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Abordagens contemporâneas do conceito de saúde IHAC / UFBA Introdução ao Campo da Saúde Prof. Bianca Rückert Saúde como prática social • Para refletir: Para você o que é saúde? Como se operacionaliza este conceito de saúde? • Ao contrário da doença, cuja explicação foi perseguida na história da humanidade, a saúde parece ter recebido pouca atenção de filósofos e cientistas. • Objetivo: confrontar diferentes olhares que se propõem à compreensão do conceito de saúde Saúde como ausência de doença • A visão da saúde entendida como ausência de doença é largamente difundida no senso comum, mas não se restringe a ele. • Essa ideia é afirmada pela medicina e orienta a grande maioria das pesquisas e da produção tecnológica em saúde (diagnóstico). • Esse modelo tem sua gênese no paradigma biomédico • O que é o paradigma biomédico? • A medicina científica, biomedicina ou modelo flexneriano - que apresenta suas raízes históricas e epistemológicas no contexto do Renascimento. • Tem como um dos seus aportes principais o pensamento de Descartes (1596-1650) que possibilitou as bases para a construção da medicina mecanicista. • O fenômeno da saúde passa a ser explicado partir do estudo, baseado na observação e na experiência, das mudanças morfológicas, orgânicas e estruturais – orientados por valores como ‘localização’, ‘especificidade’ e ‘intervenção’. Saúde como ausência de doença • Ter saúde representa um padrão de normalidade definido estatística e funcionalmente (saúde como ausência de doença), e a função de recuperar a saúde é atribuição das instituições médico-hospitalares. • Crítica: exclusão das dimensões econômica, social, cultural e psicológica da base teórica da saúde-doença. • Uma das tentativas de enfrentar o desafio de conceituar a saúde – ainda nos marcos do modelo biomédico – partiu do filósofo americano Cristopher Boorse . Saúde e Bem-estar • OMS: Em seu documento de constituição, a saúde foi enunciada como “um completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. • Avanços: uma tentativa de superar a visão negativa da saúde propagada pelas instituições médicas. • Críticas: ‘completo estado’ – uma concepção pouco dinâmica do processo. Ninguém consegue ficar permanentemente em completo estado de bem-estar (inatingível) – fundado em uma noção subjetiva de bem-estar: não pode ser usado como meta pelos serviços de saúde. Saúde e norma • Focault: surgimento do Estado Moderno coloca a saúde como valor, fonte de poder e riqueza para fortalecimento dos países. • A medicina introduz o controle dos corpos através da normatização dos espaços, dos processos e dos indivíduos, necessários para a sustentação do capitalismo emergente. • A nova ordem econômica, fundamentada na industrialização e na complexificação do trabalho, tornou necessário o estabelecimento de novas normas e padrões de comportamento – controle do corpo; disciplinarização e normalização do social. Saúde e norma Como se dava esse controle? • Monitoramento por estatísticas • Quarentena • Vigilância • Controle de circulação das coisas e elementos, como ar e água • Cordão sanitário • Vacinação • Controle em locais insalubres • Avanços: sucesso das intervenções estatais Saúde como dimensão normativa • Canguilhem – O normal e o patológico • Canguilhem nasceu na França, viveu de 1904 a 1995, cursou filosofia, doutorou-se em Filosofia, cuja tese foi sobre Augusto Comte. Assumiu carreira de filósofo, estudou medicina e desse casamento ele defende sua tese de doutorado em 1943 “Ensaios sobre alguns problemas relativo ao normal e ao patológico”. • Seria o estado patológico apenas uma modificação quantitativa do estado normal? Podemos falar que são fenômenos da mesma natureza? Sobre o limite entre o normal e o patológico • Como a ciência positivista / fisiologia concebe a relação entre o normal e o patológico? • Conceito de média geral - institui o patológico e o normal em função da variação quantitativa • Canguilhem: é sempre o indivíduo que devemos tomar como referência / esta fronteira só é perceptível para um único e mesmo indivíduo (e não a média estatística). Saúde • Saúde para Canguilhem: toma como referência o próprio indivíduo na sua relação com o meio – saúde é a capacidade de responder melhor às exigências do meio. • A vida é debate com o meio. • A saúde é ser normativo. É instituição de novas normas biológicas diante das exigências do meio. • Se vida é debate com o meio, estamos sempre susceptíveis. • “Estar em boa saúde é poder cair doente e se recuperar; é um luxo