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149
UNIDADE 3
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO 
DIREITO BRASILEIRO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
Neste momento você irá compreender a particularidade da história do di-
reito brasileiro. Os objetivos desta unidade são:
•	 identificar	a	origem	moderna	do	direito	brasileiro	como	parte	do	processo	
de	expansão	colonial	europeia;
•	particularizar	as	distintas	etapas	políticas	e	jurídicas	do	Brasil,	identifican-
do	as	características	e	elementos	identificadores;
•	 compreender	a	construção	do	direito	brasileiro	contemporâneo	e	suas	fun-
ções	políticas	e	sociais;
•	discutir	os	desafios	do	direito	brasileiro	contemporâneo	frente	à	necessida-
de	de	garantir	a	ordem	constitucional	democrática.
Esta	unidade	está	dividida	em	quatro	tópicos.	No	decorrer	da	unidade	você	
encontrará	autoatividades	com	o	objetivo	de	reforçar	o	conteúdo	apresentado.
TÓPICO	1	 –	AS	RAÍZES	HISTÓRICAS	DA	CULTURA	 JURÍDICA	BRASI-
LEIRA
TÓPICO	2	 –	A	ORDEM	JURÍDICA	COLONIAL	BRASILEIRA
TÓPICO	3	 –	O	PROCESSO	DE	INDEPENDÊNCIA	E	A	CONSTRUÇÃO	DO	
DIREITO	NACIONAL
TÓPICO	4	 –	OS	DESAFIOS	DO	DIREITO	NO	BRASIL	CONTEMPORÂNEO
150
151
TÓPICO 1
AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Iniciaremos	 nosso	 estudo	 acerca	 do	 direito	 brasileiro	 buscando	 refletir	
acerca	 da	 experiência	 histórica	 nacional,	 vivenciada	 a	 partir	 do	 século	 XVI,	
discutindo	a	possiblidade	de	vislumbrar	novas	trajetórias,	pactos	e	compromissos	
exatamente	em	um	momento	em	que	se	coloca	a	necessidade	de	repensar	a	cultura	
jurídica	brasileira.	Nossa	análise,	desde	um	olhar	decolonial,	compreendendo	a	
reflexão	sobre	a	experiência	histórica	do	Brasil.
NOTA
Como veremos mais adiante nesta unidade, a palavra “decolonial” refere-se a uma 
corrente de pensamento crítico que nasceu em fins do século XX e tem como característica 
central a busca de novos paradigmas políticos e jurídicos construídos desde a realidade 
de interesses locais, objetivando a construção de uma autonomia política e intelectual. O 
termo “decolonial” é utilizado para designar estudos acerca das raízes históricas e políticas 
das profundas desigualdades sociais dos povos e nações periféricas que foram áreas de 
dominação e exploração histórica desde os séculos XIV e XV.
A	origem	do	que	atualmente	entendemos	por	direito	é	produto	de	um	
processo	histórico	inicial	de	colonização	que	acabou	por	construir	um	modelo,	
um	“padrão”	de	poder	político	e	jurídico	que	marcou	profundamente	a	cultura	e	
as	relações	de	poderes	nacionais.	
É	 na	 tentativa	 de	 visibilizar	 os	 elementos	 que	 construíram	 a	 cultura	
jurídica	nacional	que	se	pretende	retomar	brevemente	sua	construção	histórica,	
lembrando,	 como	diz	Antonio	Carlos	Wolkmer	 (2007,	p.	 1),	 que	 as	 retomadas	
dos	 estudos	 históricos	 ganham	 significado	 quando:	 “[...]	 se	 tem	 em	 conta	 a	
necessidade	 de	 repensar	 e	 reordenar	 uma	 tradição	 normativa,	 objetivando	
depurar	 criticamente	 determinadas	 práticas	 sociais,	 fontes	 fundamentais	 e	
experiências	pretéritas	que	poderão,	no	presente,	viabilizar	o	cenário	para	um	
processo	de	conscientização	e	emancipação”.
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
152
IMPORTANT
E
Neste momento de estudo nossa pretensão é analisar a especificidade da cultura 
jurídica no contexto histórico-político, delineado a partir da invenção do Brasil no século XVI.
Para	iniciar	nosso	estudo,	vamos	voltar	ao	ano	de	2000,	quando	haviam	sido	
passados	500	anos	do	“descobrimento”	do	Brasil.	Na	época,	a	filósofa	Marilena	
Chauí	(2001,	p.	57)	descontrói	o	“mito	do	descobrimento	Brasil”	afirmando	que,	
assim	como	a	América	não	estava	à	espera	de	Colombo,	o	Brasil	não	estava	aqui	
à	espera	de	Cabral. 
Antes	 de	 mais	 nada,	 diz	 Chauí,	 “Brasil”	 é	 uma	 invenção	 histórica	 e	
cultural	da	metrópole	portuguesa	 e	parte	do	projeto	do	 capitalismo	mercantil	
europeu,	 que	 simultaneamente	 alargavam	 as	 fronteiras	 do	 visível,	 trazendo	
novas	mercadorias,	e	as	do	invisível,	novos	semióforos. 
NOTA
O termo “semióforo” é utilizado por Marilena Chauí para designar uma imagem 
que vincula o visível ao invisível – ao imaginado – que permanece e é reproduzido pelas 
elites intelectuais para dar sentido e vínculo entre o real e o imaginário. A invenção de uma 
nação, em geral, passa por um processo de construção de semióforos, tais como “a vontade 
de Deus”, “missão salvadora”, “obra de heróis” etc., e dessa forma a gênese histórica é negada 
e esvaziada, tornando o irreal em real, nascendo o mito.
No caso do Brasil, o mito, o invisível, sempre foi o da “missão civilizadora dos europeus”!!!
As	 conquistas	 coloniais	 europeias	 do	 século	 XV	 aparecem	 como	
desdobramento	da	expansão	do	capitalismo	mercantil,	constituindo	o	ponto	de	
partida	para	edificação	do	projeto	da	Modernidade.
2 O DIREITO INDÍGENA 
Portanto,	não	foi	a	“vontade	de	Deus”	que	conduziu	os	súditos	de	Dom	
Manuel	até	as	terras	brasileiras,	mas	sim	os	interesses	econômicos	da	classe	de	
comerciantes	europeus	da	época.	
3 O DIREITO COLONIAL BRASILEIRO
TÓPICO 1 | AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA
153
FIGURA 52 – INVASÃO DO NOVO MUNDO 
FONTE: Disponível em: <https://acasadevidro.com/2012/09/25/a-america-nao-
foi-descoberta-a-invasao-europeia-do-novo-mundo-segundo-todorov>. Acesso 
em: 25 nov. 2017.
DICAS
Esse é um interessante site que traz um breve resumo da obra: “A Conquista da 
América – a questão do Outro”, de Tzvetan Todorov, publicada pela Editora Martins Fontes. 
Leia! Você terá uma visão do “descobrimento” sob o ponto de vista da população dominada! 
Link:<https://acasadevidro.com/2012/09/25/a-america-nao-foi-descoberta-a-invasao-
europeia-do-novo-mundo-segundo-todorov>. Acesso em: 25 nov. 2017.
Como	já	vimos	na	Unidade	2,	“Modernidade”	compreendida	externamente,	
desde	o	mundo	não	europeu,	pode	ser	 interpretada	como	construção	do mito 
criado a partir do século XV acerca da existência de um centro histórico mundial 
portador de uma concepção política de ordem econômica, política e social 
civilizadora: A Europa.	Portanto,	o	projeto	civilizador	da	modernidade	 trouxe	
consigo	relações	de	dominação	desenvolvidas	mundialmente	desde	o	século	XV,	
alimentadas	por	um	falso	discurso	legitimador	de	“progresso”	linear	e	universal,	
que	para	os	povos	colonizados	significou	dominação	e	extermínio.	
Em	síntese,	a	expansão	colonialista	europeia	do	século	XV	não	resultou	
da	 necessidade	de	 ocupação	de	 novos	 espaços	 por	 excesso	 populacional,	mas	
foi	 propositalmente	 provocada	 por	 uma	 burguesia	 comercial	 definida	 pelo	
importante	historiador	Caio	Prado	Júnior (1975,	p.	13)	como	“sedenta	de	lucros,	
e	que	não	encontrava	em	seu	espaço	pátrio	satisfação	à	sua	desmedida	ambição”. 
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
154
4 AS ORDENAÇÕES DO REINO
Os	 diversos	 fatores	 políticos	 que	 culminaram	 com	 a	 ascensão	 ao	 trono	
português	da	Casa	de	Aviz	no	século	XIV	favoreceram	o	fortalecimento	da	burguesia	
comercial	lusitana,	que	logo	tratou	de	iniciar	um	movimento	de	expansão	externa,	
iniciada	com	a	tomada	de	Ceuta	em	1415,	e	desde	então,	não	mais	parou.
Alfredo	Bosi	 (1993,	 p.	 12)	 analisa	 a	 colonização	 brasileira	 distinguindo	
dois	processos	colonizadores:	
1.	 Aquele	 relacionado	 com	 o	 mero	 povoamento	 e	 o	 que	 conduz	 à	
exploração	do	solo,	relacionado	à	expansão	populacional,	entendido	
como	“ato	de	habitar	e	o	ato	de	cultivar”. 
2.	E	o	processo	iniciado	a	partir	do	século	XVI	no	qual	havia	o	acréscimo	
de	algo:	um	traço	de	dominação,	de	aventura,	de	conquista.	
Entretanto,	nem	sempre	o	colonizador	concebendo	a	si	mesmo	como	um	
simples	conquistador.	
Em	1556,	quando	era	difundida	a	Lenda Negra	sobre	a	colonização	ibérica	
na	América,	a	Espanha	proibia	o	uso	das	palavras	conquistaou	conquistadores,	
impondo	a	substituição	por	descobrimento	ou	colonizadores.
Portanto,	o	processo	de	ocupação,	ironicamente	chamado	de	descobrimento, 
não	ocorreu	por	expansão	demográfica	como	na	antiguidade	havia	ocorrido	com	
os	gregos	pelo	Mediterrâneo	entre	os	séculos	VIII	e	VI	a.C.	“[...]	ela	é	a	resolução	de	
carências	e	conflitos	de	matriz	e	uma	tentativa	de	retomar,	sob	novas	condições,	o	
domínio	sobre	a	natureza	e	o	semelhante	que	tem	acompanhado	universalmente	o	
chamado	processo	civilizatório”	(BOSI,	1993,	p.	13).	
Em	tal	processo	era	necessário	cultivar	não	apenas	a	terra,	mas	“cultivar”	
seres	 humanos,	 práticas,	 símbolos,	 valores	 capazes	 de	 garantir	 um	 estado	 de	
coexistência	social,	enfim,	uma	cultura.	
Sem dúvida, a produção da cultura colonialista exigiu o domínio de 
outros humanos, de sujeitá-los a padrões de dominação. Talvez essa seja uma 
possibilidade de se compreender por que a partir do século XVIII as noções de 
cultura e progresso se confundem e se misturam. Assim, colonizar era cultivar 
a terra e os seres humanos.
Neste	sentido,	o	processo	de	expansão	comercial	europeu,	chamado	de	
“colonização”,	se	insere	no	momento	de	superação	do	modo	de	vida	medieval,	
quando	um	grupo	ascendente	e	enriquecido	–	burguesia	mercantil	–	orquestra	as	
transformações	econômicas,	sociais	e	políticas	que	culminam	com	a	formação	dos	
Estados	Modernos	e	consolidação	do	capitalismo.	
Assim,	os	elementos	essenciais	para	a	compreensão	da	relação	colônia-
metrópole,	com	a	consequente	criação	de	um	aparato	jurídico,	são,	entre	outros:	
TÓPICO 1 | AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA
155
•	A	expansão	da	economia	europeia	mercantil.
•	O	esforço	dos	Estados	Modernos	metropolitanos	em	transformar	as	colônias	
em	instrumentos	de	expansão	desse	poder.
Na	 transformação	dos	 antigos	 reinos	medievais	 em	Estados	modernos,	
unificados	e	centralizados,	abrem-se	os	caminhos	ultramarinos	que	permitem	a	
inserção	desses	Estados	no	processo	de	exploração,	viabilizando	a	construção	de	
seus	impérios	coloniais.	
