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149 UNIDADE 3 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Neste momento você irá compreender a particularidade da história do di- reito brasileiro. Os objetivos desta unidade são: • identificar a origem moderna do direito brasileiro como parte do processo de expansão colonial europeia; • particularizar as distintas etapas políticas e jurídicas do Brasil, identifican- do as características e elementos identificadores; • compreender a construção do direito brasileiro contemporâneo e suas fun- ções políticas e sociais; • discutir os desafios do direito brasileiro contemporâneo frente à necessida- de de garantir a ordem constitucional democrática. Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASI- LEIRA TÓPICO 2 – A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA TÓPICO 3 – O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL TÓPICO 4 – OS DESAFIOS DO DIREITO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO 150 151 TÓPICO 1 AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Iniciaremos nosso estudo acerca do direito brasileiro buscando refletir acerca da experiência histórica nacional, vivenciada a partir do século XVI, discutindo a possiblidade de vislumbrar novas trajetórias, pactos e compromissos exatamente em um momento em que se coloca a necessidade de repensar a cultura jurídica brasileira. Nossa análise, desde um olhar decolonial, compreendendo a reflexão sobre a experiência histórica do Brasil. NOTA Como veremos mais adiante nesta unidade, a palavra “decolonial” refere-se a uma corrente de pensamento crítico que nasceu em fins do século XX e tem como característica central a busca de novos paradigmas políticos e jurídicos construídos desde a realidade de interesses locais, objetivando a construção de uma autonomia política e intelectual. O termo “decolonial” é utilizado para designar estudos acerca das raízes históricas e políticas das profundas desigualdades sociais dos povos e nações periféricas que foram áreas de dominação e exploração histórica desde os séculos XIV e XV. A origem do que atualmente entendemos por direito é produto de um processo histórico inicial de colonização que acabou por construir um modelo, um “padrão” de poder político e jurídico que marcou profundamente a cultura e as relações de poderes nacionais. É na tentativa de visibilizar os elementos que construíram a cultura jurídica nacional que se pretende retomar brevemente sua construção histórica, lembrando, como diz Antonio Carlos Wolkmer (2007, p. 1), que as retomadas dos estudos históricos ganham significado quando: “[...] se tem em conta a necessidade de repensar e reordenar uma tradição normativa, objetivando depurar criticamente determinadas práticas sociais, fontes fundamentais e experiências pretéritas que poderão, no presente, viabilizar o cenário para um processo de conscientização e emancipação”. UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO 152 IMPORTANT E Neste momento de estudo nossa pretensão é analisar a especificidade da cultura jurídica no contexto histórico-político, delineado a partir da invenção do Brasil no século XVI. Para iniciar nosso estudo, vamos voltar ao ano de 2000, quando haviam sido passados 500 anos do “descobrimento” do Brasil. Na época, a filósofa Marilena Chauí (2001, p. 57) descontrói o “mito do descobrimento Brasil” afirmando que, assim como a América não estava à espera de Colombo, o Brasil não estava aqui à espera de Cabral. Antes de mais nada, diz Chauí, “Brasil” é uma invenção histórica e cultural da metrópole portuguesa e parte do projeto do capitalismo mercantil europeu, que simultaneamente alargavam as fronteiras do visível, trazendo novas mercadorias, e as do invisível, novos semióforos. NOTA O termo “semióforo” é utilizado por Marilena Chauí para designar uma imagem que vincula o visível ao invisível – ao imaginado – que permanece e é reproduzido pelas elites intelectuais para dar sentido e vínculo entre o real e o imaginário. A invenção de uma nação, em geral, passa por um processo de construção de semióforos, tais como “a vontade de Deus”, “missão salvadora”, “obra de heróis” etc., e dessa forma a gênese histórica é negada e esvaziada, tornando o irreal em real, nascendo o mito. No caso do Brasil, o mito, o invisível, sempre foi o da “missão civilizadora dos europeus”!!! As conquistas coloniais europeias do século XV aparecem como desdobramento da expansão do capitalismo mercantil, constituindo o ponto de partida para edificação do projeto da Modernidade. 2 O DIREITO INDÍGENA Portanto, não foi a “vontade de Deus” que conduziu os súditos de Dom Manuel até as terras brasileiras, mas sim os interesses econômicos da classe de comerciantes europeus da época. 3 O DIREITO COLONIAL BRASILEIRO TÓPICO 1 | AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA 153 FIGURA 52 – INVASÃO DO NOVO MUNDO FONTE: Disponível em: <https://acasadevidro.com/2012/09/25/a-america-nao- foi-descoberta-a-invasao-europeia-do-novo-mundo-segundo-todorov>. Acesso em: 25 nov. 2017. DICAS Esse é um interessante site que traz um breve resumo da obra: “A Conquista da América – a questão do Outro”, de Tzvetan Todorov, publicada pela Editora Martins Fontes. Leia! Você terá uma visão do “descobrimento” sob o ponto de vista da população dominada! Link:<https://acasadevidro.com/2012/09/25/a-america-nao-foi-descoberta-a-invasao- europeia-do-novo-mundo-segundo-todorov>. Acesso em: 25 nov. 2017. Como já vimos na Unidade 2, “Modernidade” compreendida externamente, desde o mundo não europeu, pode ser interpretada como construção do mito criado a partir do século XV acerca da existência de um centro histórico mundial portador de uma concepção política de ordem econômica, política e social civilizadora: A Europa. Portanto, o projeto civilizador da modernidade trouxe consigo relações de dominação desenvolvidas mundialmente desde o século XV, alimentadas por um falso discurso legitimador de “progresso” linear e universal, que para os povos colonizados significou dominação e extermínio. Em síntese, a expansão colonialista europeia do século XV não resultou da necessidade de ocupação de novos espaços por excesso populacional, mas foi propositalmente provocada por uma burguesia comercial definida pelo importante historiador Caio Prado Júnior (1975, p. 13) como “sedenta de lucros, e que não encontrava em seu espaço pátrio satisfação à sua desmedida ambição”. UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO 154 4 AS ORDENAÇÕES DO REINO Os diversos fatores políticos que culminaram com a ascensão ao trono português da Casa de Aviz no século XIV favoreceram o fortalecimento da burguesia comercial lusitana, que logo tratou de iniciar um movimento de expansão externa, iniciada com a tomada de Ceuta em 1415, e desde então, não mais parou. Alfredo Bosi (1993, p. 12) analisa a colonização brasileira distinguindo dois processos colonizadores: 1. Aquele relacionado com o mero povoamento e o que conduz à exploração do solo, relacionado à expansão populacional, entendido como “ato de habitar e o ato de cultivar”. 