Buscar

Direitos Materiais Difusos

Prévia do material em texto

CURSO: Direito Segunda aula 
Disciplina: Direito Ambiental 
 
Profª: Daniela Gomes
 
1 
 
 
DIREITOS MATERIAIS DIFUSOS 
 
1. Introdução 
 
 Com base no direito romano pode-se dizer que, tradicionalmente, o direito positivo 
sempre foi observado com base nos conflitos de direito individual. Essa tradição de privilegiar 
o direito individual foi acentuada no século XIX com a Revolução Francesa (surgimento dos 
direitos individuais). Após a Segunda Guerra Mundial começou-se a observar que os grandes 
conflitos de interesses adaptavam-se à necessidade da coletividade, não apenas num contexto 
individualizado, mas sim coletivo (surgimento dos direitos sociais). Dessa forma, não se 
poderia mais conceber a solução dos problemas sociais tendo-se em vista o binômio 
público/privado. 
 
 Em vista das grandes transformações sociais ocorridas ao longo do tempo não se pode 
mais visualizar o ordenamento jurídico brasileiro com base no interesses do século XIX. A 
própria revolução tecnológica pela qual passamos determinou uma brutal modificação no 
sistema legal, de tal forma que se verifica que os grandes temas de conflito de interesses estão 
adaptados não mais a situações iminentemente individuais, mas sim a conflitos coletivos. 
 
 Frente a esta constatação Mauro Cappelletti1 destaca que entre o público e o privado 
existe um abismo. Não é mais possível solucionar litígios apegados à velha concepção de que 
cada indivíduo poderia ser proprietário de um bem. Ou, por outro lado, se o bem não fosse 
passível de apropriação, que ele seria gerido por uma pessoa jurídica de direito público 
interno, de modo que a tutela da água, do ar atmosférico, entre outros, também caberia a esse 
mesmo gestor. 
 
 Assim sendo, a reflexão sobre os direitos que pairavam acima dos interesses 
individuais – os direitos metaindividuais – somente se fez presente com a existência dos 
conflitos de massa, o que foi sensivelmente acentuado após a Segunda Guerra Mundial. Com 
 
1
 Formações sociais e interesses coletivos diante da Justiça Civil, RP, São Paulo, Revista dos Tribunais, 5:7, 
1977. 
 
 
 
CURSO: Direito Segunda aula 
Disciplina: Direito Ambiental 
 
Profª: Daniela Gomes
 
2 
 
isso, somente passou-se a considerar melhor os direitos metaindividuais a partir da 
necessidade processual de compô-los. 
 
 José Carlos Barbosa Moreira2 foi o primeiro a indicar que, em 1965, no Brasil, já se 
possuía a possibilidade de defesa do direito metaindividual por conta do procedimento trazido 
pela Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular). Afirmou-se que a ação popular tinha por 
finalidade proteger direito metaindividual, qual seja, o erário, e quem o fazia – o autor popular 
– ingressava com uma ação para discutir um conflito que dizia respeito à coletividade, de 
forma que esse autor popular não se caracterizava um substituto processual na medida em que 
não defendia apenas direito de terceiro, mas direito próprio também. 
 
 Dessa forma, a Ação Popular foi o primeiro diploma legal que, apesar de debater 
temas de direito instrumental, destacou questões de direito material fundamental. Esse reflexo 
possibilitou uma grande evolução doutrinária que, com o surgimento da Lei n. 6.938/81, se 
estabeleceu, pela primeira vez, a Política Nacional do Meio Ambiente, destacando-se nela a 
proteção dos direitos que ultrapassam a esfera de proteção do indivíduo, buscando-se tutelar e 
garantir a sobrevivência de todas as formas de vida. 
 
 Pode-se dizer que a Política Nacional do Meio Ambiente representou um grande 
impulso na tutela dos direitos metaindividuais e, nessa evolução legislativa, destacou-se 
também a Lei n. 7.347/85 que, apesar de tipicamente instrumental, veio a colocar à disposição 
um aparato processual à disposição toda vez que houvesse lesão ou ameaça de lesão a meio 
ambiente, ao consumidor, entre outros: a Ação Civil Pública. 
 
 Sensível a essa evolução legislativa, o legislador constituinte de 1988 trouxe uma 
novidade interessante: além de autorizar a tutela de direitos individuais, o que 
tradicionalmente já era feito, passou a admitir a tutela de direitos coletivos, porque 
compreendeu a existência de uma terceira espécie de bem: o bem ambiental. Tal fato pode ser 
verificado em razão do disposto no art. 225 da CF/88 que consagrou a existência de um bem 
que não é público nem particular, mas sim de uso comum do povo (transindividual). 
 
