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Estudo jurídico - temas antropológicos na legislação brasileira

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS – CESA
DISCIPLINA: ANTROPOLOGIA CULTURAL E DIREITO
PROFESSORA: ANTONIA LADISLAU
CURSO DE DIREITO
MARCOS VINÍCIUS DE ARAÚJO CARNEIRO
ESTUDO JURÍDICO – TEMAS ANTROPOLÓGICOS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
CRATO/CE
2019
O presente trabalho destina-se a realizar um breve estudo jurídico acerca de alguns temas antropológicos, levantados em sala de aula e razoavelmente discutidos, procurando localizar cada um deles na legislação brasileira, sobretudo na Constituição da República, mas também nas diversas leis que compõem o nosso ordenamento jurídico. São eles: Direito à diferença, direito aos direitos, direito à família, direitos territoriais, direito à saúde, direito à educação, cultura, etnicidade, honra, identidade e subjetividade, moral e ética, natureza, patrimônio cultural, perícia antropológica, pessoa-indivíduo, raça, ritual, sociedade, tradição, Antropologia, diferenças e desigualdades, Antropologia e Direitos Humanos, cidadania e minorias no mundo globalizado.
1º: Direito à diferença – Pode-se encontrá-lo no art. 3º, inciso IV da Constituição Federal (CF): art.: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”: dentre eles, o que está no referido inciso – “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (BRASIL, 1988, p. 9). Também no art. 5º, que trata dos “Direitos e deveres individuais e coletivos”, inciso VIII – “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.” (BRASIL, 1988, p. 9). O art. 231, que trata dos índios, povo bastante representativo da questão do direito à diferença no Brasil, também trata em todo o seu conteúdo, do reconhecimento desses direitos, os quais estão resumidos no seu caput: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” (BRASIL, 1988, p. 65).
2º: Direito aos direitos – A primeira manifestação desse direito encontra-se claramente no Preâmbulo da Constituição, que expressa, com clareza, o direito que tem um povo, por meio de seus representantes eleitos para tal, de legislar para si, assegurando o exercício dos direitos através da soberania popular, princípio fundador do Estado democrático de Direito. Diz o texto do Preâmbulo: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (sic). Também verifica-se o “direito aos direitos” em todo o texto do art. 5º, dos quais citaremos o caput e alguns incisos destacáveis. Caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”: inciso I – “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”; inciso II – “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; inciso IV – “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”; inciso V – “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”; inciso XXII – “é garantido o direito de propriedade”, dentre tantos outros.
3º: Direito à família – Esse direito foi evoluindo no decorrer do tempo, “desde o Código Civil de 1916, passando pela CF de 1988 até o presente Código Civil de 2002, acarretando novos arranjos familiares atualmente aceitos legalmente.” (DRESCH, 2016, n.p.). No Código Civil de 1916, encontra-se, por exemplo, o art.. 223: “O marido é o chefe da sociedade conjugal” (BRASIL, 1916, n.p.), do qual decorriam várias competências próprias, e o art. 240: “A mulher assume, pelo casamento, com os apelidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família” (BRASIL, 1916, n.p.), do qual decorriam diversos direitos e deveres próprios. A Constituição de 1988, por sua vez, declara no seu art. 226: “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (BRASIL, 1988, p. 64) e não determina mais os direitos e deveres do marido e da mulher, trazendo uma abordagem mais abrangente e falando em “família como um todo”. É o que se verifica nos parágrafos 3º, 4º. 5º. 6º, 7º e 8º, por exemplo, cujo teor colocaremos agora: 
§ 3º: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º: Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º: Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. § 7º: Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º: O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (BRASIL, 1916, n.p.).
