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CONFUCIONISMO Estas religiões orientais ou sapienciais buscam o caminho através da sabedoria e do conhecimento. Por Prof. Moacir Douglas Flor As religiões orientais Confucionismo Neste e nos próximos dois capítulos,apresentaremos três GrandesRe l i g i õ e s ( C o n f u c i o n i s m o , Xintoísmo e Taoísmo). Apesar de não serem populares no Brasil, consideramos interessante uma leitura e análise para nos darmos conta de como pensam outros povos e a diversidade religiosa encontrada no mundo. É bom observar que o pensamento oriental é diferente do ocidental. Vocês devem estar observando hoje que a China está despontando em todo o mundo pelo seu crescimento econômico e aos poucos vem sendo reconhecida como uma grande potência mundial. Talvez o que você não saiba é que até 1911 a China foi uma potência imperial, onde o imperador reinava acima de tudo. O Imperador era considerado o representante do país diante do supremo deus Céu. O que havia por traz de tudo isso era uma ideologia confucionista. O conjunto de pensa- mentos, regras e rituais sociais, foram desenvol- vidos pelo filósofo K'ung-Fu-Tzu. No Brasil o conhecemos como Confúcio. Além disso, Confúcio formulou normas para a vida religiosa, para os sacrifícios e os rituais. , O confucionismo era, na verdade, uma religião estatal praticada pela elite e pelas classes dominantes, a qual, no entanto, nunca se disseminou muito entre as massas, as camadas mais amplas da população. Da mesma forma que o imperador, em seu palácio em Pequim, ficava remotamente afastado das pessoas comuns, o Céu era remoto e impessoal para a grande massa dos chineses pobres, trabalhadores e camponeses. A Religião dos pobres era a adoração dos espíritos, particularmente dos antepassados, religiosidade carregada de magia e traços de outras religiões. (GAARDER, 2000, P.77) Confúcio ensinando, retratado por Wu Daozi, Dinastia Tang 41 Confúcio nasceu em 551. a.C., filho de pessoas pobres, que desde cedo demonstrou um grande interesse que se referia à vida. Diz a história que após iniciar sua carreira pública como um oficial de segunda classe no estado de Lu, aos 18 anos, tornou-se professor e começou a ensinar história, filosofia, ética, música, poesia e boas maneiras. A idéia era mostrar aos seus alunos o princípio que ele sentiu necessári- os naquele momento de decadência da ordem feudal chinesa. Embora suas lembranças da infância contenham referências nostálgicas à caça, à pesca e ao arco, sugerindo com isso que ele foi tudo menos uma traça de livro, Confúcio dedicou-se cedo aos estudos e se saiu bem. “Chegando aos quinze anos de idade, forcei a minha mente ao aprendizado.” Com vinte e poucos anos, depois de ter ocupado vários cargos públicos insignificantes, depois de ter feito um casamento não muito bem sucedido, ele se estabeleceu como professor particular. Essa era obviamente a sua vocação. A reputação de suas qualidades pessoais e sabedoria prática espalhou-se com rapidez, atraindo um circulo de discípulos entusiasmados.(SMITH, 1991, p. 156) A carreira de Confúcio não foi um sucesso. Sua ambição era bem maior. Alguns biógrafos chegaram a criar a lenda de que, por volta dos 50 anos, Confúcio realizou uma brilhante adminis- tração durante cinco anos, avançando rapida- mente de ministro de Obras Públicas para ministro da Justiça e primeiro-ministro, e fazendo de Lu uma província modelo. “A verdade é que os governantes da época tinham medo da franqueza e integridade de Confúcio, tanto medo que nunca o designariam para qualquer posição de poder.” (SMITH, 1991, p. 156) O que marca a obra de um líder é a seu legado escrito. Confúcio deixou várias obras escritas sobre sua filosofia de vida: O Shih Ching ( Livro de poesias), Li Chi (Livro dos ritos), I Ching (Livro das transformações), Shu Ching (Livro de história) e Ch'um Ch'íu (os anais da primavera e do outono). A questão central na filosofia de Confúcio está na palavra “li”. Significa “cortesia”, “reverên- cia”, “ritos e cerimônias” e o “posicionamento ideal na vida pública e privada”. “O Chinês mais moderno entende por “li” uma ordem social ideal, com tudo em seu devido lugar e com todas as pessoas prestando respeito e reverência aos outros na hierarquia social” (STEFFEN, 2000, p. 48). De uma certa forma, a idéia era estabelecer a ordem e acabar com a queda do respeito