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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/282251197 Paredes de alvenaria de pedra natural Technical Report · April 2003 DOI: 10.13140/RG.2.1.3649.0726 CITATIONS 2 READS 2,231 2 authors: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: SLPforBMS View project Energy use and carbon intensity variability in larger retail buildings View project Jorge de Brito University of Lisbon 1,320 PUBLICATIONS 10,306 CITATIONS SEE PROFILE Ivette Flores Metropolitan Autonomous University 109 PUBLICATIONS 1,612 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Jorge de Brito on 28 September 2015. The user has requested enhancement of the downloaded file. INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO MESTRADO AVANÇADO EM CONSTRUÇÃO E REABILITAÇÃO CADEIRA DE CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS PAREDES DE ALVENARIA DE PEDRA NATURAL Jorge de Brito e Inês Flores Abril de 2003 ÍNDICE 1. Introdução 1 2. Campo de aplicação 3 3. Vantagens e desvantagens 5 4. Tipologias e definições 6 5. Exigências funcionais 9 5.1. Resistência mecânica 9 5.2. Estanqueidade à água e ao ar 9 5.3. Isolamento térmico 10 5.4. Isolamento acústico 10 5.5. Resistência ao fogo 10 5.6. Durabilidade 11 5.7. Aspecto visual 11 6. Selecção dos materiais 12 6.1. Pedra natural 12 6.2. Argamassas 14 6.3. Características mecânicas 16 7. Processo construtivo 17 7.1. Utensílios tradicionais 17 7.2. Sequência da construção 19 7.2.1. Implantação 19 7.2.2. Fundações 19 7.2.3. Caixas-de-ar 21 7.2.4. Elevações 21 7.3. Disposições construtivas 25 7.3.1. Execução das juntas 25 7.3.2. Execução de cunhais e encontros 26 7.3.3. Abertura de vãos 27 7.3.4. Paredes duplas 28 7.3.5. Erros construtivos 30 8. Comportamento estrutural 34 9. Variantes à técnica tradicional 37 9.1. Construção pombalina 38 10. Estudo de viabilidade económica 39 11. Bibliografia 43 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores PAREDES DE ALVENARIA DE PEDRA NATURAL 1. INTRODUÇÃO Ao longo dos tempos, a pedra natural foi um dos principais materiais constituintes das construções executadas pelo homem. As novas construções em alvenaria de pedra, à vista ou revestidas, são, hoje em dia, raras devido à escassez da pedra natural, ao seu elevado custo e à falta de mão-de-obra especializada neste tipo de construção, que remonta aos primórdios da história do ser humano. O interesse manifestado pela preservação / conservação do património histórico-cultural leva a que as construções novas a serem executadas, em particular nos centros históricos, tenham que respeitar a traça do edificado envolvente. Este documento pretende servir de apoio aos alunos do Mestrado Avançado em Construção e Reabilitação do Instituto Superior Técnico na Cadeira de Construção de Edifícios. Foca parte do capítulo dessa mesma cadeira dedicado às paredes divisórias que, tal como toda a restante matéria, se restringe fundamentalmente aos edifícios correntes. Antes de encerrar esta introdução, resta definir alguns dos termos utilizados. Alvenaria é uma palavra de origem árabe e significa o trabalho feito pelo pedreiro (albanná) ou alvanel, como antigamente este era designado [1]. É constituída por elementos de pequenas dimensões (entre os quais as pedras naturais ou artificiais) sobrepostos e arrumados, ligados ou não por argamassa, chamando-se neste último caso alvenaria seca. Pretende-se desta forma garantir à construção alguma resistência a esforços de compressão. A argamassa comporta-se como elemento normalizador de transmissão vertical de cargas e garante da solidez do conjunto. O documento aborda fundamentalmente a descrição dos processos construtivos associados às construções de paredes de alvenaria de pedra natural, independentemente do facto de hoje em dia estas técnicas serem relativamente pouco utilizadas. 1 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores A elaboração deste documento não resultou de investigação específica sobre o tema efectuada pelos seus Autores mas sim de alguma pesquisa bibliográfica e de monografias escritas realizadas por alunos do Instituto Superior Técnico, no Mestrado em Construção. Assim, muita da informação nele contida poderá também ser encontrada nos seguintes textos, que não serão citados ao longo do texto: Paulo Silveira, “Paredes Divisórias de Pedra Natural e Blocos de Betão Corrente”, Monografia apresentada no Mestrado em Construção, Instituto Superior Técnico, 1999, Lisboa; Ricardo Soares, “Paredes de Alvenaria de Pedra”, Monografia apresentada no Mestrado em Construção, Instituto Superior Técnico, 1999, Lisboa. 2 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores 2. CAMPO DE APLICAÇÃO Em todas as grandes civilizações, das clássicas às contemporâneas, a pedra natural foi quase sempre o material escolhido nas construções humanas que se pretendia viessem a preservar ao longo dos tempos a fugaz memória dos seus autores. Entre muitos outros exemplos, podem-se citar as Pirâmides de Gizé (Fig. 1, à esquerda), com mais de 4500 anos, a Grande Muralha da China (Fig. 1, à direita), com mais de 6000 km construídos ao longo de mais de 2000 anos, a Via Ápia (Fig. 2, à esquerda), a percursora de todas as estradas de carácter permanente, e, em Portugal, a preciosa Torre de Belém (Fig. 2, à direita). Fig. 1 - À esquerda, a Pirâmide de Quéops e, à direita, troço da Grande Muralha da China Fig. 2 - Troço da Via Ápia (à esquerda) e a Torre de Belém (à direita), em Lisboa Como se sabe, as construções de estrutura resistente em pedra natural são hoje em dia cada vez mais raras, circunscrevendo-se à reconstrução de edifícios antigos ou integrados em 3 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores núcleos históricos (Fig. 28, à esquerda), ainda que ainda continuem a ser executadas em edifícios de raiz (foto da capa), sobretudo no Norte do país (em granito), no Sul - em pedra calcária (Fig. 3, à esquerda) - e na região autónoma da Madeira - em basalto (Fig. 3, à direita). As razões principais para este aparente declínio são, como quase tudo na sociedade actual, de índole económica. Fig. 3 - Moradia no Casal dos Capelos, Sobral de Monte Agraço, executada em alvenaria de pedra calcária (à esquerda) e entrada das Grutas de São Vicente, Ilha da Madeira, em alvenaria de basalto (à direita) [7] Refira-se ainda que, para além de paredes exteriores e interiores em edifícios, a alvenaria de pedra natural é utilizada em fundações (Fig. 4, à esquerda) e em muros de suporte de terras (Fig. 4 e 9, à direita) ou de separação de terrenos. Fig. 4 [6] - Utilização de alvenaria de pedra natural em fundações de paredes (à esquerda) e em muros de suporte de terras (à direita) 4 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores 3. VANTAGENS E DESVANTAGENSInteressa conhecer todas as diversas desvantagens e limitações associadas à utilização actual da alvenaria de pedra natural: a elevada espessura exigida às paredes por razões estruturais e construtivas baixo aproveitamento da área potencial habitável; o elevado peso próprio grandes solicitações gravíticas e sísmicas; a limitação às dimensões dos edifícios, sobretudo em altura, decorrente do ponto anterior; o elevado custo, tanto no material como na mão-de-obra; a execução bastante morosa e a cada vez maior dificuldade em garantir mão-de-obra especializada; o facto de não ser uma boa solução, à luz dos actuais parâmetros de habitabilidade, como acabamento interior, por ser uma superfície fria; o mau comportamento acústico em termos do efeito de refracção. No reverso da medalha, avultam as vantagens deste tipo de solução: o seu inegável valor estético, cultural e de integração urbana; a sua durabilidade, potencialmente elevada; a grande inércia térmica; o bom isolamento aos ruídos aéreos. 