2. E o processo iniciado a partir do século XVI no qual havia o acréscimo de algo: um traço de dominação, de aventura, de conquista. Entretanto, nem sempre o colonizador concebendo a si mesmo como um simples conquistador. Em 1556, quando era difundida a Lenda Negra sobre a colonização ibérica na América, a Espanha proibia o uso das palavras conquistaou conquistadores, impondo a substituição por descobrimento ou colonizadores. Portanto, o processo de ocupação, ironicamente chamado de descobrimento, não ocorreu por expansão demográfica como na antiguidade havia ocorrido com os gregos pelo Mediterrâneo entre os séculos VIII e VI a.C. “[...] ela é a resolução de carências e conflitos de matriz e uma tentativa de retomar, sob novas condições, o domínio sobre a natureza e o semelhante que tem acompanhado universalmente o chamado processo civilizatório” (BOSI, 1993, p. 13). Em tal processo era necessário cultivar não apenas a terra, mas “cultivar” seres humanos, práticas, símbolos, valores capazes de garantir um estado de coexistência social, enfim, uma cultura. Sem dúvida, a produção da cultura colonialista exigiu o domínio de outros humanos, de sujeitá-los a padrões de dominação. Talvez essa seja uma possibilidade de se compreender por que a partir do século XVIII as noções de cultura e progresso se confundem e se misturam. Assim, colonizar era cultivar a terra e os seres humanos. Neste sentido, o processo de expansão comercial europeu, chamado de “colonização”, se insere no momento de superação do modo de vida medieval, quando um grupo ascendente e enriquecido – burguesia mercantil – orquestra as transformações econômicas, sociais e políticas que culminam com a formação dos Estados Modernos e consolidação do capitalismo. Assim, os elementos essenciais para a compreensão da relação colônia- metrópole, com a consequente criação de um aparato jurídico, são, entre outros: TÓPICO 1 | AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA 155 • A expansão da economia europeia mercantil. • O esforço dos Estados Modernos metropolitanos em transformar as colônias em instrumentos de expansão desse poder. Na transformação dos antigos reinos medievais em Estados modernos, unificados e centralizados, abrem-se os caminhos ultramarinos que permitem a inserção desses Estados no processo de exploração, viabilizando a construção de seus impérios coloniais. Portanto, a “moldura do sistema” que explica a organização produtiva colonial e suas implicações na vida social não se limita à atividade colonizadora, mas de ajustar a colônia de forma especializada, “concentrando os fatores na produção de alguns poucos produtos comerciáveis na Europa, as áreas coloniais se constituem ao mesmo tempo em outros tantos centros consumidores dos produtos europeus” (NOVAIS, 1976, p. 58). Com esta relação monopolizadora criam-se os mecanismos de apropriação e concentração dos lucros. Assim, a invenção do Brasil teve um sentido. Brasil, no entendimento de Stuart B. Schwartz (2000, p. 105): [...] desde sua origem tem sido tanto uma ideia como um lugar. Significou coisas diferentes para pessoas diferentes e o próprio termo tem sido redefinido e reinterpretado para refletir as diferentes discrepâncias entre pessoas de variadas extrações e posições sociais. O Brasil, enquanto ideia, foi frequentemente mais um projeto do que uma realidade, às vezes geográfica, às vezes nacionais ou até social. O projeto do colonizador conferiu um sentido à invenção brasileira: tratava-se de instalar uma produção semicapitalista, em larga escala. A grande lavoura açucareira, pelo modo de exploração, nas palavras de Sérgio Buarque de Holanda (2000, p. 49), “é de natureza perdulária e caracteriza o objetivo metropolitano: servirem-se da terra ao máximo, mas sem muitos sacrifícios, como usufrutuários”. Embora Portugal, desde o século XVII, ter sido incorporado no sistema capitalista como periférico, sem ter assumido lugar central, chegando ele próprio a ser um país dependente – sobretudo da Inglaterra –, a subordinação colonial constitui-se no elemento central de construção da identidade cultural brasileira, reproduzindo as relações de poder de uma metrópole periférica e subalterna. Por esta razão, pode-se afirmar que o colonialismo português foi diferenciando e se caracteriza por ter sido manipulado segundo os desejos e necessidades de outras metrópoles, sobretudo a inglesa. Bosi (1993, p. 23-25), na tentativa de mapeamento da formação econômica- social do Brasil-Colônia, descreve como características fundamentais da ordem então estabelecida os seguintes aspectos: UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO 156 1. A predominância de uma camada de latifundiários com interesses atrelados a grupos mercantis europeus, o que permitia dependência estrutural, impedindo a dinamização de um capitalismo mais avançado internamente, reproduzindo-se um modelo capitalista colonial específico, limitado a uma esfera mercantil dependente. 2. Como parte da lógica latifundiária vinculada aos interesses dos traficantes negreiros africanos, a força de trabalho foi constituída essencialmente por escravos cuja única alternativa não era a passagem para o trabalho assalariado, mas a fuga e resistência nos quilombos, ou ainda, como parte de uma lógica perversa, a alforria, alternativa para a resistência, representava o ingresso numa vida marginal ou de condição de submissão como agregado. A condição foi sempre da dependência e exploração. 3. A estrutura política-jurídica vai sempre representar os interesses dos proprietários locais, os homens bons, mas com poder limitado aos interesses reais. A competência de nomear o governador geral com mandato de quatro anos era da coroa portuguesa, sendo incluído no poder do governador a competência militar e administrativa segundo critérios determinados pelos regimentos, cartas e ordens régias. O corpo burocrático de funcionários reais – provedores, ouvidores, procuradores, intendentes... – tem a ação controlada diretamente por Lisboa (a partir de 1642 pelo Conselho Ultramarino). Com o avanço da estrutura colonial, vão sendo transferidos magistrados metropolitanos, juízes de fora, que se sobrepunham aos eleitos nas vilas. A permanente tensão entre os interesses locais e metropolitanos será o fator de crise instalada a partir do século XVIII, que com a independência como tentativa de sua superação, servirá de fortalecimento do mandonismo local legitimado pelos bacharéis que servirão de representantes dos donos do poder. 