do CC fixa a premissa de uma presunção relativa de esforço comum, onde o bem que foi adquirido onerosamente na constância da união estável, adentra à partilha. O segundo vem elencado no art. 1.790 do CC, por sua vez, diz que a herança incidesomente sobre os bens comuns adquiridos onerosamente na constância da união estável, assim, além da meação, terá o companheiro sobrevivente direito à herança sobre os bens comuns. Sobre os bens particulares o companheiro não tem direito à meação e nem herança. O terceiro diz: nas mesmas condições do cônjuge, ou seja, com presunção de dependência, nos termos da Lei nº 8.213/91, terá o companheiro direito ao benefício da pensão por morte. O quarto vem elencado no art. 1.694 do CC onde fixa que ocorrerá nas mesmas condições aplicáveis ao casamento, desde que haja prova da necessidade do credor e da capacidade contributiva do devedor. O quinto trata do Direito Real de Habitação, onde o companheiro sobrevivente do de cujus terá direito real de habitação. O sexto trata da Possibilidade do Exercício de Inventariança, pois bem, se puder ser herdeiro, também poderá ser inventariante, conforme o art. 616 do CC. O sétimo trata da Legitimidade para os Embargos de Terceiros: conforme o artigo 674, do CC . 4. CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS CONCEITOS DE CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL Antes mesmo da Constituição Federal de 1988, o companheiro ou a companheira não eram tidas como herdeiras, contudo o artigo 226, § 3° da Nova Carta, deu a União Estável o reconhecimento de entidade familiar, assim dispondo: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3°. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Pois bem, a respeito do direito sucessório dos companheiros, esta começou a ser tratada pelas Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, onde a primeira determinou o direito de usufruto e sobre o direito à herança; e a segunda, tratou sobre o direito real de habitação. 8 Por outro lado, o art. 1603 do Código Civil de 1916, tratou apenas o cônjuge sobrevivente depois dos descendentes e ascendentes, na ordem de vocação hereditária e na ausência do cônjuge, sucediam os colaterais. A herança aos companheiros de acordo com os Arts. 1177 e 1719, inciso III do CC de 1916, somente era possível através de disposição testamentária, vedada a outorga por homem casado à sua concubina. Já o Código Civil de 2002, ignorou alguns avanços conquistados ao longo do tempo, que regulamentou a sucessão dos companheiros em seu art. 1790, de forma, no mínimo, atécnica. Por outro lado, revogou as leis citadas, aplicando integralmente o artigo 1.790 que trata do direito sucessório do companheiro, sendo bastante criticado e ignorado por alguns doutrinadores que entenderam não revogados as referidas leis, aplicando as mesmas em caso de omissão do Código Civil. Art.1790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; 11 - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis terá direito a 1/3 (um terço) da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. Dessa maneira, o Código Civil de 2002 reduziu a possibilidade de incidência do direito sucessório do companheiro à porção da herança que for adquirida onerosamente durante a união estável, retirando, dessa forma, a parcela de bens adquiridos antes da convivência, ou mesmo durante a convivência, a título gratuito, pelo companheiro falecido. Por outo lado, o Art. 1802 – Na vigência da união estável, a companheira ou companheiro, participará da sucessão do outro, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma cota equivalente à que for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; 9 III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. O Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente passa a desfrutar da condição de herdeiro necessário, conforme preceitua o artigo 1.845, tendo, ainda, o direito real de habitação quanto ao imóvel destinado à residência da família, qualquer que seja o regime de bens, como estabelecido no artigo 1.831, o que não foi atribuído ao companheiro. Assim, não havendo outros herdeiros necessários, o de cujus poderá deixar em testamento a integralidade de seu patrimônio a outrem, deixando o companheiro ao desamparo, ressalvado a possível meação, quando for o caso. Em relação ao direito real de habitação, em analogia com a situação garantida ao cônjuge, informa a doutrina a possibilidade de se entender que o artigo 7º, parágrafo único da lei 9.278/96 não fora revogado pelo Código