biológico” (p. 150). • “A possibilidade de abusar da saúde faz parte da saúde” (p. 151). / Gastar Doença • Na doença esse luxo biológico se altera: há uma redução às margens de tolerâncias às infidelidades do meio. • Temos uma transformação do organismo tal, que o que era normal para um organismo normal, já não o é para o organismo modificado. • “A doença é abalo e ameaça à existência” (p. 137). • E esse fenômeno não é localizado, é uma reação de todo organismo. Revela uma estrutura individual modificada. • Mas o estado patológico não significa ausência de norma: a doença é uma norma de vida, ainda que inferior, já que não tolera tantos desvios das condições nas quais ela se encontra. • O doente é incapaz de responder às exigências do meio normal. Na doença perde-se a capacidade de ser normativo, só se admite uma norma. Doença • A doença não é uma variação da dimensão da saúde (quantitativa), ela é uma nova dimensão da vida. • É um modo de vida reduzido, sem generosidade criativa, mas não deixa de ser vida nova. • E essa nova dimensão da vida é privação. Há uma preocupação em se conservar dentro das únicas normas nas quais o indivíduo se sente normal. • Por que o instinto da natureza é expansão, mas em estado patológico o instinto é de conservação. Mas é também momento de reformulação. • Por isso não podemos falar na doença como ausência de norma, ou estado residual do normal, mas como uma nova norma, ainda que inferior. Doença não é desordem, é uma substituição de ordem. É uma vida nova. Há manifestações no doente que não encontramos no normal. Normal e Patológico • Ser sadio não equivale a ser normal, já que a doença também é uma forma de normal. Crítica ao positivismo que prega um estado como ideal. • Não podemos julgar um doente em absoluto, mas só em relação ao meio. É para além do corpo que se deve olhar para julgar o que é normal e o que é patológico. • Nessa perspectiva, curar implica em reaparecer uma nova ordem, agora mais normativa. • Contudo, a cura não significa instaurar um modo antigo, mas cria uma nova saúde. Não significa reversibilidade. • “Para o homem a saúde é um sentimento de segurança na vida, sentimento este que, por si mesmo, não se impõe nenhum limite. A palavra valere, que deu origem a valor significa, em latim, passar bem. A saúde é uma maneira de abordar a existência com uma sensação não apenas de possuidor ou portador, mas também, se necessário, de criador de valor, de instaurador de normas vitais” (p. 152). Saúde como direito • VIII Conferência Nacional de Saúde (1986) • ‘Conceito ampliado’ de saúde: fruto de intensa mobilização, que se estabeleceu em diversos países da América Latina durante as décadas de 1970 e 1980 – processo da Reforma Sanitária brasileira – “Em sentido amplo, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho,transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde. Sendo assim, é principalmente resultado das formas de organização social, de produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida” (Brasil, 1986). • Mérito: explicitação dos determinantes sociais da saúde e da doença Determinação Social do Processo Saúde-Doença • Para a Comissão Nacional dos Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) “os DSS são fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população”. • Modelo de Dalhgreen e Whitehead: propõe diferentes camadas de determinantes que atuam de formas específicas e diferenciadas: desde uma camada mais próxima dos determinantes individuais a uma camada distal dos macrodeterminantes. Determinação Social do Processo Saúde-Doença O enfoque ecossistêmico de saúde • Coloca em questionamento o modelo de desenvolvimento. • Questões incorporadas: – saúde e ambiente, – uso predatório dos recursos naturais – modelo desenvolvimento agrícola – manejo de fontes energéticas – mudanças climáticas, poluição. Complexidade e o processo saúde- doença • Abordagem que surge da necessidade de um tratamento teórico metodológico transdisciplinar tendo como base a perspectiva da complexidade. • Considera a saúde como um sistema complexo, em que se articulam diferentes dimensões. Referências • BATISTELLA, C. Abordagens contemporâneas do conceito de saúde. In: Fonseca, A. F. O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: EPSJV / Fiocruz, 2007a. p. 51-86. • BUSS, P.M; PELLEGRINI FILHO, A. A Saúde e seus Determinantes Sociais. PHYSYS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17 (1), p.77-93, 2007. • CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.
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