Portanto,	 a	 “moldura	 do	 sistema”	 que	 explica	 a	 organização	 produtiva	
colonial	e	suas	implicações	na	vida	social	não	se	limita	à	atividade	colonizadora,	
mas	 de	 ajustar	 a	 colônia	 de	 forma	 especializada,	 “concentrando	 os	 fatores	 na	
produção	de	alguns	poucos	produtos	comerciáveis	na	Europa,	as	áreas	coloniais	se	
constituem	ao	mesmo	tempo	em	outros	tantos	centros	consumidores	dos	produtos	
europeus” (NOVAIS,	1976,	p.	58).	Com	esta	relação	monopolizadora	criam-se	os	
mecanismos	de	apropriação	e	concentração	dos	lucros.	Assim,	a	invenção do Brasil 
teve	um	sentido.	Brasil,	no	entendimento	de	Stuart	B.	Schwartz	(2000,	p.	105):
[...]	 desde	 sua	 origem	 tem	 sido	 tanto	 uma	 ideia	 como	 um	 lugar.	
Significou	 coisas	 diferentes	 para	 pessoas	 diferentes	 e	 o	 próprio	
termo	tem	sido	redefinido	e	reinterpretado	para	refletir	as	diferentes	
discrepâncias	entre	pessoas	de	variadas	extrações	e	posições	sociais.	
O	Brasil,	enquanto	ideia,	foi	frequentemente	mais	um	projeto	do	que	
uma	realidade,	às	vezes	geográfica,	às	vezes	nacionais	ou	até	social.	
O	 projeto	 do	 colonizador	 conferiu	 um	 sentido	 à	 invenção	 brasileira:	
tratava-se	de	instalar	uma	produção	semicapitalista,	em	larga	escala.
 
A	grande	lavoura	açucareira,	pelo	modo	de	exploração,	nas	palavras	de	
Sérgio	Buarque	de	Holanda	(2000,	p.	49),	“é	de	natureza	perdulária	e	caracteriza	
o	 objetivo	 metropolitano:	 servirem-se	 da	 terra	 ao	 máximo,	 mas	 sem	 muitos	
sacrifícios,	como	usufrutuários”.
Embora	Portugal,	desde	o	século	XVII,	 ter	sido	incorporado	no	sistema	
capitalista	como	periférico,	sem	ter	assumido	lugar	central,	chegando	ele	próprio	
a	ser	um	país	dependente	–	sobretudo	da	Inglaterra	–,	a	subordinação	colonial	
constitui-se	no	elemento	central	de	construção	da	identidade	cultural	brasileira,	
reproduzindo	as	relações	de	poder	de	uma	metrópole	periférica	e	subalterna.	
Por	 esta	 razão,	 pode-se	 afirmar	 que	 o	 colonialismo	 português	 foi	
diferenciando	 e	 se	 caracteriza	 por	 ter	 sido	manipulado	 segundo	 os	 desejos	 e	
necessidades	de	outras	metrópoles,	sobretudo	a	inglesa.	
Bosi	(1993,	p.	23-25),	na	tentativa	de	mapeamento	da	formação	econômica-
social	do	Brasil-Colônia,	descreve	como	características	fundamentais	da	ordem	
então	estabelecida	os	seguintes	aspectos:
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
156
1.	A	predominância	de	uma	camada	de	latifundiários	com	interesses	atrelados	
a	 grupos	 mercantis	 europeus,	 o	 que	 permitia	 dependência	 estrutural,	
impedindo	a	dinamização	de	um	capitalismo	mais	avançado	internamente,	
reproduzindo-se	um	modelo	capitalista	colonial	específico,	 limitado	a	uma	
esfera	mercantil	dependente.
2.	 Como	 parte	 da	 lógica	 latifundiária	 vinculada	 aos	 interesses	 dos	 traficantes	
negreiros	 africanos,	 a	 força	 de	 trabalho	 foi	 constituída	 essencialmente	 por	
escravos	cuja	única	alternativa	não	era	a	passagem	para	o	trabalho	assalariado,	
mas	a	fuga	e	resistência	nos	quilombos,	ou	ainda,	como	parte	de	uma	lógica	
perversa,	 a	 alforria,	 alternativa	 para	 a	 resistência,	 representava	 o	 ingresso	
numa	vida	marginal	ou	de	condição	de	submissão	como	agregado.	A	condição	
foi	sempre	da	dependência	e	exploração.
3.	 A	 estrutura	 política-jurídica	 vai	 sempre	 representar	 os	 interesses	 dos	
proprietários	locais,	os	homens	bons,	mas	com	poder	limitado	aos	interesses	
reais.	A	competência	de	nomear	o	governador	geral	com	mandato	de	quatro	anos	
era	da	coroa	portuguesa,	sendo	incluído	no	poder	do	governador	a	competência	
militar	 e	 administrativa	 segundo	 critérios	 determinados	 pelos	 regimentos,	
cartas	e	ordens	régias.	O	corpo	burocrático	de	funcionários	reais	–	provedores,	
ouvidores,	procuradores,	 intendentes...	–	 tem	a	ação	controlada	diretamente	
por	Lisboa	 (a	partir	de	1642	pelo	Conselho	Ultramarino).	Com	o	avanço	da	
estrutura	colonial,	vão	sendo	transferidos	magistrados	metropolitanos,	juízes	
de	fora,	que	se	sobrepunham	aos	eleitos	nas	vilas.	A	permanente	tensão	entre	
os	 interesses	 locais	 e	metropolitanos	 será	 o	 fator	 de	 crise	 instalada	 a	 partir	
do	século	XVIII,	que	com	a	independência	como	tentativa	de	sua	superação,	
servirá	de	fortalecimento	do	mandonismo	local	legitimado	pelos	bacharéis	que	
servirão	de	representantes	dos	donos	do	poder.
4.	 O	exercício	de	cidadania	é	limitado	tanto	pelo	Estado	Absolutista	Metropolitano	
como	pelo	poder	interno,	inexistindo	qualquer	representação	ou	mecanismo	
de	garantia	para	o	conjunto	da	população,	situação	que	pouco	se	altera	com	a	
independência,	pois	o	que	se	instala	é	um	modelo	político	censitário	e	indireto.
5.	 A	cultura	eclesiástica,	sobretudo	a	jesuíta	empenhada	numa	prática	missionária	
supranacional,	ganha	espaço	no	início	do	processo	de	colonização,	quando	a	
moeda	corrente era	a	ideia	do	papel	evangelizador	da	expansão	metropolitana.	
Posteriormente,	 de	 uma	 atividade	marginal	 irá	 sucumbir	 sob	 a	 pressão	 do	
avanço	 bandeirante	 e	 do	 exército	metropolitano,	 restando,	 assim,	 a	 função	
educacional	junto	aos	filhos	das	elites	locais.
6.	 A	formação	de	uma	cultura	letrada	estamental	que	não	permitia	a	mobilidade	
vertical,	 com	 raros	 casos	 de	 apadrinhamento,	 predominando,	 assim,	 uma	
massa	analfabeta	caracterizando	uma	rígida	linha	divisória	entre	uma	cultura	
oficial	e	uma	cultura	popular.
A	partir	desse	“mapeamento”	é	possível	compreender	as	raízes	da	cultura	
brasileira	como	resultado	de	uma	lógica	agrária,	latifundiária	e	escravista,	marcada	
por	uma	imensa distância	entre	o	que	exigiam	da	terra	e	o	que	a	ela	davam	em	troca.	
TÓPICO 1 | AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA
157
A	ilimitada	exploração	interna	como	regra	necessária	para	a	submissão	
externa.	Portanto,	a	gestão	da	colônia	deveria	ser	feita	através	dametrópole	cujo	
“norte”	 foi	 a	 efetivação	 dos	 princípios	mercantilistas	 e	 o	 núcleo	 a	 formação	 e	
manutenção	de	um	sistema	monopolista.	
Como	lembra	Wolkmer	(2007,	p.	38),	era	a	forma	encontrada	pela	metrópole	
de	impedir	que	outras	nações	europeias	“pusessem	em	risco,	com	a	concorrência,	
aqueles	privilégios	advindos	da	restrição	comercial,	tão	lucrativas	aos	comerciantes	
portugueses	que	não	encontravam,	no	seu	espaço,	satisfação	para	sua	ambição”.	
Portanto,	como	parte	integrante	do	universo	colonial	brasileiro	formou-se	um	
tipo	de	poder	político	e	jurídico	destituído	de	qualquer	identidade	com	os	interesses	
internos,	já	que	se	formou	com	a	incorporação	do	aparato	burocrático	e	profissional	
lusitano.	Por	outras	palavras,	como	extensão	da	coroa	portuguesa	constituiu-se	uma	
forma	de	poder	legitimada	pelos	senhores	da	terra,	os	donos	locais	do	poder.	
158
Neste tópico, você aprendeu que:
•	As	bases	históricas	do	direito	brasileiro	foram	definidas	a	partir	do	processo	
moderno	de	colonização.
•	A	colonização	brasileira	teve	como	sentido	promover	a	acumulação	de	lucros	
na	metrópole	portuguesa,	e	por	esta	razão,	a	ordem	política	e	jurídica	nacional	
foi	elaborada	a	partir	desse	interesse	externo.
•	A	 implantação	 de	 um	 modelo	 de	 produção	 na	 colônia	 brasileira	 a	 partir	
do	 século	 XVI	 foi	 sustentada	 por	 um	modelo	 político	 e	 jurídico	 específico,	
inicialmente	chamado	“direito	brasileiro”.
RESUMO DO TÓPICO 1
159
Leia	com	atenção	o	texto	abaixo	e	responda	à	questão	proposta.
O	eurocentrismo	é	 a	perspectiva	de	 conhecimento	que	 foi	 elaborada	
sistematicamente	a	partir	do	século	XVII	na	Europa,	como	expressão	e	como	
parte	do	processo	de	eurocentralização	do	padrão	de	poder	colonial/moderno/
capitalista.	Em	outros	termos,	como	expressão	das	experiências	de	colonialismo	
e	de	colonialidade	do	poder,	das	necessidades	e	experiências	do	capitalismo	
e	da	eurocentralização	de	tal	padrão	de	poder.	Foi	mundialmente	imposta	e	
admitida	nos	séculos	seguintes,	como	a	única	racionalidade	legítima.
Em	todo	caso,	como	a	racionalidade	hegemônica,	o	modo	dominante	
de	produção	de	conhecimento.	Para	o	que	interessa	aqui,	entre	seus	elementos	
principais	é	pertinente	destacar,	sobretudo,	o	dualismo	radical	entre	“razão”	e	
“corpo”	e	entre	“sujeito”	e	“objeto”	na	produção	do	conhecimento;	tal	dualismo	
radical	está	associado	à	propensão	reducionista	e	homogeneizante	de	seu	modo	
de	definir	e	identificar,	sobretudo	na	percepção	da	experiência	social,	seja	em	
sua	versão	a-histórica,	que	percebe	isolados	ou	separados	os	fenômenos	ou	os	
objetos	e	não	requer	por	consequência	nenhuma	ideia	de	totalidade,	seja	na	que	
admite	uma	ideia	de	totalidade	evolucionista,	orgânica	ou	sistêmica,	inclusive	
a	que	pressupõe	um	macro	sujeito	histórico.	Essa	perspectiva	de	conhecimento	
está,	atualmente,	em	um	de	seus	mais	abertos	períodos	de	crise,	como	o	está	
toda	a	versão	eurocêntrica	da	modernidade.
FONTE: QUIJANO, Aníbal. Colonialidade, poder, globalização e democracia. In: Revista Novos 
Rumos. Ano 17, n. 37, 2002, p. 4-25. 
Considerando	o	estudo	realizado	e	a	leitura	do	texto	acima,	responda	
à	seguinte	questão:	É	possível	estabelecer	alguma	relação	entre	o	processo	de	
colonização	brasileiro	do	século	XVI	e	a	construção	do	conhecimento	jurídico	
nacional?	Fundamente	sua	resposta.	
AUTOATIVIDADE
160
161
TÓPICO 2
A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Como	 vimos,	 Portugal,	 no	 século	 XV,	 juntamente	 a	 demais	 países	
europeus,	como	Espanha	e	Inglaterra,	haviam	reunido	condições	técnicas,	bem	
como	interesses	econômicos	e	políticos	que	permitiram	o	processo	de	expansão	
do	domínio	europeu.	
É	evidente	que	havia	uma	grande	disputa	entre	os	reinos	metropolitanos	
da	época	sobre	as	terras	“descobertas”	e	as	“a	serem	descobertas”,	especialmente	
sobre	as	riquezas	que	possuíam.	Seguramente,	por	esta	razão,	as	terras	brasileiras	
já	 eram	 alvo	 de	 interesse,	 sobretudo,	 de	 Espanha	 e	 Portugal,	 o	 que	 explica	 a	
existência	 de	 Tratados	 entre	 tais	 países	mesmo	 antes	 da	 “chegada”	 de	 Pedro	
Álvares	Cabral,	em	22	de	abril	de	1500.	Destacam-se	os	seguintes	Tratados:
1. Tratado de Toledo: celebrado	em	6	de	março	de	1480,	que	dava	a	Portugal	a	
exclusividade	sobre	as	terras	e	águas	ao	sul	das	Ilhas	Canárias.