Já o novo Código Civil, de 2002, traz diferenças na maioria dos seus artigos. Para citar apenas duas, podemos colocar as palavras de Uélton Santos: 
Art. 1.509 e 1.565 do NCC (A IGUALDADE DOS CONJUGES) - Em consonância com o estabelecido na Constituição Federal - que estabelece no art. 5º, inciso I, a igualdade de direitos e obrigações entre homem e mulher, reafirmando-a, no direito de família em seu art.226, § 5º - o art. 1.509 do NCC prevê que: O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade dos cônjuges, e institui a família legítima. Deste modo, no Título I, Subtítulo II, Capítulo VI do Livro do Direito de Família, a expressão pátrio poder dá lugar à expressão poder familiar, a ser exercido igualmente pela mulher e pelo marido. Art. 1542 do NCC (A CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO) - O casamento pode celebrar-se mediante procuração, por instrumento público, com poderes especiais (art. 1542). A revogação do mandato não necessita chegar ao conhecimento do mandatário; mas, celebrado o casamento sem que o mandatário ou o outro contraente tivesse ciência da revogação, responderá o mandante por perdas e danos ($ 1o.). A eficácia do mandato não ultrapassará noventa dias ($ 3o.) Só por instrumento público se poderá revogar o mandato ($ 4o.). (SANTOS, 2003, n.p.).
4º: Direitos territoriais – São expressos pelo art. 1º da CF/88: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos...”, segue o texto. Uma proteção especial que a lei dá é, por exemplo, aos direitos territoriais dos índios, no art. 231 da mesma Constituição: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitartodos os seus bens.” Do caput, decorrem várias especificações de quais são as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a finalidade delas, e, principalmente, suas características de inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
5º: Direito à saúde – Reconhecido pela CF/88 nos artigos 196 a 200, apresentando a lei quem tem competência para resguardar esse direito (União, Estados, Distrito Federal e Municípios, cada um com um percentual calculado na forma da lei) e dispondo sobre o sistema único de saúde, sua relevância e atribuições, bem como prevendo a liberdade condicional de assistência à saúde também pela iniciativa privada.
6º: Direito à educação – Igualmente reconhecido pela CF/88 nos artigos 205 a 214, sendo caracterizada a educação como “direito de todos e dever do Estado e da família’, pelo art. 205, apresentando os referidos artigos as regras para ministrar-se o ensino, os tipos de ensino, as instituições responsáveis, os conteúdos mínimos, os objetivos dos planos de educação estabelecidos pela lei e os percentuais que devem ser aplicados pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios na manutenção e desenvolvimento do ensino, bem como prevendo a liberdade condicional da iniciativa privada.
7º: Cultura – Prevista na CF/88 pelos artigos 215 a 216-A, mais amplamente no art. 215, e mais especificamente nos 216 e 216-A, que tratam do patrimônio cultural e do Sistema Nacional de Cultura. A lei garante a todos o pleno exercício dos direitos culturais, bem como prevê o que constitui o patrimônio cultural brasileiro, vale ressaltar, material e imaterial, e a organização de um Sistema Nacional de Cultura, além de seus princípios e fundamentação.
8º: Etnicidade – Constitui a condição ou consciência de pertencer a um grupo étnico, a uma etnia. Instrinsecamente ligada à cultura, estando na mesma seção que ela na CF/88. Possui amparo nesta última nos seguintes trechos: art. 215, § 2º: “A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais” e no § 3º do mesmo artigo (“a lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do país e à integração das ações do poder público que conduzem a: inciso V – “valorização da diversidade étnica e regional.” 
9º: Honra – Um dos chamados “direitos da personalidade”, percorreu as mais antigas civilizações e oferece uma herança histórica às sociedades atuais. Sua garantia e inalienação são asseguradas pela CF, no art. 5º, inciso X: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” Esse valor ultrapassa fronteiras e, de acordo com Rosalliny Pinheiro Dantas:
O pacto de São José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos), vigente em nosso país, reconhece a proteção à honra no art. 11, dispondo que “toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade”. (DANTAS, 2012, n.p.).
O Código Civil de 2002 também possui a sua parcela de contribuição na proteção da honra: 
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.” (BRASIL, 2002, n.p.).
10º: Identidade e Subjetividade – Esses valores estão presentes na CF, em muitas partes do capítulo I – “Dos direitos e deveres individuais e coletivos”, mas especificamente no art. 5º, incisos IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”; IX: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”; XI: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial” e LXXVI: “são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito.”