4. O exercício de cidadania é limitado tanto pelo Estado Absolutista Metropolitano como pelo poder interno, inexistindo qualquer representação ou mecanismo de garantia para o conjunto da população, situação que pouco se altera com a independência, pois o que se instala é um modelo político censitário e indireto. 5. A cultura eclesiástica, sobretudo a jesuíta empenhada numa prática missionária supranacional, ganha espaço no início do processo de colonização, quando a moeda corrente era a ideia do papel evangelizador da expansão metropolitana. Posteriormente, de uma atividade marginal irá sucumbir sob a pressão do avanço bandeirante e do exército metropolitano, restando, assim, a função educacional junto aos filhos das elites locais. 6. A formação de uma cultura letrada estamental que não permitia a mobilidade vertical, com raros casos de apadrinhamento, predominando, assim, uma massa analfabeta caracterizando uma rígida linha divisória entre uma cultura oficial e uma cultura popular. A partir desse “mapeamento” é possível compreender as raízes da cultura brasileira como resultado de uma lógica agrária, latifundiária e escravista, marcada por uma imensa distância entre o que exigiam da terra e o que a ela davam em troca. TÓPICO 1 | AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA 157 A ilimitada exploração interna como regra necessária para a submissão externa. Portanto, a gestão da colônia deveria ser feita através dametrópole cujo “norte” foi a efetivação dos princípios mercantilistas e o núcleo a formação e manutenção de um sistema monopolista. Como lembra Wolkmer (2007, p. 38), era a forma encontrada pela metrópole de impedir que outras nações europeias “pusessem em risco, com a concorrência, aqueles privilégios advindos da restrição comercial, tão lucrativas aos comerciantes portugueses que não encontravam, no seu espaço, satisfação para sua ambição”. Portanto, como parte integrante do universo colonial brasileiro formou-se um tipo de poder político e jurídico destituído de qualquer identidade com os interesses internos, já que se formou com a incorporação do aparato burocrático e profissional lusitano. Por outras palavras, como extensão da coroa portuguesa constituiu-se uma forma de poder legitimada pelos senhores da terra, os donos locais do poder. 158 Neste tópico, você aprendeu que: • As bases históricas do direito brasileiro foram definidas a partir do processo moderno de colonização. • A colonização brasileira teve como sentido promover a acumulação de lucros na metrópole portuguesa, e por esta razão, a ordem política e jurídica nacional foi elaborada a partir desse interesse externo. • A implantação de um modelo de produção na colônia brasileira a partir do século XVI foi sustentada por um modelo político e jurídico específico, inicialmente chamado “direito brasileiro”. RESUMO DO TÓPICO 1 159 Leia com atenção o texto abaixo e responda à questão proposta. O eurocentrismo é a perspectiva de conhecimento que foi elaborada sistematicamente a partir do século XVII na Europa, como expressão e como parte do processo de eurocentralização do padrão de poder colonial/moderno/ capitalista. Em outros termos, como expressão das experiências de colonialismo e de colonialidade do poder, das necessidades e experiências do capitalismo e da eurocentralização de tal padrão de poder. Foi mundialmente imposta e admitida nos séculos seguintes, como a única racionalidade legítima. Em todo caso, como a racionalidade hegemônica, o modo dominante de produção de conhecimento. Para o que interessa aqui, entre seus elementos principais é pertinente destacar, sobretudo, o dualismo radical entre “razão” e “corpo” e entre “sujeito” e “objeto” na produção do conhecimento; tal dualismo radical está associado à propensão reducionista e homogeneizante de seu modo de definir e identificar, sobretudo na percepção da experiência social, seja em sua versão a-histórica, que percebe isolados ou separados os fenômenos ou os objetos e não requer por consequência nenhuma ideia de totalidade, seja na que admite uma ideia de totalidade evolucionista, orgânica ou sistêmica, inclusive a que pressupõe um macro sujeito histórico. Essa perspectiva de conhecimento está, atualmente, em um de seus mais abertos períodos de crise, como o está toda a versão eurocêntrica da modernidade. FONTE: QUIJANO, Aníbal. Colonialidade, poder, globalização e democracia. In: Revista Novos Rumos. Ano 17, n. 37, 2002, p. 4-25. Considerando o estudo realizado e a leitura do texto acima, responda à seguinte questão: É possível estabelecer alguma relação entre o processo de colonização brasileiro do século XVI e a construção do conhecimento jurídico nacional? Fundamente sua resposta. AUTOATIVIDADE 160 161 TÓPICO 2 A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Como vimos, Portugal, no século XV, juntamente a demais países europeus, como Espanha e Inglaterra, haviam reunido condições técnicas, bem como interesses econômicos e políticos que permitiram o processo de expansão do domínio europeu. É evidente que havia uma grande disputa entre os reinos metropolitanos da época sobre as terras “descobertas” e as “a serem descobertas”, especialmente sobre as riquezas que possuíam. Seguramente, por esta razão, as terras brasileiras já eram alvo de interesse, sobretudo, de Espanha e Portugal, o que explica a existência de Tratados entre tais países mesmo antes da “chegada” de Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500. Destacam-se os seguintes Tratados: 1. Tratado de Toledo: celebrado em 6 de março de 1480, que dava a Portugal a exclusividade sobre as terras e águas ao sul das Ilhas Canárias. 2. Bula Inter Coetera: de 4 de maio de 1493, expedida pelo Papa Alexandre VI que conferia à Espanha o direito exclusivo sobre todas as terras que estivessem a oeste de uma linha imaginária a 100 léguas de Açores e Cabo Verde. 3. Tratado de Tordesilhas: de 7 de junho de 1494, que estabeleceu um meridiano divisório a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde, sendo a leste pertencente a Portugal e oeste a Espanha. FIGURA 53 – TRATADO DE TORDESILHAS FONTE: Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/historiab/tratado- de-tordesilhas.htm>. Acesso em: 25 nov. 2017. 