2. Bula Inter Coetera: de	4	de	maio	de	1493,	expedida	pelo	Papa	Alexandre	VI	
que	conferia	à	Espanha	o	direito	exclusivo	sobre	todas	as	terras	que	estivessem	
a	oeste	de	uma	linha	imaginária	a	100	léguas	de	Açores	e	Cabo	Verde.
3. Tratado de Tordesilhas: de	7	de	junho	de	1494,	que	estabeleceu	um	meridiano	
divisório	a	370	léguas	a	oeste	das	Ilhas	de	Cabo	Verde,	sendo	a	leste	pertencente	
a	Portugal	e	oeste	a	Espanha.	
FIGURA 53 – TRATADO DE TORDESILHAS
FONTE: Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/historiab/tratado-
de-tordesilhas.htm>. Acesso em: 25 nov. 2017.
162
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
Portanto,	 a	 “descoberta”	do	Brasil	 não	 foi	 “mero	 acaso”,	mas	parte	 de	
um	projeto	 de	 conquista.	 Porém,	 para	 os	 portugueses,	 ávidos	 por	 ouro,	 prata	
e	mercadorias	que	pudessem	alimentar	o	comércio	europeu,	encontraram	uma	
população	dispersa	que	vivia	de	caça	e	coleta.	
Na	 clássica	 obra	 “O	 Povo	 Brasileiro”,	 o	 antropólogo	 Darcy	 Ribeiro	
descreve	o	contato	entre	os	indígenas	brasileiros	e	os	portugueses:
Os	índios	perceberam	a	chegada	do	europeu	como	um	acontecimento	
espantoso,	 só	 assimilável	 em	 sua	 visão	mítica	 do	mundo.	 Seriam	 gente	 de	
seu	deus	sol,	o	criador	–	Maíra	–,	que	vinha	milagrosamente	sobre	as	ondas	
do	 mar	 grosso.	 Não	 havia	 como	 interpretar	 seus	 desígnios,	 tanto	 podiam	
ser	 ferozes	 como	pacíficos,	 espoliadores	 ou	dadores.	 Provavelmente	 seriam	
pessoas	generosas,	achavam	os	índios.	
Mesmo	 porque	 no	 seu	 mundo,	 mais	 belo	 era	 dar	 que	 receber.	Ali,	
ninguém	jamais	espoliara	ninguém	e	a	pessoa	alguma	se	negava,	louvor	por	
sua	bravura	e	criatividade.	Visivelmente,	os	recém-chegados,	saídos	do	mar,	
eram	feios,	fétidos	e	infectos.	Não	havia	como	negá-lo.	É	certo	que,	depois	do	
banho	e	da	comida,	melhoraram	de	aspecto	e	de	modos.	Maiores	terão	sido,	
provavelmente,	as	esperanças	do	que	os	temores	daqueles	primeiros	índios.	
Tanto	assim	é	que	muitos	deles	embarcaram	confiantes	nas	primeiras	
naus,	crendo	que	seriam	levados	a	Terras	sem	Males,	morada	de	Maíra.
Pouco	mais	tarde,	essa	visão	idílica	se	dissipa.	Nos	anos	seguintes,	se	
anula	e	reverte-se	no	seu	contrário:	os	índios	começam	a	ver	a	hecatombe	que	
caíra	sobre	eles.	Maíra,	seu	deus,	estaria	morto?	Como	explicar	que	seu	povo	
predileto	sofresse	tamanhas	provações?	Tão	espantosas	e	terríveis	eram	elas,	
que	para	muitos	índios	melhor	fora	morrer	do	que	viver.	
Mais	 tarde,	 com	 a	 destruição	 das	 bases	 da	 vida	 social	 indígena,	 a	
negação	de	todos	os	seus	valores,	o		despojo,	o		cativeiro,	muitíssimos	índios	
deitavam	em	suas	redes	e	se	deixavam	morrer,	como	só	eles	têm	o	poder	de	
fazer.	Morriam	de	tristeza,	certos	de	que	todo	o	futuro	possível	seria	a	negação	
mais	horrível	do	passado,	uma	vida	indigna	de	ser	vivida	por	gente	verdadeira.
FONTE: RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil. 2. ed. São Paulo: 
Companhia das Letras, 1995, p. 42-43.
TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
163
Nas	palavras	do	referido	autor,	não	é	difícil	perceber	a	razão	da	aparente	
fácil	dominação	do	invasor:	os	indígenas	eram	gentis,	não	viviam	movidos	pela	
cobiça	e	foram	facilmente	atraídos	pelos	facões,	espelhos	e	bugigangas	com	que	
eram	enganados.	
O	 resultado	 foi	 fatal!	Nessa	 história	 houve	 perdedores	 e	 não	 foram	os	
invasores	portugueses!!!
Sem	o	menor	pudor,	os	nativos	foram	considerados	objetos	desprovidos	
de	qualquer	direito.	As	imensas	massas	de	nações	indígenastiveram	exterminadas	
suas	organizações	sociais	e	os	invasores	impuseram	seu	sistema	jurídico,	pouco	ou	
nada	restando,	no	caso	do	Brasil,	dos	costumes	ancestrais	de	gestão	de	conflitos.	
A	enorme	distância	da	metrópole,	a	falta	de	acesso	e	a	absoluta	falta	de	
estrutura	administrativa	eram	fatores	que	iam	fortalecendo	o	poder	dos	donos	do	
poder	local.	Seguramente	é	por	esta	razão	que	desde	nossa	origem	não	há	uma	
clara	distinção	entre	o	poder	público	e	poder	privado	por	parte	das	elites.
2 A ESTRUTURA JURÍDICA DO BRASIL COLÔNIA
No	 primeiro	 período	 da	 colonização,	 que	 vai	 até	 1549,	 a	 preocupação	
central	era	a	de	garantir	a	posse	da	terra,	tendo	sido	adotado	um	arcaico	sistema	
chamado	de	Capitanias	Hereditárias,	constituído	pela	doação	de	extensas	faixas	
de	terra	a	nobres	portugueses	que	quiseram,	por	conta	própria,	explorar	a	terra	
e	promover	o	povoamento.	O	sistema	era	 feudal	e	 toda	administração	 jurídica	
e	política	ficava	sob	a	responsabilidade	do	donatário.	Na	verdade,	a	“gestão	da	
justiça”	era	marcada	por	abusos	e	arbitrariedades	sem	qualquer	burocratização	
de	procedimentos,	uma	vez	que,	na	prática,	era	o	dono	da	 terra	que	 legislava,	
julgava	e	aplicava	as	penas	que	bem	entendesse.	
Seguramente,	 esse	 ilimitado	 arbítrio	 e	 ausência	 de	 controle	 é	 um	 dos	
fatores	que	explica	o	fracasso	do	sistema	de	capitanias,	com	exceção	das	de	São	
Vicente	e	Pernambuco.
Em	1549,	 na	 tentativa	de	 resgatar	 o	 controle	 é	 instaurado	pela	 coroa	 o	
Governo	 Geral,	 que	 assume	 amplas	 responsabilidades	 burocráticas	 e	 fiscais,	
tendo	no	comando	o	Governador	Geral,	possibilitando	a	formação	de	uma	tímida	
justiça	colonial	administrada	por	um	pequeno	grupo	de	burocratas	que	vieram	a	
serviço	do	governador.	
A	instituição	do	sistema	de	Governo-Geral,	como	forma	de	centralizar	o	
poder	e	solucionar	o	problema	do	fracasso	do	sistema	de	capitanias	e	a	invasão	
estrangeira,	 aumenta	 a	 possibilidade	 de	 criação	 de	 um	 corpo	 burocrático,	
destacando-se	o	Ouvidor-Geral	como	símbolo	da	justiça	local.	
Durante	todo	o	período	colonial	vigorava	o	sistema	jurídico	metropolitano,	
ou	seja,	as	Ordenações	Reais,	compostas	pelas	seguintes	Ordenações:
164
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
1. Ordenações Afonsinas: concluídas	em 1446,	foram	elaboradas	por	ordem	de	
D.	João	I	da	Dinastia	de	Avis	e	eram	divididas	em	cinco	livros:
o	Livro	I:	 relativo	aos	regimentos	dos	cargos	públicos	 (régios	e	municipais),	
compreendendo	governo,	fazenda,	justiça	e	exército.
o	Livro	 II:	 Direito	 eclesiástico,	 jurisdição	 e	 privilégio	 dos	 donatários,	
prerrogativa	da	nobreza	e	estatuto	dos	mouros	e	judeus.
o	Livro	III:	Processo	civil.
o	Livro	IV:	Direito	Civil.
o	Livro	V:	Direito	e	Processo	Penal.	
2. Ordenações Manuelinas: concluídas	 em	 1521,	 trataram	 de	 incorporar	 as	
modificações	 advindas	 do	 processo	 de	 expansão	 colonial	 e	 as	 novas	 leis	
que	continuaram	a	ser	editadas.	Também	eram	compostas	por	cinco	Livros,	
tratando	mais	diretamente	de	direito	marítimo,	contratos	e	mercadores,	sem	
mudanças	no	direito	e	sistema	penal,	que	permanecia	um	sistema	de	torturas	
e	horrores	medievais,	com	aplicação	de	tortura	e	penas	corporais	como	a	pena	
de	morte.
3. Ordenações Filipinas:	 de	 1603,	 representa	 a	 unificação	 das	 Ordenações	
anteriores	com	pequenas	inclusões	de	leis	extravagantes.	
IMPORTANT
E
Mudança significativa apenas ocorre na fase colonial em 1769, com as reformas 
feitas por Marquês de Pombal – reformas pombalinas –, cujo objetivo era o de estabelecer 
regras gerais para uniformizar a interpretação e aplicação das leis em casos de omissão, 
lacunas ou imprecisão nas leis reais. Chamada também de Lei da Boa Razão, a finalidade era 
manter as diferenças entre Portugal e suas colônias.
A	administração	jurídica	brasileira	é	marcada	com	a	chegada	do	primeiro	
Ouvidor-Geral,	 Pero	 Borges,	 em	 1549.	 Nas	 palavras	 de	 Schwartz	 (1979),	 ao	
contrário	de	criar	uma	administração	centralizada,	teve	sua	função	sobreposta	à	
estrutura	existente	de	magistrados	e	ouvidores	designados	pelos	donatários.	O	
resultado	foi	um	sistema	de	controle	exercido	pelo	rei	e	pelo	donatário,	ao	mesmo	
tempo,	confuso	e	muitas	vezes	inoperante.
Há de se lembrar que, por orientação das Cartas de Doação, o cargo de ouvidor, 
primeira autoridade da justiça colonial, era designado pelos donatários das capitanias por um 
prazo renovável de três anos, constituindo-se a administração da justiça como representação 
dos donatários nas questões cíveis e criminais.
ATENCAO
TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
165
A	justiça	colonial	encontrada	pelo	ouvidor-geral	Pero	Borges	é	descrita	
por	Schwartz	(1979,	p.	24)	da	seguinte	maneira:
Grassavam	o	abuso	administrativo	e	a	 incompetência.	Por	exemplo,	
durante	 a	 ausência	 do	 donatário	 em	 Ilhéus,	 Francisco	 Romero,	 um	
espanhol	fazia	as	vezes	de	capitão	e	ouvidor.	Embora	fosse	um	bom	
homem	e	 soldado	experiente,	Romero	era	 inadequado	para	o	 cargo	
de	 juiz,	pois	é	 ignorante	e	muito	pobre,	o	que	muitas	vezes	 faz	crer	
aos	 homens	 o	 que	 não	 devem.	 Borges	 recomendou	 insistentemente	
que	 a	 Coroa	 forçasse	 os	 donatários	 a	 selecionar	 seus	 ouvidores	
dentre	homens	treinados	para	servir	à	lei.	Sublinhou	que	em	Lisboa,	
um	magistrado	 treinado	 e	 com	 grande	 experiência	 presidia	 poucas	
audiências,	enquanto	no	Brasil,	um	analfabeto	podia	proferir	muitas	
sentenças,	desrespeitando	todos	os	princípios	legais.
 
A	incompetência	e	inoperância	judicial	colonial	brasileira	que	contribuiu	
para	a	prática	de	excessos	e	ilegalidades	de	toda	espécie	pode	ser	compreendida	não	
apenas	pela	permissividade	metropolitana	e	local,	mas	também	pela	dificuldade	
de	acesso	às	áreas	remotas,	o	que	foi	contribuindo	para	um	mandonismo	local,	
situação	 que	 preocupava	 os	missionários	 jesuítas,	 sobretudo	 a	 exploração	 das	
comunidades	indígenas.	