11º: Moral e ética – De acordo com José Renato Nalini, a ética é uma ciência por ter um objeto próprio, leis próprias e método próprio, enquanto que a moral é um dos aspectos do comportamento humano, uma ordem mais interna, por assim dizer (NALINI, 2004). Verifica-se a presença desses princípios no caput do art. 37 da CF: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.” É preciso destacar, como sem falta, o reconhecimento desses princípios como superiores à lei, como observa Luiz Carlos Guglielmetti: 
A ética está acima da lei, e agentes públicos são obrigados a reconhecer impedimentos e não podem legislar em favor do interesse privado, porque a mera edição de leis não regulariza os atos de corrupção, e ninguém pode comprar benefícios concedidos pelo Estado. (GUGLIELMETTI, 2017, n.p.).
Vale lembrar também que a ética precisa estar presente na pesquisa com seres humanos, bem como na publicação de trabalhos que revelem, de uma forma ou de outra, a individualidade de uma pessoa, por isso é necessária, muitas vezes, a autorização de um Comitê de Ética nas instituições de ensino superior. Nas palavras de Ives Gandra da Silva Martins: “Todos os artigos do 5º ao 17º são embebidos de normas de direito natural, mesmo quando apenas especificam caminhos para seu exercício.” (MARTINS, 2006, p. 16).
12º: Natureza – É encarada na Constituição sob a ótica do Meio Ambiente, ou seja, do hábitat dos seres humanos, e todo o art. 225 dela trata, cujo caput diz: 
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988, p. 64).
Os parágrafos e incisos decorrentes desse artigo preveem as incumbências do poder público para assegurar a efetividade desse direito, bem como as obrigações decorrentes da exploração de recursos minerais e as terras que não são disponíveis à exploração humana em decorrência da necessidade de proteção dos ecossistemas naturais.
Há também muitas leis importantes referentes a este tópico, das quais podemos citar: Lei 9.605/1998 - Lei dos Crimes Ambientais, que reordenou a legislação ambiental quanto às infrações e punições. Concedeu à sociedade, aos órgãos ambientais e ao Ministério Público mecanismo para punir os infratores do meio ambiente. Destaca-se, por exemplo, a possibilidade de penalização das pessoas jurídicas no caso de ocorrência de crimes ambientais; Lei 7.347/1985 - Lei da Ação Civil Pública – Trata da ação civil pública de responsabilidades por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e ao patrimônio artístico, turístico ou paisagístico, de responsabilidade do Ministério Público Brasileiro. E, principalmente, lei 12.651/2012 - Novo Código Florestal Brasileiro, que revogou o Código Florestal Brasileiro de 1965 e define que a proteção do meio ambiente natural é obrigação do proprietário mediante a manutenção de espaços protegidos de propriedade privada, divididos entre Área de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL).
13º: Patrimônio cultural – Citado e descrito no art. 216 da CF/88, do qual citaremos o inteiro teor: 
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão;II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. § 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. § 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. § 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei. § 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. (BRASIL, 1988, p. 62).
14º: Perícia antropológica – Essa realidade cumpre papel fundamental na consagração do princípio constitucional da ampla defesa, porque disponibiliza para o órgão aplicador do Direito, bem como para as partes, conhecimento especializado em torno da realidade daquele grupo ou comunidade, registrando sua visão de mundo, valores, crenças, costumes, hábitos, ordem interna e interação com o meio ambiente, por exemplo. Tudo isso pode interferir no processo de interpretação e aplicação do Direito em cada caso concreto. Está definida, genericamente, no Código de Processo Civil (CPC), em seu art. 145: 
É a pesquisa, o exame, a verificação acerca da verdade ou da realidade de certos fatos, quando a prova de tais fatos depender de conhecimento técnico ou científico, feita por profissional universitário com conhecimento na área de especialidade da matéria, e é destinada a assistir o Juiz no esclarecimento da matéria de fato, contribuindo para o processo decisório. (BRASIL, 2015, n.p.).
