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Curso de Pós-Graduação Lato Sensu a Distância Saúde Mental História e Legislação em Saúde Mental Autor: Renan da Cunha Soares Júnior EAD – Educação a Distância Parceria Universidade Católica Dom Bosco e Portal Educação 2 www.eunapos.com.br SUMÁRIO UNIDADE 1 – A HISTÓRIA DA SAÚDE MENTAL ATRAVÉS DOS TEMPOS ...... 04 1.1 Idade Antiga ...................................................................................................... 06 1.2 O Período Medieval ........................................................................................... 10 1.3 Idade Moderna .................................................................................................. 12 1.4 Idade Contemporânea ....................................................................................... 16 UNIDADE 2 - SAÚDE MENTAL NO BRASIL ........................................................ 24 2.1 Fatos Marcantes da História da Saúde Mental no Brasil ................................... 24 2.2 A saúde mental no Brasil colônia ...................................................................... 26 2.3 A saúde mental no Brasil imperial ..................................................................... 28 2.4 A saúde mental no Brasil período republicano .................................................. 29 UNIDADE 3 - REFORMA PSIQUIÁTRICA E SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)33 3.1 A implantação da saúde pública brasileira na década de 1980 ......................... 34 3.2 A luta antimanicomial nos anos 90 .................................................................... 35 3.3 Sistema Único de Saúde (SUS) e o direito à saúde pública.............................. 42 3.4 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) ......................................................... 43 3.5 Os CAPS e a rede básica de saúde .................................................................. 52 3.6 Saúde mental na estratégia de saúde da família .............................................. 54 3 www.eunapos.com.br INTRODUÇÃO Caro acadêmico, Durante este módulo abordaremos aspectos históricos sobre a saúde mental através dos tempos, não somente no Brasil, mas também no cenário internacional. Para que tenhamos uma ideia da evolução do conceito de saúde mental é preciso que apreciemos os momentos sócio-históricos em que cada etapa se desenvolveu, visando a compreender a abrangência e a magnitude de cada um dos eventos. É bem verdade, que o conceito de Saúde Mental está intrinsecamente ligado à visão de ser humano que se tem, bem como à interferência dos fatores biológicos, psicológicos, históricos, ambientais, culturais, sociais e espirituais. Compreendendo e observando estes aspectos poderemos ter uma visão global da saúde mental da antiguidade até os dias atuais. 4 www.eunapos.com.br UNIDADE 1 - A HISTÓRIA DA SAÚDE MENTAL ATRAVÉS DOS TEMPOS Possuímos um método básico para o entendimento da humanidade e de nós mesmos, o estudo da história. Isto se demonstra nas três perguntas fundamentais que acompanham a humanidade desde os primórdios do raciocínio: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Para que exista uma compreensão do momento atual, é preciso compreender o seu desenrolar através dos tempos, sua evolução conjunta com os costumes, as ciências e o poder (entendamos por poder a política e a religião quando falamos de aspectos históricos como os que aqui iremos ver). Segundo Scliar (2002), o nexo entre causa e efeito para grande parte das doenças foi difícil de ser realizado. O estabelecimento deste tipo de relação é variável, conforme o nível de ciência que se tem. Imaginemos, que quanto mais iniciais eram as crenças das civilizações antigas, maiores seriam as alegações de “mágica” ou “fantasia” para explicar os fenômenos vivenciados. Podemos entender através de mitos como o da “Caixa de Pandora”, por exemplo. Fonte: http://migre.me/dfXvS Quando nos debruçamos sobre a história da saúde mental, nos debruçamos sobre nós mesmos, sobre a história da loucura, de nossas crenças, da medicina, da psicologia, da enfermagem, das ciências jurídicas, de nossos preconceitos, além de 5 www.eunapos.com.br muitos outros aspectos. Para que comecemos nossa caminhada adequadamente, é preciso voltar às primeiras citações de que se tem notícia dos transtornos mentais, de seus entendimentos primordiais, para que firmemos nossos passos com efetividade. Pois bem, vamos começar com um pouco de história. Seria aceitável pensarmos que todas as civilizações que passaram sobre a face da terra, tiveram entre seus habitantes sofredores mentais. A diferença propriamente dita aparece no olhar que se tem sobre esta faceta da humanidade, a loucura, como antigamente era chamada. Na antiguidade, na Grécia, mais especificamente, muitos filósofos falaram sobre o seu ponto de vista sobre a loucura, não através de base científica, mas por fazer parte de seu cotidiano as preocupações com os comportamentos humanos. De acordo com Cataldo Neto, Annes e Becker (2003), as profissões e práticas de saúde, começaram tendo como objetivo atenuar o sofrimento do próximo. Nas antigas civilizações, era comum a valorização dos seres que possuíam capacidades diferentes, previsão de acontecimentos, curas dentre outras. E quando surgem essas pessoas ligadas à cura, representada pelo pajé em algumas de nossas tribos sul americanas, por exemplo, surgem os encarregados de cuidar da saúde, ainda tendo como instrumento a mágica e a feitiçaria. A história da ciência da saúde, inclusive, nos mostra que várias receitas com plantas e outras substâncias naturais utilizadas por tribos e pessoas simples tiveram suas propriedades constatadas por meio científico a posteriori. Fonte: http://migre.me/dg0zO 6 www.eunapos.com.br 1.1 Idade Antiga Podemos dizer então que segundo Vidal-Alarcon (1986), a história da saúde mental foi feita a partir das interpretações do conceito de loucura, através dos tempos, de acordo com o referencial presente na época. Isto se aplica tanto para o diagnóstico como para o tratamento. Desta forma, os profissionais da saúde mental, com o avanço da ciência, são os substitutos dos xamãs. Muitos indivíduos de sociedades rudimentares e antigas enxergavam nas doenças mentais, problemas de ordem espiritual, como a possessão por demônios. Vale ressaltar que o mesmo ocorria também com as deficiências, como alguns povos que acreditavam que os cegos podiam ver o futuro e fazer previsões, pois não possuíam visão física, mas tinham o alcance dos “olhos da alma”. E como as causas eram consideradas como sobrenaturais, a cura para as doenças também eram empregadas por meio de magia, orações aos deuses e similares. Algumas civilizações, como os egípcios, por exemplo, tiveram papel fundamental na estruturação das ciências, por meio de estudos, hipóteses, e principalmente por ter havido feito registros destas descobertas, possibilitando sua perpetuação e desenvolvimento de novos horizontes. Segundo Lima & Smithfield (1986), houve muitos avanços na fisiologia, geometria e aritmética por conta de seus estudos. Assim existe uma transição das causas místicas para as causas naturais dos eventos, guiando os estudos para a formação da medicina atual. Também entre os Gregos e Romanos havia a presença de pensamentos interessantes que influenciaram os rumos das ciências da saúde e em especial dasaúde mental, como poderemos ver a seguir com alguns de seus personagens. - Empédocles Encontram-se entre as ideias de Empédocles de Agrigento (495 a 455 A.C), a mudança da vida através da amizade e do ódio, enfocando os movimentos mentais humanos. Empédocles foi além de filósofo, também médico. Podemos ter uma ideia de seus pensamentos por meio da citação de Marconatto (2008, p.1). 7 www.eunapos.com.br O conhecimento assim não acontece somente no homem. Os conhecimentos que o homem pode ter são também limitados. Ele somente consegue perceber uma pequena parte de sua vida, as coisas que por acaso ele tem a possibilidade de se relacionar. Por isso ele não pode desperdiçar nenhuma dessas possibilidades. Deve aproveitar e utilizar todos os seus sentidos e através do intelecto perceber as evidências nas coisas que conhece. Observamos que Empédocles, apesar de circunstancial, já apresentava um pensamento que vislumbrava as potencialidades humanas e a necessidade de desenvolvimento de sua racionalidade. - Asclepíades Além dele, houve ainda outros, como nos mostra Silva (1979), citando Asclepíades (129 a 40 A.C), que acreditava serem os transtornos mentais provenientes das emoções, denominando-os de “paixões das sensações”. Asclepíades já falava sobre algumas indicações de tratamento, com a indicação da música e também acreditava que era preciso a existência de luz, nos locais aonde permaneciam os “loucos”, entendendo que a escuridão os amedrontava. Foi também um dos primeiros a condenar o uso de celas e prisões, podendo ser considerado um ancestral da luta antimanicomial. Fonte: http://migre.me/dfYXK 8 www.eunapos.com.br - Hipócrates Hipócrates (460 - 380 a.C.), utilizava-se da observação, e relacionava já estados mentais com causas infecciosas, hemorragias e ao parto. Por meio do seu “Corpus Hippocraticum” dizia