Schwartz	(1979)	ainda	chama	a	atenção	para	o	fato	de	que	a	lei	portuguesa	
vigente	no	Brasil	dizia	respeito	somente	aos	europeus,	praticamente	inexistindo	
proteção	jurídica	para	as	relações	entre	os	europeus	e	os	indígenas.	Tal	situação	é	
descrita	pelo	autor	ao	se	referir	ao	que	o	missionário	jesuíta	Manoel	da	Nóbrega	
descreve	como	punição	imposta	a	um	índio	que	havia	assassinado	um	português:	
foi	colocado	na	boca	de	um	canhão	e	literalmente	feito	em	pedaços.	Assim	era	
feita	a	justiça	na	colônia!!!
Rapidamente	 os	 nativos	 perceberam	 para	 qual	 lado	 pendia	 a	 balança	
da	 justiça,	porque	não	havia	 limites	para	o	abuso	e	arbítrio	dos	colonizadores,	
encontrando	apenas	algum	refúgio	nas	missões	jesuítas.
Entretanto,	 apesar	 das	 profundas	 contradições	 na	 administração	 da	
justiça	colonial,	já	por	volta	de	1580	havia	um	sistema	mais	centralizado,	o	que	
pode	 ser	 compreendido	 como	 reflexo	 do	 avanço	 da	 indústria	 açucareira	 em	
Pernambuco	e	Bahia.	
Na	medida	em	que	se	expandia	a	lavoura	monocultora	açucareira,	cresciam	
a	população	e	os	conflitos,	o	que	vinha	a	exigir	maior	 intervenção	 jurídica	para	
a	manutenção	da	prosperidade	 local.	O	momento	político	que	então	se	sucedeu	
com	a	ascensão	ao	trono	de	Felipe	II	da	Espanha	(1580)	é	marcado	por	uma	maior	
atenção	 à	 justiça	 colonial,	 fruto,	 possivelmente,	 da	 personalidade	 burocrática	 e	
precisão	 administrativa	 imperial,	 traço	 que	 transparece	 com	 a	 nova	 codificação	
empreendida,	 já	que	a	complexa	legislação	portuguesa	era	herdeira	dos	códigos	
romanos	e	visigodos.	Leis	antigas	e	injustas	que	na	prática	eram	desrespeitadas,	o	
que	permitia	a	impunidade	para	os	poderosos	(SCHWARTZ,	1979).
166
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
FIGURA 54 – PELOURINHO: SÍMBOLO DA “JUSTIÇA” COLONIAL
FONTE: Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/64/curta-
essa-dica/escravos.jpg/image_view_fullscreen>.Acesso em: 25 nov. 2017.
Na	lógica	metropolitana,	legislar	era	garantir	a	justiça	através	de	prêmios	ou	
castigos,	como	atitude	paternal	do	monarca	em	relação	a	seus	súditos.	A	lei	emanada	
do	pai	–	do	Rei – é	justa	porque,	mesmo	dura,	pretende	corrigi-los	e	salvá-los.	
Contudo,	na	distante	colônia	o	“poder	paternal”	do	monarca	era	exercido	
como	 força	 aliada	à	 autoridade	delegada,	o	que	produz	um	sistema	de	pouca	
efetividade,	marcado	pelo	desmando	e	corrupção	local.
A	importância	da	colônia	sendo	crescente	e	visível	já	no	início	do	século	
XVII	explica	a	criação	do	Tribunal	de	Relação	no	Brasil,	cuja	primeira	tarefa	era	
a	de	 selecionar	um	grupo	de	magistrados	 treinados	e	dispostos	a	 enfrentar	as	
condições	adversas	na	colônia.	
DICAS
Sugere-se a “visita” ao site do Arquivo Nacional do Ministério da Justiça, onde 
você poderá encontrar a história do Judiciário no Brasil. Disponível em: <http://www.
arquivonacional.gov.br/br/>. Acesso em: 5 dez. 2017.
A	estrutura	jurídica	inicia	no	Brasil	nas	mãos	dos	capitães-donatários,	que	
recebiam	amplos	poderes	para	administrar	a	economia	e	organizar	a	vida	civil	na	
terra.	Com	o	 fracasso	do	sistema	de	capitanias	hereditárias	é	criado	o	sistema	de	
governo-geral,	que	incluía	a	figura	do	ouvidor-geral,	que	era	o	cargo	mais	elevado	na	
hierarquia	judiciária	da	colônia,	buscando-se,	assim,	diminuir	o	poder	dos	capitães-
donatários,	até	que	em	14	de	abril	de	1628	revoga-se,	expressamente,	o	privilégio	
dos	capitães	de	fazerem	justiça	em	suas	terras.	O	ouvidor	recebia	recursos	vindos	de	
ouvidores	das	comarcas,	mais	conhecida	por	ação	nova,	como	jurisdição	originária,	
TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
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FIGURA 55 – PAÇO DO TRIBUNAL DE RELAÇÃO DO RIO DE JANEIRO – 1751
FONTE: Disponível em: <http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2776>. Acesso em: 25 nov. 2017.
O	perfil	era	o	de	homens	aptos	e	experientes	que	iriam	presidir	o	Tribunal	
brasileiro	subordinado	à	Casa	de	Suplicação,	desfrutando	dos	mesmos	privilégios	
dos	desembargadores	metropolitanos.	
NOTA
A Casa de Suplicação era o tribunal diretamente ligado ao poder real que inicialmente 
incluía as atividades do Desembargo do Paço. Com a reforma das Ordenações aprovadas em 
1595, mas em vigor em 1603, atualmente conhecida como Ordenações Filipinas, a administração 
metropolitana era regida pelo monarca que poderia ser substituído por uma junta de governadores 
e contava com uma série de órgãos de apoio, a começar pelo Conselho de Estado, que se reunia 
ocasionalmente pela convocação do rei para assessorá-lo em questões complexas. O mais 
constante era o Desembargo do Paço, que se reunia diariamente e às sextas despachavam com 
o rei. Além de exercer funções consultivas, julgava as questões que, por causa de foros especiais, 
superavam a alçada da Casa de Suplicação, os recursos às decisões da mesma e os conflitos de 
jurisdição entre ela e a Casa de Cível. Eram de competência exclusiva do Desembargo do Paço os 
pedidos de legitimação, restituição de fama, findas, graças e perdões, emancipação de menores 
etc. Junto à Casa de Suplicação e ao Desembargo do Paço existia um tribunal especial, com 
competência privativa em causas que envolvessem a Igreja ou os membros das ordens militares-
religiosas. Era a Mesa da Consciência e Ordens, que também assessorava o Rei.
conflitos	que	se	dessem	a	uma	distância	de	dez	léguas	de	sua	sede	ou	estrada.	De	suas	
decisões	era	possível	recorrer	à	Casa	de	Suplicação	em	Lisboa.	Embora	tenha	sido	
criado	pelo	Regimento	de	1587,	apenas	em	março	de	1609	se	instalou	propriamente	
um	 tribunal	 régio	no	Brasil:	 o	Tribunal	de	Relação	da	Bahia,	 que	 era	 constituído	
por	dez	desembargadores,	todos	letrados	–	um	chanceler,	três	desembargadores	de	
agravos,	um	ouvidor-geral	do	cível	e	do	crime,	um	juiz	dos	feitos	da	coroa,	fazenda	
e	fisco,	um	provedor	de	defuntos	e	resíduos,	dois	desembargadores	extravagantes	e	
o	governador-geral,	que	teria	assento	como	Governador	da	Relação.	Esses	tribunais	
deram	origem	aos	atuais	Tribunais	de	Justiça	dos	Estados	brasileiros.
168
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
Entretanto,	 conforme	 narra	 Wolkmer	 (2007),	 apesar	 do	 Tribunal	 de	
Relação	ter	sido	oficializado	em	7	de	março	de	1609,	com	a	 invasão	holandesa	
foi	 abolido	 em	1626,	 e	 restaurado	posteriormente	 em	1652.	A	partir	do	 século	
seguinte	expandem-se	os	Tribunais	de	Relação	no	Brasil	–	Rio	de	Janeiro	em	1751,	
Maranhão	em	1812,	Pernambuco	em	1821.	
Nas	palavras	de	Schwartz	(1979,	p.	58),	“os	burocratas	que	iriam	constituir	
a	 magistratura	 brasileira	 eram	 um	 grupo	 muito	 bem	 particularizado	 que	
representava	a	espinha	dorsal	do	governo	real”.
 
Para	serem	nomeados	a	Desembargo	do	Paço	exigia-se	o	requisito	de	ser	
formado	em	Direito	por	Coimbra	e	ter	exercido	a	profissão	por,	no	mínimo,	dois	
anos.	Porém,	para	o	ingresso	na	Universidade	deveria	ser	o	futuro	bacharel	de	
“raça	pura”	–	com	limites	de	carreira	para	os	que	tivessem	a	“mancha”	de	serem	
“cristãos	novos”	–,	ortodoxos	na	sua	religião	e	politicamente	leais,	originando	a	
maioria	da	pequena	nobreza	e	da	classe	de	burocratas.	
 
A	 prova	 de	 conhecimento	 jurídico	 para	 a	 inscrição	 no	 quadro	 de	
magistrado	 era	 precedida	 de	 inúmeras	 declarações	 testemunhais	 sobre	 a	 vida	
pregressa,	atividades	e	reputação	do	candidato,	mais	especificamente,	buscava-se	
a	garantia	de	que	não	havia	“contaminação	de	sangue	de	mouro,	mulato,	judeu	ou	
qualquer	outra	raça	infecta”	(SCHWARTZ,	1979,	p.	58).	Ainda	a	comprovação	de	
que	os	pais	e	avós,	no	momento	da	nomeação,	não	tivessem	atividades	manuais,	
artesanais	 e	 prática	 de	 comércio	 varejista,	 exceto	 se	 houvessem	pertencido	 ao	
senado	da	Câmara	ou	outro	órgão	de	privilégio	especial	no	funcionalismo	real.
Os	magistrados	coloniais,	graças	à	política	da	coroa	portuguesa,	formavam	
no	século	XVII	um	grupo	de	burocratas	elitizado	–	fiéis	servidores	reais	–	movidos	
por	generosas	promoções	e	interesses	pessoais.	
O	cargo	representava	prestígio,	dinheiro	e	status,	o	que	acaba	por	construir	
a	magistratura	como	um	ramo	da	burocracia	real	e	ao	mesmo	tempo	um	grupo	
social	específico.	Os	juízes	europeus,	sob	a	proteção	da	coroa,	emergiram	como	
um	grupo	que	se	viu	com	o	direito	de	exigir	privilégios	e	símbolos	que	até	então	
pertenciam	à	nobreza,	chegando	a	criar	justificativas	para	sua	nobreza.	
No	século	XVIII,	na	Europa	Ocidental,	os	 juristas	argumentavam	que	o	
conhecimento	das	 leis	 literalmente	enobrece	o	 indivíduo	e,	portanto,	deveriam	
ser	considerados	iguais	aos	nobres,	e	a	coroa,	como	detentora	dos	símbolos	que	
garantiam	a	ascensão	social,	para	vincular	os	magistrados	a	seus	interesses,	fazia	
concessões.	Entretanto,	no	império	português,	chama	atenção	Schwartz	(1979),	a	
magistratura	não	se	tornou	uma	nobreza	distinta	por	seu	cargo	ou	função.	
Individualmente,	 o	 magistrado	 poderia	 ascender	 à	 nobreza	 pelo	
casamento	 ou	 por	 título	 conferido	 pela	 coroa,	 mas	 não	 chegando	 a	 competir	
com	a	aristocracia,	porque	seus	interesses	eram	ditados	pelo	rei,	no	entanto	isso	
não	 impediu	que	na	 colônia	brasileira	 se	 formasse	um	grupo	 característico	de	
burocratas	da	 justiça	que	souberam	aliar	as	funções	e	fórmulas	burocráticas	às	
TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
169
relações	pessoais	de	parentesco.	É	o	abrasileiramento	da	burocracia,	descrito	como	
procedimentos	pessoais	e	profissionais	que	se	confundem	e	se	autossustentam.	
Ao	chegar	na	colônia,	além	de	sua	família,	o	juiz	poderia	agregar	parentes,	
afilhados,	empregados,	escravos;	enfim,	um	grupo	de	pessoas	que	serviam	como	
intermediários	 entre	 o	 magistrado	 e	 as	 demais	 pessoas	 da	 sociedade,	 o	 que	
permitia	 uma	 “facilitação	de	 caminho”	 até	 o	 juiz.	 Por	 outro	 lado,	 ao	 estender	
sua	proteção	a	um	grupo	próximo,	o	magistrado	também	cumpria	parte	de	seupapel	profissional:	 protetor,	 padrinho,	marido	 e	pai.	 E,	 é	 claro,	 sem	deixar	de	
lado	sua	obrigação	religiosa,	o	que	lhe	dava	vantagens	sociais.	Por	essa	razão,	os	
magistrados	 tornavam-se	benfeitores	de	 igrejas,	 conventos	 e	 ordens	 religiosas,	
e	não	raras	vezes,	na	condição	de	 ilustres	 funcionários	reais,	assumiam	papéis	
de	 liderança.	Os	pesados	encargos	financeiros	de	uma	vida	de	ostentação	não	
podiam	ser	arcados	com	os	já	altos	salários	e	gratificações	recebidas.	