5 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores 4. TIPOLOGIAS E DEFINIÇÕES Do ponto de vista da utilização ou não da argamassa para ligar as pedras entre si, existem dois tipos de alvenaria: seca, em que se dispensa o uso da argamassa (por ser escassa a cal), sendo as pedras dispostas por camadas e estabilizadas apenas pelo seu peso próprio e pelo encaixo cuidado das pedras e utilização de escassilhos (pedras pequenas fragmentadas - Fig. 5, à esquerda); esta técnica é utilizada em muros e paredes exteriores e interiores e em fundações, mas não é recomendável em zonas sísmicas; ordinária, normalmente constituída por pedras de formas irregulares de várias dimensões, assentes pela face que se apresentar mais regularizada, ou seja, a que tiver maior leito (Fig. 5, à direita), com argamassa de cal e areia; a alvenaria romana é um caso particular, em que os escassilhos estabilizadores ficam recolhidos em relação às faces da parede, para serem cobertos por argamassa. Fig. 5 - Muro exterior de alvenaria seca (à esquerda) e alvenaria de pedra ordinária (à direita) [7] Em termos de regularidade das faces da pedra que ficam à vista, tem-se a seguinte classificação: alvenaria tradicional, constituída por pedra irregular, sem faces aparelhadas (Fig. 6, à esquerda); refira-se que a esmagadora maioria dos edifícios construídos em Portugal até meados da década de 50 são em paredes de alvenaria tradicional revestida; 6 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores alvenaria aparelhada, quando as pedras ou blocos têm faces regulares, com forma geométrica mais ou menos definida, e a argamassa é em camadas finas; a regularidade das pedras, ou seja, o seu nível de aparelho é variável (Fig. 7); a enxilharia ou silharia (Fig. 8, à esquerda) é um caso particular, composta por silhares, ou seja, pedras aparelhadas de forma paralelepipédica, com as faces esquadriadas e paralelas duas a duas, podendo designar-se também por aparelho regular tosco (o aparelho poligonal rústico ou bujardão - Fig. 8, à direita - é um caso intermédio entre o apresentado na Fig. 7, à esquerda, e a enxilharia, no qual são utilizadas pedras com faces relativamente planas, permitindo um melhor preenchimento das juntas de dilatação, mas de formas irregulares); o perpianho é outro caso particular, no qual as pedras têm uma das dimensões igual à espessura da parede, resultando daí duas faces à vista para a mesma pedra (Fig. 6, à direita); alvenaria mista, na qual a alvenaria ordinária é envolvida por um revestimento aparelhado de enxilharia; a alvenaria de duas folhas é um caso particular, em que dois panos de pedra assente são preenchidos no seu interior por material de enchimento de pequenas dimensões e origens diversas (Fig. 9, à esquerda). Fig. 6 [5] - À esquerda, pedras roladas não aparelhadas e, à direita, perpianho (alçado e corte) Fig. 7 [5] - À esquerda, pedras angulosas dispostas irregularmente com uma face aparelhada e, à direita, pedras com aparelho parcial dispostas em camadas Na Fig. 10 apresenta-se um exemplo de um prédio sito nas Escadas do Recanto, na Zona 7 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores Ribeirinha do Porto, onde se evidencia a construção dos dois primeiros pisos em alvenaria com as duas faces aparelhadas e o último em alvenaria ordinária. Uma explicação possível poderá ser a construção do prédio em épocas distintas. Fig. 8 - Exemplo real de enxilharia em Mogadouro (à esquerda) e esquema do aparelho poligonal rústico (à direita) Fig. 9 - Exemplo de alvenaria de duas folhas no núcleo histórico de Óbidos (à esquerda) e de muro de suporte de terras na Madeira (à direita) 8 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores Fig. 10 - Prédio nas Escadas do Recanto, Zona Ribeirinha do Porto [7] 9 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores 5. EXIGÊNCIAS FUNCIONAIS As exigências funcionais aplicáveis às paredes de alvenaria de pedra natural não diferem substancialmente das aplicáveis às restantes paredes divisórias, exteriores ou interiores: segurança, saúde e conforto e economia (Fig. 11). Daí que se tenha seleccionado algumas das exigências funcionais de maior relevância e, em relação a estas, se tenha identificado as características que se aplicam especificamente às paredes objecto do actual documento. Principais exigências funcionais Ventilação Conforto Térmico Durabilidade Conforto Acústico Conforto Visual e Táctil Segurança Res. Mecânica Fogo Estanqueidade Água e Ar Fig. 11 - Principais exigências funcionais [7] 5.1. RESISTÊNCIA MECÂNICA Este tipo de paredes não está, ao contrário da maioria dos restantes tipos, limitado à função de pano de enchimento entre elementos resistentes (em betão ou metálicos), resistindo apenas ao seu próprio peso. Pelo contrário, tem funções macro-resistentes, já que não existem normalmente outros elementos estruturais, quer às acções gravíticas quer às horizontais. Neste sentido, são englobadas nas chamadas paredes resistentes. 5.2. ESTANQUEIDADE À ÁGUA E AO AR Esta função, primordial sobretudo nas paredes exteriores, pretende minimizar o efeito de absorção das águas pluviais pelo paramento exterior e das humidades de condensação pelos paramentos interiores. A parede deve ainda possibilitar a saída dessas águas e de outras que 10 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores surjam no seu interior (humidades da construção ou de ascensão capilar do solo). As paredes de pedra natural argamassada exercem de forma satisfatória estas funções, sobretudo se bem ventiladas. 5.3. ISOLAMENTO TÉRMICO O comportamento térmico das paredes de pedra natural é em geral inferior ao conseguido com panos de alvenaria de tijolos cerâmicos ou de blocos de betão, sobretudo se estes forem duplos (Quadros 1 e 2). Quadro 1 [3] - Condutibilidade térmica de diversas pedras e de outros materiais de enchimento Material Massa volúmica aparente [kg/m3] Condutibilidadetérmica [W/m ºC] Pedras (incluindo juntas de assentamento) granito xisto, ardósia (perpendicularmente aos planos de estratificação) basalto mármore outros calcários Material cerâmica de barro vermelho Betões (de inertes correntes) normal leve ou autoclavado 2300 - 2900 2000 - 2800 2700 - 3000 2590 1840 - 2590 1800 - 2000 2200 - 2400 1700 - 2100 3.0 2.2 1.6 2.9 1.4 - 2.4 1.15 1.75 1.4 5.4. ISOLAMENTO ACÚSTICO Nas paredes de alvenaria de pedra natural, o isolamento conseguido em relação aos ruídos aéreos, originados no exterior ou em algum dos compartimentos, é bastante bom, devido à sua elevada massa. 5.5. RESISTÊNCIA AO FOGO 11 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores A pedra natural, assim como as argamassas de solidarização geralmente utilizadas, são incombustíveis (classe M0) e não facilitam a propagação do fogo. Quadro 2 [3] - Coeficientes de dilatação térmica de diversas soluções de paredes Solução Espessura [m] Coeficiente de transmissão térmica K [W/m2 ºC] Alvenaria simples pedra (granito) tijolo simples tijolo duplex blocos de betão leve blocos de betão normal Parede de betão normal Alvenaria dupla tijolo furado blocos de betão leve blocos de betão normal betão e tijolo furado betão e blocos de betão 0.40 0.22 0.22 0.20 a 0.25 0.20 a 0.25 0.10 a 0.20 0.11 (ext.) e 0.11 (int.) 0.11 e 0.15 0.10 e 0.10 0.10 e 0.15 0.10 e 0.15 0.11 (tijolo) 0.10 (blocos) 3.1 1.6 1.25 1.4 2.5 3.6 1.4 1.2 1.3 1.1 1.5 1.55 1.55 5.6. DURABILIDADE A estabilidade físico-química dos blocos de pedra ao longo do tempo, em relação às acções a- gressivas do meio exterior, nomeadamente a permanência de humidades, a acção da chuva, vento e poeiras e a acção dos agentes químicos e orgânicos dos materiais e do solo, é em circunstâncias normais adequada. Daí a durabilidade comprovada das construções das Figs. 1 e 2. No entanto, a poluição moderna, sob a forma dos gases do escape dos automóveis e de chuva ácida, tem posto em causa esse dado estabelecido. Por outro lado, a durabilidade varia de caso para caso em função do tipo de pedra e dos factores climáticos, físicos, químicos e microbiológicos. 5.7. ASPECTO VISUAL Esta solução é do ponto de vista estético e funcional adequada para ficar à vista e servir de a- cabamento final, comportando eventualmente uma pintura ou envernizamento. Este é de facto 12 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores um dos aspectos mais positivos da utilização da pedra natural para quem aprecia soluções de continuidade histórico / cultural. Em termos de paramentos interiores e sobretudo em soluções não aparelhadas, a não utilização de revestimentos superficiais já é bastante mais discutível. 