desencadea- da pela ordem feudal. Confúcio acreditava que, se cada um soubesse o seu lugar, poderia haver um comportamento de reciprocidade como um guia de vida. É aqui que vai surgir o dito “não faças aos outros o que não queres que te façam. Político fracassado, Confúcio foi, sem dúvida, um dos maiores professores do mundo. Preparado para ensinar história, poesia, governança, propriedade, matemática, música, adivinhação e esportes, ele foi, à Suas obras A filosofia de Confúcio Há quatro coisas no Caminho da pessoa profun- da, nenhuma das quais fui capaz de fazer. Servir ao meu pai, como esperaria que um filho me servisse. Servir ao meu governante, como esperaria que meus ministros me servissem. Servir ao meu irmão mais velho, como esperaria que meus irmãos mais novos os servissem. Ser o primeiro a tratar os amigos como esperaria que eles me tratassem. Essas coisas não fui capaz de fazer. Quem foi Confúcio 42 moda de Sócrates, um homem Universidade. Seu método de ensino também era socrático. Sempre informal, ele não fazia preleções; preferia conversa sobre os proble- mas apresentados por seus alunos, citando leitura e fazendo perguntas. Ele se apresentava aos alunos como um companheiro de viagem, comprometido com a tarefa de se tornar plenamente humano, mas modesto. Quanto ao ponto a que chegou no cumprimento dessa tarefa, ele mesmo cita: Não havia nada de sobrenatural nele. Confúcio gostava de estar com as pessoas, de jantar fora, de cantar em coro uma bela canção e de beber, mas não em excesso. Seus discípulos relataram que, nas horas de folga, o Mestre tinha um comportamento informal e alegre. Ele era afável, mas firme, digno, mas agradável. Estava sempre pronto para defender a causa das pessoas comuns contra a nobreza opressiva de sua época; nas suas relações pessoais, ele rompia escandalosamente as linhas de classe impostas pela sociedade e nunca menosprezava os alunos mais pobres, mesmo quando não podiam pagar as aulas. Era gentil, mas capaz de sarcasmos quando achava merecido. Falando daquele que começava a criticar suas companhi- as, Confúcio observou: “É evidente que Tzu Kung tornou-se perfeito. Ele tem tempo para esse tipo de coisa. Eu não tenho tempo livre”. Confúcio nunca lamentou a escolha que fez. Com alimento ordinário para comer, água para beber e o braço dobrado como travesseiro, ainda tenho alegria em meio a isso e a tudo. As riquezas e honrari- as adquiridas por meios iníquos não significam para mim mais do que as nuvens flutuantes, diz ele. Homem simples e humilde Alguns provérbios ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? Verdadeiro filósofo não será aquele que, mesmo sendo reconhecido, jamais guarda ressentimento? Não faças aos outros o que não queres que te façam. Não me entristece que os outros não me conheçam. Entristece-me não conhecer osoutros. Não esperes resultados rápidos nem procures pequenas vantagens. Se buscares resultados rápidos, não alcançarás a meta final. Se te deixares desviar por pequenas vantagens, nunca realizarás grandesfeitos. As pessoas mais nobres primeiro praticam o que pregam e depois pregam de acordo com a sua prática. Se quando olhas dentro do teu coração não vês nada de errado, por que te preocupas?Oque há para temeres? Quando conheces uma coisa, reconhecer que tu a conheces; e quando não a conheces, saber que tu não sabes – isso é conhecimento. Ir longe demais é tão mau quanto ficar aquém. Quando vês um homem digno, pensa quando poderás emulá- lo. Quando vês um homem desprezível, examina o teu próprio caráter. Riqueza e posição, eis o que as pessoas desejam; mas se não as conseguirem da maneira correta,nunca as possuirão. Sê bondoso com todos,mas íntimo apenas dosvirtuosos. 43 A glorificação veio após a sua morte. Entre seus discípulos, o gesto foi imediato. Disse Tzu Kung: “Ele é o sol, a luz, aos quais não há meios de se subir. A impossibilidade de igualarmos nosso Mestre é como a impossibilidade de alcançarmos o céu subindo por uma escada”. Em poucas gerações, Confúcio era visto em toda a China como o “mentor e modelo de dez mil gerações. O que mais lhe teria agradado foi a atenção dada às suas idéias. Durante dois mil anos – até o século XX – toda criança chinesa chegou à sala de aula, toda manhã, e lavantou as mãozinhas postas na direção de uma mesa que tinha uma placa com o nome de Confúcio. Praticamente, todo estudante