Civil, persistindo assim o direito real de habitação do companheiro. Para Sílvio de Salvo Venosa, “é perfeitamente defensável a manutenção deste direito no sistema do Código de 2002”. Os direitos sucessórios dos companheiros, reconhecidos a partir da lei 8.971/94 e 9.278/96, sofreram retrocesso com o Código Civil de 2002 que limitou a incidência do direito à herança do companheiro sobrevivente aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, dispositivo esse de duvidosa constitucionalidade, tendo em vista não atender ao princípio da bi-cameralidade. Além disso, colocou o companheiro em situação bastante inferior ao cônjuge quanto à sucessão. O Código de 2002 melhorou a posição do cônjuge-supérstite naquilo que respeita à ordem sucessória, ampliando seus direitos. Era de se esperar que o companheiro-sobrevivente mantivesse sua condição respeitada, já reconhecida nas leis anteriores. Afinal, a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, no dizer do artigo 226 da Constituição Federal, e a união estável é reconhecida como entidade familiar. “Ao contrário do que acontece com o cônjuge, a companheira concorre com os colaterais, caso não haja descendente comum e descendentes só do autor da herança, sendo incompreensível e injusto esse critério adotado pelo atual Código, pois confere aos colaterais direito a bens adquiridos durante a União Estável com os esforços do companheiro.” Se acontecer de o autor da herança não deixar nenhum outro herdeiro, o companheiro sobrevivente recolherá todos os bens adquiridos onerosamente durante a união, sendo os outros 10 bens vacantes, recolhendo os mesmos para a Fazenda Pública, causando uma enorme confusão adotada pelo legislador. Podemos afirmar que o legislador ao dar tratamento diferente no direito sucessório entre cônjuge e companheiro, quis dar maior segurança jurídica ao instituto casamento, para que o mesmo não se tornasse algo tão banal, não se importando, no entanto, que tal diferença de direitos sucessórios se tornasse injusto. 5.DIREITO SUCESSÓRIO DO COMPANHEIRO DE ACORDO COM O CÓDIGO CIVIL DE 2002 Antes mesmo da Constituição Federal de 1988, o companheiro ou a companheira não eram tidas como herdeiras, contudo o artigo 226, § 3° da Nova Carta, deu a União Estável o reconhecimento de entidade familiar, assim dispondo: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3°. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Pois bem, a respeito do direito sucessório dos companheiros, esta começou a ser tratada pelas Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, onde a primeira determinou o direito de usufruto e sobre o direito à herança; e a segunda, tratou sobre o direito real de habitação. Por outro lado, o art. 1603 do Código Civil de1916, tratou apenas o cônjuge sobrevivente depois dos descendentes e ascendentes, na ordem de vocação hereditária e na ausência do cônjuge, sucediam os colaterais. A herança aos companheiros de acordo com os Arts. 1177 e 1719, inciso III do CC de 1916, somente era possível através de disposição testamentária, vedada a outorga por homem casado à sua concubina. Já o Código Civil de 2002, ignorou alguns avanços conquistados ao longo do tempo, que regulamentou a sucessão dos companheiros em seu art. 1790, de forma, no mínimo, atécnica. Por outro lado, revogou as leis citadas, aplicando integralmente o art.1790 que trata do direito sucessório do companheiro, sendo bastante criticado e ignorado por alguns doutrinadores que entenderam não revogados as referidas leis, aplicando as mesmas em caso de omissão do Código Civil. Art.1790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: 11 I - se concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; 11 - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis terá direito a 1/3 (um terço) da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. Dessa maneira, o Código Civil de 2002 reduziu a possibilidade de incidência do direito sucessório do companheiro à porção da herança que for adquirida onerosamente durante a união estável, retirando, dessa forma, a parcela de bens adquiridos antes da convivência, ou mesmo durante a convivência, a título gratuito, pelo companheiro falecido. Por outo lado, o Art. 1802 – Na vigência da união estável, a companheira ou companheiro, participará da sucessão do outro, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma cota equivalente à que for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. O Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente passa a desfrutar da