que o comportamento humano era baseado em humores corporais, acreditando serem as causas das doenças um desequilíbrio destes humores. Hipócrates considerava o cérebro como fonte das emoções, pensamentos e das ideias. Hipocrates realizou a classificação das doenças mentais: o “Corpus Hippocraticum” como melancolia, depressão pós-parto, fobias, delirium tóxico, demência senil e histeria (CATALDO NETO, ANNES & BECKER, 2003). Fonte: http://migre.me/dg0GO Silva (1979), ainda nos fala sobre a criação da teoria dos humores, sendo em número de 4: bílis negra, bílis amarela, fleuma e sangue (ver a figura abaixo). Hipócrates dizia ainda que era pelo cérebro que nós caíamos na mania ou no delírio. É necessário esclarecer que ao mesmo tempo em que a ciência tentava elucidar as causas do sofrimento mental, a poesia e a religião, davam como origem destes males, a pena por práticas malfazejas e também a influência de demônios e espíritos do mal. 9 www.eunapos.com.br Figura 1 – Teoria dos Humores Fonte: http://migre.me/dg2kb Desta feita é ainda mais importante ressaltar os nomes dos abnegados que entregaram seus estudos ao entendimento da esfera mental humana e seus distúrbios, visto que quase sempre se tratava de tarefa ingrata e incompreendida, devido a crenças de que não existiriam causas físicas, mas morais e espirituais. Hipócrates foi um dos estudiosos que contribui para o combate às causas mágicas das doenças mentais, relacionando-as com a fisiologia humana. - Areteu da Capadócia Areteu acreditava que era impossível curar todos os doentes, pois senão o médico estaria acima dos deuses. Segundo Silva (1979), Areteu foi um dos primeiros a estudar com profundidade o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), fazendo relações entre os estados de mania e melancolia. Areteu era muito observador, notando, por exemplo, que a presença da mania era mais frequente em pessoas jovens e que a melancolia em pessoas com mais idade. Areteu diferenciava ainda a mania da melancolia, dizendo que esta última não comprometia o raciocínio e a lucidez e que a melancolia podia reaparecer, ou ter 10 www.eunapos.com.br espaços de tempo entre sua apresentação. Ele teria vivido no século I e teria escrito livros sobre a prática clínica, inclusive uma impressionante descrição do diabetes por meio dos sintomas urinários. - Galeno Galeno (131-200 d.C.), foi um médico romano que ligava ao cérebro o papel controlador dos fenômenos mentais. Segundo Cataldo Neto, Annes e Becker (2003), acreditava ser o cérebro a morada da alma, conforme já havia sido pensado por Platão. Galeno aplicou uma divisão na alma em razão e intelecto, coragem e raiva, apetite carnal e desejos. Explicava que os sintomas físicos não eram oriundos somente de alterações orgânicas. Discordou de Hipócrates, quando atribuiu etiologia sexual-bioquímica à histeria. Galeno realizou operações em macacos e cães para descobrir como seus cérebros eram formados, tendo imensas contribuições à fisiologia e anatomia. Estudava os escritos de Hipócrates, Platão, Aristóteles, Epícuro, Zenon e Erasístrato, e mesmo com as distinções entre eles acreditava poder tirar o melhor do que fora dito por cada um deles. 1.2 O Período Medieval O período medieval foi caracterizado pelos retrocessos nos avanços do pensamento científico preconizado até então. A prisão dos doentes com criminosos e ladrões em prisões e masmorras, A Santa Inquisição era o palco vivido nesta época. Assim todo pensamento, inclusive o médico tinha de se adequar ao panorama presente. Mas nem somente de retrocessos viveu a idade média, também existiram avanços de pensamento como o de Juan Luis Vives. 11 www.eunapos.com.br Fonte: http://migre.me/dfZ85 - Juan Luis Vives Segundo Silva (1979), Juan Luis Vives (1492-1540), preconizava a necessidade do uso de remédios adequados aos pacientes, o tratamento com paciência e humanidade e o trancamento somente em casos de fúria. Vives deixou em seus escritos indicações de um verdadeiro psicoterapeuta, pelas ideias avançadas e grande contribuição à medicina mental. Vives já falava a seu modo de conceitos como o inconsciente, a ambivalência, sendo neste último utilizada a observação de nossos impulsos egoístas, apetites, amor passivo e ativo. Para Cataldo Neto, Annes e Becker (2003), a criação dos hospitais psiquiátricos e casas de saúde e a figuração do alienado mental como objeto da Psiquiatria, configuram a Primeira Revolução Psiquiátrica. A partir do século XVI é restabelecida a ciência da psiquiatria, ficando os profissionais da saúde instrumentalizados para a realização de observações clínicas acerca do comportamento físico e verbal dos doentes mentais. 12 www.eunapos.com.br 1.3 A Idade Moderna - Franz Anton Mesmer Mesmer (1734-1815), era médico e também magnetizador, nasceu em 1744 em um território que atualmente pertence à Alemanha. De família católica, educou- se no mosteiro Reichnau, tendo aprendido lá vários idiomas, além de literatura clássica e música. Mesmer falou primordialmente sobre o magnetismo animal, que emana dos seres. O Mesmerismo transformou-se em sinônimo de magnetismo, por conta dos estudos e exercícios realizados por ele. Segundo Silva (1979), podemos entender o magnetismo de Mesmer como a reciprocidade estabelecida entre duas criaturas vivas através do fluido magnético. Mesmer utilizou o magnetismo para uma prática de cura em 1773, pela primeira vez. A paciente era parente da esposa de Mesmer. Seus achados não foram bem recebidos no meio científicoe, em 1775, o médico decide dar continuidade em seus experimentos mais tranquilamente em Viena. De acordo com Kaplan, Sadock e Grebb (2001), após a publicação da Carta ao povo de Frankfurt, Mesmer inicia uma fase importante de sua pesquisa. Ele expõe primeiramente o funcionamento do magnetismo animal, utilizando-se de uma comparação com o efeito resultante do magnetismo mineral em um ser humano; porém neste o processo seria realizado não por um mineral, mas por outra pessoa. Fonte: http://migre.me/dg2O7 13 www.eunapos.com.br - Philippe Pinel Cataldo Neto, Annes e Becker (2003), nos informam que Pinel (1745-1826), dirigiu os Hospitais de Bicêtre e Salpêtrière, liberando os pacientes transtornos mentais das sangrias, purgativos e vesicatórios e também das condições prisionais e de cárcere a que estavam sujeitos, mudando o trato para com eles, baseando-se numa lógica humanista e com bases na preservação psicológica dos internos. Kaplan, Sadock e Grebb (2001), relatam que a psiquiatria sofre uma estruturação e passa a adquirir caráter de área de especialização na medicina neste período, que envolve a segunda metade do século XVIII. Neste momento histórico, tomou conta da Europa, vindo da Inglaterra, um movimento que lançava sobre a questão da saúde mental um olhar alicerçado nos paradigmas assistenciais, comprometidos com o respeito à vida humana e com a saúde social da população, bem como com a atuação do homem na sociedade. Fonte: http://migre.me/dg2Zv Silva (1979), refere-se ao momento posterior a esta onda reformista, como sendo o período em que Phillipe Pinel publica o Tratado da Mania em 1801, importante obra que contém as bases do pensamento da escola psiquiátrica francesa. As influências do pensamento de Pinel e também de Esquirol 14 www.eunapos.com.br reverberaram ao redor do mundo e principalmente na Europa por todo o século XIX, ecoando até o princípio do século XX. Estas ideias são chamadas por Louzã Neto (1995), como a “Escola Clássica”. Deve-se ter em mente que, como as teorias de Pinel e Esquirol estavam presentes na prática em larga escala, as discordâncias deste pensamento eram ainda somente teóricas. As sementes plantadas por Pinel e Esquirol continuaram influenciando muitas pessoas, inclusive tendo sementes que brotaram com a evolução da luta antimanicomial no final do século XX. - Jean-Etienne Dominique Esquirol Kapla,Sadock e Grebb (2001), nos reportam que Esquirol (1772 – 1840), foi um alienista francês, nascido em Toulouse e morto em Paris. Era filho de um comerciante. Seus estudos primários realizados em uma escola religiosa guiaram a sua carreira eclesiástica, que o levou a ingressar na juventude no seminário de Saint-Sulpice, em Issy. Mas não durou muito a sua vocação. Sua volta para Toulouse ocorreu aos 20 anos, em 1792, para estudar medicina, carreira que terminou em Montpellier. Ele foi para Paris em 1799 e começou a trabalhar com Corvisat, em La Charité e, acima de tudo, com Pinel, em Salpêtrière. Em 1805, ele apresentou uma tese intitulada Les passions considérés comme causes, symptômes et moyen curatifs de l'alienation mentale e em 1812 assumiu a divisão psiquiátrica do Salpêtrière. Em 1820, foi nomeado membro da Academia de Medicina e, em 1826, membro do Conselho de Higiene e Saúde Pública do Departamento do Sena. Em 27 de novembro de 1825, após a morte de Royer-Collard, serviu como médico-chefe do Asilo de Charenton Royal, nos arredores de Paris. Discípulo e colaborador de Pinel, seguiu seus passos, nos aspectos doutrinários da psiquiatria. Realizou conjuntamente com Ferrus, trabalhos preparatórios da Lei dos Alienados de 1838, uma das primeiras legislações de regulação da assistência psiquiátrica pública. Tinha um pensamento humanista e progressista, como nos traz Silva (1979, p.91). 