chinês estudou cuidadosamente os provérbios de Confúcio, durante horas à fio; o resultado é que eles se tornaram parte da mente chinesa, chegando até os analfabetos na forma de provérbios. O governo chinês também foi influencia- do por essas idéias, mais profundamente do que qualquer outra pessoa. É necessário compreender o que havia de errado na sociedade em que ele vivia. Pano de Fundo É claro que os provérbios, por si só, não explicam o sucesso de Confúcio. A Antiga China não era nem mais nem menos turbulenta do que as outras terras. Do oitavo ao terceiro século a.C., porém, a China testemunhou o colapso da dinastia Chou, que foi um governo de paz e ordem. Baronatos rivais ficaram em liberdade para fazer o que bem entendia m, cr iando uma situação idêntica à da Palestina no período dos juízes: “Naqueles dias não havia rei em Israel; cada homem fazia o que parecia certo a seus próprios olhos”. A Guerra quase contínua desse período começou dentro dos padrões do cavalheirismo. O carro de guerra era sua arma, a cortesia era o seu código e os atos de generosidade conferiam honra. Diante da invasão, o barão arrogante enviaria um comboio de provisões ao exército invasor. Ou, para provar que seus homens estavam além do medo e da intimidação, ele enviaria, como mensageiro, soldados que cortariam a própria garganta diante do invasor. Tal como na era de Homero, guerreiros de exércitos inimigos se reconheci- am, trocavam desdenhosos cumprimentos do alto de seus carros de guerra, bebiam juntos e à vezes trocavam armas antes de entrar em combate. Na época de Confúcio, porém, a guerra interminá- vel degenerava; de cavalheiresca, tornara-se o terror desenfreado do Período dos Estados Combatentes. O horror chegou ao auge no século seguinte à morte de confúcio. Os combatentes entre carros de guerra deram lugar à cavalaria, com seus ataques de surpresa e reides súbitos. Em vez do ato nobre de manter os prisioneiros até receber o resgate, os conquistadores promoviam execuções em massa. Populações inteiras, capturadas nos azares da guerra, eram decapitadas, incluindo velhos, mulheres e crianças. Lemos descrições de chacinas de 60.000, 80.000 e até de 400.000 pessoas. Há relatos de vencidos atirados em caldeirões de água fervente e seus familiares forçados a beber aquela sopa humana. A pergunta, nessa época, era: Por que continua- mos nos destruindo? Talvez aí esteja a resposta para compreendermos o poder do Confucionismo. Confúcio viveu numa época em que a coesão social havia deteriorado até o ponto crítico. Confúcio insistia que o amor ocupa um lugar importante na vida; mas também que o amor deve ser 44 O que chama a atenção nas religiões orientais é o respeito que todos cultivam pelos mais velhos. A idade não é um peso, mas uma benção. A experiência é importante para os mais novos, que a buscam nas pessoas de maior vivência. Assim também são conservadas as tradições, transmitidas pelos mais velhos. Sobre a sociali- zação, o próprio Confúcio ensinou: A tradição deliberada segue, no esquema de Confúcio, cinco termos chaves: Etimológicamente uma combinação dos caracteres correspondentes a “ser humano” e “dois”, designa o relacionamento ideal que deve existir entre as pessoas. Traduzido das mais variadas formas (bondade, fraternidade, benevolência e amor), talvez a melhor maneira de transmitir a idéia seja pela expressão “Sensibilidade do coração humano”. Jen envolve simultaneamente um senti- mento de compaixão pelos outros e de respeito por si mesmo, um sentimento indivisível da dignidade da vida humana, onde quer que ela apareça. Se Jen é o relacionamento ideal entre seres humanos, chu tzu refere-se ao termo ideal nesses relacionamentos. Esse conceito tem sido traduzido como Homem Superior e O Melhor da Humanidade. Talvez Pessoa Amadurecida seja uma tradução tão fiel quanto qualquer outra. É o oposto de pessoa estreita, da pessoa mesquinha, da pessoa de espírito pequeno. Somente quando aqueles que formam a sociedade se transformarem em chun tzus é que o mundo poderá caminhar na direção da paz. Se houver honra no coração, haverá beleza no caráter. Se houver beleza no caráter, haverá harmonia no lar. Se houver harmonia no lar, haverá ordem no país. Se houver ordem no país, haverá paz no mundo. O terceiro conceito, li, tem dois significados. Seu primeiro significado é propriedade, a maneira pela qual as coisas devem ser feitas. As pessoas precisavam de modelos, e Confúcio queria direcionar a atenção delas para os melhores modelos oferecidos JEN: CHUN TZU: LI: Tradição deliberada ? ? ? ? apoiado por estruturas sociais e por um etos coletivo. Bater exclusivamente na tecla do amor é o mesmo que pregar os fins sem os meios. Quando perguntaram à Confúcio certa vez, “devemos amar nossos inimigos, aqueles que nos causam mal?”