condição de herdeiro necessário, conforme preceitua o artigo 1.845, tendo, ainda, o direito real de habitação quanto ao imóvel destinado à residência da família, qualquer que seja o regime de bens, como estabelecido no artigo 1.831, o que não foi atribuído ao companheiro. Assim, não havendo outros herdeiros necessários, o de cujus poderá deixar em testamento a integralidade de seu patrimônio a outrem, deixando o companheiro ao desamparo, ressalvado a possível meação, quando for o caso. Em relação ao direito real de habitação, em analogia com a situação garantida ao cônjuge, informa a doutrina a possibilidade de se entender que o artigo 7º, parágrafo único da lei 9.278/96 não fora revogado pelo Código Civil, persistindo assim o direito real de habitação do companheiro. Para Sílvio de Salvo Venosa, “é perfeitamente defensável a manutenção deste direito no sistema do Código de 2002”. 12 Os direitos sucessórios dos companheiros, reconhecidos a partir da lei 8.971/94 e 9.278/96, sofreram retrocesso com o Código Civil de 2002 que limitou a incidência do direito à herança do companheiro sobrevivente aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, dispositivo esse de duvidosa constitucionalidade, tendo em vista não atender ao princípio da bi-cameralidade. Além disso, colocou o companheiro em situação bastante inferior ao cônjuge quanto à sucessão. O Código de 2002 melhorou a posição do cônjuge-supérstite naquilo que respeita à ordem sucessória, ampliando seus direitos. Era de se esperar que o companheiro-sobrevivente mantivesse sua condição respeitada, já reconhecida nas leis anteriores. Afinal, a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, no dizer do artigo 226 da Constituição Federal, e a união estável é reconhecida como entidade familiar. “Ao contrário do que acontece com o cônjuge, a companheira concorre com os colaterais, caso não haja descendente comum e descendentes só do autor da herança, sendo incompreensível e injusto esse critério adotado pelo atual Código, pois confere aos colaterais direito a bens adquiridos durante a União Estável com os esforços do companheiro.” Se acontecer de o autor da herança não deixar nenhum outro herdeiro, o companheiro sobrevivente recolherá todos os bens adquiridos onerosamente durante a união, sendo os outros bens vacantes, recolhendo os mesmos para a Fazenda Pública, causando uma enorme confusão adotada pelo legislador. Podemos afirmar que o legislador ao dar tratamento diferente no direito sucessório entre cônjuge e companheiro, quis dar maior segurança jurídica ao instituto casamento, para que o mesmo não se tornasse algo tão banal, não se importando, no entanto, que tal diferença de direitos sucessórios se tornasse injusto. 6. A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 Como vimos no tópico anterior, a posição do companheiro, que antes se encontrava em igualdade com o cônjuge, se tornou fraca e muito inferior ao que era estabelecido na legislação anterior ao Código Civil de 2002. Fazendo uma análise da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, § 3º, percebemos que a união estável foi equiparada ao casamento, tendo esta sido reconhecida como instituição familiar, protegida pelo Estado. 13 Entretanto, o Código Civil de 2002, indo na contramão da especial proteção que a Lei maior havia conferido à união estável, resolveu colocar o companheiro e a companheira de forma diferenciada daquelas pessoas que fossem casadas, a se constatar, desde já, pelo fato inusitado de a união estável ter sido inserida nas disposições gerais do capítulo das sucessões, em capítulo distinto dos demais herdeiros no livro V do Direito das Sucessões. Percebemos também que o Código Civil destinou apenas o art. 1.790 para tratar do assunto, enquanto que, no que concerne ao cônjuge, reservou vários dispositivos legais sucessórios, dentre esses, podendo se destacar os artigos 1.829, 1.832, 1.837 e 1.838 a seguir: “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.” “Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.” “Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.” “Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente.” Segundo dispõe o art. 1790 do Código Civil, o (a) companheiro (a) participará da sucessão do extinto quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, na forma prevista nos incisos do mencionado artigo, ficando excluídos aqueles particulares, adquiridos a título gratuito. Ou seja, o (a) companheiro (a) só terá direito à integralidade da herança se não houver quaisquer