162 UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO Portanto, a “descoberta” do Brasil não foi “mero acaso”, mas parte de um projeto de conquista. Porém, para os portugueses, ávidos por ouro, prata e mercadorias que pudessem alimentar o comércio europeu, encontraram uma população dispersa que vivia de caça e coleta. Na clássica obra “O Povo Brasileiro”, o antropólogo Darcy Ribeiro descreve o contato entre os indígenas brasileiros e os portugueses: Os índios perceberam a chegada do europeu como um acontecimento espantoso, só assimilável em sua visão mítica do mundo. Seriam gente de seu deus sol, o criador – Maíra –, que vinha milagrosamente sobre as ondas do mar grosso. Não havia como interpretar seus desígnios, tanto podiam ser ferozes como pacíficos, espoliadores ou dadores. Provavelmente seriam pessoas generosas, achavam os índios. Mesmo porque no seu mundo, mais belo era dar que receber. Ali, ninguém jamais espoliara ninguém e a pessoa alguma se negava, louvor por sua bravura e criatividade. Visivelmente, os recém-chegados, saídos do mar, eram feios, fétidos e infectos. Não havia como negá-lo. É certo que, depois do banho e da comida, melhoraram de aspecto e de modos. Maiores terão sido, provavelmente, as esperanças do que os temores daqueles primeiros índios. Tanto assim é que muitos deles embarcaram confiantes nas primeiras naus, crendo que seriam levados a Terras sem Males, morada de Maíra. Pouco mais tarde, essa visão idílica se dissipa. Nos anos seguintes, se anula e reverte-se no seu contrário: os índios começam a ver a hecatombe que caíra sobre eles. Maíra, seu deus, estaria morto? Como explicar que seu povo predileto sofresse tamanhas provações? Tão espantosas e terríveis eram elas, que para muitos índios melhor fora morrer do que viver. Mais tarde, com a destruição das bases da vida social indígena, a negação de todos os seus valores, o despojo, o cativeiro, muitíssimos índios deitavam em suas redes e se deixavam morrer, como só eles têm o poder de fazer. Morriam de tristeza, certos de que todo o futuro possível seria a negação mais horrível do passado, uma vida indigna de ser vivida por gente verdadeira. FONTE: RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 42-43. TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA 163 Nas palavras do referido autor, não é difícil perceber a razão da aparente fácil dominação do invasor: os indígenas eram gentis, não viviam movidos pela cobiça e foram facilmente atraídos pelos facões, espelhos e bugigangas com que eram enganados. O resultado foi fatal! Nessa história houve perdedores e não foram os invasores portugueses!!! Sem o menor pudor, os nativos foram considerados objetos desprovidos de qualquer direito. As imensas massas de nações indígenastiveram exterminadas suas organizações sociais e os invasores impuseram seu sistema jurídico, pouco ou nada restando, no caso do Brasil, dos costumes ancestrais de gestão de conflitos. A enorme distância da metrópole, a falta de acesso e a absoluta falta de estrutura administrativa eram fatores que iam fortalecendo o poder dos donos do poder local. Seguramente é por esta razão que desde nossa origem não há uma clara distinção entre o poder público e poder privado por parte das elites. 2 A ESTRUTURA JURÍDICA DO BRASIL COLÔNIA No primeiro período da colonização, que vai até 1549, a preocupação central era a de garantir a posse da terra, tendo sido adotado um arcaico sistema chamado de Capitanias Hereditárias, constituído pela doação de extensas faixas de terra a nobres portugueses que quiseram, por conta própria, explorar a terra e promover o povoamento. O sistema era feudal e toda administração jurídica e política ficava sob a responsabilidade do donatário. Na verdade, a “gestão da justiça” era marcada por abusos e arbitrariedades sem qualquer burocratização de procedimentos, uma vez que, na prática, era o dono da terra que legislava, julgava e aplicava as penas que bem entendesse. Seguramente, esse ilimitado arbítrio e ausência de controle é um dos fatores que explica o fracasso do sistema de capitanias, com exceção das de São Vicente e Pernambuco. Em 1549, na tentativa de resgatar o controle é instaurado pela coroa o Governo Geral, que assume amplas responsabilidades burocráticas e fiscais, tendo no comando o Governador Geral, possibilitando a formação de uma tímida justiça colonial administrada por um pequeno grupo de burocratas que vieram a serviço do governador. A instituição do sistema de Governo-Geral, como forma de centralizar o poder e solucionar o problema do fracasso do sistema de capitanias e a invasão estrangeira, aumenta a possibilidade de criação de um corpo burocrático, destacando-se o Ouvidor-Geral como símbolo da justiça local. Durante todo o período colonial vigorava o sistema jurídico metropolitano, ou seja, as Ordenações Reais, compostas pelas seguintes Ordenações: 164 UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO 1. Ordenações Afonsinas: concluídas em 1446, foram elaboradas por ordem de D. João I da Dinastia de Avis e eram divididas em cinco livros: o Livro I: relativo aos regimentos dos cargos públicos (régios e municipais), compreendendo governo, fazenda, justiça e exército. o Livro II: Direito eclesiástico, jurisdição e privilégio dos donatários, prerrogativa da nobreza e estatuto dos mouros e judeus. o Livro III: Processo civil. o Livro IV: Direito Civil. o Livro V: Direito e Processo Penal. 2. Ordenações Manuelinas: concluídas em 1521, trataram de incorporar as modificações advindas do processo de expansão colonial e as novas leis que continuaram a ser editadas. Também eram compostas por cinco Livros, tratando mais diretamente de direito marítimo, contratos e mercadores, sem mudanças no direito e sistema penal, que permanecia um sistema de torturas e horrores medievais, com aplicação de tortura e penas corporais como a pena de morte. 3. Ordenações Filipinas: de 1603, representa a unificação das Ordenações anteriores com pequenas inclusões de leis extravagantes. IMPORTANT E Mudança significativa apenas ocorre na fase colonial em 1769, com as reformas feitas por Marquês de Pombal – reformas pombalinas –, cujo objetivo era o de estabelecer regras gerais para uniformizar a interpretação e aplicação das leis em casos de omissão, lacunas ou imprecisão nas leis reais. Chamada também de Lei da Boa Razão, a finalidade era manter as diferenças entre Portugal e suas colônias. A administração jurídica brasileira é marcada com a chegada do primeiro Ouvidor-Geral, Pero Borges, em 1549. Nas palavras de Schwartz (1979), ao contrário de criar uma administração centralizada, teve sua função sobreposta à estrutura existente de magistrados e ouvidores designados pelos donatários. O resultado foi um sistema de controle exercido pelo rei e pelo donatário, ao mesmo tempo, confuso e muitas vezes inoperante. Há de se lembrar que, por orientação das Cartas de Doação, o cargo de ouvidor, primeira autoridade da justiça colonial, era designado pelos donatários das capitanias por um prazo renovável de três anos, constituindo-se a administração da justiça como representação