15 www.eunapos.com.br Os alienados são mantidos quase sempre em celas úmidas, escuras e repugnantemente sujas. As portas e janelas estão pregadas com barras de ferro e oferecem um espetáculo terrorífico. As camas estão geralmente construídas nas paredes e são absolutamente inadequadas para tranquilizar os alienados; quando se torna necessário manter um paciente em sua cama, usam-se enormes anéis de ferro que se atam na parede com esse propósito. Em algumas localidades prendem-se estes infortunados enfermos na parede... em posição vertical. Separados assim como simples medida de polícia e interesse da segurança pública, os pacientes permanecem privados do trato que é essencial para sua recuperação. Por suas contribuições para o conhecimento psiquiátrico, embora desenvolvido no âmbito da ortodoxia pineliana, algumas de suas propostas foram consideradas de grande relevância. É precisamente no trabalho "Loucura" do Dicionário de Ciências Médicas, do qual foi colaborador, publicado em 1816, que Esquirol sugere a classificação de doença mental em cinco "gêneros", dentre eles a mania, a demência e a idiotia. Esquirol não acreditava que os problemas mentais viessem de lesões, mas sim de problemas psicológicos. Sobre Ferrus, contemporâneo de Esquirol, igualmente seguidor de Pinel, Silva (1979, p.92), nos traz fragmento que sintetiza muito do pensamento trabalhado na época. A concepção de Ferrus era que os insanos lucrariam bastante, com grande vantagem para o tratamento, fazendo-os ocupar durante o dia, em atividades capazes de desviá-los da própria enfermidade. Ora, nada mais recomendável que fazê-los trabalhar. Mandou então construir uma vasta granja em certo lugar apropriado, onde pudessem passar, em atividade, o tempo suficiente para escoar a insânia. Esquirol avançou muito o conceito de alucinação. Anteriormente, as alucinações eram geralmente consideradas doenças (da imaginação), mas, às vezes, a "alucinação" é usada como sinônimo de "delírio". Um dos grandes méritos de Esquirol sobre alucinações foi estabelecer seu conceito final e o diagnóstico diferencial com ilusões. A outra grande contribuição para a psiquiatria do século XIX esquiroliana foi o desenvolvimento do conceito de "monomania" clinicamente definida como uma ilusão limitada a um único objeto. É finalmente um "delírio parcial" 16 www.eunapos.com.br predominantemente uma "ideia fixa", que toma a mente do paciente. No perfil especial do monomaníaco é que, fora desse delírio parcial, o sujeito se sente, pensa e age como uma pessoa normal. Apenas dois anos antes de sua morte, em 1838, publicou um compêndio com suas ideias sobre as doenças mentais, reunindo escritores esparsos anteriores, incluindo alguns para o Dicionário de Ciências Médicas. 1.4 Idade Contemporânea - Jean Charcot Kaplan, Sadock e Grebb (2001), dizem que Charcot (1825-1893), foi um neurologista francês, considerado o fundador da neurologia clínica atual. Ele começou seus estudos em 1844 na Universidade de Paris, onde também lecionou Patologia desde 1860, mesmo ano em que ele se juntou à equipe do hospital Salpêtrière. Lá, ele desenvolveu a maior parte de sua pesquisa concentrando-se no estudo das doenças nervosas, continuando o tema de sua tese de doutorado. Descreveu sintomas histéricos e reconhecia que um trauma, em geral de natureza sexual, estava relacionado a ideias e sentimentos que se tornariam inconscientes. Cataldo Neto, Annes & Becker (2003), noz dizem que Charcot acreditava na cura pela hipnose, sendo possível reproduzir os sintomas neuróticos e obter alívio dos sintomas. Sempre com base em um exame clínico completo, Charcot foi capaz deinterpretar algumas disfunções localizadas no sistema nervoso, como paralisias causadas por certos tipos de pólio e artrite. Também era especializado no estudo da ataxia locomotora, afasia, doença senil, aneurismas, etc. Na verdade, seu trabalho serviu para coletar informações limitadas sobre essas condições. Silva (1979, p.114), nos relata que: Com os estudos de Charcot, porém, as ciências psicológicas começaram a interessar-se de maneira mais profunda pela constituição psíquica humana e o seu respectivo correspondente somático. Nasceu então a concepção científica de personalidade, constituição e caráter. 17 www.eunapos.com.br Charcot foi durante muitos anos uma das principais figuras do Colégio de Médicos de Paris. Foi um dos mestres de Sigmund Freud, que, influenciado pelas pesquisas de Charcot sobre o valor do hipnotismo como terapia, depois continuou o seu trabalho. Ele foi um dos fundadores da Sociedade de Biologia de Paris e membro honorário de várias sociedades científicas, incluindo a Sociedade de Anatomia, a Academia de Medicina, o Instituto Francês e da Associação Americana de Neurologia, também criou no Salpêtrière, laboratórios de elevado valor histórico de patologia, anatomia patológica e de fisiologia. Os resultados de suas pesquisas deram origem a várias obras que publicou ao longo de sua vida (CATALDO NETO; ANNES; BECKER, 2003, KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2001). - Sigmund Freud Sigmund Freud (1856-1939), neurologista, médico e psicanalista austríaco, criador da psicanálise, é considerado um dos psicólogos mais influentes de seu tempo e de toda a história do pensamento humano. Criado em uma família judaica, aos quatro anos, mudou-se para Viena, onde ele passou a sua vida até 1937, dois anos antes de sua morte. Nesta data, teve que deixar a Áustria pela invasão nazista e se refugiou em Londres, onde morreu de um câncer na mandíbula (GAY, 1989). Fonte: http://migre.me/dfZlJ Desde jovem pesquisador sentiu vocação, especialmente em tudo relacionado à fisiologia. Ele estudou medicina e biologia na Universidade de Viena, e especializou-se em neurologia clínica. Em 1885, ele passou um ano em Paris, no Hospital Salpêtrière, onde trabalhou com Charcot, quando sua carreira toma um novo rumo e começa seu interesse pela psique humana. Charcot estava trabalhando 18 www.eunapos.com.br com doenças nervosas funcionais, particularmente histeria, através de tratamentos hipnóticos (GAY, 1989). Em 1889, retorna à Viena e trabalha com Breuer, médico vienense que seguia a mesma linha de Charcot. Entre 1896 e 1900, elabora o método e os princípios da Psicanálise, aplicando suas teorias psicanalíticas para a interpretação global da personalidade. Em 1911, as teorias de Freud se espalharam para a América, onde fundou a Associação Psicanalítica Americana. Pouco antes de sua morte, ele foi nomeado em Londres membro estrangeiro da Royal Society. Sua filha, Anna Freud, herdou seu legado intelectual, mas concentrou o seu trabalho no estudo psicanalítico da infância e da adolescência. Freud procurou criar uma teoria psicológica completa, e desenvolveu um sistema que explicou a psicologia do homem na sua totalidade. Ele começou a estudar o transtorno mental e, então, partiu para suas causas. Ele terminou a formulação de uma teoria geral do dinamismo psíquico, no estudo da natureza humana através de diferentes períodos de desenvolvimento, em uma teoria do impacto da sociedade, da cultura e da religião na personalidade e na forma de tratamento. Ele conseguiu fazer uma teoria psicológica sobre a personalidade normal e anormal, e que impactou em todas as áreas do conhecimento, tal como a sociologia, história, educação, antropologia e artes (GAY, 1989). A principal preocupação de Freud no campo da psique humana foi o estudo da histeria, através do qual concluiu que os sintomas histéricos dependiam de conflitos internos psíquicos reprimidos e seu tratamento deve concentrar-se em reproduzir os eventos traumáticos que causaram tais conflitos na paciente. A técnica utilizada, em princípio, para isso foi a hipnose. Desse modo, se convenceu de que a origem da vida mental é sexual e que a sexualidade começa muito mais cedo do que se pensava na época, no início da infância. A afirmação da existência da sexualidade infantil gerou muitas críticas e oposição à sua teoria. Mais tarde, a técnica introduz outro tratamento, a associação livre. Em associação livre o paciente se expressa, e desativando os mecanismos repressores, sem censura, o que se quer saber aparece no consciente espontaneamente (SCHULTZ e SCHULTZ, 2009). 