parentes sucessíveis, ou seja, colaterais até o 4º (quarto) grau,enquanto que o cônjuge sucederá na integralidade na falta de ascendente ou descendente apenas, nos termos do art. 1829, III, c/c 1838 do Código Civil, o que denota uma nítida diferenciação de tratamento legal entre ambos. Também há uma diferença concorrendo com outros, ascendentes, descendentes ou colaterais: no caso de existir descendentes, não cabe ao 14 companheiro a reserva da quarta parte da herança, estabelecida pelo art. 1.832 ao cônjuge, por exemplo. Na realidade, como já mencionamos, o companheiro sequer consta no rol de vocação hereditária, previsto no art. 1829 do Código Civil de 2002, sendo tratado apenas, de forma apartada, nas disposições gerais do capítulo das sucessões, como se fosse algo excepcional. Verifica-se, portanto, uma hierarquização dos tipos de família no diploma civilista, de forma incompatível com o sistema constitucional, que reconhece e protege a união estável como entidade familiar (art. 226, § 3º da CF/88). É inquestionável, pois, esse tratamento sucessório diferenciado que se tem em relação ao companheiro sobrevivente ao compará-lo com o cônjuge sobrevivente. A discriminação é inadmissível ante a isonomia entre união estável e o casamento assegurada pelo já citado artigo 226, § 3º da nossa Constituição Federal. Além disso, a Carta Magna também já havia traçado a isonomia entre ambos em seu art. 5º, caput, senão vejamos: “Art. 5º. Todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, (...).” Assim, resta claro também que o artigo 1.790 ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, também insculpido em nossa Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, III. Ora, se a própria Carta Magna, sensível diante das evoluções sociais e das novas formas de família conferiu tratamento igualitário, não cabe ao legislador civilista promover qualquer distinção, de forma discriminatória. Assim, a declaração de inconstitucionalidade do referido artigo era algo esperado e bastante discutido. Essa controvérsia toda atingiu o seu ápice e foi resolvida com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694, cuja decisão com repercussão geral finalmente concluiu pela inconstitucionalidade do artigo 1.790, resolvendo a instabilidade jurídica do direito sucessório desde a vigência do Código Civil de 2002. Na sessão plenária que analisou os Recursos Extraordinários 646.721 e 878.694, ambos com repercussão geral reconhecida, o STF decidiu equiparar cônjuges e companheiros para fins de sucessão, um do outro, inclusive em uniões homoafetivas. Com esta decisão, que veremos mais detalhadamente no tópico a seguir, resolveu-se mais uma polêmica quanto ao patrimônio decorrido da sucessão, ao considerar inconstitucional o art. 1790 do CC, que estabelecia, como já dito, condições menos favoráveis ao companheiro 15 e à companheira, na sucessão de um ou de outro, equiparando-os, todos, às condições de sucessão aplicáveis aos cônjuges em geral (art. 1.829 do CC). 7. A DECISÃO DO STF NO JULGAMENTO DO RE Nº 646721 E RE Nº 878694 E O AMOLDAMENTO DO DIREITO SUCESSÓRIO AOS VALORES CONSTITUCIONAIS No dia 10 de maio de 2017 o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento que discutia a equiparação entre cônjuge e companheiro para fins de sucessão, inclusive em uniões homoafetivas. A decisão foi proferida no julgamento dos Recursos Extraordinários (REs) 646721 e 878694, ambos com repercussão geral reconhecida. No referido julgamento, os ministros declararam inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, que estabelece diferenças entre a participação do companheiro e do cônjuge na sucessão dos bens. Apesar dos posicionamentos contrários a maioria dos ministros entendeu que a distinção entre casamento e união estável viola os princípios constitucionais e desta forma decidiram por declarar inconstitucional o mencionado artigo do diploma civil. O julgamento em questão, no STF, iniciou-se em agosto de 2016, tendo, desde o começo da sua tramitação, sete votos pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1790 CC/02. Votaram pela inconstitucionalidade do artigo, acompanhando o voto do ministro relator Luís Roberto Barroso, os ministros Luiz Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia. O ministro Dias Toffoli pediu vistas do processo e com isso sua tramitação foi interrompida, tendo voltado para a pauta de julgamento somente no ano de 2017. Com posição contrária à da maioria, o ministro Dias Toffoli proferiu voto pela constitucionalidade