dos donatários nas questões cíveis e criminais. ATENCAO TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA 165 A justiça colonial encontrada pelo ouvidor-geral Pero Borges é descrita por Schwartz (1979, p. 24) da seguinte maneira: Grassavam o abuso administrativo e a incompetência. Por exemplo, durante a ausência do donatário em Ilhéus, Francisco Romero, um espanhol fazia as vezes de capitão e ouvidor. Embora fosse um bom homem e soldado experiente, Romero era inadequado para o cargo de juiz, pois é ignorante e muito pobre, o que muitas vezes faz crer aos homens o que não devem. Borges recomendou insistentemente que a Coroa forçasse os donatários a selecionar seus ouvidores dentre homens treinados para servir à lei. Sublinhou que em Lisboa, um magistrado treinado e com grande experiência presidia poucas audiências, enquanto no Brasil, um analfabeto podia proferir muitas sentenças, desrespeitando todos os princípios legais. A incompetência e inoperância judicial colonial brasileira que contribuiu para a prática de excessos e ilegalidades de toda espécie pode ser compreendida não apenas pela permissividade metropolitana e local, mas também pela dificuldade de acesso às áreas remotas, o que foi contribuindo para um mandonismo local, situação que preocupava os missionários jesuítas, sobretudo a exploração das comunidades indígenas. Schwartz (1979) ainda chama a atenção para o fato de que a lei portuguesa vigente no Brasil dizia respeito somente aos europeus, praticamente inexistindo proteção jurídica para as relações entre os europeus e os indígenas. Tal situação é descrita pelo autor ao se referir ao que o missionário jesuíta Manoel da Nóbrega descreve como punição imposta a um índio que havia assassinado um português: foi colocado na boca de um canhão e literalmente feito em pedaços. Assim era feita a justiça na colônia!!! Rapidamente os nativos perceberam para qual lado pendia a balança da justiça, porque não havia limites para o abuso e arbítrio dos colonizadores, encontrando apenas algum refúgio nas missões jesuítas. Entretanto, apesar das profundas contradições na administração da justiça colonial, já por volta de 1580 havia um sistema mais centralizado, o que pode ser compreendido como reflexo do avanço da indústria açucareira em Pernambuco e Bahia. Na medida em que se expandia a lavoura monocultora açucareira, cresciam a população e os conflitos, o que vinha a exigir maior intervenção jurídica para a manutenção da prosperidade local. O momento político que então se sucedeu com a ascensão ao trono de Felipe II da Espanha (1580) é marcado por uma maior atenção à justiça colonial, fruto, possivelmente, da personalidade burocrática e precisão administrativa imperial, traço que transparece com a nova codificação empreendida, já que a complexa legislação portuguesa era herdeira dos códigos romanos e visigodos. Leis antigas e injustas que na prática eram desrespeitadas, o que permitia a impunidade para os poderosos (SCHWARTZ, 1979). 166 UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO FIGURA 54 – PELOURINHO: SÍMBOLO DA “JUSTIÇA” COLONIAL FONTE: Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/64/curta- essa-dica/escravos.jpg/image_view_fullscreen>.Acesso em: 25 nov. 2017. Na lógica metropolitana, legislar era garantir a justiça através de prêmios ou castigos, como atitude paternal do monarca em relação a seus súditos. A lei emanada do pai – do Rei – é justa porque, mesmo dura, pretende corrigi-los e salvá-los. Contudo, na distante colônia o “poder paternal” do monarca era exercido como força aliada à autoridade delegada, o que produz um sistema de pouca efetividade, marcado pelo desmando e corrupção local. A importância da colônia sendo crescente e visível já no início do século XVII explica a criação do Tribunal de Relação no Brasil, cuja primeira tarefa era a de selecionar um grupo de magistrados treinados e dispostos a enfrentar as condições adversas na colônia. DICAS Sugere-se a “visita” ao site do Arquivo Nacional do Ministério da Justiça, onde você poderá encontrar a história do Judiciário no Brasil. Disponível em: <http://www. arquivonacional.gov.br/br/>. Acesso em: 5 dez. 2017. A estrutura jurídica inicia no Brasil nas mãos dos capitães-donatários, que recebiam amplos poderes para administrar a economia e organizar a vida civil na terra. Com o fracasso do sistema de capitanias hereditárias é criado o sistema de governo-geral, que incluía a figura do ouvidor-geral, que era o cargo mais elevado na hierarquia judiciária da colônia, buscando-se, assim, diminuir o poder dos capitães- donatários, até que em 14 de abril de 1628 revoga-se, expressamente, o privilégio dos capitães de fazerem justiça em suas terras. O ouvidor recebia recursos vindos de ouvidores das comarcas, mais conhecida por ação nova, como jurisdição originária, TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA 167 FIGURA 55 – PAÇO DO TRIBUNAL DE RELAÇÃO DO RIO DE JANEIRO – 1751 FONTE: Disponível em: <http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2776>. Acesso em: 25 nov. 2017. O perfil era o de homens aptos e experientes que iriam presidir o Tribunal brasileiro subordinado à Casa de Suplicação, desfrutando dos mesmos privilégios dos desembargadores metropolitanos. NOTA A Casa de Suplicação era o tribunal diretamente ligado ao poder real que inicialmente incluía as atividades do Desembargo do Paço. Com a reforma das Ordenações aprovadas em 1595, mas em vigor em 1603, atualmente conhecida como Ordenações Filipinas, a administração metropolitana era regida pelo monarca que poderia ser substituído por uma junta de governadores e contava com uma série de órgãos de apoio, a começar pelo Conselho de Estado, que se reunia ocasionalmente pela convocação do rei para assessorá-lo em questões complexas. O mais constante era o Desembargo do Paço, que se reunia diariamente e às sextas despachavam com o rei. Além de exercer funções consultivas, julgava as questões que, por causa de foros especiais, superavam a alçada da Casa de Suplicação, os recursos às decisões da mesma e os conflitos de jurisdição entre ela e a Casa de Cível. Eram de competência exclusiva do Desembargo do Paço os pedidos de legitimação, restituição de fama, findas, graças e perdões, emancipação de menores etc. Junto à Casa de Suplicação e ao Desembargo do Paço existia um tribunal especial, com competência privativa em causas que envolvessem a Igreja ou os membros das ordens militares- religiosas. Era a Mesa da Consciência e Ordens, que também assessorava o Rei. conflitos que se dessem a uma distância de dez léguas de sua sede ou estrada. De suas decisões era possível recorrer à Casa de Suplicação em Lisboa. Embora tenha sido criado pelo Regimento de 1587, apenas em março de 1609 se instalou propriamente um tribunal régio no Brasil: o Tribunal de Relação da Bahia, que era constituído por dez desembargadores, todos letrados – um chanceler, três desembargadores de agravos, um ouvidor-geral do cível e do crime, um juiz dos feitos da coroa, fazenda e fisco, um provedor de defuntos e resíduos, dois desembargadores extravagantes e o governador-geral, que teria assento como Governador da Relação. Esses tribunais deram origem aos atuais Tribunais de Justiça dos Estados brasileiros. 