 
2
 Temas de direito processual. São Paulo, 1977, p. 110 e seguintes. 
 
 
 
CURSO: Direito Segunda aula 
Disciplina: Direito Ambiental 
 
Profª: Daniela Gomes
 
3 
 
 Em face da previsão constitucional do bem ambiental, foi publicada a Lei n. 8.078/90, 
que tratou de definir os direitos metaindividuais (direitos difusos, coletivos e individuais 
homogêneos) e acrescentou o antigo inciso IV do art. 1º da Lei n. 7.347/85, que havia sido 
vetado, possibilitando a utilização da ação civil pública para a defesa de qualquer interesse 
difuso e coletivo. 
 
2. Direitos Difusos 
 
 A Lei n. 8.078/90 (Direitos do Consumidor), em seu art. 81, parágrafo único, inciso I, 
trouxe um conceito legal de direitos difusos ao estabelecer que: 
 
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser 
exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. 
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: 
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os 
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas 
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; 
 
 Por conta do aludido preceito, o direito difuso apresenta-se como um direito: 
 
• Transindividual - aquele que transcende o indivíduo, ultrapassando o limite da esfera 
de direitos e obrigações de cunho individual; 
 
 Como bem ensino Rodolfo de Camargo Mancuso, são os “interesses que depassam a 
esfera de atuação dos indivíduos isoladamente considerados, para surpreendê-los em sua 
dimensão coletiva”.3 
 
• Objeto indivisível - não há como cindi-lo – trata-se de um objeto que, ao mesmo 
tempo, a todos pertence, mas ninguém em específico o possui – ex: ar atmosférico - 
sua lesão representa lesão da inteira coletividade; 
 
• Titularidade indeterminada - não há como precisar quais são os indivíduos afetados – 
talvez seja possível delimitar apenas o provável espaço físico abrangido; 
 
 
3
 Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. Saraiva, 1991, p. 275. 
 
 
 
CURSO: Direito Segunda aula 
Disciplina: Direito Ambiental 
 
Profª: Daniela Gomes
 
4 
 
• Interligação por circunstâncias de fato - os titulares do direito experimentam a mesma 
condição por conta de uma situação fática, ouseja, abrange toda uma categoria de 
indivíduos unificados por possuírem um denominador fático qualquer em comum; 
 
3. Direitos Coletivos “stricto sensu” 
 
 Os direitos coletivos stricto sensu possuem definição legal, trazida pela Lei n. 
8.078/90, em seu art. 81, parágrafo único, inciso II, o qual preceitua que: 
 
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser 
exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. 
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: 
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os 
transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe 
de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 
 
 De tal forma, são direitos que transcendem o indivíduo, ultrapassando o limite da 
esfera de direitos e obrigações de cunho individual. Entretanto, os direitos coletivos diferem-
se dos difusos em razão da determinabilidade dos titulares, pois estes são identificáveis. 
 
 Deve-se observar que, ainda que num primeiro momento não seja possível determinar 
todos os titulares, por conta da natureza do direito coletivo, esses titulares (que estão ligados 
por uma relação jurídica entre si ou com a parte contrária) são identificáveis. 
 
 Em relação à indivisibilidade é importante lembrar que está restrita à categoria, ao 
grupo ou à classe titular do direito, de forma que a satisfação de um só implica a de todos, e a 
lesão de apenas um constitui lesão de todos. 
 
4. Direitos Individuais Homogêneos 
 
 A definição legal dos Direitos Individuais Homogêneos encontra-se na Lei n. 
8.078/90, em seu art. 81, parágrafo único, inciso III, o qual, de maneira pouco elucidativa, 
preceituou: 
 
 
 
 
 
CURSO: Direito Segunda aula 
Disciplina: Direito Ambiental 
 
Profª: Daniela Gomes
 
5 
 
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser 
exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. 
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: 
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes 
de origem comum. 
 
 O legislador não trouxe elementos identificadores dos direitos individuais 
homogêneos. Entretanto, é possível concluir que se trata de direitos individuais, cuja origem 
decorre de uma mesma causa. Na verdade, a característica de ser um direito coletivo é 
atribuída por conta da tutela coletiva, à qual esses direitos poderão ser submetidos. 
 
 A compreensão desse instituto como um direito individual e de objeto divisível 
somente é possível em decorrência da interpretação do sistema processual de liquidação e 
execução dos direitos individuais homogêneos, trazido pelo Capítulo II, Título III da Lei n. 
8.078/90. Isso porque, em alguns dispositivos (arts. 91, 97, 98 e 100), pode-se constatar que 
os legitimados para Ação Civil Pública agem como legitimados extraordinários, pleiteando 
em nome próprio direito alheio. 
 
5. Critério de distinção dos direitos 
 
 Nelson Nery Junior esclarece que “um direito caracteriza-se como difuso [...] de 
acordo com o tipo de tutela jurisdicional e a pretensão levada a juízo”, aduzindo que “a pedra 
de toque do método classificatório” para qualificar um direito como difuso, coletivo ou 
individual é “o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente 
ação judicial”, sendo certo, para o autor, que, “da ocorrência de um mesmo fato, podem 
originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais”.4 
 
 
 
4
 Código brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, passim.

Continue navegando