do art. 1790 CC/02, alegando que a Constituição Federal de 1988 não igualou a União Estável ao casamento, pois se fosse assim não teria facilitado a sua conversão em casamento. O ministro Marco Aurélio pediu novas vistas do processo também, passando a unir o julgamento do recurso extraordinário 646.721/RS, do qual era relator, e que tratava da sucessão de companheiro homoafetivo, vez que também não havia motivo para distinção, tendo em vista que o próprio STF já havia reconhecido a União Homoafetiva através da ADPF 132/RJ, dando tratamento igualitário em relação a União Estável. Para o ministro Marco Aurélio também não havia qualquer inconstitucionalidade devendo ser preservado todo o teor do art. 1.790 do Código Civil, vez que o art. 226, § 3º da CF/88, não igualou a união estável e o casamento, 16 principalmente porque trouxe a possibilidade da conversão da união estável em casamento. O ministro Ricardo Lewandowski também votou pela constitucionalidade do art. 1790 CC/02. 8. A DEMANDA JUDICIAL QUE DEU ORIGEM À DECISÃO DO STF QUANTO À INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1790 A demanda judicial que deu origem a decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da inconstitucionalidade do artigo 1.790 nasceu em Minas Gerais, a partir da decisão de primeiro grau que reconheceu que a companheira sobrevivente herdaria a totalidade dos bens deixados por seu falecido companheiro, com quem mantinha uma união estável. O casal não havia deixado herdeiros e a lide tinha como objeto central a discussão sobre os direitos sucessórios da companheira, que estava concorrendo com os irmãos do falecido na partilha da herança. Diante da decisão de primeira instância, que tratou de forma igualitária, não fazendo diferenciação entre os institutos do casamento e da união estável, os irmãos do falecido recorreram ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que acabou por reformar a decisão do juízo singular, dando à companheira o direito a um terço dos bens onerosamente adquiridos pelo casal. O restante seria dividido entre os três irmãos do extinto, conforme estipula o inciso III do artigo 1.790 do Código Civil. Inconformada e não satisfeita com a decisão do Tribunal, a companheira interpôs recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, alegando que na lei constitucional vigente não existe qualquer previsão legal que diferencie os regimes sucessórios do casamento e o da união estável, devendo prevalecer os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, sendo um dever do Estado dar o mesmo tratamento e proteção a ambos os institutos. Ao julgar o recurso, com um placar de 08 votos a 03, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela inconstitucionalidade do dispositivo, em consonância com a decisão de primeiro grau, reconhecendo assim ser a companheira a herdeira universal dos bens deixados pelo falecido. Com esse voto afirmam os ministros vencedores que a Constituição contempla diferentes tipos de família, além da que tem origem no casamento, não havendo nenhuma hierarquização entre elas, devendo todas elas terem os mesmos direitos e obrigações. Portanto, é ilegítimo diferenciar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada por casamentoe a aquela constituída por união estável. Tal desequiparação entre entidades familiares mostra-se incompatível com o inscrito na Constituição Federal de 1988, bem como também é incompatível com os princípios norteadores do Direito brasileiro. 17 O julgamento de ambos os recursos pelo Supremo Tribunal Federal acabou consolidando a tese final firmada, para os devidos fins de repercussão geral. Segue a ementa do Recurso Extraordinário nº 876.894, publicada em novembro de 2017: Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso . 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. Dessa maneira, podemos concluir que o papel do STF com relação ao direito sucessório na união estável foi o de um verdadeiro “Guardião da Constituição Federal”, ou seja, teve o papel de ajustá-la ou mesmo de reajustá-la aos valores constitucionais, tendo em vista que antes do Código Civil de 2002 e após a promulgação da Constituição Federal de 1988 havia a garantia de tratamento similar da união estável e o casamento, baseada nos princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da proporcionalidade, da efetividade e vedação ao retrocesso. 