168 UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO Entretanto, conforme narra Wolkmer (2007), apesar do Tribunal de Relação ter sido oficializado em 7 de março de 1609, com a invasão holandesa foi abolido em 1626, e restaurado posteriormente em 1652. A partir do século seguinte expandem-se os Tribunais de Relação no Brasil – Rio de Janeiro em 1751, Maranhão em 1812, Pernambuco em 1821. Nas palavras de Schwartz (1979, p. 58), “os burocratas que iriam constituir a magistratura brasileira eram um grupo muito bem particularizado que representava a espinha dorsal do governo real”. Para serem nomeados a Desembargo do Paço exigia-se o requisito de ser formado em Direito por Coimbra e ter exercido a profissão por, no mínimo, dois anos. Porém, para o ingresso na Universidade deveria ser o futuro bacharel de “raça pura” – com limites de carreira para os que tivessem a “mancha” de serem “cristãos novos” –, ortodoxos na sua religião e politicamente leais, originando a maioria da pequena nobreza e da classe de burocratas. A prova de conhecimento jurídico para a inscrição no quadro de magistrado era precedida de inúmeras declarações testemunhais sobre a vida pregressa, atividades e reputação do candidato, mais especificamente, buscava-se a garantia de que não havia “contaminação de sangue de mouro, mulato, judeu ou qualquer outra raça infecta” (SCHWARTZ, 1979, p. 58). Ainda a comprovação de que os pais e avós, no momento da nomeação, não tivessem atividades manuais, artesanais e prática de comércio varejista, exceto se houvessem pertencido ao senado da Câmara ou outro órgão de privilégio especial no funcionalismo real. Os magistrados coloniais, graças à política da coroa portuguesa, formavam no século XVII um grupo de burocratas elitizado – fiéis servidores reais – movidos por generosas promoções e interesses pessoais. O cargo representava prestígio, dinheiro e status, o que acaba por construir a magistratura como um ramo da burocracia real e ao mesmo tempo um grupo social específico. Os juízes europeus, sob a proteção da coroa, emergiram como um grupo que se viu com o direito de exigir privilégios e símbolos que até então pertenciam à nobreza, chegando a criar justificativas para sua nobreza. No século XVIII, na Europa Ocidental, os juristas argumentavam que o conhecimento das leis literalmente enobrece o indivíduo e, portanto, deveriam ser considerados iguais aos nobres, e a coroa, como detentora dos símbolos que garantiam a ascensão social, para vincular os magistrados a seus interesses, fazia concessões. Entretanto, no império português, chama atenção Schwartz (1979), a magistratura não se tornou uma nobreza distinta por seu cargo ou função. Individualmente, o magistrado poderia ascender à nobreza pelo casamento ou por título conferido pela coroa, mas não chegando a competir com a aristocracia, porque seus interesses eram ditados pelo rei, no entanto isso não impediu que na colônia brasileira se formasse um grupo característico de burocratas da justiça que souberam aliar as funções e fórmulas burocráticas às TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA 169 relações pessoais de parentesco. É o abrasileiramento da burocracia, descrito como procedimentos pessoais e profissionais que se confundem e se autossustentam. Ao chegar na colônia, além de sua família, o juiz poderia agregar parentes, afilhados, empregados, escravos; enfim, um grupo de pessoas que serviam como intermediários entre o magistrado e as demais pessoas da sociedade, o que permitia uma “facilitação de caminho” até o juiz. Por outro lado, ao estender sua proteção a um grupo próximo, o magistrado também cumpria parte de seupapel profissional: protetor, padrinho, marido e pai. E, é claro, sem deixar de lado sua obrigação religiosa, o que lhe dava vantagens sociais. Por essa razão, os magistrados tornavam-se benfeitores de igrejas, conventos e ordens religiosas, e não raras vezes, na condição de ilustres funcionários reais, assumiam papéis de liderança. Os pesados encargos financeiros de uma vida de ostentação não podiam ser arcados com os já altos salários e gratificações recebidas. Rapidamente os juristas brasileiros perdiam interesse intelectual, apesar de sua formação universitária. Não há entre os magistrados brasileiros da época colonial autores cujos trabalhos são lembrados, apesar de estarem sempre presentes em reuniões intelectuais. Sem dúvida, a melhor leitura sobre os magistrados no Brasil colonial é de Gregório de Mattos, que com os seguintes versos descreve a justiça: E que justiça a resguarda?... Bastarda. É grátis distribuída?... Vendida. Valha-nos Deus, o que custa O que El-Rei nos dá de graça. Que anda a Justiça na praça Bastarda, vendida, injusta. Seu interesse particular pela administração da justiça no Brasil é por ter sido letrado em Coimbra e magistrado real em Portugal. Seus versos não mostram os juízes como seres sem rosto, mas como pessoas em seu cotidiano, envolvidos essencialmente em duas esferas: poder e corrupção. Seus versos renderam-lhe a deportação para Angola, pois não poupava cáusticas palavras para descrever o sentido do “abrasileiramento da magistratura real”. Apesar dos versos do “Boca do Inferno”, como era chamado Gregório por seus inimigos, não representarem perigo para a autoridade e o cargo exercido pelos juízes, deixavam evidente o nível incontrolável de corrupção que havia atingido o exercício da justiça no Brasil em fins do século XVII. Descrevia os burocratas judiciais – juízes, escrivães, tabeliães... – como pedaços cortados de um mesmo tecido. Apesar de serem sempre acusações pessoais e não ao sistema como um todo, seus versos deixavam evidente o comprometimento no exercício da justiça. Por essa razão, dizia que um magistrado recebia suborno tanto do acusado como do acusador e por isso era mais fácil chegar o “juízo final do que a sentença”. 