19 www.eunapos.com.br Posteriormente, incorpora a interpretação de sonhos no tratamento psicanalítico, pois entende que o sonho expressa em forma latente e através de uma linguagem de símbolos, a origem do conflito do transtorno mental. A interpretação dos sonhos é uma tarefa árdua em que o terapeuta tem de vencer a "resistência" que leva o paciente a censurar seu trauma, como uma defesa. Outro aspecto a considerar na terapia psicanalítica é a análise de transferência, entendida como a representação de sentimentos, desejos e emoções primitivas e infantis que o paciente teve de seus pais ou outras figuras representativas e agora projeta no terapeuta. Sua análise vai permitir que o paciente entenda esses sentimentos, desejos e emoções, e a reinterpretá-los sem causar sofrimento (SILVA,1979). Freud faz uma formulação de topografia psíquica e inclui nela três sistemas: pré-consciente, consciente, cujo conteúdo pode mover-se para trás, e outra inconsciente, cujo conteúdo não tem acesso à consciência. A repressão é o mecanismo que faz com que os conteúdos do inconsciente permaneçam ocultos. Mais tarde, apresenta uma nova formulação do aparelho psíquico, que complementa a anterior. Esta formulação estrutural psíquica consiste em três níveis: o Id, instância governada pelo chamado princípio do prazer, o Ego, que é o conteúdo mais consciente, mas também pode conter aspectos inconscientes, sendo regido pelo princípio da realidade e funciona como um intermediário entre o Id e a outra instância do aparelho psíquico, o superego, que representa os padrões morais e ideais (SCHULTZ e SCHULTZ, 2009). Um conceito básico na teoria freudiana é o "pulsão" (Triebe, em alemão). É a parte básica da motivação. Inicialmente distingue dois tipos de unidades: os impulsos de autopreservação e os impulsos sexuais. Impulsos sexuais são expressos pela libido como manifestação da vida psíquica, do instinto sexual, é a energia psíquica do instinto sexual. Mais tarde, reformulou sua teoria das pulsões e impulsos distinguindo entre a vida (Eros), que estão incluídos na formulação anterior, e os impulsos de morte (Thanatos), definida como a tendência para realizar redução das tensões. Freud tinha uma concepção hedonista do comportamento humano. Freud também proporcionou uma visão evolutiva em relação à formação da personalidade, para estabelecer uma série de estágios de desenvolvimento sexual. Em cada uma das fases é buscada a realização do prazer sexual, o 20 www.eunapos.com.br desenvolvimento da libido. A diferença entre cada um deles é no "objeto" escolhido para obter esse prazer (SHULTZ e SCHULTZ, 2009). A criança recebe gratificação instintiva de diferentes áreas do corpo, dependendo do estágio. Ao longo do desenvolvimento da criança atividade erótica é focada em diferentes zonas erógenas. O primeiro estágio de desenvolvimento é a fase oral, em que a boca é a zona erógena final, compreendendo oprimeiro ano de vida. Depois é a fase anal, que vai até três anos. Segue-se a fase fálica, quando a criança exercita o "complexo de Édipo". Após este período a sexualidade infantil atinge uma fase de latência, que acorda na puberdade, a fase genital (GAY, 1989). Quadro 1 – Estágios de Desenvolvimento da criança, segundo Freud Fonte: http://migre.me/dg3vF Paralelamente a este desenvolvimento intrapsíquico, ele trata de um processo de socialização que configura relações com os outros. É também muito importante o processo de identificação, que permite o objeto de incorporar outras qualidades, em si mesmo, para a formação da sua personalidade. A Psicanálise em seu início, e até hoje, foi uma doutrina que tem despertado grandes paixões, a favor e contra. Entre as críticas que têm sido feitas à teoria de Sigmund Freud, a principal tem sido a falta de objetividade da observação e da dificuldade de derivar hipóteses específicas verificáveis da teoria (SILVA, 1979). Apesar da grande desaprovação que as ideias freudianas levantaram, especialmente nos círculos médicos, a sua obra atraiu um grande grupo de seguidores. Entre eles estavam Karl Abraham, Sandor Ferenczi, Alfred Adler, Carl 21 www.eunapos.com.br Gustav Jung, Otto Rank e Ernest Jones. Alguns deles, como Adler e Jung afastaram-se das doutrinas de Freud e criaram a sua própria concepção psicológica. Não há dúvida de que a psicanálise foi uma revolução para a psicologia e o pensamento da época e serviu como base para o desenvolvimento e proliferação de um grande número de teorias e escolas de psicologia (CATALDO NETO; ANNES; BECKER, 2003). - Frederick Perls Segundo Schultz e Schutz (2009), Frederick Perls, um alemão filho de judeus, nascido em Berlim em 1893, tornou-se médico psiquiatra em 1921. Foi assistente do neurologista Kurt Goldstein, criador da teoria organísmica, que o influenciou muito em sua teoria, como também o fez, o filósofo Sigmund Friedlander. Perls se especializou em psicanálise e exerceu sua profissão na Alemanha até 1933. Quando da ascensão do nazismo resolveu deixar a Alemanha mudando-se para a Holanda e depois para a África do Sul. Voltou à Alemanha em 1936 para participar do Congresso Internacional de Psicanálise que lá ocorria, apresentou seu trabalho, e esperava encontrar-se com Freud, encontro este que não durou mais do que quatro minutos, tendo este conversado com Perls por uma porta entreaberta. Esse encontro foi muito frustrante para Frederick, uma vez que duas das coisas que ele mais desejava, ou seja, apresentar seu trabalho no tal congresso e discutir alguns pontos da teoria psicanalítica em que tinha outra visão da apresentada por Freud. Em 1942, lançou o livro Ego, Fome e Agressão, onde se contrapôs à teoria freudiana, dizendo que Freud teria exagerado na ênfase dada ao inconsciente em relação aos instintos, corroborando suas ideias anteriores. Outro ponto de discordância foi o distanciamento empregado na psicanálise ortodoxa entre terapeuta e paciente, pois Perls defendia o contato humano. Em 1951, já nos EUA Perls, juntamente com Paul Goodman e Ralph Hefferline publicam a obra Gestalt-terapia, que é considerado um marco fundamental na estruturação da gestalt-terapia. Perls defende que o ritmo de contato e fuga com o meio ambiente é o mecanismo de regulação do equilíbrio humano. Esta obra foi reeditada em 1994 22 www.eunapos.com.br para resgatar os fundamentos teóricos sobre os quais se estrutura a Gestalt-terapia. São apresentados os conceitos básicos elaborados por Perls, Hefferline e Goodman que deram origem a toda a literatura posterior e nortearam as técnicas utilizadas na prática gestáltica. Perls definia a saúde e a maturidade psicológicas como sendo a capacidade de emergir do apoio e da regulação ambientais para um autoapoio e uma autorregulação. O processo terapêutico representa um esforço na direção desta emergência. O elemento crucial no autoapoio e na autorregulação é o equilíbrio. Uma das proposições básicas da teoria da Gestalt é que todo organismo possui a capacidade de realizar um equilíbrio ótimo consigo e com seu meio. As condições para realizar este equilíbrio envolvem uma conscientização desobstruída da hierarquia de necessidades (SCHULTZ e SCHULTZ, 2009). Quadro 2 – Síntese da evolução histórica da Saúde Mental Idade Antiga Idade Média Idade Moderna Idade Contemporânea Doença Mental como possessão demoníaca/espiritual Bruxaria, Espaço para pessoas com deficiência e doentes mentais (Masmorras, grades, etc.) Medicação Separação entre deficiência e doença mental, busca de tratamento digno sem acorrentar Clínica Psicológica Modelo Antimanicomial Rede substitutiva aberta (CAPS) Fonte: Elaboração própria Exercício 1 1. Quem foi o criador do “Corpus Hippocraticum”, que relacionava estados mentais com causas infecciosas, hemorragias e ao parto? a) Sigmund Freud. b) Phillipe Pinel. c) Hipócrates. d) Jean Esquirol. 23 www.eunapos.com.br 2. Relacione a 2ª coluna de acordo com a 1ª e depois assinale a alternativa que contém a sequência correta: 1 Galeno Criador da psicanálise 2 Perls Considerado o fundador da neurologia clínica atual 3 Freud Cérebro como controlador dos fenômenos mentais 4 Jean Charcot O ritmo de contato e fuga com o meio ambiente é o mecanismo de regulação do equilíbrio humano a) 1 / 2 / 3 / 4 b) 2 / 1 / 3 / 4 c) 4 / 1 / 2 / 3 d) 3 / 4 / 1 / 2 24 www.eunapos.com.br UNIDADE 2 - SAÚDE MENTAL NO BRASIL 2.1Fatos Marcantes da História da Saúde Mental no Brasil A seguir, elencamos os fatos mais importantes da história da saúde mental brasileira, destacando legislação, criação de órgãos públicos, estudiosos do tema e outros que merecem destaque, no período de 1841 até os dias atuais. 1841 – Fundação do Hospício Dom Pedro II (Rio de Janeiro, 18 de Julho); 1852 – Inauguração do Hospital Dom Pedro II (Rio de Janeiro, 8 de Dezembro); 1872 – Nasce Juliano Moreira (Bahia, 6 de Janeiro); 1874 – Fundação do Asylo São João de Deus (Bahia, 24 de Junho); 1882 – Criado na Bahia e no Rio de Janeiro o ensino de Psiquiatria nas Faculdades (30 de Outubro); 1883 – O Prof. Teixeira Brandão é aprovado como o primeiro Professor de Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro; 1890 – O Governo Federal passa administrar o Hospital Dom Pedro II (Rio de Janeiro, 11 de Janeiro); 1898 – Construída a Colônia de Alienados de Juquery (São Paulo); 1903 – Promulgada a Lei Federal de Assistência aos Alienados (Rio de Janeiro, 22 de Dezembro); 1904 – Posse do Professor Juliano Moreira na direção do Hospital Nacional de Alienados; 1904 – Construído o Hospital Colônia de Barbacena (Minas Gerais); 1904 – Construída a Colônia de Alienados de Vargem Alegre (Rio de Janeiro); 1905 – Fundada a Sociedade Brasileira de Psychiatria, Neurologia e Sciencias Afins (Rio de Janeiro, 17 de Novembro); 25 www.eunapos.com.br 1911 – Construída a Colônia de Alienados de Engenho de Dentro (Rio de Janeiro); 1912 – O Governo Estadual da Bahia passa a administrar o Asylo São João de Deus (1 de Maio); 1919 – Criado o Primeiro Manicômio Judiciário na América Latina (Rio de Janeiro) 1923 – Construída a Colônia de Alienados de Jacarepaguá (Rio de Janeiro); 1925 – O Asylo São João de Deus passa a ser chamado de Hospital São João de Deus (Bahia, 29 de Julho); 1927 – Construído o Hospital Colôniade Oliveira (Minas Gerais); 1928 – Construído o Hospital Colônia Juliano Moreira (Paraíba); 1931 – Construído o Hospital Colônia de Barreiros (Pernambuco); 1932 – Falece o Professor Juliano Moreira (Rio de Janeiro, 2 de Maio); 1936 – Hospital São João de Deus passa a ser denominado de Hospital Juliano Moreira (Bahia, 27 de Agosto); 1940 – Construído o Hospital Colônia Eronides de Carvalho (Sergipe); 1940 – Construído o Hospital Colônia Portugal Ramalho (Alagoas); 1942 – Construído o Hospital Colônia Santa Ana (Santa Catarina); 1954 – Construído o Hospital Colônia Adauto Botelho de Cariacica (Espírito Santo); 1957 – Construído o Hospital Colônia de Natal (Rio Grande do Norte); 1977 – Lançado o Plano Integrado de Saúde Mental pelo Ministério da Saúde; 1979 – Realizado o I Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental; 1982 – Inaugurado o novo prédio do Hospital Juliano Moreira (Bahia, 17 de 26 www.eunapos.com.br Março); 1987 – Criado o primeiro Centro de Atenção Psicossocial – CAPS Luiz Cerqueira (São Paulo); 1987 – Realizada I Conferência Nacional de Saúde Mental (Rio de Janeiro); 1992 – Regulamentado pelo Ministério da Saúde o funcionamento dos CAPS; 1993 – A Comissão Nacional de Saúde constitui a Comissão Nacional de Reforma Psiquiátrica (2 de Dezembro); 2000 – Regulamentado pelo Ministério da Saúde os serviços de residências terapêuticas; 2001 – Promulgada a Lei de Reforma da Psiquiátrica (Brasília, 6 de Abril); 2002 – Regulamentado pelo Ministério da Saúde o funcionamento dos CAPS; 2003 – O Centro Cultural da Saúde do Ministério da Saúde (Coordenação Geral de Documentação e Informação - CGDI) inaugura a exposição: “Memória da Loucura” no Rio de Janeiro; 2006 – Inaugurado pelo Ministério da Saúde em Fortaleza o milésimo CAPS do Brasil (18 de dezembro). Fonte: Secretaria Estadual de Saúde da Bahia. (http://migre.me/dfj6u) 2.2 A saúde mental no Brasil colônia No Brasil colônia, já era presente a questão da saúde mental. Conforme nos apresenta Botti (2004), apud Resende (2000), aos loucos em condições financeiras precárias era permitido perambular pelas ruas, campos e demais espaços públicos, pedir esmolas, desde que apresentassem comportamento que não oferecesse risco a outrem. Já aos que apresentavam comportamentos agressivos e indecorosos, ficava a mercê de seu encarcerador o seu tratamento, que muitas vezes era indigno tanto em condições de higiene e alimentação como em preservação da integridade física, com castigos físicos e terror psicológico. 27 www.eunapos.com.br Ainda nesta época, mesmo já fazendo parte do quadro social, a doença mental ainda tinha lugar remoto nas discussões e preocupações de ordem político- social, fazendo parte do todo, sem que uma discussão mais profunda viesse à tona. Botti (2004), nos lembra ainda, que a vida nesta época colonial era uma realidade totalmente desigual entre os senhores donos dos meios de produção, os escravos, e a população geral de alguns homens livres, que vivia também em condições indignas e humilhantes, visto que muito trabalho era feito sem remuneração pelos escravos, não sobrando muitas opções. Fonte: http://migre.me/dg3TB Pode-se perceber claramente que não havia distinção entre os “desajustados” do modelo vigente da época, pois doentes mentais, deficientes mentais, alcoólatras e marginais eram vistos como desordeiros que necessitavam de encarceramento, atividade laboral forçada para reajuste de comportamento. As instituições presentes à época como hospitais e prisões eram os cantos destes desajustados, ainda todos misturados, nivelados por baixo, sem uma preocupação em compreender a situação de cada um deles. Uma das únicas diferenças que passaram a existir, depois da existência da Psiquiatria Científica era que para os doentes mentais, o regime fechado era indicação clínica e o trabalho fazia parte da terapêutica. Logo após, houve algumas mudanças, expostas por Resende (2000 apud BOTTI, 2004), indicando que “a um contexto de ameaça à ordem e paz social, em resposta aos reclamos gerais contra o livre trânsito de doidos pelas ruas das 28 www.eunapos.com.br cidades; acrescentando-se os apelos de caráter humanitário, as denúncias contra os maus tratos que sofriam os insanos”. Presenciava-se uma mudança de panorama, com o início de um focar de luzes sobre a alienação mental e os direitos humanos destes semelhantes. Assim, começava a alterar-se o trabalho leigo com a alienação e passava a sofrer evoluções. Deixava-se de falar em ordem ou desordem como norteador social e evoluía-se para outra visão. Resende (2000 apud BOTTI, 2004), deixa claro uma diferenciação nas formas de tratar a doença mental no período colonial de vice-reinado e depois, no período da consolidação da monarquia, com o desenvolvimento do papel do Estado como responsável pela administração da assistência aos doentes mentais, como veremos a seguir. 2.3 A saúde mental no Brasil imperial Teixeira (1997), reitera que no ano de 1852, com a criação do Hospício Pedro II, criou-se um marco na Psiquiatria Brasileira e com o exercício da medicina social. Teixeira (1997 apud BOTTI, 2004), para salientar que embora já houvesse o Hospício Pedro II (HPII), foi somente em 1881 que foram criadas as cadeiras relativas ao tratamento mental nas escolas de medicina do Rio de Janeiro e de Salvador, e tendo em 1887, assumido a direção do HPII, o alienista Teixeira Brandão. Houve uma campanha pública, pela criação dos hospícios com o slogan “Aos loucos, o Hospício”, como nos conta Botti (2004), fazendo referência a Teixeira (1997). Tal pedido encontrou eco na sociedade, pois os doentes mentais pobres vagavam pelas ruas, enquanto os que tinham posses ficavam restritos às suas casas. Esta iniciativa tinha como modelo o modelo psiquiátrico Francês. 29 www.eunapos.com.br Fonte: http://migre.me/dg50I Botti (2004), reitera que o modelo adotado no HPII era o preconizado por Pinel, onde os internos desenvolviam atividades em oficinas, com a existência de intervalos para descanso e/ou para a aplicação da terapêutica medicamentosa, de banhos e para as refeições. Além de Teixeira Brandão, que se autointitulava o Pinel Brasileiro, outros alienistas como Franco da Rocha, acreditavam que o trabalho exercido pelos internos tinha caráter moral, pedagógico, restaurador, e criador de novos hábitos, para aqueles que haviam se desviado da norma. A ociosidade era condenada por estes alienistas, sendo considerada como a pior coisa que poderia acontecer para um destes alienados, a ordem do dia era a ocupação constante. 2.4 A saúde mental no Brasil do período republicano Botti (2004), relata que com a chegada dos republicanos ao poder, o HP II foi assumido pelo poder público, tendo se desvinculado da Santa Casa, e passando a ser nominado como Hospício Nacional de Alienados. Logo em seguida, foi criada a Assistência Médico-Legal aos Alienados, instituição inaugural de saúde pública criada pelos republicanos. Resende (2000 apud BOTTI, 2004), esclarece que com o passar do tempo o HNA tornou-se insuficiente para a demanda dos alienados, sendo necessária a criação das Colônias Juliano Moreira, uma para homens em Jacarepaguá (1910) e outra em Engenho de Dentro, somente para mulheres (1920), intitulada Centro 30 www.eunapos.com.br Psiquiátrico Nacional. Havia atividades agrícolas em ambas, porém na masculina havia ainda outras oficinas, como ferraria e carpintaria. Estas instituições agrícolasespalharam pelo Brasil afora, sendo implantadas em vários estados, como solução para o problema dos doentes mentais. Estes ambientes recriavam a realidade pré-capitalista, como maneira de adaptar os alienados a um cotidiano mais ameno e laboral. Teixeira Brandão, como diretor inicial da Assistência Médica-Legal aos Alienados, propôs a criação da cadeira de psiquiatria na medicina e também a pioneira escola de enfermagem, com vistas a formar profissionais para atuar na área (BOTTI, 2004). Em 1898 Franco da Rocha criou a Colônia do Juquery, com o uso de atividades rurais, modelo que era defendido por ele. Botti (2004), discorre sobre o tipo de internação chamado de open-door, utilizado por pacientes tranquilos, que não manifestavam agressividade, ou seja, os pacientes produziam em troca de comida e moradia. Era um modelo prático de ser implantado, devido às estruturas simples, e praticamente autossustentáveis, pois os internos produziam a comida, roupas, móveis dentre outros, tudo para garantir o equilíbrio pelo modelo de não ociosidade. Segundo Pereira (2002 apud Botti, 2004), nas primeiras décadas de funcionamento do Juquery, os internos levantavam muros e paredes, além de limpeza e outras tarefas de manutenção. Já existiam muitos, embora ainda iniciais, trabalhos de terapia ocupacional e arte-terapia com tricô, crochê, renda de bilro, pintura e tapeçaria. Nesta época entre as décadas de 1930 e 1950, as instituições existentes para trabalhar com os doentes mentais eram os hospitais psiquiátricos e as colônias agrícolas. Em 1929, Oliveira Matos redigiu a tese inicial da cadeira de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), intitulada Labortherapia nas Afecções Mentaes, tendo como base o tratamento moral, com aplicações que iam da agricultura ao artesanato passando pela culinária (SOARES, 1991 apud BOTTI, 2004). Com a crise econômica na década de 30 algumas colônias abandonaram os trabalhos agrícolas e substituíram estas atividades por outras monótonas e repetitivas, e com a industrialização do país, uma formação para a área rural começava a não fazer sentido. 