9. COMO FICOU A ATUAL SUCESSÃO DO COMPANHEIRO E A APLICABILIDADE DO ART. 1790 CC/02: 18 Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1790 CC/02, por tratar de forma diferenciada o direito sucessório do companheiro e o do cônjuge, através do julgamento do RE nº 878.694 do STF, diante do qual teve reconhecida também a repercussão geral da questão suscitada, com efeito erga omnes e imediato, para os processos de inventário em andamento, onde não tenha transitado em julgado, para os inventários administrativos, onde não tenha sido realizado a escritura pública de partilha e para as uniões estáveis vigentes, caso um dos companheiros venha a óbito, para o sobrevivente, no tocante à herança, serão aplicadas as regras do art. 1829 CC/02. Embora tenha ocorrido o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, através do julgamento dos Recursos Extraordinários 646721 e 878694, o referido artigo do diploma civil não foi revogado, uma vez que esta é uma tarefa que incumbe exclusivamente ao poder Legislativo. Desta forma, o que houve foi o reconhecimento de sua inconstitucionalidade, com a consequente perda de sua aplicabilidade prática, passando-se a respeitar a igualdade, como prega os princípios norteadores da Constituição Federal, aparecendo no mundo jurídico uma nova era para o direito das sucessões que vem se moldando as necessidades da sociedade moderna. Tal decisão, no entanto, não agradou a todos e os principais especialistas e doutrinadores no assunto que não foram de acordo com o julgamento da Suprema Corte, alegam que acabou a liberdade de não casar e que a Constituição Federal de 1988, jamais igualou a União Estável ao Casamento. Analisando-se a decisão do STF, percebe-se que apesar de ter igualado o direito sucessório entre cônjuges e companheiros, determinando a aplicação do art. 1829 CC/02, em momento algum, a referida Corte reconheceu o companheiro como herdeiro necessário, o que deixou uma grande omissão na decisão proferida por este Tribunal. Por oportuno, em razão dessa “lacuna” deixada diante da questão acima mencionada, a ADFAS (Associação de Direito das Famílias e Sucessões) interpôs, em setembro de 2017, embargos de declaração, para que o Supremo Tribunal Federal decidisse se o companheiro na união estável deveria ser reputado como herdeiro necessário, bem como também esclarecer a aplicabilidade da referida decisão, apontando a notória afronta ao artigo 1787 CC/02. Os acórdãos que foram proferidos nos dois Recursos Extraordinários geraram dúvidas porque omissos em relação ao artigo 1.845 do Código Civil, que estabelece o rol de herdeiros necessários, ou seja, diz quem são as pessoas com direito à legítima, que é uma parte da herança 19 que não pode ser tocada e é preservada obrigatoriamente para quem ali está referido, ou seja, as pessoas civilmente casadas, além dos filhos e pais. Por esse motivo, dentre outros, foram interpostos Embargos de Declaração em ambos os Recursos Extraordinários. No julgamento de um desses Embargos, o do RE 878.694, que ocorreu em sessão virtual do dia 19.10.2018 ao dia 25.10.2018, o STF esclareceu a matéria, de forma expressa e categórica e decidiu pela rejeição dos Embargos de Declaração, uma vez que a “A repercussão geral reconhecida diz respeito apenas à aplicabilidade do art. 1.829 do Código Civil às uniões estáveis. Não há omissão a respeito da aplicabilidade de outros dispositivos a tais casos”. Isso quer dizer que está reservado o direito à metade dos bens da herança e a impossibilidade de exclusão da herança por disposição expressa em testamento do falecido apenas aos cônjuges (regime de casamento) e não aos companheiros (aqueles que vivem em união estável). Já os embargos declaratórios no RE 646.721, teve seu julgamento em sessão virtual do dia 23.11.2018 a 29.11.2018, e a publicação do acórdão no DJE no dia 10 de dezembro de 2018, cuja ementa segue abaixo transcrita: Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. APLICABILIDADE DO ART. 1.845 DO CÓDIGO CIVIL ÀS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS. AUSÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO. 1. Embargos de declaração em que se questiona (i) a aplicabilidade do art. 1.845 do Código Civil às uniões estáveis homoafetivas e (ii) o marco temporal de aplicabilidade do art. 1.829 do Código Civil às uniões estáveis homoafetivas. 2. A repercussão geral que foi reconhecida pelo Plenário do STF diz respeito apenas à aplicabilidade do art. 1.829 do Código Civil às uniões estáveis homoafetivas. Não há omissão a respeito da aplicabilidade do art. 1.845 do Código Civil a tais casos. 3. A decisão recorrida é clara em estabelecer que “o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública”. Ausência de contradição. 