Rapidamente	os	juristas	brasileiros	perdiam	interesse	intelectual,	apesar	
de	sua	formação	universitária.	Não	há	entre	os	magistrados	brasileiros	da	época	
colonial	 autores	 cujos	 trabalhos	 são	 lembrados,	 apesar	 de	 estarem	 sempre	
presentes	em	reuniões	intelectuais.	
Sem	dúvida,	a	melhor	leitura	sobre	os	magistrados	no	Brasil	colonial	é	de	
Gregório	de	Mattos,	que	com	os	seguintes	versos	descreve	a	justiça:
E	que	justiça	a	resguarda?...	Bastarda.
É	grátis	distribuída?...	Vendida.
Valha-nos	Deus,	o	que	custa	O	que	El-Rei	nos	dá	de	graça.
Que	anda	a	Justiça	na	praça	Bastarda,	vendida,	injusta.
Seu	interesse	particular	pela	administração	da	justiça	no	Brasil	é	por	ter	
sido	letrado	em	Coimbra	e	magistrado	real	em	Portugal.	Seus	versos	não	mostram	
os	juízes	como	seres	sem	rosto,	mas	como	pessoas	em	seu	cotidiano,	envolvidos	
essencialmente	em	duas	esferas:	poder	e	corrupção.	Seus	versos	renderam-lhe	a	
deportação	para	Angola,	pois	não	poupava	cáusticas	palavras	para	descrever	o	
sentido	do	“abrasileiramento	da	magistratura	real”.	
Apesar	dos	versos	do	“Boca	do	Inferno”,	como	era	chamado	Gregório	por	
seus	inimigos,	não	representarem	perigo	para	a	autoridade	e	o	cargo	exercido	pelos	
juízes,	deixavam	evidente	o	nível	incontrolável	de	corrupção	que	havia	atingido	o	
exercício	da	justiça	no	Brasil	em	fins	do	século	XVII.	Descrevia	os	burocratas	judiciais	
–	juízes,	escrivães,	tabeliães...	–	como pedaços cortados de um mesmo tecido.
Apesar	de	serem	sempre	acusações	pessoais	e	não	ao	sistema	como	um	
todo,	seus	versos	deixavam	evidente	o	comprometimento	no	exercício	da	justiça.	
Por	essa	razão,	dizia	que	um	magistrado	recebia	suborno	tanto	do	acusado	
como	do	acusador	e	por	isso	era	mais	fácil	chegar	o	“juízo	final	do	que	a	sentença”.
170
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
NOTA
Gregório de Mattos e Guerra, conhecido como “Boca do Inferno”, nasceu na Bahia 
em 23/12/1636 em uma família de proprietários rurais, empreiteiros de obras e funcionários 
administrativos de ascendência portuguesa. Estudou no Colégio dos Jesuítas da Bahia até 1642, 
quando vai para a Universidade de Coimbra, onde se forma em Cânones em 1661. Após atestar 
ser “puro de sangue” é nomeado juiz de fora em Alcácer do Sal, em 1663. Teve brilhante carreira 
como magistrado em Lisboa, reconhecido com sentenças publicadas pelo jurisconsulto 
Emmanuel Alvarez Pegas. Retorna para o Brasil em 1683, depois de 30 anos, para assumir o 
cargo de Desembargador da Relação Eclesiástica e, mais tarde, tesoureiro-mor da Sé, um ano 
após ter tomado ordens menores. Entretanto, é destituído do cargo por se recusar a usar batina 
e acatar ordens superiores. Começa então a satirizar os costumes e as classes sociais baianas, 
as quais chamará de “canalha infernal”. Escreve com letras corrosivas e eróticas. Por sua vida livre 
de “homem solto sem modos cristãos” é denunciado à Inquisição em Lisboa em 1685 por falar 
mal de Jesus Cristo e não tirar o barrete da cabeça quando passa uma procissão em sua frente, 
mas o feito não tem prosseguimento. Por seus poemas e sátiras contra o governador Antonio 
Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho, a quem chamava de “fanchono beato”, é ameaçado de 
morte. Até que um complô o prende e envia-o a Angola sem direito de voltar à Bahia. Em 
Luanda, no ano de 1694, auxilia o governo local a combater uma conspiração militar e em troca 
recebe a permissão para voltar ao Brasil, mas para Recife, devendo ficar longe da Bahia e de 
seus desafetos. Morre em 1695 vítima de uma febre contraída em Angola.
FONTE: Disponível em: <http://www.academia.org.
br/academicos/gregorio-de-matos/biografia>. Acesso 
em: 25 nov. 2017.
Pelo	relato	da	época,	o	exercício	da	justiça	brasileira	era	venal	e	facilmente	
subvertido.	Os	critérios	de	análise	processual	eram	pessoais,	econômicos	e	sociais,	
sem	que	isso,	entretanto,	comprometesse	os	interesses	reais,	funcionando	como	
uma	certa	flexibilização	frente	à	dureza	da	estrutura	metropolitana.	
Quanto	mais	se	expandia	a	colônia,	mais	cresciam	a	burocratização	e	as	
oportunidades	de	corrupção,	o	que	não	significava,	necessariamente,	ilegalidade,	
mas	o	uso	de	artifícios	jurídicos	para	benefício	próprio	ou	de	um	apadrinhado,	ou	
mesmo,	o	uso	do	cargo	para	obter	vantagens	pessoais	diretas	ou	indiretas.
TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
171
	Raimundo	Faoro	(2000)	demonstra	que	a	minoria	colonial,	formada	por	
um	quadro	administrativo,	e	o	estado-maior	de	domínio	comandam,	controlam	e	
disciplinam	a	economia	e	os	núcleos	humanos,	tornando-se	esses	efetivamente	os	
donos	do	poder.	As	formas	jurídicas	vão	servindo	de	freio	à	emancipação	colonial.	
Os	 juristas,	 como	uma	 espécie	de	 “aristocracia”	 local,	 comandavam	a	 vida	na	
colônia,	fazendo	de	seus	procedimentos	instrumentos	eficientes	de	dominação	e	
perpetuação	da	ordem	exploradora.
Há	que	se	reconhecer	que	o	aparato	jurídico-político	colonial	significou	a	
transposição	da	estrutura	metropolitana	para	a	colônia,	porém,	com	traços	muito	
peculiares,	a	exemplo	da	justaposição	da	justiça-oficial	e	da	privada	exercida	nos	
sertões	e	nos	latifúndios,	cujo	poder	não	era	contestado.	A	justiça	local,	que	servia	
de	fortalecimento	do	mandonismo,	sempre	foi	reconhecida	como	uma	espécie	de	
contrapeso	à	ineficiência	da	justiça	real,	à	venalidade	dos	burocratas	e	à	corrupção	
dos	magistrados.	
Ainda	 cabe	 lembrar	 o	 papel	 desempenhado	 pela	 Igreja	 Católica	 na	
administração	da	justiça	com	seu	Tribunal	do	Santo	Ofício.	Nas	palavras	de	Anita	
Novinsky	(1983,	p.	90),	serviu,	mais	do	que	instrumento	religioso:
como	um	sistema	político	de	dominação	e	onde	não	havia	lugar	para	
os	 judeus,	 cristãos	 novos,	 muçulmanos,	 negros,	 mulatos,	 ciganos,	
heterodoxos	ou	contestadores	de	toda	espécie.	Através	de	seu	sistema	
de	ameaças,	[...]	de	perseguição	[...]	de	tortura,	a	Inquisição	garantiu	
a	 continuidade	 da	 estrutura	 social	 do	 antigo	 regime,	 e	 a	 religião	
preencheu	sua	função	político-ideológica.	
Apesar	de	não	ter havido	um	Tribunal	Inquisitorial	no	Brasil,	ele	existia	
como	presença	possível,	pois	sempre	que	necessário,	os	acusados	brasileiros	eram	
julgados	pelo	Tribunal	Inquisitorial	em	Lisboa.
As	chamadas	“Visitação	do	Santo	Ofício”	ocorreram	na	colônia	brasileira,	
sobretudo	na	fase	de	mineração	de	ouro,	apesar	do	poder	delegado	ao	Bispo	da	
Bahia	pelo	Santo	Ofício	em	1580,	quando	foram	registradas	inúmeras	heresias,	
sadomias,	feitiçarias,	bigamias,	blasfêmias	etc.
DICAS
Há, no site <http://www.biblioteca.pe.gov.br/?pag=&cat=41&art=114>, 
informações acerca da primeira visitação do Santo Ofício no Brasil. É muito interessante e 
você poderá enriquecer sua cultura jurídica.
172
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
FIGURA 56 – CAPA DO DOCUMENTO: PRIMEIRA VISITAÇÃO DO 
SANTO OFÍCIO ÀS PARTES DO BRASIL
FONTE: Disponível em: <http://www.biblioteca.pe.gov.
br/?pag=&cat=41&art=114>. Acesso em: 25 nov. 2017.
Em	síntese,	é	oportuno	destacar	o	pensamento	de	Wolkmer	(2007,	p.	71),	
quando	afirma	que	“a	especificidade	da	estrutura	 jurídica	da	colônia	brasileira	
não	permitiu	o	exercício	da	cidadania	e	as	práticas	políticas	descentralizadas”.	
Forjada	em	meio	a	um	passado	 latifundiário,	patrimonialista,	 senhorial	
e	escravista,	cuja	dinâmica	fez	surgir	uma	cultura	jurídica	singular	marcada	por	
ideias	e	práticas	paradoxais.	
Esteé	 o	 horizonte	 da	 cultura	 jurídica	 brasileira	 colonial	 dominante.	
Legítima	 herdeira	 de	 um	 pensamento	 condicionado	 pelo	 mercantilismo	 e	
administração	 burocrática	 centralizada,	 construída	 sob	 uma	 mentalidade	
escolástico-tomista	e	elitista.	Uma	mentalidade	condicionada	a	servir	a	Deus	e	ao	
rei,	e,	portanto,	incapaz	de	ser	comprometida	com	qualquer	nova	ideia	que	viesse	
a	 representar	 o	 ideário	 renascentista	 moderno,	 mais	 próximo	 do	 humanismo	
emergente,	já	que	este	significava	a	“expansão	protestante”,	que	teve	como	maior	
expressão	de	resistência	na	Europa	a	Península	Ibérica.
Assim,	 longe	 do	 ideário	 iluminista	 moderno	 que	 veio	 a	 representar	 a	
possibilidade	 de	 construção	 de	 uma	 lógica	 racional	 crítica	 ao	 obscurantismo	
medieval,	a	cultura	jurídica	colonial	brasileira	definiu-se	sacralizando	a	tradição	
e	o	servilismo,	o	que	permitiu	a	consolidação	e	reprodução	das	ideias	e	valores	da	
elite	mercantilista	portuguesa.	
Neste	sentido,	assinala	Alberto	Venancio	Filho	 (1982)	que,	por	 força	da	
Companhia	de	Jesus	na	Universidade	de	Coimbra,	a	cultura	predominante	até	
meados	do	século	XVIII	mantinha-se	refratária	às	transformações	reivindicadas	
pelo	Renascimento,	o	que	é	claramente	evidenciado	num	edital	do	Colégio	das	
Artes	da	Universidade	de	Coimbra	de	1746,	que	determinava:	
TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
173
[...]	nos	exames	ou	lições,	conclusões	públicas	ou	particulares	se	não	
ensine	defensão	ou	opiniões	novas	pouco	recebidas,	ou	 inúteis	para	
os	 estudos	 das	 ciências	 maiores,	 como	 são	 as	 de	 René	 Descartes,	
Gassendi,	 Newton	 e	 outros,	 nomeadamente	 qualquer	 ciência	 que	
defenda	os	átomos	de	Epicuro	ou	outras	quaisquer	conclusões	opostas	
ao	sistema	de	Aristóteles	[...]	(VENANCIO	FILHO,	1982,	p.	5).
Tal	panorama	é	alterado	com	a	Reforma	do	Marquês	de	Pombal,	como	já	
considerado,	na	segunda	metade	do	século	XVII,	quando	os	jesuítas	são	expulsos	
da	metrópole	e	da	colônia,	 e	 seus	 reflexos	na	 tentativa	de	emergência	de	uma	
cultura	moderna,	o	que	 irá	marcar	a	 transição	para	o	 século	XIX	e	a	busca	de	
superação	da	herança	colonial.	