31 www.eunapos.com.br Cerqueira (1973 apud Botti, 2004), diz que em 1931, Ulisses Pernambucano inicia a praxiterapia no nordeste, criando em Recife, a Assistência a Psicopatas. Contava naquela época com um ambulatório, um serviço aberto, serviço de Higiene Mental (Preventivo), hospital psiquiátrico, manicômio judiciário e duas colônias agrícolas. Existia um trabalho em equipe multiprofissional, visando ações institucionais e extra-hospitalares, com ações de prevenção, cura e reabilitação. Mello (2000 apud Botti, 2004), conta que na década de 40, Adauto Botelho foi Diretor do Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM) e alastrou uma campanha Brasil afora para a criação de hospício no país todo, pois acreditava que os doentes mentais precisavam de atendimento especializado e com praxiterapia. Em 1942 surge em Santa Catarina, na cidade de São José, a Colônia Santana capitaneada por Castro Faria e que dispunha de praxiterapia, pois ele acreditava que o trabalho era reeducador e regenerador. O trabalho servia para ocupar, mas também para sublimar os impulsos, segundo a linha de tratamento de base psicanalítica adotada na Colônia Santana. Segundo Cerqueira (1973 apud Botti, 2004), em 1943 a psiquiatra Nise da Silveira desenvolveu o Serviço de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (STOR) no Centro Psiquiátrico Nacional, no Rio de Janeiro, tendo como foco a atividade e seu valor terapêutico e condenando os desvios destas atividades com outras finalidades. Nesses hospitais, muitos doentes eram por certo ocupados em trabalhos braçais, serviços de limpeza das enfermarias e das instalações sanitárias, enceramento de piso, etc. e pequenas verbas estavam previstas para gratificá-los. Estas tarefas eram atribuídas aos pacientes de modo empírico, tendo em vista vantagens para o hospital, para os enfermeiros e guardas e, sobretudo para os serventes. Reinava entre nós o preconceito de que o tratamento ocupacional convinha apenas aos doentes mentais crônicos [...] nos serviços destinados a agudos não se cogitava de dar-lhes posições entre os agentes terapêuticos (SILVEIRA, 1976, p. 20). Para Cerqueira (1973 apud Botti, 2004), Nise da Silveira revolucionou a praxiterapia, criando um ambiente terapêutico com ateliers, salões de jogos, oficinas. Nise preocupava-se com a qualificação das informações e conhecimento transmitidos aos doentes para executarem as tarefas, assim como a qualidade dos ambientes em que as desenvolviam. Em 1948, criou o primeiro Curso Elementar de 32 www.eunapos.com.br Terapêutica Ocupacional e houve então a criação da função de auxiliar de praxiterapia. Em 1952 Nise criou o Museu de Imagens do Inconsciente, com as obras produzidas pelos esquizofrênicos, junto ao Hospital Pedro II. Em 1956 criou a Casa das Palmeiras, uma espécie de ponto de apoio para egressos das internações, num ambulatório que servia de mediador entre o hospital e a comunidade. Existiam ali diferentes atividades como artes, botânica, música, tetro lanches, bailes dentre outros. Exercício 2 1. Quem desenvolveu o Serviço de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (STOR)? a) Franco da Rocha. b) Nise da Silveira. c) Adauto Botelho. d) Oliveira Matos 2. Qual a alternativa que completa corretamente o enunciado a seguir? Teixeira Brandão e Franco da Rocha, por exemplo, acreditavam que o trabalho exercido pelos internos tinha caráter moral, _____, restaurador, e criador de novos hábitos, para aqueles que haviam se desviado da norma. A _____ era condenada por estes alienistas, e, portanto a ordem do dia era a ______. a) Pedagógico, ociosidade, ocupação constante. b) Corretivo, preguiça, brincadeira constante. c) Coercitivo, ocupação, ociosidade permanente. d) Avaliativo, distração, ludicidade. 33 www.eunapos.com.br UNIDADE 3 - REFORMA PSIQUIÁTRICA E SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) Fonte: http://migre.me/dfpn5 Segundo Ferreira Netto (2008), quando a psicologia foi reconhecida como profissão em 1962, existiam 3 áreas de atuação, que são a clínica, a organizacional e a educacional. A psicologia não atuava na saúde pública, situação hoje diferente. Spink (2007 apud FERREIRA NETO, 2008), informa o resultado de uma pesquisa realizada, demonstrando que somente no SUS atuariam em 2006, cerca de 15.000 psicólogos. Este número representaria cerca de 10% do número de profissionais registrados no Brasil, no sistema dos Conselhos de Psicologia. Estudos de Ferreira Netto (2004), e Dimenstein (1998), demonstram que com a reforma psiquiátrica surgiu o campo interdisciplinar chamado saúde mental, ampliando a presença de psicólogos nos serviços de saúde pública no Brasil. Ferreira Netto (2008), nos situa na história da saúde mental brasileira, dividindo-a em três momentos distintos, ou seja, a implantação na década de 80, o processo antimanicomial na década de 1990 e o período matricial no final da década de 1990 e início dos anos 2000. Essa análise histórica abordará com maior atenção a presença de duas polaridades que atravessam este campo. O autor ainda nos diz que para clarear o estudo da saúde mental no Brasil se faz necessário o entendimento dos pontos relativos às estratégias individuais e coletivas de intervenção e também das ações da reforma psiquiátrica. 34 www.eunapos.com.br 3.1 A implantação da saúde pública brasileira na década de 1980 Ferreira Netto (2008), nos alerta sobre a importância daabertura democrática vivida na década de 1980. Amarante (1998), fala sobre a ocupação dos espaços públicos de poder para introduzir o pensamento de mudança e transformação na saúde do país. Neste período ocupacionista, o movimento sanitário e da reforma psiquiátrica era confundido com as próprias políticas desenvolvidas pelo Estado. Ferreira Netto (2008), nos alerta que os antecedentes desta fase foram o Programa Integrado de Saúde Mental (PISAM), fruto da VI Conferência Nacional de Saúde, no período de 1977 a 1979 e grupos de profissionais isolados e inovadores que atendiam questões relativas à saúde mental em unidades de saúde de maneira independente. O PISAM levava em consideração, a incidência de quase 20% de transtornos mentais e a capacidade de atendimento de menos de 1% desta demanda. Atrelava também a abertura da área da saúde mental, para a participação de outros profissionais não médicos, e o uso de leitos de hospital geral para internação de pacientes. O atendimento individual dos pacientes saídos de hospitais psiquiátricos e casos graves eram prioridades. Entretanto, existia uma divisão nesses atendimentos, isto é, os egressos com os psiquiatras e, os neuróticos e as crianças com a psicologia. A pressão dos grupos privados e a falta de apoio político encurtaram a vida do PISAM (MENDONÇA FILHO; ALKIMIN, 1998, FERREIRA NETTO, 2008). Ferreira Netto (2008), nos diz que à época havia um entendimento amplo e genérico de que a saúde mental era parte da saúde geral envolvendo doentes em quadros graves e também ações preventivas, mas nas ações graves prevalecia a atuação exclusiva do psiquiatra. Surgia, aos poucos, a mentalidade na saúde, do trinômio biopsicossocial, centrado ainda nos profissionais médicos, psicólogos e assistentes sociais. O autor esclarece ainda, ter crescido neste período as atividades grupais em saúde mental, sendo realizadas as avaliações para mensuração de seus impactos. 35 www.eunapos.com.br Ferreira Netto (2008), ainda explicita que a partir deste ponto, também, os profissionais da psicologia começam a atender as demandas dos pacientes com quadros graves. Começam a surgir os cursos de especialização em saúde mental, formando os primeiros psicólogos (muito influenciados ainda pela psicanálise e seu modo de ver o ser humano), psiquiatras e assistentes sociais para atuação específica na área. Na metade dos anos 80, começa a crescer a atuação dos psicólogos na área, movimento este que se consolidaria nos anos seguintes ao desenrolar deste cenário de transformação da saúde mental brasileira, principalmente no trato com pacientes de transtornos graves e persistentes. As intervenções primárias e a atuação em equipe multiprofissional começam então a fazer parte do cenário da saúde mental, neste momento inicial de implantação. 