6. SELECÇÃO DOS MATERIAIS A alvenaria é definida como o agregado de pedras naturais com argamassa e o agregado de blocos também com argamassa, sendo que uma boa argamassa origina de um modo geral uma boa alvenaria. A alvenaria é um maciço constituído por pedras de diferentes dimensões, partidas de forma aleatória, ligadas entre si por intermédio da argamassa. Os elementos constitutivos das argamassas devem ser sempre de qualidade superior e dever- se-á observar de forma rigorosa a constituição dos traços, bem como, a qualidade das pedras naturais e/ou dos blocos artificiais a empregar. 6.1. PEDRA NATURAL As pedras naturais utilizadas na execução de paredes de alvenaria eram seleccionadas pela sua abundância e tradição de utilização nas proximidades do local da construção (redução dos custos de transporte) e pela facilidade de acesso e extracção, desde que garantissem uma capacidade resistente (e uma estética) aceitável. Nesta medida e tomando como exemplo o nosso país, no Sul tem sido utilizado sobretudo o calcário, no Norte e Beiras o granito e o xisto e, na Madeira, o basalto, criando-se desta forma uma relação de identidade entre a região e a pedra utilizada. Uma boa pedra de construção deve obedecer a determinados requisitos, nomeadamente 1: resistência mecânica adequada aos esforços a que vai ser submetida; resistência à acção do tempo, dos agentes atmosféricos ou de produtos agressivos de diversas naturezas; trabalhabilidade compatível com as técnicas de laboração; porosidade não exagerada, mas também suficiente para possibilitar uma boa aderência às argamassas de assentamento. 13 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores Estas pedras são geralmente retiradas de pedreiras (Fig. 12, à esquerda), com recurso a explosões ou equipamento do tipo martelos hidráulicos, ainda que também possam ser extraídas do leito de cursos de água, sob a forma de grandes blocos ou calhaus (Fig. 12, à direita). Depois de retirada do local de origem, a matéria-prima é preparada e talhada por forma a serem-lhe dadas as dimensões e a forma apropriadas para a construção. Para tal, são utilizados martelos hidráulicos, marretas e camartelos (podendo recorrer-se ao fogo na fragmentação dos blocos maiores). Fig. 12 - À esquerda, aspecto de uma pedreira desactivada e, à direita, extracção de pedra do leito de uma ribeira; em ambos os casos, trata-se de basalto da Madeira A pedra, em geral, deverá ser rija, não margosa nem geladiça, inatacável pelo ar ou pela água, e deverá ter dimensões adequadas ao fim a que se destina. A pedra para alvenaria deve provir das melhores bancadas de pedreira, ser dura, de bom leito, sem fendas, bem isenta de terra ou de quaisquer outros corpos, devendo desbastar-se quando assim sucede. Deverá ainda ter boa liga com as argamassas. 14 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores As pedras utilizadas em alvenaria devem ser duras, compactas, ter boa resistência à compressão e estar isentas de argila, poeiras, terra vegetal ou outras impurezas. Devem estar minimamente aparelhadas e terem leito algo regular, após lhe terem sido quebradas as saliências mais significativas. Devem ser dispostas de modo a que recebam as cargas verticais tanto quanto possível perpendicularmente aos seus leitos (primordial no caso dos xistos) e aos seus planos de estratificação, no caso das rochas sedimentares. 6.2. ARGAMASSAS Para além da boa qualidade da pedra e da sua correcta colocação, a resistência de uma parede de alvenaria depende também da qualidade da argamassa utilizada no assentamento, já que esta garante uma parte substancial do volume da parede. As argamassas são geralmente constituídas pela associação de um ligante, água e areia (actualmente), cal e areia (tradicionalmente) ou mesmo barro (construção rústica). Desempenham um papel essencial no assentamento e na ligação das pedras entre si e no revestimento dos paramentos das alvenarias. Os ligantes mais utilizados no fabrico das argamassas são o cimento portland, a cal hidráulica, a cal comum, o gesso e as pozolanas. O cimento portland e a cal hidráulica são apropriados à execução de argamassas para assen- tamento de alvenarias e execução de rebocos resistentes. A cal comum e o gesso são apro- priados para a execução de argamassas para revestimentos interiores (emboço, estuques, etc.).Deve-se sempre aplicar uma argamassa com a composição apropriada ao tipo de alvenaria a executar. Apresentam-se as dosagens mais utilizadas nas aplicações correntes de assentamento de alvenarias. As dosagens indicadas têm como base as seguintes baridades médias: cimento - 1200 kg/m³ areia seca - 1500 kg/m³ britas - 1300 kg/m³ 15 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores Como indicação de carácter geral, referem-se as seguintes dosagens expressas em quilograma de ligante para 1 m³ de areia. Rebocos: cal hidráulica - 300 a 400 kg/m³ cimento portland - 350 a 500 kg/m³ cimento portland em rebocos estanques - 600 a 700 kg/m³ cimento portland em argamassas imersas frescas em águas agressivas - 800 a 1000 kg/m³ Assentamento de alvenarias: alvenaria de enchimento, ou por detrás de paramentos expostos a águas agressivas - 250 a 350 kg/m³ alvenarias correntes no ar ou na água doce não agressiva - 350 a 400 kg/m³ arcos e paramentos de alvenarias - 400 a 500 kg/m³ obras de alvenaria em contacto com águas agressivas - 500 kg/m³ refechamento de juntas - 600 kg/m³ As argamassas aéreas, realizadas com cal ou gesso, apresentam boa trabalhabilidade mas bai- xas resistências mecânicas e são facilmente atacáveis pelos agentes atmosféricos, devendo ser usadas sobretudo no interior. As argamassas hidráulicas, particularmente as realizadas com ci- mento, apresentam elevadas resistências mecânicas, grande impermeabilidade, mas retracção considerável. Interessa referir que, sendo a resistência mecânica da alvenaria função da resistência mecânica do elemento e da argamassa utilizada, o emprego de argamassas muito ricas só tem interesse se os elementos apresentarem resistências compatíveis, sob pena da solução ser antieconómica e provocar problemas de desempenho desnecessários. 16 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores É assim de todo o interesse o emprego de argamassas bastardas de cimento e cal, nas propor- ções adequadas ao tipo de alvenaria a realizar. Eventualmente, a cal pode ser constituída por mistura de cal aérea e cal hidráulica, podendo também a argamassa ser aditivada. No caso de obras em contacto com águas agressivas (como, por exemplo, as obras marítimas), é mais prudente substituir, nas dosagens de cimento portland indicadas, 30 a 40% de cimento por uma pozolana natural. Na região de Lisboa, as dosagens utilizadas na construção civil corrente são em regra as seguintes, expressas em volume de materiais: Alvenaria de pedra - utilizando cimento e areia grossa, 1:5 para paredes de fundação e elevação e 1:4 para muros de suporte de terras. Usando cal hidráulica, para as fundações 1:4 e em elevação 1:5. 6.3. CARACTERÍSTICAS MECÂNICAS O conhecimento das características mecânicas destes elementos é necessário na medida em que, dependendo da função atribuída à parede de alvenaria, a sua resistência à rotura é mais ou menos importante. Sendo a parede ou o muro de alvenaria uma associação de blocos constituintes com a argamassa das juntas, é evidente que a sua resistência será condicionada pela resistência do mais fraco daqueles dois componentes. As paredes resistentes apresentam como denominador comum a elevada espessura e a diversidade de materiais que as constituem, originado desta forma elementos rígidos e muito pesados com as seguintes características mecânicas: elevada resistência a esforços de compressão; baixa resistência ao corte; muito baixa resistência à flexão e à tracção. 17 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores 7. PROCESSO CONSTRUTIVO 7.1. UTENSÍLIOS TRADICIONAIS O pedreiro, mais que um operário, é um mestre cuja arte tem vindo a ser transmitida ao longo de muitas gerações. Para executar os difíceis trabalhos para que é solicitado, recorre a um conjunto alargado de ferramentas tradicionais, de baixo valor tecnológico e em muitos casos já caídas em desuso noutros contextos. A Fig. 13 ilustra a maioria desses instrumentos, excluindo as talhadoras, o pé de cabra, os ponteiros e cunhas e, mais recentemente, os martelos mecânicos. 