Em	síntese,	compreender	o	direito	e	a	gestão	da	justiça	no	Brasil	Colônia	
é	 a	possibilidade	de	 compreender	 as	origens	de	nossa	profunda	desigualdade	
social	e	negação	de	cidadania	que	até	os	dias	atuais	procuramos	nos	livrar.	Não	é	
difícil	perceber	as	razões	que	fazem	de	nosso	direito	um	instrumento	elitizado	e	
distante	ainda	de	interesses	nacionais.	
A	intenção	de	Portugal	era	construir	uma	elite	burocrática	defensora	dos	
interesses	reais	que	defendesse	as	leis	metropolitanas.	Desde	aí	foi	sendo	criado	
um	sistema	de	compadrio	que	aliava	as	elites	metropolitanas	às	elites	canavieiras.	
E	assim,	a	elite	letrada	e	pseudoburocrática	usufruía	dos	“benefícios”	do	poder	
em	troca	do	desrespeito	à	lei	e	à	justiça.	
174
Neste tópico, você aprendeu que:
 
•	A	estrutura	administrativa	do	Brasil	Colônia	teve	como	característica	a	criação	
de	um	aparato	político	e	jurídico	capaz	de	garantir	os	interesses	metropolitanos.
•	As	bases	das	instituições	jurídicas	brasileiras	estão	intimamente	ligadas:	a	um	
passado	escravocrata	e	patrimonialista,	marcado	pela	dominação	de	uma	elite	
agrária	local	e	submissa	aos	interesses	econômicos	metropolitanos.
•	O	Direito	brasileiro,	 em	sua	origem	colonial,	mais	 se	aproxima	de	arbítrio	e	
favoritismo	do	que	propriamente	a	realização	de	justiça.	
RESUMO DO TÓPICO 2
175
AUTOATIVIDADE
Observe	a	gravura	de	Debret	abaixo:	
“UM JANTAR BRASILEIRO”, 1827
FONTE: Disponível em: <http://historiaporimagem.blogspot.com.br/2011/10/
jean-baptiste-debret-um-jantar.html>. Acesso em: 25 nov. 2017.
A	 figura	 é	 uma	 das	 mais	 reproduzidas	 nos	 livros	 de	 história	 do	 Brasil,	
por	 caracterizar	 a	 sociedade	 colonial	 brasileira,	 marcada	 por	 profundas	
desigualdades	sociais.	
Após	detalhada	observação	na	gravura	e	associando	com	o	estudo	realizado,	
faça	 uma	 breve	 dissertação	 discutindo	 a	 relação	 entre	 as	 bases	 políticas	 e	
econômicas	do	Brasil	Colônia	e	a	ordem	jurídica.
176
177
TÓPICO 3
O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO 
DIREITO NACIONAL
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Mudanças	sensíveis	ocorrem	na	cultura	jurídica	brasileira	no	século	XIX,	
que	se	inicia	sob	o	signo	da	modernidade.	As	revoluções	burguesas	e	o	absolutismo	
ilustrado,	que	na	Europa	abriam	as	portas	para	compreender	o	humano	como	
valor	 fundamental	 da	 sociedade,	 encontravam	 um	 forte	 contraste	 com	 o	
sistema	colonial	brasileiro,	cuja	marca	era	a	violência	imposta	aos	trabalhadores	
escravizados	e	a	dinâmica	contraditória	da	relação	metrópole-colônia,	que	acabou	
por	definir	um	espaço	subjugado.	
Apesar	disso	e	das	resistências	contra	a	centralização	receberem	golpes	
fatais,	quer	pelas	mãos	diretas	das	milícias	 reais,	quer	de	seus	braços	 locais,	o	
Brasil	torna-se	independente	em	1822.	
Uma	 dispersa,	 desarticulada	 e	 fluida	 nação	 emerge	 entre	 conflitos	 e	
dilaceração	das	antigas	capitanias.	O	cuidado	maior	era	o	de	manter	a	unidade	
política,	 que,	 como	destaca	Raimundo	 Faoro	 (2000,	 p.	 315-316),	 “tratava-se	 de	
tarefa	gigantesca	e	incerta	diante	dos	enormes	obstáculos,	não	apenas	geográficos,	
mas	sobretudo	políticos”.	
É	 evidente	 que	 uma	 sequência	 de	 fatos	 –	Abertura	 dos	 Portos	 (1808),	
criação	do	Reino	Unido	do	Brasil	(1815)	e,	finalmente,	a	Revolução	do	Porto	(1820)	
–	aceleraram	o	processo	que	mobilizou	as	elites	locais	para	a	independência.	
Tal	 processo	 tornou	 necessária	 a	 construção	 de	 uma	 cultura	 jurídica	
nacional,	que	encontra	no	liberalismo	uma	proposta	doutrinária	a	partir	da	qual	
foram	edificados	os	primeiros	cursos	jurídicos,	uma	elite	jurídica	e	o	edifício	legal.	
Assim,	a	tarefa	primeira	é	compreender	a	natureza	e	especificidade	desse	
“liberalismo	caboclo”	presente	como	cimento	da	cultura	jurídica	em	construção,	
sobretudo	 para	 compreender	 a	 profunda	 distinção	 entre	 o	 revolucionário	
liberalismo	 europeu	 e	 o	 brasileiro,	 e	 como	 este	 último	 serviu	 de	 suporte	 aos	
interesses	das	oligarquias	vinculadas	à	monarquia	imperial.
A	 face	 “cabocla”	do	 liberalismo	brasileiro	 é	muito	 bem	 conhecida.	 Por	
isso,	com	razão	comenta	Wolkmer	(2007,	p.	76):
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
178
Eram	 profundamente	 contraditórias	 as	 aspirações	 de	 liberdade	
entre	 diferentes	 setores	 da	 sociedade	 brasileira.	 Para	 a	 população	
mestiça,	 negra,	 marginalizada	 e	 despossuída,	 o	 liberalismo,	
simbolizado	 na	 Independência	 do	 país,	 significava	 a	 abolição	 dos	
preconceitos	de	cor,	bem	como	a	efetivação	da	igualdade	econômica	
e	 a	 transformação	da	 ordem	 social.	 Já	 para	 os	 estratos	 sociais	 que	
participaram	 diretamente	 ao	 movimento	 de	 1822,	 o	 liberalismo	
representava	instrumento	de	luta	visando	à	eliminação	dos	vínculos	
coloniais.	 Tais	 grupos,	 objetivando	manter	 intactos	 seus	 interesses	
e	 as	 relações	 de	 dominação	 interna,	 não	 chegaram	 a	 reformar	 a	
estrutura	de	produção	nem	a	estrutura	da	sociedade.	
O	liberalismo,	como	observa	Macridis	(1982,	p.	38-41),	em	suas	diferentes	
dimensões,	ético-filosófica,	econômica	e	política-jurídica,	 representou	o	 ideário	
de	cunho	individualista	sustentado	pela	burguesia	europeia	contra	o	absolutismo	
monarquista,	capaz	de	reproduzir	novas	condições	materiais,	sociais	e	políticas	
que	permitiam	sua	ascensão	e	justificativa	de	poder.	Entretanto,	no	Brasil,	essa	
doutrina	era	conhecida	por	uma	pequena	parcela	de	letrados	inovadores,	e	até	
revolucionários,	 já	 que	 a	maioria	 da	 população	 era	 de	 analfabetos,	 escravos	 e	
uns	 poucos	 trabalhadores	 livres	 para	 os	 quais	 os	 “novos	 ventos	 da	 liberdade	
europeia”	não	sopravam	nem	como	“leve	brisa”.
O	 liberalismo	 brasileiro	 serviutão	 bem	 aos	 interesses	 das	 oligarquias	
locais	que	pôde	conviver	com	a	 institucionalização	da	escravidão,	 tornando-se	
uma	aparente	ambiguidade,	porém	a	marca	da	política	brasileira:	uma	retórica	
liberal	e	uma	prática	oligárquica,	um	conteúdo	conservador	e	reacionário	sob	a	
aparência	da	democracia.
Emília	Viotti	da	Costa	(1985)	identifica	o	liberalismo	brasileiro	como	uma	
“ideologia	de	tantas	caras”	que	serviu	em	“momentos	distintos	diferentes	grupos	
com	intenções	diversas”:	
• A face heroica:	própria	dos	movimentos	que	antecederam	a	independência,	a	
antidemocrática	–	dos	revolucionários	da	primeira	Constituinte.	
• A face moderada:	dos	adeptos	da	monarquia	 constitucional,	 a	 radical	 –	dos	
reformistas	da	fase	regencial.
• A face conservadora:	 que	 acabou	 por	 impor-se	 e	 defendida	 pela	 minoria	
antidemocrática	apegada	às	práticas	do	clientelismo	e	da	patronagem.	
Em	síntese,	o	liberalismo	no	Brasil	foi	singular,	pois	apesar	de	defender	
a	 democracia	 representativa,	 negava	 a	 participação	 popular,	 atribuindo	 aos	
poucos	letrados	a	tarefa	de	conduzir	as	instituições	políticas	e	jurídicas.	Enfim,	
um	liberalismo	conservador,	elitista,	antidemocrático	que	nega	na	prática	suas	
próprias	convicções.
O	 processo	 de	 transição	 social	 produzido	 pela	 independência	 trará	 a	
marca	desta	lógica	liberal.	
TÓPICO 3 | O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL
179
Apesar	disso,	salienta	Florestan	Fernandes	(1974,	p.	31)	que	a	independência	
se	constituiu	numa	revolução	social	por	ter	produzido	simultaneamente	o	fim	da	
era	colonial	e	o	advento	da	sociedade	nacional.	As	relações	de	poder	modificam-
se	 na	medida	 em	 que	 deixam	 de	manifestar-se	 “[...]	 como	 imposição	 de	 fora	
para	 dentro,	 para	 organizar-se	 a	 partir	 de	 dentro,	malgrado	 as	 injunções	 e	 as	
contingências	 que	 iriam	 cercar	 a	 longa	 fase	 do	 “predomínio	 inglês”	 na	 vida	
econômica,	política	e	diplomática	da	nação” (FERNANDES,	1974,	p.	31-32).	
Sem	dúvida,	os	donos	do	poder	não	se	insurgiram	contra	a	estrutura	da	
sociedade	 colonial,	mas	 contra	o	 limite	 imposto	pelo	 sistema	que	acabava	por	
neutralizar	a	capacidade	desta	elite	em	dominar	as	diferentes	esferas	da	ordem	
social,	política	e	econômica.
	 Essa	 é,	 segundo	 Florestan	 Fernandes	 (1974),	 a	 lógica	 que	 permite	
compreender	por	que	as	elites	nacionais,	sem	negar	a	ordem	social	dominante,	
atuaram	 na	 esfera	 política,	 adaptando	 e	 integrando	 internamente	 a	 herança	
colonial	com	os	interesses	impostos	pela	independência.	
Portanto,	 o	 novo	 momento	 brasileiro	 irá	 se	 caracterizar	 como	 uma	
inovação	aliada	ao	poder	por	parte	das	oligarquias	e	a	enorme	marginalização	da	
população	livre.	
A	independência	pode	ser	compreendida	como	mudança	de	status	político-
jurídico	sem	mudança	material	e	social,	o	que	justifica	a	perpetuação	das	relações	
sociais	de	dominação	internas	ao	longo	da	construção	da	sociedade	nacional. 
FIGURA 57 – “O GRITO DO IPIRANGA” – PINTURA A ÓLEO DE PEDRO AMÉRICO – 
MUSEU DO IPIRANGA
 FONTE: Disponível em: <http://www.mp.usp.br/museu-do-ipiranga>. Acesso em: 
25 nov. 2017.
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
180
Para	 muitos	 historiadores,	 essa	 é	 uma	 das	 razões	 da	 defesa	 limitada,	
tosca	e	egoísta,	porém	eficaz,	dos	 ideais	 liberais	por	parte	das	elites	nacionais,	
pois	 apenas	 era	defendido	 aquilo	 que,	 num	 jogo	de	probabilidades	 concretas,	
poderiam	efetivamente	desfrutar,	como	o	poder	de	igualdade	e	fraternidade	dos	
interesses	inerentes	ao	seu	papel definido	da	estrutura	de	poder	dominante.
É	evidente	que	o	liberalismo,	ao	construir	a	base	ideológica	e	política	para	
a	transição	colonial,	tornou-se,	ao	mesmo	tempo,	o	elemento	mais	destacado	da	
cultura	brasileira	durante	a	fase	imperial	e	o	ideário	para	a	edificação	do	Estado	
nacional,	para	a	“ideia	de	Brasil”.	