3.2 A luta antimanicomial nos anos 90 Gumpeter, Costa e Mustafá (2007), dizem que a tradicional forma de “tratar” a loucura, utilizada principalmente com a classe trabalhadora que perdeu a potencialidade laborativa, é a do asilamento e da institucionalização. Uma das razões que motivaram o movimento antimanicomial foi a visão do sujeito portador de sofrimento mental internado numa instituição psiquiátrica como sendo um ser sem direitos, ajoelhado diante do poder (médico) representante da sociedade que o excluiu (BASAGLIA,1985). Gumpeter, Costa e Mustafá (2007), fazem crítica a esse modelo e a necessidade da busca de alternativas a ele, respaldados na necessidade do exercício da ética profissional, em seu mais alto grau e também da imperatividade de resguardar os direitos humanos destes pacientes. Fonte: http://migre.me/dg5hh 36 www.eunapos.com.br [...] se a doença também está ligada, como na maioria dos casos, a fatores socioambientais, a níveis de resistência de uma sociedade que não leva em conta o homem e suas exigências, a solução de um problema tão grave somente pode ser encontrada em uma posição socioeconômica que permita ao mesmo tempo a reinserção gradual desses elementos que não sobreviveram ao esforço, que não conseguiram participar do jogo (BASAGLIA, 1985, p. 115-116). Gumpeter, Costa e Mustafá (2007), destacam que a tradicional forma de “tratar” a loucura, é caracterizada no asilamento e pela violência institucionalizada. O modelo de tratamento em saúde mental centrado no hospital psiquiátrico sempre significou e ainda significa uma forma de controle social do Estado. Franco Basaglia (1982), nos diz que a psiquiatria é uma técnica de repressão utilizada pelo Estado para oprimir os doentes pobres integrantes da classe operária que não pode mais produzir. Observa-se uma vinculação à lógica do modelo capitalista, como regulador da acumulação do capital; situação presentemente explanada pela ótica marxista. No caso italiano, Basaglia (1985), percebe que para lidar de uma forma diferente com a loucura, não basta humanizar ou transformar o manicômio, é preciso questionar os fundamentos em que está assentada a necessidade deste como lugar de tratamento. Portanto é preciso questionar o paradigma psiquiátrico, que centrado no saber médico, reduziu o fenômeno da loucura à doença mental. Fonte: http://migre.me/dg5qF A crítica a esse modelo e a construção de alternativas ao mesmo, representam imperativo ético para os sujeitos sociais envolvidos e comprometidos 37 www.eunapos.com.br com o ideal de emancipação humana, tanto no que diz respeito ao aspecto profissional, quanto ao resgate e afirmação dos direitos humanos dos sujeitos adoecidos; muitos destes em decorrência das contradições do sistema de produção capitalista. Para Gumpeter, Costa e Mustafá (2007), a perspectiva da mudança na política de saúde mental no Brasil, articulou-se com diversos grupos em torno da luta antimanicomial. A mobilização para a causa que posteriormente viria a se chamar luta antimanicomial, no Brasil, teve início no final da década de 1970, período caracterizado pelo início da retomada da mobilização social, sobretudo em torno da luta pela redemocratização do país, com os trabalhadores de saúde mental, movimento que cresceu fortemente na metade da década de 80. Esses autores (2007) recordam que a desinstitucionalização brasileira representa um processo de luta por mudanças no modelo assistencial, destacando- se entre os diversos atores o movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), Centro Brasileiro de Estudos em Saúde/Núcleo de Estudo em Saúde Mental (CEBES), Movimento de Luta Antimanicomial, dentre outros, que tinham como bandeira a substituição do modelo asilar por uma rede de serviços territoriais. O marco desse processo é a década de 80. Identificada por uma ruptura ocorrida no processo de reforma psiquiátrica brasileira, que deixa de ser restrito ao campo assistencial, para alcançar uma dimensão mais global e complexa, isto é, para tornar-se um processo que ocorre há um só tempo e articuladamente, nos campos técnico-assistencial, político-jurídico, teórico-conceitual e sociocultural (AMARANTE, 1998, p.75-76). Essa mobilização efervescente toma corpo com a presença dos novos movimentos sociais, sendo ainda mais reforçada posteriormente, com as prerrogativas de participação cidadã oportunizadas pela Constituição Federal de 1988. Além dos trabalhadores da área da saúde mental passam a fazer parte também deste quadro, usuários, familiares, organizações de luta pelos direitos humanos e entidades de classe como o Conselho Federal de Psicologia e os Conselhos Regionais de Psicologia. Ferreira Netto (2008), nos situa no bondeda história, ressaltando a importância de alguns eventos no quadro da luta antimanicomial no Brasil, 38 www.eunapos.com.br começando com o II Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental realizado na cidade de Bauru, interior de São Paulo, em 1987. Nesse encontro surgiram pontos importantes, como a comemoração do dia da luta antimanicomial em 18 de Maio, o vislumbrar da possibilidade de um mundo sem manicômios e o marcado aumento da participação de psicólogos, inversamente proporcional, a participação de psiquiatras como trabalhadores do setor. Com a participação de profissionais de diversas áreas, elaborou-se uma pauta capaz de instrumentalizar a luta pela reforma psiquiátrica, com vistas à autonomia do movimento em relação ao Estado. As diretrizes traziam a discussão sobre a loucura para o meio da sociedade. Amarante (1988, apud FERREIRA NETTO, 2004), fala sobre a presença de ideias desinstitucionalizantes e de desconstrução da realidade daquele momento. Houve também a ocupação da política estatal com este pensamento. Neste momento fortaleceram-se os laços do movimento antimanicomial com entidades da sociedade civil e com associações de usuários e familiares, por exemplo. No evento posterior, em 1989, a reforma psiquiátrica ganhou impacto nacional com a intervenção da Secretaria de Saúde do Município de Santos na Casa de Saúde Anchieta e a criação de dispositivos antimanicomiais na cidade, num modelo que serviu de inspiração para vários outros no país (AMARANTE, 1998). Segundo Ferreira Netto (2008), neste mesmo ano foi apresentado ao Congresso Nacional, o Projeto de lei (PL) 3.657/89, pelo deputado federal Paulo Delgado de Minas Gerais, buscando regulamentar a reestruturação do atendimento à Saúde Mental no Brasil. Posteriormente esta questão atingiria a forma de lei através da Lei 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. O projeto propõe o abandono do modelo americano de psiquiatria comunitária, com a composição de uma rede de assistência que visa a substituir os hospitais psiquiátricos, sem hierarquizar os níveis de atenção. Uma das medidas mais eficazes para a organização da nova rede de assistência em Saúde Mental seria o procedimento de garantir a cada paciente, antes de sua alta hospitalar, o agendamento de consulta, via Distrito Sanitário, com um profissional de Saúde Mental, no centro de saúde mais próximo de sua casa. A 39 www.eunapos.com.br organização desse fluxo impediria que os pacientes em alta ficassem sem atendimento ambulatorial e fossem reinternados após nova crise. Garantiria também a chegada dos egressos nas unidades básicas de saúde, rompendo o circuito: alta, residência, crise e nova internação (FERREIRA NETTO, 2008). Pacientes e familiares passaram a conhecer uma nova possibilidade de atenção profissional, próxima de suas casas. Decorridos alguns anos após esse conjunto de ações, é possível deduzir que para romper com o circuito hospitalar não é suficiente somente a implantação de equipes nas unidades, é necessário uma política de organização do fluxo da demanda. Caso contrário, os profissionais permaneceriam com sua atividade drenada com a clientela cativa do serviço, sem que os egressos se tornassem parte de sua clientela habitual (FERREIRA NETTO, 2008). De acordo com Gumpeter, Costa e Mustafá (2007), o movimento antimanicomial, desde 1987, organiza-se através de núcleos em diversas cidades e estados do país. Durante essas duas décadas de atuação, foram realizados cinco encontros nacionais. No V Encontro Nacional do Movimento de Luta Antimanicomial, ocorrido em Miguel Pereira (RJ) em 2001, as propostas de dois grupos se mostraram inconciliáveis e dessa forma o movimento nacional sofreu uma cisão devido a: [...] uma crise organizativa e política interna, gerando duas correntes principais reunindo diferentes núcleos e grupos pelo país. Infelizmente, o debate tem sido muito polarizado e marcado por enfrentamentos muito pessoalizados, com enorme desgaste pessoal e político para todo o movimento, e nem sempre se consegue perceber mais claramente as questões e divergências teóricas e políticas de fundo (VASCONCELOS, 2002, p. 05). Desta forma, apareceram duas vertentes da luta, uma com a Rede Nacional Internúcleos de Luta Antimanicomial e outra com o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial. Gumpeter, Costa e Mustafá (2007), afirmam que no Brasil, apesar dos avanços legislativos na saúde mental, a impunidade e a violação dos Direitos Humanos dos indivíduos com transtornos mentais continuam, principalmente nos hospitais psiquiátricos que ainda funcionam. 40 www.eunapos.com.br Tornam-se emblemáticos os casos das mortes dos pacientes internados em instituições psiquiátricas tradicionais vítimas de espancamento, atestadas como suicidas ou mesmo de inanição. Isto somente citando casos do fim dos anos 90 pra cá, quando a vigilância do movimento tornou-se mais forte. [...] exemplos dessa violência vêm ganhando visibilidade, sem, contudo, provocar uma intervenção do poder público no sentido de realizar melhorias significativas. Pelo contrário, a clara tendência da imprensa local é de censurar os denunciantes e elogiar os gerentes da instituição pelas supostas melhorias que estes vêm promovendo (CARVALHO, 2004, p.115). Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004b), ainda existem muitos leitos em hospitais psiquiátricos, e fica clara a coexistência de dois modelos de atendimento, reiterando a necessidade de haver ainda um maciço investimento nas estruturas de tratamento abertas, dignificantes e socializadoras. É fato que ainda nos encontramos em processo, aonde o novo ainda não substituiu plenamente o velho. Gumpeter, Costa e Mustafá (2007), reiteram que tem sido importante a atuação do movimento de luta antimanicomial para pressionar a efetivação da Reforma Psiquiátrica definitiva com a extinção dos hospitais psiquiátricos do modelo clássico e alienante e o crescimento da rede de atenção à saúde mental de base comunitária e atenção à saúde de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Deve-se ressaltar também a importância do movimento na defesa e garantia dos direitos das pessoas com sofrimento mental, principalmente na denúncia de abusos e violação de direitos. Tem-se especial atenção em relação à atuação dos hospitais particulares para coibir abusos e distorções da lei. Atualmente coexistem no Brasil, nem sempre de maneira pacífica, por serem pouco integrados, modelos diferenciados de assistência tanto fundamentado no modelo asilar quanto no modelo dos novos serviços (ROSA, 2003, p. 283). Gumpeter, Costa e Mustafá (2007), consideram a luta antimanicomial como um movimento importante no que se refere às mudanças no modo “louco” e na garantia de seus direitos e de sua reinserção social. O movimento de luta antimanicomial tem tido atuação política de grande valia neste aspecto. Existe a 41 www.eunapos.com.br necessidade de fortalecimento das ações da luta antimanicomial e o seu abraçar pela sociedade, para que se tenha a cidadania preconizada pela Constituição Federal de 88, com a garantia de um sujeito de direito e deveres com amplo espectro de atuação, com liberdade, dignidade e respeitabilidade. Certamente uma das terapias mais importantes para combater a loucura é a liberdade. Quando um homem é livre tem a posse de si mesmo, tem a posse da própria vida, e, então, é mais fácil combater a loucura. Liberdade, falo de liberdadepara a pessoa trabalhar, ganhar e viver, e isto já é uma luta contra a loucura. Quando há possibilidade de se relacionar com os outros, livremente, isso torna- se uma luta contra a loucura. Quando eu falo de liberdade, falo de liberdade para a pessoa trabalhar, ganhar e viver, e isto já é uma luta contra a loucura. Certamente, a loucura evidencia-se mais facilmente sob essa nossa vida agitada, assustadora, opressiva e violenta (BASAGLIA, 1982 p. 72). Gumpeter, Costa e Mustafá (2007), concluem que a construção de uma sociedade que garanta direitos e a dignidade do ser humano tem no trato realizado com as pessoas que vivem com transtornos mentais, um de seus maiores desafios, justamente na efetivação e respeito aos seus direitos. É cada vez mais urgente o fortalecimento da articulação na luta por uma sociedade mais justa e que potencialize a dignidade do ser humano e sua autonomia. Podemos observar, que os próprios profissionais precisam se adaptar à nova realidade da atenção à saúde mental. Vejamos o caso do psicólogo. Este profissional apresentava inicialmente formação baseada na clínica individual particular, elitista, deixando a desejar na opção prioritária do programa. Sua (trans)formação aconteceu no decorrer da prática e da formação continuada. Sua participação no SUS mudou sua ideia de tratamento/intervenção introduzindo novas perspectivas de clínica ampliada (FERREIRA NETTO, 2008). Mais recentemente, devido aos esforços das entidades do Fórum Nacional de Entidades da Psicologia Brasileira (FENPB), destacando-se dentre elas a atuação da Associação Brasileira de Ensino em Psicologia (ABEP) junto das Instituições de Ensino Superior (IES) na busca de uma ênfase presente na formação que instrumentalize o profissional para práticas grupais e intervenções psicossociais, capacitando-o adequadamente de modo diferencial para a presente prática de apoio matricial (FERREIRA NETTO, 2008). 42 www.eunapos.com.br 3.3 Sistema Único de Saúde (SUS) e o direito à saúde pública De acordo com o Ministério da Saúde (Brasil, 2004), o SUS foi instituído pelas Leis Federais 8.080/1990 e 8.142/1990 tendo como eixo norteador o Estado democrático e de cidadania plena como determinantes de uma “saúde como direito de todos e dever de Estado”, preconizado na Constituição Federal de 1988. Esse sistema baseia-se no acesso universal, público e gratuito às ações e serviços de saúde; na integralidade das ações, cuidando do indivíduo como um todo e não como um quebra-cabeças formado de várias partes; baseando-se na equidade, como o dever de atender igualmente o direito de cada um, respeitando suas diferenças; na efetiva descentralização dos recursos de saúde, garantindo cuidado de boa qualidade o mais próximo dos usuários que dele necessitam; implantação do controle social exercido pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde com representação dos usuários, trabalhadores, prestadores, organizações da sociedade civil e instituições formadoras de maneira justa e democrática. Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004) são 3 os princípios que dão base ao SUS: - a universalidade, - a integralidade e - a equidade. A universalidade diz respeito à garantia do direito à saúde para todo e qualquer brasileiro, da maneira mais ampla nos serviços oferecidos pelo SUS. Este princípio é fundamental na visão democrática do sistema, tornando-o acessível a todo e qualquer brasileiro e não somente aos possuidores de carteira assinada, contribuintes da previdência, podendo toda a população contar com os serviços oferecidos. A integralidade é o segundo princípio norteador. Este conceito entende o sujeito como possuidor de várias dimensões que são integradas envolvendo a saúde individual e coletiva. O SUS trabalha com ações que visam a prevenção, promoção, proteção, cura e reabilitação. O SUS trabalha então a saúde de maneira integral, através de ações que contam inclusive com a intersetorialidade. 43 www.eunapos.com.br O princípio da equidade tem como função tratar as diferenças com o objetivo de atingir a igualdade. Isto pode ser observado, na prioridade de acesso aos serviços por indivíduos que possuem maior fragilização socioeconômica. 3.4 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) Fonte: http://migre.me/dfssI De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), o primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do Brasil foi inaugurado em março de 1986, na cidade de São Paulo, denominado Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira, conhecido como CAPS da Rua Itapeva. A criação deste CAPS e de tantos outros, com outros nomes e lugares, fez parte de um intenso movimento social, inicialmente de trabalhadores de saúde mental, que buscavam a melhoria da assistência no Brasil e denunciavam a situação precária dos hospitais psiquiátricos, que ainda eram o único recurso destinado aos usuários portadores de transtornos mentais. Nesse contexto, os serviços de saúde mental surgem em vários municípios do país e vão se consolidando como dispositivos eficazes na diminuição de internações e na mudança do modelo assistencial. Os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) e os CAPS foram criados oficialmente a partir da Portaria GM 224/92 sendo definidos como “unidades de saúde locais/regionalizadas que contam com uma população definida pelo nível local e que oferecem atendimento de 44 www.eunapos.com.br cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois turnos de quatro horas, por equipe multiprofissional”. Os CAPS, assim como os NAPS, os Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAMs) e outros tipos de serviços substitutivos que têm surgido no país são atualmente regulamentados pela Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002 e integram a rede do Sistema Único de Saúde, o SUS. Essa portaria reconheceu e ampliou o funcionamento e a complexidade dos CAPS, que têm a missão de dar um atendimento diuturno às pessoas que sofrem com transtornos mentais severos e persistentes, num dado território, oferecendo cuidados clínicos e de reabilitação psicossocial, com o objetivo de substituir o modelo hospitalocêntrico, evitando as internações e favorecendo o exercício da cidadania e da inclusão social dos usuários e de suas famílias (BRASIL, 2004). O que faz um CAPS? Um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou Núcleo de Atenção Psicossocial (NAP) é um serviço de saúde aberto e comunitário do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele é um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros, cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida. Fonte: http://migre.me/dgdSY O objetivo dos CAPS é oferecer atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. É um serviço de atendimento de saúde mental criado para ser substitutivo às internações em hospitais psiquiátricos. Os CAPS visam: • prestar atendimento em regime de atenção diária; 45 www.eunapos.com.br • gerenciar os projetos terapêuticos oferecendo cuidado clínico eficiente e personalizado; • promover a inserção social dos usuários através de ações intersetoriais que envolvam educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, montando estratégias
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