18 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores Fig. 13 - Utensílios utilizados nos trabalhos do pedreiro (a) fio de prumo - ou um cordel, para verificar a verticalidade; (b) níveis de pedreiro - utensílio utilizado para verificar a horizontalidade de uma linha ou superfície; (c) níveis de bolha de ar - utensílio utilizado para verificar a horizontalidade de uma linha ou de uma superfície, designadamente no assentamento de cantarias, realização de meio fio, devendo ser colocado sobre uma régua plana de madeira; (d) cruzeta de borneio - utensílio de madeira em forma de T para bornear ou passar níveis ou alinhamentos; (e) compasso; (f) cintel - compasso grande utilizado na marcação de linhas curvas, servindo também de apoio para a implantação de edifícios de gaveto com esquina arredondada; (g) gaivel - utensílio de madeira que se fixava a um prumo para implantação de um elemento com inclinação constante; (h) esquadro de madeira - utensílio utilizado para a implantação e assentamento de elementos como cantarias, de forma a assegurar a perpendicularidade entre as várias peças ou paredes, cujo material é a madeira; (i) esquadro de ferro - utensílio utilizado para a implantação e assentamento de elementos como cantarias, de forma a assegurar a perpendicularidade entre as várias peças ou paredes, cujo material é o ferro; (j) suta - utensílio constituído por duas réguas de madeira articuladas num ponto, para transporte de ângulos; (k) camartelo - tipo especial de martelo, com uma cabeça quadrada e outra em bico, utilizado para talhar as pedras e auxiliar o seu assentamento, quer com a cabeça quadrada, quer com o cabo; (l) marreta; (m) picadeira - martelo achatado com as duas pontas em gume, utilizado para cortar e sutar; (n) colher - para misturar e aplicar a argamassa; (o) ficha - colher denteada comprida e estreita utilizada para introduzir e apertar a argamassa entre as pedras de cantaria; (p) trolha - pá de madeira onde se preparava a argamassa imediatamente antes da sua aplicação; 19 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores (q) coche, sistema francês - estrado de madeira para transportar materiais à cabeça ou aos ombros, por exemplo argamassas; (r) desempenadeira - utensílio quadrado de madeira, com 0.15 a 0.20 m de lado com uma pega numa das faces, utilizada para regularização do reboco, ou desempeno da parede; (s) esparvel - utensílio de madeira com cerca de 0.40 m de lado, com um cabo redondo numa das faces, utilizada para transporte de argamassa a aplicar em tectos e cantos de paredes; (t) talocha. 7.2. SEQUÊNCIA DA CONSTRUÇÃO 7.2.1. Implantação A implantação do edifício marca o início da construção, já que consiste na marcação da planta de fundações no terreno disponível para a construção. A medição faz-se com fita métrica, os alinhamentos com um cordel e os pontos convergentes e extremidades marcam-se com esta- cas. Deve prestar-se especial atenção aos ângulos, saliências e reentrâncias que possam ocor- rernas paredes do edifício, para que os resultados estejam em conformidade com o projectado. Em primeiro lugar, marcam-se as fundações das paredes exteriores e só a posteriori é que se procede à marcação das fundações das paredes interiores. A marcação da fundação é executada através de alinhamentos definidos por estacas de ferro ou madeira, unidas por cordéis em cujos planos verticais se marcam e abrem os caboucos. A profundidade dos caboucos, escavação pontual para execução das fundações, deve ser a mesma em toda a implantação, para que não se produzam assentamentos e quebras dos alicerces, sendo que a excepção a esta regra ocorre quando algumas parcelas da fundação assentam sobre rocha, e nessas zonas a ligação é perfeita. 7.2.2. Fundações Após a conclusão da implantação da obra inicia-se a abertura das fundações, sendo a 20 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores escavação realizada de acordo com a implantação, iniciando-se desta forma a abertura das fundações ou caboucos. Após a verificação do aprumo dos caboucos, da sua limpeza e em simultâneo a estabilidade do terreno de fundação, inicia-se o enchimento das fundações com alvenaria de pedra rija e argamassa de cal hidráulica e areia, ou cimento e areia. Sobre a terra solta ou areia, bem como nos terrenos húmidos ou encharcados, não é conveniente fazer o enchimento das fundações, pelo que são executados drenos apropriados com pedra britada, vulgarmente designada por cascalho, e com leves escavações para o exterior, para desvio das águas para fora da obra. A pedra para a alvenaria das fundações deverá ser rija e preferencialmente em grandes blocos, devendo-se sempre que possível evitar pedras de pequenas dimensões reservando-as para o enchimento entre os grandes blocos. Os espaços vazios deverão ser evitados, para que se evitem as infiltrações e até mesmo a rotura da própria alvenaria As fundações das paredes de alvenaria de pedra natural são geralmente também elas próprias em pedra natural (Fig. 4, à esquerda), com uma espessura ligeiramente superior à da parede para reduzir as tensões introduzidas no terreno e com o seu topo a cerca de 20 cm do nível do terreno. A sobrelargura pretende assegurar uma maior área de contacto entre a parede de alvenaria e o solo de fundação, apresentando este último menor resistência mecânica. Em solos de fundação de natureza conhecida e muito resistente, a sobrelargura não é necessária. Em edifícios de pequeno porte, o alargamento é da ordem dos 0.10 a 0.15 m para cada lado da espessura das paredes e a sua altura varia entre 0.50 e 0.80 m, em terreno médio. Hoje em dia, existe a alternativa de executar um lintel de betão armado na base da parede (Fig. 25, à direita). Caso o terreno não seja horizontal (Fig. 9, à esquerda), este embasamento deverá ser feito segundo uma série de degraus horizontais. O enchimento dos caboucos nunca deverá ser feito parede por parede, mas sim simultaneamente numa grande zona de construção, para que as ligações sejam tanto quanto possível como monólitos. Todas as fundações deverão ficar bem ligadas entre si em todo o conjunto da obra. Após a conclusão do enchimento dos caboucos, construídos os alicerces da 21 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores parede, inicia-se a elevação da construção. 7.2.3. Caixas-de-ar Entre o nível do terreno e o pavimento do rés-do-chão, deverá ficar um espaço livre, destinado à circulação do ar, designado por caixa-de-ar, e que nunca deve ter menos do que 0.60 m de altura. A inclusão da caixa-de-ar tem por objectivo estabelecer o bom arejamento da mesma. Para tal, deixam-se umas aberturas em todas as paredes interiores e de compartimento para compartimento. Muitas vezes, opta-se pela abertura de uns ventiladores, para constante renovação do ar interior. Este arejamento preserva as paredes do apodrecimento ou ataque dos insectos, para além de proteger o vigamento e o soalho do primeiro piso. A altura da caixa-de-ar permite que o rés-do-chão fique superior ao nível do terreno, ou da rua, promovendo o afastamento das zonas eventualmente mais húmidas. 7.2.4. Elevações Após terem sido erguidas todas as paredes das fundações e caixa-de-ar até à altura indicada no projecto, procede-se ao ensoleiramento, que estabelece desse nível para cima todas as alturas da edificação que se vai erguer. Executado o ensoleiramento, é colocada em cada extremidade do muro e a meia espessura um prumo vertical (guia), sobre o qual se fixa horizontalmente uma travessa e um cordel, onde, através de entalhes, é marcada a direcção e a espessura da parede (linhas mestras). As paredes-mestras, de alvenaria de pedra e argamassa, começam a ser elevadas depois de efectuada a sua marcação sobre as paredes das fundações e vão crescendo sucessivamente até atingirem a cota inferior do pavimento do primeiro piso. A Figura 14 apresenta um exemplo construtivo de execução de uma parede de granito onde pode observar-se os prumos verticais metálicos e as linhas mestras. As marcações da parede com régua e à colher, sobre linhas mestras, que são chapadas de argamassa. Estende-se depois sobre a superfície plana uma camada de argamassa com cerca 22 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores de 2 cm de espessura. Em alternativa, para fazer a marcação das bases da parede, pode-se colocar nas extremidades da mesma guias em madeira que definem a sua espessura e posição correcta, ao longo das quais irá correr um cordel (Fig. 15), assegurando o desempeno e a verticalidade da parede à medida que esta vai crescendo (e o cordel subindo). Fig. 14 - Execução de uma parede de alvenaria de granito Fig. 15 [4] - Guias para a construção de paredes de alvenaria de pedra A espessura das paredes depende da forma das pedras utilizadas e da altura (ou n.