NOTA
O projeto liberal no Brasil, que norteou o processo de independência, não 
significou uma única aspiração, mas sim o resultado de distintos segmentos, radicais e 
moderados conservadores, que concordavam num aspecto: o processo de independência e 
construção nacional se operaria com a ausência de participação popular.
O	resultado	dos	conflitos	entre	os	diferentes	segmentos	liberais	foi	a	vitória	
dos	conservadores,	pensamento	claramente	explícito	nas	palavras	de	Evaristo	da	
Veiga,	líder	da	independência,	citado	por	Lima	Lopes	(2012,	p.	279):	“Não	temo	
que	o	Brasil	se	despolitize,	temo	que	se	anarquize,	temo	mais	hoje	os	cortesãos	da	
gentalha	que	aqueles	que	cheiram	as	capas	do	monarca”.	
Os	radicais	“souberam	aceitar”	a	monarquia	como	forma	de	sobrevivência.	
Este	 fato	 demonstra	 a	 paradoxal	 conciliação	 resultante	 da	 estratégia	 liberal-
conservadora	capaz	de	permitir	o	clientelismo	e	a	cooptação	aliada	a	uma	cultura	
jurídico-institucional	formalista,	retórica	e	ornamental.	Este	“pacto	conciliador”	
estará	presente	na	judicialização	do	processo	de	independência,	sendo	sua	face	
visível	o	bacharelismo	liberal.	
2 A CULTURA JURÍDICA NACIONAL: O BACHARELISMO 
Com	a	independência	política,	a	grande	tarefa	será	a	de	construir	autonomia	
jurídica.	Para	tanto,	serão	usadas	duas	grandes	estratégias:	a	elaboração	de	uma	
legislação	própria	e	a	criação	dos	cursos	de	Direito.	
Se,	 de	 um	 lado	 a	 primeira	 tarefa	 era	 a	 de	 construir	 o	 aparato	 legal	
institucional	da	nação	independente,	de	outro,	era	necessária	a	formação	de	uma	
elite	jurídica	própria	e	afinada	com	os	ideais	da	independência.	A	implantação	dos	
cursos	jurídicos	no	Brasil	era	a	alternativa	possível	frente	à	perda	do	único	centro	
formador	de	juristas	de	língua	portuguesa,	a	Universidade	de	Coimbra,	de	um	
TÓPICO 3 | O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL
181
lado,	e	o	desaparecimento	dos	centros	jesuíticos	de	ensino.	Sem	dúvida,	o	ponto	
de	partida	para	a	construção	da	ordem	político-jurídico	nacional	era	a	instauração	
dos	cursos	na	medida	em	que	este	era	o	curso	fornecedor	de	importantes	quadros	
para	o	Estado	imperial,	já	que	a	grande	maioria	de	bacharéis	era	absorvida	pelo	
serviço	público,	por	serem	mais	raros	os	cargos	para	magistrados	e	advogados.
A	Carta	de	Lei	de	11	de	agosto	de	1827,	que	implanta	os	primeiros	cursos	
jurídicos	do	Brasil	de	São	Paulo	e	Recife,	reflete,	segundo	Wolkmer	(2007,	p.	80),	
“a	exigência	da	elite	que	veio	a	suceder	a	dominação	colonial	preocupada	com	
a	estrutura	de	poder	e	a	preparação	de	uma	camada	burocrática	administrativa	
capaz	de	assumir	o	gerenciamento	nacional”.	
FIGURA 58 – FACULDADE DE DIREITO DO LARGO SÃO FRANCISCO
FONTE: Disponível em: <http://ead.stj.jus.br/ead/mod/page/view.php?id=3009>. Acesso 
em: 25 nov. 2017.
Tais	centros	servirão	como	reprodutores	da	legalidade	oficial	positiva,	ou	
seja,	legitimadores	dos	interesses	do	poder,	distantes	de	qualquer	compromisso	
com	expectativas	sociais.	Deve-se	 lembrar	que	entre	os	ministros	de	Estado	de	
1831	a	1853,	mais	de	45%	eram	magistrados,	que	somando	em	certos	períodos	os	
advogados	que	exerciam	tais	funções,	chegava-se	a	60%.	
Assim,	 os	 cursos	 de	 Direito	 assumiram	 as	 funções	 de	 serem	
simultaneamente	defensores	do	ideário	liberal	e	formadores	da	elite	burocrática	
devidamente	adestrada	para	o	exercício	do	poder.
Entretanto,	ao	buscar	construir	suas	próprias	escolas	de	Direito,	o	ensino	
jurídico	 brasileiro	 reproduzia	 um	modelo	 alienígena,	 cosmopolita,	 ilustrado	 e	
literário,	divorciado	do	quadro	agrário	rural	predominante,	e	excluindo	a	grande	
massa	popular	marginalizada.
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
182
	Apesar	de	 tais	escolas	 tratarem	de	 formar	burocratas	do	poder	dentro	
da	lógica	do	conservadorismo,	é	necessário	que	se	assinale	algumas	tendências	
inovadoras.	 A	 Faculdade	 de	 Direito	 de	 Pernambuco,	 apesar	 de	 comungar	 atendência	comum	do	ensino	jurídico	brasileiro,	vai	ser	o	cenário	da	emergência	
de	um	movimento	que	 representará	a	possibilidade	de	novos	horizontes	mais	
afinados	com	as	modernas	correntes	de	pensamento	emergentes,	o	que	poderia	
representar	 uma	 alternativa	 para	 o	 mimetismo	 português	 e	 francês.	 Este	
movimento	 de	 forte	 influência	 germânica,	 autodenominado	 Escola	 de	 Recife,	
será	considerado	o	mais	avançado	de	sua	época,	e	terá	como	expoente	a	figura	
de	origem	social	humilde	e	mestiça:	Tobias	Barreto.	Sobre	a	 importância	deste	
movimento,	destaca	Alberto	Venancio	Filho	(1982,	p.	96):
O	movimento	da	Escola	do	Recife	representava,	contudo,	e	talvez	pela	
primeira	vez,	a	realização	daquela	grande	tarefa	a	que	se	tinham	proposto	
as	 faculdades	de	Direito,	de	 representarem	grandes	 centros	de	 estudo	
das	ciências	sociais	e	filosóficas	no	Brasil,	mas	da	qual,	via	de	regra,	se	
vinham	omitindo	ou	escapando,	pois	trazia	o	movimento	no	seu	bojo	um	
problema	de	transformação	de	ideias	no	campo	da	crítica	literária.	
A	Escola	de	Recife	entendia	que	para	dotar	o	Brasil	de	um	aparato	jurídico	era	
necessário	compreender	a	sociedade	brasileira,	sua	natureza	e	construção.	Defendia	
que	o	jurista	deveria	ser	algo	mais	que	um	rábula.	A	intenção	era	a	de	compreender	
o	fenômeno	jurídico	a	partir	de	uma	pluralidade	de	conhecimentos	que	resultavam	
essencialmente	do	evolucionismo	e	do	monismo.	E,	sem	dúvida,	esses	pensadores	
jurídicos,	mais	distantes	do	centro	do	poder,	viam-se	como	vanguarda.	
Já	São	Paulo,	centro	privilegiado	do	bacharelismo	liberal	e	da	elite	agrária,	
orientou-se	para	a	formação	de	burocratas	e	militantes	políticos.	No	espaço	do	
Largo	São	Francisco	foram	intensas	as	defesas	em	favor	dos	direitos	individuais	
e	liberdades	políticas.
 
As	lutas	abolicionistas	e	republicanas	eram	parte	da	vivência	acadêmica	
que	mais	se	caracterizava	como	autodidata,	pois	o	ensino	jurídico	propriamente	
era	de	má	qualidade,	permitindo	que	inúmeros	acadêmicos	aderissem	à	militância	
política,	sem	que,	entretanto,	deixassem	de	ser	cooptados	pela	burocracia	estatal.	
O	comprometimento	da	qualidade	do	ensino	era	denunciado	em	5	de	agosto	de	
1831	pelo	aviso	do	Ministro	do	Império	José	Lino	Coutinho,	sobre	o	desleixo	e	
negligência	escandalosa	de	professores	do	curso	de	Direito,	que	eram	indiferentes	
à	ausência	dos	acadêmicos	e	aprovavam	indiscriminadamente.
Comparativamente,	 enquanto	 a	 Escola	 de	 Recife	 imaginava	 produzir	
pensadores	da	ciência	do	Direito,	o	Largo	São	Francisco	de	São	Paulo	era	o	celeiro	
de	políticos	e	burocratas	do	Estado	Imperial.	
Recife	 exaltava	 seu	papel	 como	núcleo	 intelectual	 e	 formador	de	 ideias.	
São	Paulo,	apesar	da	fragilidade	intelectual,	colocava-se	como	vanguarda	política	
nacional	de	onde	partia	o	direcionamento	político-jurídico	brasileiro.	Entretanto,	
seja	como	for,	em	meio	a	um	ensino	de	baixa	qualidade,	os	juristas	tornam-se	quase	
autodidatas	que	continuavam	a	reproduzir	ideias	tradicionalistas	e	formalistas	de	
TÓPICO 3 | O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL
183
direito,	mantendo	como	espaço	de	discussão	política	não	o	espaço	público,	mas	o	
privado:	o	interior	do	Salão	do	Imperador	e	os	espaços	domésticos,	fato	característico	
de	uma	sociedade	aristocrática	que	foi	capaz	de	construir	um	corpo	normativo	legal	
de	fachada	liberal	que	pudesse	conviver	com	o	escravismo	e	religião	de	Estado.	
Os	 juristas	 brasileiros	 que	 vão	 sendo	 forjados	 no	 Brasil	 independente	
caracterizam-se	pelo	apego	ao	passado	e	a	valorização	de	uma	cultura	retórica	
e	vazia,	que	não	soube	levar	em	conta	a	diversidade	e	especificidade	brasileira.	
Por	esta	razão,	afirma	Caio	Prado	(2012)	que	o	direito	brasileiro	era	um	
direito	 artificial	 e	 inaplicável que	 deixa	 de	 lado	 as	 particularidades	 nacionais,	
sendo	um	exemplo	significativo	a	questão	da	terra:	“[...]	num	país	agrícola	e	na	
maior	 parte	 ainda	 deserto,	 e	 que	 apesar	 disto	 nunca	 foi	 devidamente	 tratado	
nas	leis	brasileiras.	O	que	sempre	tivemos	na	matéria	foi	copiado	de	legislações	
europeias,	onde	naturalmente	a	situação	é	inteiramente	outra” (p.	197). 
Um	exemplo	disso	é	a	codificação	civil	brasileira	de	1916.	Mais	próxima	do	
conservadorismo	 do	 que	 da	 inovação,	 reproduziu	mais	 valoração	 ao	 patrimônio	
privado	 do	 que	 às	 pessoas.	 Fiel	 retrato	 do	 modelo	 social,	 político,	 ideológico	 e	
cultural	de	sua	época;	muito	do	qual	se	perpetuou	até	o	momento.	Sem	dúvida,	trata-
se	da	ritualização	e	dogmatização	das	raízes	que	ordenavam,	e	de	certa	forma,	ainda	
ordenam,	 as	 relações	materiais	 e	 pessoais	 brasileiras.	O	 resultado	desse	 passado,	
no	 tocante	 à	 legislação	 civilista,	 é	 que	 permanecem	 irresolvidas	 questões	 sociais	
dramáticas,	 como	a	 concentração	de	 riqueza,	 que	 foi	 funcionando	historicamente	
como	um	perverso	mecanismo	que	nos	dias	de	hoje	segrega	e	estigmatiza	milhões	de	
brasileiros,	pois,	sem	dúvida,	o	modelo	civil	nacional	foi	idealizado	para	assegurar	e	
perpetuar	os	interesses	e	privilégios	da	oligarquia	agrária.
Em	síntese,	a	cultura	jurídica	do	século	XIX,	que	vai	engendrar	o	direito	do	
século	XX,	vigente	atualmente	no	Brasil,	foi	marcada	por	um	forte	individualismo	
e	 formalismo	 legalista,	projetando	uma	 lógica	 singular,	própria	de	uma	nação	
que	 emergiu	 buscando	 aliar	 os	 princípios	 individualistas	 liberais	 burgueses	
importados	 do	modelo	 europeu,	 com	 o	 legado	 colonial	 que	 instituiu	 práticas	
burocráticas-administrativas	orientadas	e	ajustadas	para	a	garantia	e	a	proteção	
dos	 bens	 patrimoniais,	 ignorando,	 na	 prática,	 os	 interesses	 e	 necessidades	 da	
grande	maioria	 que	 compõe	 o	 povo	 brasileiro.	 São	 oportunas	 as	 palavras	 de	
Wolkmer	(2007,	p.	125)	quando	afirma:	“[...]	os	limites,	o	artificialismo	e	a	pouca	
funcionalidade	desse	sistema	de	legalidade	formalista	e	conservador	propiciam	
as	 condições	 favoráveis	 para	 a	 sequência	 de	 confrontos	 intermináveis	 e	 os	
horizontes	de	ruptura	com	os	procedimentos	de	justiça	oficial	e	estatal”.