15º: Pessoa-indivíduo – Princípio fundador de uma sociedade, reconhecido nos seus direitos e deveres individuais e coletivos no art. 5º da CF/88, desde o seu caput até o inciso LXXVIII, tratando-se minuciosamente das garantias asseguradas a toda pessoa humana e dos seus termos, tais como: igualdade de direitos e obrigações de homens e mulheres (inciso I), obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa somente em virtude de lei (inciso II), garantia de que ninguém será submetido a tortura ou tratamento desumano/degradante (inciso III) - que foi positivada, sobretudo, em decorrência dos tempos ditatoriais vividos até então, dentre muitas outras prerrogativas, juntamente com quem tem o dever de assegurá-las (o Estado). Também presente no art. 1º, inciso IV: “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.” (BRASIL, 1988, p. 9). Esse é colocado como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
16º: Raça – Conceito relativamente superado na contemporaneidade pelo de etnia, mas presente na CF/88 no art. 3º, já citado neste trabalho: 
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 1988, p. 9) (grifo nosso).
Verifica-se também a previsão constitucional para o crime de racismo, sendo ele “inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei” (BRASIL, 1988, p. 10), de acordo com o art. 5º, inciso XLII da CF/88.
Posteriormente, dispôs-se sobre os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor na lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, detalhando as possibilidades deles e as sanções penais imputadas aos seus praticantes, aperfeiçoada por outras posteriores, inclusive o Estatuto da Igualdade Racial, promulgado em 2010.
17º: Ritual – No sentido de ritual religioso, encontra-se no art. 5º, inciso VI, a proteção ao seu exercício: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (BRASIL, 1988, p. 9) (grifo nosso). Pode-se citar também o art. 215, §1º, que diz: “O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” (BRASIL, 1988, p. 62) – dentro dessas manifestações estão, evidentemente, os rituais de que cada grupo de cultura popular, tribo indígena, ou segmento religioso de matriz africana se utiliza em seus cultos.
Por outro lado, no sentido de uma sequência de ritos, simplesmente, não somente ritos religiosos, pode-se encontrar na Constituição muitos rituais, que precisam ser cumpridos de tal maneira para que as leis possam entrar em vigor ou para que alguém seja preso ou punido etc. Tem-se, por exemplo, o ritual para a perda de mandato de um deputado ou senador, previsto no art. 55 da CF: 
Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. § 2º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. § 3º – Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. (BRASIL, 1988, p. 26/27).
18º: Sociedade – Trata-se de um termo plurissignificativo, e, vale ressaltar, distinto dói Estado. Ela cria o Estado, por assim dizer, e ao mesmo tempo se submete às suas diretrizes, como está no art. 3º, inciso I da CF/88: art. 3º - “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária.” (BRASIL, 1988, p. 9) (grifo nosso). No Parágrafo único do art. 1º também se encontra: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” (BRASIL, 1988, p. 9).
Dos artigos 6º a 11 (título II, capítulo II da Constituição), estão expressos, também, os direitos sociais referentes a todos, aos trabalhadores, às associações profissionais e sindicais etc.
19º: Tradição - Do latim traditio, “entregar, passar adiante”. É a transmissão de costumes, comportamentos, memórias, crenças para membros de uma comunidade, cujos elementos transmitidos passam a fazer parte da cultura daquele povo. Encontra-se na CF/88 a proteção, por exemplo, às tradições indígenas, no art. 231: 
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (BRASIL, 1988, p. 65) (grifo nosso).
Também pode-se falar em tradição sob a ótica da aplicação do Direito. Nela, a tradição de uma sociedade cumpre, muitas vezes, um papel fundamental, como destaca o art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com aanalogia, os costumes e os princípios gerais de direito." (BRASIL, 2010, n.p.).