º de pisos) pretendida para o conjunto, não devendo no entanto ser inferior a 30 ou 40 cm. De acordo com o recomendado no art.º. 25º. do RGEU, as paredes exteriores ou interiores em alvenaria 23 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores de pedra, em edifícios de um piso, têm a sua resistência necessária assegurada, sem qualquer outra justificação, se tiverem a espessura mínima de 40 ou 28 cm, respectivamente para pedra irregular ou para pedra talhada. Por pedra talhada entende-se perpianho ou semelhante, em pedra rija. Quanto mais esbelto for um maciço de alvenaria, maiores terão de ser os cuidados na sua construção, não só na solidarização das pedras, mas no paralelismo e verticalidade dos seus paramentos. Marcados os vãos, inicia-se então a execução da primeira fiada da parede, escolhendo-se os maiores blocos, para melhor resistirem ao esmagamento. Estes assentam na argamassa e são equilibrados por escassilhos, sem deixar a pedra a flutuar na argamassa. Para acamar a pedra na sua posição final, deve-se bater levemente na mesma com a cabeça do camartelo ou com o cabo da colher. Deve assegurar-se que a face mais regular da pedra fica a constituir a face à vista. Prossegue-se com a colocação das restantes pedras da primeira fiada, sem se procurar uma regularidade completa de leito para a fiada seguinte. Entende-se por face de apoio a face inferior do elemento na posição em obra, apoiando-se na argamassainferior. Por face de assentamento entende-se a face superior do elemento na posi- ção em obra, recebendo a camada de argamassa que irá constituir a junta horizontal superior. A fiada seguinte é executada desencontrando as juntas verticais e encaixando as pedras nos lugares deixados livres (Fig. 16, à esquerda). As juntas horizontais entre fiadas não são, naturalmente, planos horizontais. As juntas entre pedras, no sentido da espessura, devem ficar perpendiculares ao paramento, cuja verticalidade vai sendo verificada com fio-de-prumo (Fig. 17, à esquerda). Não podem ser deixados vazios, nem grandes recheios de argamassa, servindo os pequenos fragmentos de pedra para maciçamento dos espaços entre os grandes blocos (Fig. 17, ao centro). As pedras devem ser molhadas antes de serem assentes e o pedreiro escolhe a pedra que melhor se adapta ao espaço que dispõe (Fig. 16, à esquerda), lavrando com ferramenta manual a forma e saliências que impedem a sua colocação. 24 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores A parede vai crescendo por fiadas, limitada por fios horizontais fixos nas extremidades, com pelo menos dois pedreiros, um de cada lado (Fig. 17, à direita). A intervalos certos, iguala-se a altura do maciço, ou seja estabelece-se um leito horizontal, a todo o comprimento e largura da parede, utilizando escassilhos e argamassa. Deverão no entanto ser deixados alguns cabeços que solidarizem o leito criado com a próxima fiada. Fig. 16 - À esquerda, colocação da pedra mais adequada para o espaço livre e, à direita, leito de fiada regularizado com alguns cabeços à vista Fig. 17 - À esquerda [4], verificação da verticalidade da parede; ao centro [1], eliminação de grandes espessuras de argamassa; à direita [1], desenvolvimento da parede em altura, vendo- se também o esquadro para verificação da ortogonalidade paramentos - coroamento Um aspecto importante tem a ver com a sequência de construção das paredes na horizontal. Uma vez que os cunhais e as ombreiras dos vãos são zonas que devem ser reforçadas com recurso a pedras aparelhadas, é a partir dessas zonas que se inicia a colocação dos blocos, progredindo-se daí para a zona central (Fig. 18, à esquerda). No assentamento das pedras são 25 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores por vezes utilizadas calços ou cunhas de madeira, perdidas ou recuperadas, que servem como apoio às pedras (Fig. 18, à direita) e de alinhamento. Fig. 18 - À esquerda, fluxo de trabalho [1] na execução das alvenarias: dos cunhais e vãos para o centro e, à direita, cunhas de madeira para apoio das pedras mais pesadas Quando se é obrigado a interromper a construção por um período alargado, as superfícies inacabadas devem ser deixadas suficientemente rugosas, formando mesmo cabeços, para que, ao recomeçar, exista uma boa junção. Deve-se molhar a superfície inacabada antes de iniciar a reconstrução, para melhor aderência da argamassa. Quando se pretende rebocar a parede, não vale a pena deixar paramentos muito regulares, pois serão depois finalizados e as próprias asperezas facilitam a aderência da argamassa. A espessura da parede pode não ser constante em toda a altura do edifício pois diminui de baixo para cima à medida que as cargas aplicadas se vão reduzindo. Esta redução de espessura deve ser efectuada através de ressaltos no paramento interior e ao nível de cada piso do edifício com dimensões médias de 0.10 a 0.12 m. 7.3. DISPOSIÇÕES CONSTRUTIVAS 7.3.1. Execução das juntas Entende-se por junta o espaço entre dois elementos adjacentes, preenchido ou não por material. Designa-se contínua quando se trata de uma junta em argamassa, estendendo-se de forma contínua duma face à outra, e descontínua quando se trata de uma junta em argamassa 26 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores apresentando um ou mais vazios paralelos aos paramentos, existindo em todo o comprimento do elemento (junta horizontal), ou em toda a altura (junta vertical). O espaço (vertical e horizontal) entre blocos contíguos é preenchido por argamassa (cascalho e escassilhos - ver Fig. 17, ao centro), envolvendo toda a sua superfície e formando juntas contínuas de espessura o mais constante possível. Esta depende do nível de regularidade dimensional das pedras, terá preferencialmente entre 1 e 1,5 cm e nunca deverá ser superior a 4 cm. O preenchimento dos espaços deixados vazios entre blocos designa-se por maciçar a parede. As pedras devem ser desencontradas, para se obter uma boa resistência do conjunto: em ex- tensão, fazendo o desencontro aproximadamente a meio comprimento (com um mínimo de 20 cm); em altura, criando cabeços com fiadas de pedras de alturas desiguais (Fig. 16, à direita). Quando as juntas verticais e horizontais das pedras ficam à vista ou quando foram deixadas vazias, podem no final ser ou não rematadas nos paramentos da parede. No caso de serem rematadas, devem sê-lo de modo a que ofereçam uma resistência mínima ao escorrimento da água nas superfícies. Apresentam-se na Fig. 19 (em que A representa a argamassa de acabamento e B a de assentamento) as formas melhores e piores de serem acabadas. A solução a) apresenta risco de fractura com as nevadas, enquanto que as b) e c) facilitam as infiltrações. O preenchimento das juntas por espalhamento, introdução e aperto da argamassa de acabamento é ilustrado na Fig. 20. Fig. 19 - Formas de acabamento de juntas: a) alisada; b) saliente triangular; c) saliente quadrada; d) em oco (a mais adequada) [1] 27 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores 7.3.2. Execução de cunhais e encontros Nos cunhais e junções de paredes, é necessário travar entre si os dois maciços, executando denteados (ou alhetas) para interpenetração das alvenarias (Fig. 21, à esquerda). As pedras que são colocadas nas esquinas devem ser o mais rectangular possível, mesmo que para tal tenham de ser regularizadas (Fig. 21, ao centro). Os encontros de paredes e