170 UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO NOTA Gregório de Mattos e Guerra, conhecido como “Boca do Inferno”, nasceu na Bahia em 23/12/1636 em uma família de proprietários rurais, empreiteiros de obras e funcionários administrativos de ascendência portuguesa. Estudou no Colégio dos Jesuítas da Bahia até 1642, quando vai para a Universidade de Coimbra, onde se forma em Cânones em 1661. Após atestar ser “puro de sangue” é nomeado juiz de fora em Alcácer do Sal, em 1663. Teve brilhante carreira como magistrado em Lisboa, reconhecido com sentenças publicadas pelo jurisconsulto Emmanuel Alvarez Pegas. Retorna para o Brasil em 1683, depois de 30 anos, para assumir o cargo de Desembargador da Relação Eclesiástica e, mais tarde, tesoureiro-mor da Sé, um ano após ter tomado ordens menores. Entretanto, é destituído do cargo por se recusar a usar batina e acatar ordens superiores. Começa então a satirizar os costumes e as classes sociais baianas, as quais chamará de “canalha infernal”. Escreve com letras corrosivas e eróticas. Por sua vida livre de “homem solto sem modos cristãos” é denunciado à Inquisição em Lisboa em 1685 por falar mal de Jesus Cristo e não tirar o barrete da cabeça quando passa uma procissão em sua frente, mas o feito não tem prosseguimento. Por seus poemas e sátiras contra o governador Antonio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho, a quem chamava de “fanchono beato”, é ameaçado de morte. Até que um complô o prende e envia-o a Angola sem direito de voltar à Bahia. Em Luanda, no ano de 1694, auxilia o governo local a combater uma conspiração militar e em troca recebe a permissão para voltar ao Brasil, mas para Recife, devendo ficar longe da Bahia e de seus desafetos. Morre em 1695 vítima de uma febre contraída em Angola. FONTE: Disponível em: <http://www.academia.org. br/academicos/gregorio-de-matos/biografia>. Acesso em: 25 nov. 2017. Pelo relato da época, o exercício da justiça brasileira era venal e facilmente subvertido. Os critérios de análise processual eram pessoais, econômicos e sociais, sem que isso, entretanto, comprometesse os interesses reais, funcionando como uma certa flexibilização frente à dureza da estrutura metropolitana. Quanto mais se expandia a colônia, mais cresciam a burocratização e as oportunidades de corrupção, o que não significava, necessariamente, ilegalidade, mas o uso de artifícios jurídicos para benefício próprio ou de um apadrinhado, ou mesmo, o uso do cargo para obter vantagens pessoais diretas ou indiretas. TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA 171 Raimundo Faoro (2000) demonstra que a minoria colonial, formada por um quadro administrativo, e o estado-maior de domínio comandam, controlam e disciplinam a economia e os núcleos humanos, tornando-se esses efetivamente os donos do poder. As formas jurídicas vão servindo de freio à emancipação colonial. Os juristas, como uma espécie de “aristocracia” local, comandavam a vida na colônia, fazendo de seus procedimentos instrumentos eficientes de dominação e perpetuação da ordem exploradora. Há que se reconhecer que o aparato jurídico-político colonial significou a transposição da estrutura metropolitana para a colônia, porém, com traços muito peculiares, a exemplo da justaposição da justiça-oficial e da privada exercida nos sertões e nos latifúndios, cujo poder não era contestado. A justiça local, que servia de fortalecimento do mandonismo, sempre foi reconhecida como uma espécie de contrapeso à ineficiência da justiça real, à venalidade dos burocratas e à corrupção dos magistrados. Ainda cabe lembrar o papel desempenhado pela Igreja Católica na administração da justiça com seu Tribunal do Santo Ofício. Nas palavras de Anita Novinsky (1983, p. 90), serviu, mais do que instrumento religioso: como um sistema político de dominação e onde não havia lugar para os judeus, cristãos novos, muçulmanos, negros, mulatos, ciganos, heterodoxos ou contestadores de toda espécie. Através de seu sistema de ameaças, [...] de perseguição [...] de tortura, a Inquisição garantiu a continuidade da estrutura social do antigo regime, e a religião preencheu sua função político-ideológica. Apesar de não ter havido um Tribunal Inquisitorial no Brasil, ele existia como presença possível, pois sempre que necessário, os acusados brasileiros eram julgados pelo Tribunal Inquisitorial em Lisboa. As chamadas “Visitação do Santo Ofício” ocorreram na colônia brasileira, sobretudo na fase de mineração de ouro, apesar do poder delegado ao Bispo da Bahia pelo Santo Ofício em 1580, quando foram registradas inúmeras heresias, sadomias, feitiçarias, bigamias, blasfêmias etc. DICAS Há, no site <http://www.biblioteca.pe.gov.br/?pag=&cat=41&art=114>, informações acerca da primeira visitação do Santo Ofício no Brasil. É muito interessante e você poderá enriquecer sua cultura jurídica. 172 UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO FIGURA 56 – CAPA DO DOCUMENTO: PRIMEIRA VISITAÇÃO DO SANTO OFÍCIO ÀS PARTES DO BRASIL FONTE: Disponível em: <http://www.biblioteca.pe.gov. br/?pag=&cat=41&art=114>. Acesso em: 25 nov. 2017. Em síntese, é oportuno destacar o pensamento de Wolkmer (2007, p. 71), quando afirma que “a especificidade da estrutura jurídica da colônia brasileira não permitiu o exercício da cidadania e as práticas políticas descentralizadas”. Forjada em meio a um passado latifundiário, patrimonialista, senhorial e escravista, cuja dinâmica fez surgir uma cultura jurídica singular marcada por ideias e práticas paradoxais. Esteé o horizonte da cultura jurídica brasileira colonial dominante. Legítima herdeira de um pensamento condicionado pelo mercantilismo e administração burocrática centralizada, construída sob uma mentalidade escolástico-tomista e elitista. Uma mentalidade condicionada a servir a Deus e ao rei, e, portanto, incapaz de ser comprometida com qualquer nova ideia que viesse a representar o ideário renascentista moderno, mais próximo do humanismo emergente, já que este significava a “expansão protestante”, que teve como maior expressão de resistência na Europa a Península Ibérica. Assim, longe do ideário iluminista moderno que veio a representar a possibilidade de construção de uma lógica racional crítica ao obscurantismo medieval, a cultura jurídica colonial brasileira definiu-se sacralizando a tradição e o servilismo, o que permitiu a consolidação e reprodução das ideias e valores da elite mercantilista portuguesa. Neste sentido, assinala Alberto Venancio Filho (1982) que, por força da Companhia de Jesus na Universidade de Coimbra, a cultura predominante até meados do século XVIII mantinha-se refratária às transformações reivindicadas pelo Renascimento, o que é claramente evidenciado num edital do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra de 1746, que determinava: TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA 173 [...] nos exames ou lições, conclusões públicas ou particulares se não ensine defensão ou opiniões novas pouco recebidas, ou inúteis para os estudos das ciências maiores, como são as de René Descartes, Gassendi, Newton