20º: Antropologia, diferenças e desigualdades – A relação entre Antropologia e Direito mostra-se cada vez mais promissora, na perspectiva do reconhecimento e valorização das diferenças individuais e sociais, tratadas no tópico “identidade e subjetividade”, em que se cita e aqui pode-se colocar também o art. 5º, incisos IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e IX: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.” (BRASIL, 1988, p. 9). Também no art. 5º, que trata dos “Direitos e deveres individuais e coletivos”, verifica-se uma proteção à diferença no inciso VIII – “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.” (BRASIL, 1988, p. 9). O art. 231, já citado anteriormente, é uma das maiores manifestações do reconhecimento à diferença, quando trata dos povos indígenas, e o art. 232 também se coaduna com essa perspectiva e amplia a proteção ao declarar: “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.” (BRASIL, 1988, p. 65).
No que tange às desigualdades, também há matéria constitucional relevante, quando se coloca como objetivo fundamental desta República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” – art. 3º, inciso III (BRASIL, 1988, p. 9). Vale ressaltar a perspectiva destacada por Nélson Nery Júnior: 
O princípio da igualdade pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.” (NERY JÚNIOR, 1999, p. 42).
21º: Antropologia e Direitos Humanos – Tema bastante recorrente na contemporaneidade, já previsto na CF/88 através do art. 5º, parágrafos 3º e 4º: 
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. (BRASIL, 1988, p. 11).
Essa previsão constitucional é o que confere legitimidade aos Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos (TIDH), bem como aos seus antecedentes, dos quais podemos citar a Declaração dos direitos do homem e do cidadão, da Revolução Francesa e a Declaração universal dos direitos humanos de 1948.
22º: Cidadania e minorias no mundo globalizado – Dispõe a Constituição Federal sobre ambos os temas, o da cidadania é posto como fundamento da República, consagrado no inciso II do art. 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II – a cidadania.”
Considerando importante também estabelecer as garantias decorrentes dessa cidadania, o texto constitucional prossegue:
Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; LXXVII - são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania. (BRASIL, 1988, p. 9/11).
“Art. 22: Compete privativamente à União legislar sobre: XIII – nacionalidade, cidadania e naturalização.” (BRASIL, 1988, p. 16).
No que tange às minorias, o reconhecimento de direitos mais específico a cada uma delas foi acontecendo nos anos posteriores à CF/88, como, por exemplo, com a lei de cotas (lei nº 12. 711/2012), mas já havia a previsão nela, aqui já citada, dos direitos dos índios, nos artigos 231 e 232, bem como, de forma mais abrangente, no art. 1º, inciso III, que coloca como objetivo fundamental da República também a dignidade da pessoa humana.
Faz-se necessário destacar aqui a citação indireta que Isete Evangelista Albuquerque faz à obra de Ester Kosovski: 
Oportuno destacar que, sob a égide da existência de uma sociedade democrática e pluralista, comprometida com a diferença, o multiculturalismo, a dignidade da pessoa humana, a liberdade e a igualdade frente a uma classe dominante, as minorias referem-se aos grupos sociais que se distinguem dos demais por serem considerados inferiores, sendo alvos de discriminação, preconceito social e não possuindo respeito aos seus direitos de cidadania. (KOSOVSKI apud ALBUQUERQUE, 2013, p. 14). 
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Isete Evangelista. O Direito das minorias na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a situação dos índios enquanto minoria étnica do estado brasileiro. In: Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, RJ, vol.06, nº 02, 2013. Disponível em: < file:///C:/Users/luiza/Downloads/11769-40437-1-SM.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2019.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2013. Diário Oficial da União, 5 out. 1988. 
_______. Código Civil (1916). Lei nº 3.071, de 1º de Janeiro de 1916. Rio de Janeiro, DF, 1916. Disponível em: Planalto - < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm>. Acesso em 11 mar. 2019.
_______. Código Civil (2002). Lei nº 10. 406, de 10 de Janeiro de 2002. Brasília, DF, 2002. Disponível em: Planalto - <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 11 mar. 2019.
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DANTAS, Rosalliny Pinheiro. A honra como objeto de proteção jurídica. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 96, jan 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11017>. Acesso em: 11 mar. 2019.
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