os cunhais são zonas de concentração de esforços, sujeitas à rotura por deformação, sempre que for causado um deslocamento na parede. Têm por isso uma importância primordial, sobretudo perante acções sísmicas. Fig. 20 [1] - Preenchimento correcto das juntas com argamassa de acabamento Fig. 21 - À esquerda [1], encontro de paredes com interpenetração vertical; ao centro [4], es- colha de pedras aparelhadas para os cunhais; à direita [1], ligação de ombreira através de sistema de gateamento 28 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores 7.3.3. Abertura de vãos Nas interrupções de paredes por motivo de vãos de portas ou janelas, deve procurar-se alguma continuidade do travamento e rigidez do conjunto. A verga será formada por uma viga de betão armado ou de pedra natural (ou mesmo madeira), protegida superiormente por um arco de alvenaria (Fig. 22). A ligação das pedras de ombreira poderá ser reforçada por ligações metálicas como sejam os chamados gatos (Fig. 21, à direita). Para além da verga, exigem alguns cuidados construtivos regiões como os gavetos, as golas e os enchalços (Fig. 23). O recurso a cantaria, tanto na verga como nasombreiras, é uma alternativa cara mas com um efeito estético muito conseguido. Fig. 22 [1] - Da esquerda para a direita, verga de muralha, verga de pedra integrada, arco abatido de pedras talhadas e arco de esperas com fecho de pedra talhada Fig. 23 [6] - Pormenorização das paredes de alvenaria junto aos vãos e aos cunhais Na Fig. 24, apresenta-se exemplos de vãos, janelas circulares e rectangulares e portas, onde a cantaria em basalto funciona simultaneamente como reforço do vão e como efeito estético 29 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores Fig. 24 [7] - Vários tipos de vãos (construção em basalto, Madeira) 7.3.4. Paredes duplas Uma solução de compromisso para a utilização da pedra em alvenaria, tendo em consideração as modernas práticas construtivas e exigências de conforto, será a execução de uma parede dupla exterior com caixa-de-ar, em que o pano exterior seja em alvenaria de pedra e o pano interior em blocos (ou tijolos) de outro material menos nobre, de menor custo, maior rapidez de execução e que possibilite um bom acabamento final. Outra solução que responda a exigências de carácter estrutural será a execução de uma parede dupla formada por um pano exterior em alvenaria de pedra natural e uma parede interior em betão armado. Esta poderá ser uma parede exterior corrente (Fig. 25, à esquerda) ou um muro de suporte de terras (Fig. 25, à direita). Repare-se que esta solução corresponde à utilização da pedra primordialmente com função de revestimento (pesado) e não com uma função macro-estrutural, como é objecto deste documento. Nos exemplos apresentados na Fig. 26 as paredes são na totalidade em pedra (podendo mesmo ser armadas com varões de aço) mas também não têm funções macro-estruturais. 30 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores Fig. 25 - Aplicação da solução mista betão - pedra num caso real de uma parede exterior (à esquerda) e, esquematicamente, num muro de suporte de terras (à direita) Na Fig. 27, apresenta-se um exemplo real de execução de uma parede dupla sendo a parede interior em betão armado (muro de contenção de terras) e a parede exterior em alvenaria seca de pedra basáltica. Podem ser observados os furos boeiros de drenagem. No muro de betão armado, foram deixadas “as pontas de varão de aço da cofragem” que efectuam o travamento entre as duas paredes. Fig. 26 - Paredes de pedra natural em estruturas de betão armado: revestimento de pilares (à esquerda) e vigas (à direita) e lintel de fundação em betão (à direita) 31 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores Fig. 27 - Parede dupla de betão armado / alvenaria de basalto (Madeira) [7] 7.3.5. Erros construtivos Os erros construtivos mais comuns na execução de paredes de alvenaria de pedra natural são os seguintes: qualidade geométrica - desníveis, deformações; equipas e equipamentos - rendimentos mal estimados, incumprimento de prazos; incumprimento de especificações, reduzidos tempos de secagem, soldaduras mal executadas, má cura dos elementos de betão armado (montantes e travessas), etc.; colocação de pedras ao alto - considerável perda de resistência e potencial desagregação de películas nas faces dessas pedras; plano de sedimentação inclinado ou vertical; juntas muito apertadas permitindo o contacto entre angulosidades de pedras de camadas distintas; pedras com saliências muito agudas - as cargas transmitidas pontualmente podem dar origem a deslocamentos e fendilhação ou mesmo a roturas localizadas na parede; pedras com faces côncavas - maior risco de ocorrência de fractura; excesso de juntas oblíquas - contribuição reduzida para a resistência do conjunto e geração de cargas instabilizadoras; 32 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores escassilhos com face à mostra no paramento - maior probabilidade de se desprenderem do conjunto e efeito estético discutível; juntas de argamassa de grande espessura - riscos de retracção acentuados com possíveis quebras de coesão do conjunto; capeamento (coroamento) da parede revestido de argamassa; disposição das pedras a originar juntas; primeira junta horizontal muito perto do solo - maior facilidade de infiltração de água proveniente do solo. A Fig. 28 ilustra alguns dos erros construtivos mais comuns na execução de paredes de alvenaria de pedra natural: A - colocação de pedras ao alto (Fig. 28, à esquerda) considerável perda de resistência e potencial desagregação de películas nas faces dessas pedras; B - plano de sedimentação inclinado ou vertical; C - juntas muito apertadas; D - pedras com saliências muito agudas as cargas transmitidas pontualmente podem dar origem a deslocamentos e fendilhação ou mesmo a roturas localizadas na parede; E - pedras com faces côncavas maior risco de ocorrência de fractura; F - excesso de juntas oblíquas contribuição reduzida para a resistência do conjunto e geração de cargas desestabilizadoras; G - escassilhos com face à mostra no paramento maior probabilidade de se desprenderem do conjunto e efeito estético discutível; H - juntas de argamassa de grande espessura riscos de retracção acentuados com possíveis quebras de coesão do conjunto; I - capeamento (coroamento) da parede revestido de argamassa (na Fig. 29, à direita, vê- se um coroamento correctamente executado); J - disposição das pedras a originar juntas; K - primeira junta horizontal muito perto do solo maior facilidade de infiltração de água proveniente do solo. 33 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores Fig. 28 - Erros construtivos correntes na execução de paredes de alvenaria de pedra natural A coesão do conjunto só será conseguida se se evitarem determinadas práticas, como a utilização de pedra irregular às fiadas, muito miúda ou de formas boleadas (Fig. 30, da esquerda para a direita). Fig. 29 - À esquerda, parede junto a cunhal com diversas pedras colocadas ao alto (Óbidos) e, à direita, coroamento de parede correctamente acabado 34 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores Fig. 30 [1] - Paredes com problemas de coesão do conjunto 35 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores 8. COMPORTAMENTO ESTRUTURAL O comportamento estrutural das paredes resistentes de alvenaria de pedra caracteriza-se por apresentarem um elevado peso próprio cujo principal objectivo é estabilizar as forças horizon- tais derrubantes e deslizantes. As paredes apresentam ainda uma elevada espessura que tem como função diminuir a esbelteza reduzindo-se o risco de instabilidade por encurvadura. Pelas características dos materiais que as compõem, a pedra natural (com razoável a excelente resistência à compressão - ver Quadro 3) e, quando existe, a argamassa (fraca resistência à tracção), e sobretudo pelo tipo de ligação entre os elementos, as paredes de alvenaria estão preparadas para funcionar fundamentalmente à compressão,suportando mal esforços de flexão ou tracção. Quadro 3 [1] - Densidade e resistência à compressão de algumas pedras naturais Origem Tipo Densidade [ton/m3] Resistência à compressão [kgf/cm2] ígnea granito 2.5 a 3.0 1500 a 2700 eruptiva basalto 2.8 a 3.3 3000 meláfiro 2.8 a 3.0 1800 tufos 0.6 a 1.7 35 a 600 sedimentar calcários 1.8 a 2.6 600 a 1500 brechas 1.8 a 2.7 800 a 1700 metamórfica arenitos 2.5 a 3.0 300 a 2700 mármores 2.4 a 2.8 1100 a 1800 xisto 2.5 a 3.0 800 a 1300 No que se refere às acções gravíticas, pode-se então dizer que, em princípio, estas paredes têm um bom comportamento. No entanto, dois factores concorrem para pôr em causa este princípio. O primeiro é a elevada espessura das paredes associada à densidade do material, que faz com que as tensões introduzidas exclusivamente pelo peso próprio sejam à partida relativamente importantes. O segundo factor está associado à encurvadura das paredes, tanto mais importante quanto mais alta for a parede, maior a carga vertical sustentada, menor for o rigor da construção em termos da verticalidade e, finalmente, menor for a coesão do conjunto (muito pequena na alvenaria seca). Na Fig. 31, correspondente a uma alvenaria de duas folhas, à esquerda e ao centro, pode-se observar este efeito: na face traccionada (esquerda), 36 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores abrem-se fendas, originando a falta de apoio nas pedras superficiais que caiem; na face comprimida, a argamassa, sendo fraca, é esmagada e deixa escapar a pedra; o colapso é total e repentino. Na mesma figura do lado direito, visualiza-se a colocação de ligadores de pedra de madeira ou de ferro, que impedem o esboroamento lateral das duas faces da parede. Fig. 31 [5] - Problemática da encurvadura das paredes de alvenaria (acelerada na presença de acções sísmicas) Fig. 32 [5] - Ligadores metálicos para melhoria do funcionamento conjunto da parede No que se refere às acções horizontais, nas quais as sísmicas assumem particularmente relevância no nosso País, o comportamento das paredes de alvenaria de pedra é muito variável, desde uma total inaptidão até resistências satisfatórias, embora possa ser melhorado 37 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores com recurso a ligadores de pedra (Fig. 31, à direita) ou metálicos (Fig. 32). Nos edifícios de Lisboa e a partir do terramoto de 1755, passou a introduzir-se dentro das paredes uma estrutura de madeira (a chamada gaiola pombalina) para melhor as solidarizar (Fig. 33). O caso mais desfavorável é o da alvenaria seca ou de ligante fraco com pedra irregular, com uma ou duas folhas, e sê-lo-á tanto mais quanto mais arredondadas e de menor qualidade forem as pedras. Pelo contrário, se a pedra for de boa qualidade e os blocos estiverem bem encaixados uns nos outros, é promovido o seu travamento mútuo e melhora o comportamento sísmico. Fig. 33 [7] - Gaiola Pombalina As Figs. 6 e 7 apresentam 4 casos de paredes com comportamento sísmico sucessivamente mais satisfatório: das pedras roladas ao perpianho, passando pelas pedras angulosas e pelo aparelho parcial. Em Portugal, o comportamento estrutural dos edifícios correntes (de betão) é regulado pelo R.E.B.A.P. (Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçado - Decreto-Lei n.º 349-C/83, de 30 de Julho) e pelo R.S.A. (Regulamento de Segurança e Acções para Estruturas de Edifícios e Pontes - Decreto-Lei n.º 235/83, de 31 de Maio). Existem também os Eurocódigos, sendo o EC1 para segurança e acções, o EC2 para estruturas de betão armado e pré-esforçado, o EC3 para estruturas metálicas, o EC4 para estruturas mistas, o EC5 para estruturas de madeira e o EC6 para estruturas de alvenaria. 38 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores 9. VARIANTES À TÉCNICA TRADICIONAL 9.1. Construção Pombalina São normalmente paredes estruturais num misto de madeira e alvenaria de pedra. A armação de madeira ficava embebida no maciço de alvenaria, à face da parede interior, permitindo que, em caso de sismo, o edifício desmoronasse, mantendo íntegra a gaiola tridimensional. Este tipo de paredes de um modo geral num edifício antigo desempenha funções estruturais importantes, devido à sua organização especial. Com efeito, mesmo que não recebam directamente cargas verticais, estas paredes têm um importante papel no travamento geral das estruturas, mediante a interligação entre paredes, pavimentos e coberturas, decisiva para a capacidade resistente global do edifício durante a ocorrência de um sismo, dissipando energia. As paredes de alvenaria eram constituídas em geral por blocos de pedra e tijolo cerâmico maciço. Em muitas situações, eram também utilizadas pequenas pedras, terra e cacos de tijolo, no interior, a fazer a ligação entre dois paramentos de pedra razoavelmente aparelhada. Eram em geral assentes em caboucos preenchidos pelas pedras de maiores dimensões e, na linguagem comum, designavam-se por paredes-mestras. Formavam as paredes exteriores ou as paredes interiores resistentes, em geral nas caixas de escadas dos edifícios comuns. Estas paredes eram a solução geral para todas as edificações de algum relevo arquitectónico, como sejam as igrejas, conventos, palácios ou fortificações. Com o advento da construção anti-sísmica pombalina, generalizou-se a utilização da estrutura de madeira interior, que, junto ao paramento interior das paredes exteriores, servia também de suporte aos peitoris e aros da caixilharia em madeira. Esta estrutura (Fig. 34) assentava em frechais (§ F Fig. 34), que se dispunham recuados dos paramentos interiores das paredes cerca de 5 cm, para permitir que os prumos pudessem formar orelhas daquela largura para descansar sobre os frechais [9] onde se apoiava também o vigamento do pavimento (§ Vp Fig. 34). 39 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores Os prumos (§ P Fig. 34) definiam os vãos das portas e janelas, e eram contraventados horizontalmente por travessanhos (§ T Fig. 34) ou por vergas de vãos (§ V Fig. 34). Estas eram ligadas ao frechal superior através dos pendurais (§ p Fig. 33). Sobre o vigamento do último pavimento, assentava o contra-frechal (§ Cf Fig. 33) onde se apoiava o madeiramento do telhado. Enquanto a estrutura de madeira não era acompanhada por alvenaria, evitava-se a sua deformação pela pregagem das travadouras, que eram duas tábuas em geral costaneiras, pregadas nos prumos limite dos vãos (§ t Fig. 34), e dispostas em cruz de Santo André, ou fixas no vigamento do sobrado (§ t’ Fig. 34). A gaiola de madeira ligava-se à alvenaria através de peças da madeira denominadas mãos (§ m Fig. 34). As paredes exteriores dos edifícios pombalinos tinham espessuras da ordem de 0.90 m ao nível do rés-do-chão, e eram sucessivamente aligeiradas na sua espessura até ao piso mais elevado. Precedendo a aplicação de qualquer revestimento, estas paredes deviam ser estabilizadas e su- perficialmente uniformizadas, respectivamente do ponto de vista geométrico e de absorção de água. A camada de regularização da parede poderia ser executada como um reboco tradicional, por exemplo pela técnica dos pontos e mestras, utilizando-se uma argamassa de cal e areia. 