4. Embargos de declaração rejeitados. 20 Assim, verifica-se que houve equiparação da união estável ao casamento para fins de direitos de sucessão, de acordo com o entendimento firmado no julgamento final dos Recursos Extraordinários (REs) 646721 e 878694 pelo STF, conforme publicação inserta noInformativo n. 864 da Corte: “entre as famílias, o que não é admitido pela Constituição, que trata todas as famílias com o mesmo grau de valia, respeito e consideração. O art. 1.790 do mencionado código é inconstitucional, porque viola os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso.” Ademais, com o objetivo de preservar a segurança jurídica, o entendimento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil deve ser aplicado apenas aos inventários judiciais em que a sentença de partilha não tenha transitado em julgado e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. A tese final firmada, para os devidos fins de repercussão geral, foi que: no sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil”. Dessa forma o que se tem é a certeza da aplicação do artigo 1829 CC/02, também para a União Estável e que este, por enquanto, deverá ser aplicado para todas as futuras sucessões e inclusive as em curso. Os companheiros, assim, para fins de sucessão, passaram a figurar ao lado do cônjuge na ordem de sucessão legítima, passando a ter os mesmos direitos que os cônjuges, de acordo com o art. 1.829 do CC, concorrendo com os descendentes, o que depende do regime de bens adotado, e também com os ascendentes, o que independe do regime. Na ausência de descendentes e de ascendentes, o companheiro recebe a herança sozinho, da mesma maneira que ocorre com o cônjuge, excluindo os colaterais até o quarto grau (irmãos, tios, sobrinhos, primos, tios-avôs e sobrinhos-netos). Os colaterais, somente herdarão na falta de companheiro sobrevivente. Dessa forma, diante da decisão que concedeu ao companheiro o direito ao recebimento de herança com os mesmos direitos sucessórios conferidos ao cônjuge, é de extrema importância se atentar para os impactos que este novo entendimento traduz para os companheiros com relação à divisão patrimonial para fins sucessórios, inclusive para revisão de planejamento sucessório. Muitos ainda serão os debates acerca da matéria e, assim, vejamos qual será o rumo que a civilista brasileira tomará daqui para frente. 21 Como se pode perceber, os julgamentos do Supremo Tribunal Federal resolveram um aspecto importante, qual seja a retirada do art. 1.790 do Código Civil do sistema secessionista nacional. Porém, alguns rastros ficaram. Temos algumas pistas, mas não o caminho definitivo para todos os problemas e repercussões que possam surgir neste campo. 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em face do choque legal é importante destacar que de acordo com o sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicados em ambos os casos, o regime estabelecido no que tange o artigo 1829 do código civil de 2002. Nesse sentido, podemos concluir que o Supremo Tribunal Federal não só igualou o casamento à união estável para os fins sucessórios, como estendeu esse entendimento para as uniões homoafetivas. REFERÊNCIAS BRASIL. Código Civil (2002). Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10.11.2018. BRASIL. (1988). Constituição da República do Brasil. Brasília, DF, Brasil: Senado Federal. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 646721/RS. Recurso Extraordinário – Rio Grande do Sul. Relator: Min.Marco Aurélio. Data de julgamento: 02/03/2017. 2017a.: Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=410006>. Acesso em: 08 nov. 2018. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 878694/MG. Recurso Extraordinário - MG. Relator: Min. Roberto Barroso. Data de Julgamento: 08/05/2017. 2017b. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=4744004>. Acesso em: 08 nov. 2018. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2017. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Julgamento afasta diferença entre cônjuge e companheiro para fim sucessório. 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=342982>. Acesso em: 08 nov .2017. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Informativo de jurisprudência 864. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo864.htm> Acesso em: 08 dez. 2018. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões - 7.ed.- São Paulo: Atlas 2007
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