 
É	 exatamente	 sob	 a	 ótica	 desta	 cultura	 jurídica	 que	 vai	 ser	 construída	
toda	legislação	nacional.	Um	saber	técnico-normativo	que	vai,	dentro	de	padrões	
rigorosos	de	objetividade,	pretender	seguir	um	seguro	caminho	para	a	manutenção	
e	reprodução	do	modelo	de	direito	legado	por	este	passado	marcado	pela	exclusão	
e	dominação,	alheio	a	qualquer	interesse	e	compromisso	de	emancipação.
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
184
DICAS
A fim de melhor compreender a evolução histórica da legislação nacional, 
sugere-se a leitura do texto: “Brevíssimas notas sobre a história do direito e da justiça no 
Brasil”, de Jefferson Carús Guedes, disponível em: <http://www.confluencias.uff.br/index.php/
confluencias/article/viewFile/303/228>.
O	 colonialismo	 metropolitano	 imposto	 ao	 Brasil	 a	 partir	 do	 século	
XVI	 trouxe	 como	 uma	 de	 suas	 faces	 a	 imposição	 do	 modelo	 epistemológico	
hegemônico	na	Europa	através	da	violência.	Violência	através	da	repressão	de	
outras	formas	de	saber	existentes	na	colônia	e	também	pela	assimilação	de	um	
saber	que	se	anuncia	como	universal	e	verdadeiro.	
A	cultura	jurídica	nacional	desenvolveu-se	numa	matriz	epistemológica	
que	muito	bem	cumpriu	o	papel	de	reprodução	do	direito	hegemônico,	tornando-
se	instrumento	de	legitimação	de	um	passado	comprometido	com	a	ausência	de	
compromissos	de	 legítima	emancipação	nacional.	Enfim,	uma	concepção	vazia	
e	 negadora	 de	 referenciais	 que	 possam	 definir	 um	 horizonte	 compreensivo	
legitimamente	 justo	 para	 com	 o	 que	 secularmente	 foi	 excluído	 do	 direito	
brasileiro:	valores	e	necessidades	capazes	de	promover	a	emancipação	política	
e	social	dos	empobrecidos,	dos	ausentes	e	dos	invisibilizados.	Um	“direito	das	
ausências”	responsável	por	ter	a	“balança”	da	justiçapendido	para	“o	lado”	mais	
forte	política	e	economicamente.	
185
Neste tópico, você aprendeu que: 
•	Com	 a	 independência	 política	 brasileira	 em	 1822,	 o	 grande	 desafio	 será	 a	
construção	da	autonomia	jurídica,	daí	a	criação	das	primeiras	Faculdades	de	
Direito	e	elaboração	da	legislação	nacional.
•	O	liberalismo,	apesar	de	suas	contradições	no	Brasil,	constituiu-se	no	grande	
ideário	norteador	do	processo	de	independência,	servindo	seus	princípios	de	
fundamento	da	legislação	nacional.
 
•	A	 cultura	 jurídica	 brasileira	 deve	 ser	 compreendida	 a	 partir	 das	 grandes	
contradições	 e	 paradoxos	 da	 sociedade	 nacional,	 que	 buscou	 conciliar	 os	
interesses	das	elites	locais	e	as	necessidades	sociais.	
RESUMO DO TÓPICO 3
186
AUTOATIVIDADE
Considere	 o	 texto:	 “Com	 a	 Independência	 do	 país,	 o	 liberalismo	
acabou	constituindo-se	na	proposta	de	progresso	e	modernização	superadora	
do	 colonialismo,	 ainda	 que,	 contraditoriamente,	 admitisse	 a	 propriedade	
escrava	 e	 convivesse	 com	 a	 estrutura	 patrimonialista	 de	 poder.	Ao	 conferir	
as	bases	ideológicas	para	a	transposição	do	status	colonial,	o	liberalismo	não	
só	se	tornou	componente	indispensável	na	vida	cultural	brasileira	durante	o	
Império,	 como	 também	na	projeção	das	 bases	 essenciais	de	 organização	do	
Estado	e	de	integração	da	sociedade	nacional”. 
FONTE: WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 
p. 65.
A	partir	do	estudo	realizado,	por	que	afirma	o	autor	que	o	liberalismo	brasileiro	
foi	contraditório?	Quais	são	as	contradições?
187
TÓPICO 4
OS DESAFIOS DO DIREITO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
A	entrada	no	século	XXI,	embora	não	triunfal,	nas	terras	brasileiras	foi	feita	
sob	a	égide	da	democracia	aliada	à	esperança	–	nunca	perdida	–	de	reafirmação	
de	cidadania.	
É	 nesse	 contexto	 que	 o	 sistema	 judiciário	 internamente	 assumiu	 o	
papel	 inédito	 de	 assegurar	 não	 apenas	 o	 conjunto	 de	 direitos	 fundamentais	
duramente	 conquistados,	 mas	 o	 de	 também	 manter	 a	 estabilidade	 política	
numa	historicamente	frágil	ordem	democrática.	Revisando	a	história	do	Direito	
brasileiro,	 não	 é	 difícil	 perceber	 que	 esse	 protagonismo	 é	 muito	 diferente	 do	
tradicionalmente	assumido	de	servir	de	mero	instrumento	de	conferir	eficácia	ao	
sistema	normativo	estabelecido	por	um	poder	político	raramente	comprometido	
com	interesses	populares	e	fortemente	marcado	pela	herança	colonial.	
Na	trajetória	de	construção	do	Estado	brasileiro,	o	Judiciário	esteve	mais	
ocupado	em	cumprir	seu	papel	controlador	e	reprodutor	dos	interesses	das	elites	
e	 organizar-se	 institucionalmente	 como	 aparato	 burocrático	 do	 poder.	A	 bem	
da	verdade,	o	Judiciário	não	foi	alvo	de	atenção	nem	das	elites	nem	das	forças	
progressistas,	talvez	porque	nunca	representou	obstáculo	para	aquelas,	tampouco	
fonte	de	justiça	social	para	essas,	mas	acabou,	em	finais	do	século	XX,	assumindo	
um	papel	político	do	qual	não	pode	mais	renunciar.	
O	novo	sistema	mundial	neoliberal,	adotado	pelos	países	europeus,	nos	
últimos	30	anos,	encontrou	o	absoluto	desmantelamento	do	Estado	intervencionista	
–	 quer	 o	 modelo	 desenvolvimentista	 das	 periferias	 e	 semiperferias	 mundiais,	
como	 Estado	 Providência	 –	 e	 o	 fortalecimento	 do	 Estado	 de	 Bem-Estar	 Social	
relativamente	avançado	nos	países	da	Europa,	marcado	por	fortes	políticas	sociais	
que	 aliam	 altos	 níveis	 de	 competitividade	 com	 altos	 níveis	 de	 proteção	 social	
(SOUSA	SANTOS,	2007).	
A	mudança	 política	 em	 tempos	 de	 neoliberalismo	 global,	 na	 leitura	 de	
Boaventura	de	Sousa	Santos,	exige	um	Judiciário	eficiente,	rápido	e	independente	
para	 assegurar	 o	 novo	modelo	 de	 desenvolvimento	 que	 se	 assenta	 nas	 regras	
de	mercado	e	nos	contratos	privados,	mas	também,	que	responda	às	demandas	
sociais	causadas	pela	precarização	dos	direitos	sociais	e	econômicos	(2007).	
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
188
Particularmente	no	Brasil,	sem	que	tenha	um	modelo	de	Estado	forte	em	
políticas	 sociais,	 a	 redemocratização	 constitucional	 colocada	 em	marcha	 com	 a	
Constituição	Federal	de	1988	ampliou	consideravelmente	o	leque	de	direitos,	não	
apenas	em	relação	aos	chamados	direitos	fundamentais,	mas	também	aos	novos	
direitos,	 cujos	 titulares	 são	 sujeitos	 coletivamente	 identificados:	 consumidores,	
negros,	homossexuais,	crianças	e	adolescentes,	mulheres,	indígenas,	e	tantos	outros	
quantas	possibilidades	de	articulação	social	e	política.	Esse	fato	aumenta	a	expectativa	
social	de	serem	garantidos	direitos	anunciados	constitucionalmente,	mesmo	com	
débeis	mecanismos	de	implementação,	já	que	a	nova	ordem	constitucional	também	
prevê	a	ampliação	de	estratégias	e	“instituições	das	quais	se	pode	lançar	mão	para	
invocar	os	tribunais,	por	exemplo,	a	ampliação	da	legitimidade	para	propositura	de	
ações	diretas	de	inconstitucionalidade,	possibilidade	de	as	associações	interporem	
ações	em	nome	de	seus	associados	e	a	consagração	da	autonomia	do	Ministério	
Público” (SOUSA	SANTOS,	2007,	p.	18).
	O	novo	 constitucionalismo	 e	 a	 redemocratização	 brasileira	 conferiram	
ao	 Judiciário	 um	 papel	 relevante:	 não	 apenas	 é	 visto	 como	 instrumento	 de	
viabilização	de	direitos	e	garantias,	como	também	a	reconstrução	e	manutenção	
da	ordem	democrática.
Entretanto,	a	 redemocratização	aliada	ao	constitucionalismo	construído	
nas	matrizes	europeias	que	consagram	direitos	fundamentais	–	conquistados	ao	
longo	de	um	processo	histórico	específico	–,	em	terras	brasileiras	tem	sido	uma	
proposta	 desacompanhada	 de	 políticas	 públicas	 e	 sociais	 capazes	 de	 conferir	
eficácia	 e	 efetividade	 à	 nova	 ordem,	 ainda	 com	 agravante	 de	 existirem	 fortes	
resistências	 entre	 juristas	 herdeiros	 de	 uma	 lógica	 cartesiana	 ainda	 reféns	 do	
ultrapassado	paradigma	formal	legalista	de	direito.	
 
Pode-se	afirmar	que	aí	 está	uma	das	 razões	centrais	para	compreender	
o	 porquê	 de,	 passados	 quase	 30	 anos	 de	 Constituição	 Democrática,	 ainda	 o	
Brasil	é	um	país	em	que	os	princípios	democráticos	 fazem	parte	de	uma	mera	
intencionalidade	nem	sempre	ou	raramente	contemplada.	“Para	se	ter	uma	ideia,	
o	princípio	constitucional	da	ampla	defesa	ficou	quase	15	anos	sem	ser	aplicado	nos	
interrogatórios	judiciais,	sem	que	a	doutrina	e	a	jurisprudência	–	com	raríssimas	
exceções	–	tivessem	reivindicado	a	aplicação	direta	da	Constituição” (STRECK,	
2017,	p.	155). Evidentemente,	sem	esquecer	que	ainda	o	“peso	da	balança”	pende	
para	um	“lado”.	
Se	no	passado	colonial	a	face	visível	da	exploração	era	a	do	escravo,	em	
tempos	de	globalização	o	resultado	da	perversidade	sistêmica,	que	nos	lembra	
Milton	Santos,	são	as	vítimas	do	fascismo	social.	
O	fascismo	social	não	é,	como	lembra	Boaventura	de	Sousa	Santos	(2001),	
aquele	criado	diretamente	pelo	Estado,	mas	o	produto	de	um	sistema	em	que	o	
nível	de	competitividade	tem	a	guerra	como	norma,	e	acaba	num	individualismo	
arrebatador	e	possessivo	que	tudo	coisifica,	inclusive	seres	humanos.	
TÓPICO 4 | OS DESAFIOS DO DIREITO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
189
Um	sistema	“que	comanda	outros	subsistemas	da	vida	social,	formando	
uma	constelação	que	tanto	orienta	e	dirige	a	produção	da	economia	como	também	
a	produção	da	vida”	(SANTOS,	2001,	p.	48). As	fragmentações	resultantes	da	lei	
de	mercado	rompem	a	solidariedade	social,	fazendo	com	que	novas	formas	de	
perversidades	sociais	sejam	criadas.	
Como	 resultado	 da	 nova	 ordem	mundial	 neoliberal,	 são	 profundas	 as	
desigualdades	sociais,	vivendo-se	um	cotidiano	de	exclusão.	
FIGURA 59 – EXCLUSÃO SOCIAL: UMA ESTRANHA CONVIVÊNCIA
FONTE: Disponível em: <http://profwladimir.blogspot.com.br/2012/05/dados-brasil-
desigualdades-sociais.html>. Acesso em: 25 nov. 2017.
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