40 Instituto Superior TécnicoCadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores Fig. 33 [10] - Esqueleto ou gaiola de parede exterior, com 3 vãos 41 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores 10. ESTUDO DE VIABILIDADE ECONÓMICA Para demonstrar que, em termos económicos, há a possibilidade de realizar construções novas em alvenaria de pedra, sem acréscimo significativo de custos e com adequada adaptação às exigências funcionais da actualidade, efectuou-se uma análise com base em custos correntes de mercado 7. Adoptaram-se 4 soluções construtivas (que têm em comum as paredes interiores não estruturais em painéis de alvenaria simples de barro vermelho) que se passam a descrever: Cenário 1 - paredes exteriores e mestras em alvenaria de pedra ordinária, rebocadas com argamassa bastarda e caiadas em ambos os paramentos; Cenário 2 - paredes exteriores e mestras em alvenaria de pedra aparelhada; no Cenário 2A, no paramento exterior à vista, é aplicado um revestimento protector tipo verniz mantendo-se o paramento interior idêntico ao do cenário 1; no Cenário 2B não foi considerada a impermeabilização da pedra em contacto com o exterior; Cenário 3 - paredes exteriores duplas de tijolo furado de barro vermelho revestidas com cantaria de pedra calcária com 0.03 m de espessura, assente com aguada de cimento, pernos e gatos de arame zincado, e estrutura em betão armado; Construção corrente - paredes exteriores duplas de tijolo furado de barro vermelho rebocadas e pintadas com tinta de água e estrutura em betão armado. A orçamentação foi elaborada a partir de um exemplo real de uma moradia executada em alvenaria de pedra calcária, com 278 m² de área bruta de construção, 265 m² de área útil habitável e 3.0 metros de pé direito. Para a elaboração do orçamento da análise económica, foram tidos em consideração os preços correntes de mercado, valores referência de orçamentação de obras públicas e ainda as Fichas de Rendimentos do Laboratório Nacional de Engenharia Civil. No Quadro 4 faz-se referência aos custos comuns a todos os cenários. Elaborados os orçamentos para a construção tradicional (Cenário 1 - paredes em alvenaria de pedra ordinária, Cenários 2A e 2B - paredes em alvenaria de pedra aparelhada com um 42 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores paramento à vista), Cenário 3 - construção corrente com revestimento exterior em cantaria de pedras calcária e a construção corrente, apresenta-se no Quadro 5 os custos de cada uma das soluções face à área bruta de construção (A = 278 m²). Quadro 4 [7] - Custos comuns a todos os cenários Descrição da Actividade Un Custo (€) Montagem de estaleiro m² 9,00 Desmontagem de estaleiro m² 3,75 Movimento de terras / escavação (caixa com 1,00 m de profundidade) m² 6,00 Movimento de terras / aterro (caixa com 0,50 m de profundidade) m² 4,25 Pavimento térreo (enrocamento e massame) m² 23,75 Elementos secundários / vãos interiores (portas interiores folheadas a madeira de tola envernizada) 175,00 Acabamento em tectos (Tecto falso na cozinha e IS em placas de gesso) m² 37,50 Acabamentos em pisos (quartos com pavimento e rodapés em madeira de pinho envernizada) m² 50,00 Acabamentos em pisos (cozinhas e instalações sanitárias - mosaico cerâmico) m² 25,00 Acabamentos em pisos (sala - tijoleira cerâmica) m² 25,00 Instalações especiais (Rede de águas) V.G. 8.750,00 Instalações especiais (Rede de esgotos) V.G. 8.750,00 Instalações especiais (Rede de gás) V.G. 8.750,00 Infra-estruturas eléctricas, telefónicas e TV Cabo V.G. 8.750,00 Aquecimento central (pavimento radiante) V.G. 10.000,00 Quadro 5 [7] - Custo/m² de construção (valores em €) Tipo de construção Total da obra Custo/m² Relação entre os cenários e a cons- trução corrente Cenário 1 - Alvenaria de pedra ordinária € 150.530,00 € 541,50/m² 1,122 Cenário 2A - Alvenaria de pedra aparelhada protegida € 159.205,00 € 572,70/m² 1,187 Cenário 2B - Alvenaria de pedra aparelhada não protegida € 155.943,00 € 560,95/m² 1,162 Cenário 3 - Construção corrente com revesti- mento exterior em cantaria de pedra calcária € 157.001,23 € 564,75/ m² 1,170 Construção corrente € 134.166,25 € 482,60/m² 1,000 No Quadro 6 é feita a análise global dos custos para os vários cenários. Após esta análise, verifica-se que estas actividades, individualmente, apresentam variações percentuais muito acentuadas. No entanto, no somatório final, o acréscimo de custos reduz-se para valores inferiores a 20%, sendo que o termo de comparação (a construção corrente) apresenta claras desvantagens do ponto de vista estético, arquitectónico, cultural e ambiental. 43 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores Apresenta-se, na Fig. 34, a relação entre os custos de cada uma das soluções construtivas, nas actividades mais representativas. Quadro 6 [7] - Análise dos custos (valores em €) Cenário 1 Cenário 2A Cenário 2B Cenário 3 Construção Corrente A ct iv id ad es C us to T ot al C us to /m ² % d o va lo r to ta l d a ob ra C us to T ot al C us to /m ² % d o va lo r to ta l d a ob ra C us to T ot al C us to /m ² % d o va lo r to ta l d a ob ra C us to T ot al C us to /m ² % d o va lo r to ta l d a ob ra C us to T ot al C us to /m ² % d o va lo r to ta l d a ob ra A 11.930 43,00 7,9 11.930 43,00 7,5 11.930 43,00 7,6 9.180 33,50 5,8 9.180 33,50 6,8 B 0 0,00 0,0 0 0,00 0,0 0 0,00 0,0 3.370 12,00 2,1 3.370 12,00 2,5 C 2.760 10,00 1,8 2.760 10,00 1,7 2.760 10,00 1,8 1.305 4,50 0,8 1.305 4,50 1,0 D 20.510 74,00 13,6 30.515 110,00 19,1 30.515 110,00 19,5 10.260 37,00 6,5 10.260 37,00 7,5 E 10.960 39,50 7,3 10.960 39,50 7,8 10.960 39,50 7,0 6.425 23,00 4,1 6.425 23,00 4,8 Fe 4.580 16,50 3,0 3.270 2,00 2,0 0 0,00 0,0 28.120 101,00 17,9 5.230 19,00 3,9 Fi 4.770 17,00 3,2 4.770 17,00 3,0 4.770 17,00 3,1 5.425 19,50 3,4 5.425 19,50 4,0 A - Fundações; B - Superstrutura; C - Alvenarias Interiores; D - Alvenarias Exteriores; E - Vãos Exteriores; Fe - Revestimento de Paredes (exteriores); Fi - Revestimento de Paredes (interiores) RELAÇÃO ENTRE AS ACTIVIDADES MAIS REPRESENTATIVAS EM TERMOS DE CUSTOS 0 1 000 2 000 3 000 4 000 5 000 6 000 7 000 8 000 Fu nd aç õe s Su pe re st ru tu ra A lv en ar ia s e m in ter io re s A lv en ar ia s e m ex te rio re s V ão s e xt er io re s Re ve sti m en to da s p ar ed es (z on as se ca s) C U ST O S ( C on to s) Cenário 1 Cenário 2A Cenário 2B Cenário 3 Construção corrente Figura 34 [7] - Relação entre as actividades mais representativas (valores em PTE) Do ponto de vista económico, demonstrou-se que é possível construir de raiz em alvenaria de pedra, obedecendo às seguintes condições: garantia de níveis de habitabilidade actuais, com recurso a materiais e tecnologias modernas; limitação de custos a valores pouco superiores 44 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge deBrito e Inês Flores aos da construção corrente e com idêntico nível de conforto. Para promover o investimento imobiliário em zonas classificadas (núcleos históricos, zonas de valor paisagístico, rural, arquitectónico e cultural), urge a tomada de algumas medidas por parte das autarquias e do IPPAR: formulação de exigências que assegurem a preservação da estética que as construções antigas possuem, caracterização do mercado nacional, sensibilização da opinião pública para o facto de que o investimento em zonas históricas classificadas e/ou de reserva nacional não implicar um esforço económico muito mais gravoso do que aquele que é necessário despender com a construção corrente. 45 Instituto Superior Técnico Cadeira de Construção de Edifícios Paredes de alvenaria de pedra natural por Jorge de Brito e Inês Flores 46 11. BIBLIOGRAFIA Nota: as referências bibliográficas indicadas de seguida não incluem as referidas no capítulo de introdução a este documento. [1] Paz Branco, “Manual do Pedreiro”, Publicação M-3, LNEC, Lisboa, 1981. [2] Teixeira, Gabriela de Barbosa; Belém, Margarida da Cunha, “Diálogos de Edificação - Técnicas Tradicionais de Restauro”, Centro Regional de Artes Tradicionais, Lisboa, 1998. [3] Santos, Pina dos; Paiva, Vasconcelos, “Coeficientes de Transmissão Térmica de Elementos da Envolvente dos Edifícios”, Publicação ITE 28, LNEC, Lisboa, 1997. [4] “Manual da Técnica Construtiva”, Edições CETOP, Barcelona, 1989. [5] Carvalho, Cansado de; Oliveira, Sousa, “Construção Anti-Sísmica, Edifícios de Pequeno Porte”, Publicação ITE 12, LNEC, Lisboa. [6] “Paredes de Edifícios”, Publicação CPP 510, LNEC, Lisboa, 1975. [7] Ana Cristina Ramos de Freitas, “Viabilidade Técnico-económica de Construções Novas em Alvenaria de Pedra”, Dissertação para Obtenção do Grau de Mestre em Construção, Instituto Superior Técnico, 2001, Lisboa. [8] Paulo Alexandre Pereira Malta da Silveira Ribeiro, “Estuques Antigos: Caracterização Construtiva e Análise Patológica”, Dissertação para Obtenção do Grau de Mestre em Construção, Instituto Superior Técnico, 2000, Lisboa. [9] João Emílio dos Santos, “Trabalhos de Carpintaria Civil”, Biblioteca de Instrução Profissional, Livraria Bertrand, 8ª edição revista, Lisboa. [10] Luiz Augusto Leitão, “Curso Elementar de Construções”, elaborado segundo o programa da Escola Central da Arma de Engenharia. Imprensa Nacional, Lisboa, 1896. View publication statsView publication stats Abril de 2003 ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO 3. VANTAGENS E DESVANTAGENS
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