. Ele respondeu: “De modo algum. Respondei ao ódio com a justiça e ao amor com a benevolência. Caso contrário, estaríeis desperdiçan- do vossa benevolência.” Deve ser transmitida dos velhos para os jovens, enquanto os hábitos e as idéias devem ser conservados como uma teia ininterrupta de memória entre os portadores da tradição, geração após geração. (...) Quando a continui- dade das tradições de civilidade se rompe, a comunidade é ameaçada. A menos que essa ruptura seja consertada, a comunidade se esfacelará em (...) guerras de facções. Isso porque, quando a continuidade é interrompi- da, a herança cultural não está sendo transmi- tida. A nova geração se defronta com a tarefa de redescobrir, reinventar e reaprender, por tentativa e erro, a maior parte daquilo que precisa saber. (...) Essa não é tarefa para uma única geração. Respeito às tradições 45 pela sua história social Propriedade é um conceito com amplo alcance, mas podemos perceber o âmago do interesse quando ele diz: Todo o pensamento humano avança por meio de palavras; logo, se as palavras forem oblíquas, o pensamento não conseguirá avançar em linha reta. Aí é importante aquilo que Confúcio chamava de “Retificação dos nomes”. A retificação dos nomes, na Doutrina do meio, nas Relações Constantes, no Respeito pela Idade e pela Família, esboçamos importantes aspectos específicos de li no seu primeiro significado: propriedade ou o que é certo. O outro significado da palavra é ritual, que transforma o certo – no sentido daquilo que é corretor fazer – em rito. Quando o comporta- mento correto édetalhado em minúcias confu- cionistas, a vida inteira do indivíduo se estiliza numa dança sagrada. A vida social foi coreogra- fada. : O quarto conceito axial que Confúcio procurou elaborar para seus conterrâneos foi Te. Significa Poder. Especificamente, o poder por meio do qual os homens são governados. Ele estava convencido de que nenhum governante consegue reprimir todos os seus cidadãos o tempo todo, nem mesmo grande parte deles na maior parte do tempo. O governo precisa contar com uma aceitação da sua vontade, uma confiança apreciável naquilo que está fazendo. Confúcio acrescentou que a confiança popular era de longe a mais importante, pois “se o povo não tiver confiança em seu governo, este não se sustentará”. Para ele, somente são dignos de governar aqueles que prefeririam não Ter de governar. Quando o Barão de Lu lhe perguntou como governar, Confúcio respondeu: O conceito final na estrutura confucionista é wen. Refere-se às “artes da paz”, enquanto diferenci- adas das “artes da guerra”, à música, à arte, à poesia, à soma da cultura no seu modo estético e espiritual. Confúcio considerava apenas semi-humanas as pessoas que eram indiferentes à arte. Mas o que atraía seu interesse não era a arte pela arte. Era o poder da arte de transformar a natureza humana na direção da virtude que o impressionava – seu poder de facilitar o interesse pelosoutros. Pela poesia, a mente é despertada; pela música, recebe-se o acabamento. As odes estimulam a mente. Elas induzem à autocontemplação. Ensinam a arte da sensibilidade. Ajudam a evitar o ressentimento. Fazem-no acreditar no dever de servir ao país e ao príncipe. TE WEN: “Governar é manter-se reto. Se tu, senhor, dirigires teu povo em linha reta, qual de teus súditos se arriscará a sair dessa linha? Fotografia do túmulo de Confúcio em Qufu, Província de Shandong, China “Se as palavras não forem corretas”: ... a linguagem não estará de acordo com a verdade das coisas. Se a linguagem não estiver de acordo com a verdade das coisas, os negócios não poderão ser concluídos com sucesso. (...) Portanto, um homem superior considera necessário que os nomes por ele utilizados sejam falados apropriadamente, e também que aquilo que ele fala possa ser transmitido apropriadamente. O que o homem superior requer é que em suas palavras nada haja de encontro. 46
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