e outros, nomeadamente qualquer ciência que defenda os átomos de Epicuro ou outras quaisquer conclusões opostas ao sistema de Aristóteles [...] (VENANCIO FILHO, 1982, p. 5). Tal panorama é alterado com a Reforma do Marquês de Pombal, como já considerado, na segunda metade do século XVII, quando os jesuítas são expulsos da metrópole e da colônia, e seus reflexos na tentativa de emergência de uma cultura moderna, o que irá marcar a transição para o século XIX e a busca de superação da herança colonial. Em síntese, compreender o direito e a gestão da justiça no Brasil Colônia é a possibilidade de compreender as origens de nossa profunda desigualdade social e negação de cidadania que até os dias atuais procuramos nos livrar. Não é difícil perceber as razões que fazem de nosso direito um instrumento elitizado e distante ainda de interesses nacionais. A intenção de Portugal era construir uma elite burocrática defensora dos interesses reais que defendesse as leis metropolitanas. Desde aí foi sendo criado um sistema de compadrio que aliava as elites metropolitanas às elites canavieiras. E assim, a elite letrada e pseudoburocrática usufruía dos “benefícios” do poder em troca do desrespeito à lei e à justiça. 174 Neste tópico, você aprendeu que: • A estrutura administrativa do Brasil Colônia teve como característica a criação de um aparato político e jurídico capaz de garantir os interesses metropolitanos. • As bases das instituições jurídicas brasileiras estão intimamente ligadas: a um passado escravocrata e patrimonialista, marcado pela dominação de uma elite agrária local e submissa aos interesses econômicos metropolitanos. • O Direito brasileiro, em sua origem colonial, mais se aproxima de arbítrio e favoritismo do que propriamente a realização de justiça. RESUMO DO TÓPICO 2 175 AUTOATIVIDADE Observe a gravura de Debret abaixo: “UM JANTAR BRASILEIRO”, 1827 FONTE: Disponível em: <http://historiaporimagem.blogspot.com.br/2011/10/ jean-baptiste-debret-um-jantar.html>. Acesso em: 25 nov. 2017. A figura é uma das mais reproduzidas nos livros de história do Brasil, por caracterizar a sociedade colonial brasileira, marcada por profundas desigualdades sociais. Após detalhada observação na gravura e associando com o estudo realizado, faça uma breve dissertação discutindo a relação entre as bases políticas e econômicas do Brasil Colônia e a ordem jurídica. 176 177 TÓPICO 3 O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Mudanças sensíveis ocorrem na cultura jurídica brasileira no século XIX, que se inicia sob o signo da modernidade. As revoluções burguesas e o absolutismo ilustrado, que na Europa abriam as portas para compreender o humano como valor fundamental da sociedade, encontravam um forte contraste com o sistema colonial brasileiro, cuja marca era a violência imposta aos trabalhadores escravizados e a dinâmica contraditória da relação metrópole-colônia, que acabou por definir um espaço subjugado. Apesar disso e das resistências contra a centralização receberem golpes fatais, quer pelas mãos diretas das milícias reais, quer de seus braços locais, o Brasil torna-se independente em 1822. Uma dispersa, desarticulada e fluida nação emerge entre conflitos e dilaceração das antigas capitanias. O cuidado maior era o de manter a unidade política, que, como destaca Raimundo Faoro (2000, p. 315-316), “tratava-se de tarefa gigantesca e incerta diante dos enormes obstáculos, não apenas geográficos, mas sobretudo políticos”. É evidente que uma sequência de fatos – Abertura dos Portos (1808), criação do Reino Unido do Brasil (1815) e, finalmente, a Revolução do Porto (1820) – aceleraram o processo que mobilizou as elites locais para a independência. Tal processo tornou necessária a construção de uma cultura jurídica nacional, que encontra no liberalismo uma proposta doutrinária a partir da qual foram edificados os primeiros cursos jurídicos, uma elite jurídica e o edifício legal. Assim, a tarefa primeira é compreender a natureza e especificidade desse “liberalismo caboclo” presente como cimento da cultura jurídica em construção, sobretudo para compreender a profunda distinção entre o revolucionário liberalismo europeu e o brasileiro, e como este último serviu de suporte aos interesses das oligarquias vinculadas à monarquia imperial. A face “cabocla” do liberalismo brasileiro é muito bem conhecida. Por isso, com razão comenta Wolkmer (2007, p. 76): UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO 178 Eram profundamente contraditórias as aspirações de liberdade entre diferentes setores da sociedade brasileira. Para a população mestiça, negra, marginalizada e despossuída, o liberalismo, simbolizado na Independência do país, significava a abolição dos preconceitos de cor, bem como a efetivação da igualdade econômica e a transformação da ordem social. Já para os estratos sociais que participaram diretamente ao movimento de 1822, o liberalismo representava instrumento de luta visando à eliminação dos vínculos coloniais. Tais grupos, objetivando manter intactos seus interesses e as relações de dominação interna, não chegaram a reformar a estrutura de produção nem a estrutura da sociedade. O liberalismo, como observa Macridis (1982, p. 38-41), em suas diferentes dimensões, ético-filosófica, econômica e política-jurídica, representou o ideário de cunho individualista sustentado pela burguesia europeia contra o absolutismo monarquista, capaz de reproduzir novas condições materiais, sociais e políticas que permitiam sua ascensão e justificativa de poder. Entretanto, no Brasil, essa doutrina era conhecida por uma pequena parcela de letrados inovadores, e até revolucionários, já que a maioria da população era de analfabetos, escravos e uns poucos trabalhadores livres para os quais os “novos ventos da liberdade europeia” não sopravam nem como “leve brisa”. O liberalismo brasileiro serviutão bem aos interesses das oligarquias locais que pôde conviver com a institucionalização da escravidão, tornando-se uma aparente ambiguidade, porém a marca da política brasileira: uma retórica liberal e uma prática oligárquica, um conteúdo conservador e reacionário sob a aparência da democracia. Emília Viotti da Costa (1985) identifica o liberalismo brasileiro como uma “ideologia de tantas caras” que serviu em “momentos distintos diferentes grupos com intenções diversas”: • A face heroica: própria dos movimentos que antecederam a independência, a antidemocrática – dos revolucionários da primeira Constituinte. • A face moderada: dos adeptos da monarquia constitucional, a radical – dos reformistas da fase regencial. • A face conservadora: que acabou por impor-se e defendida pela minoria antidemocrática apegada às práticas do clientelismo e da patronagem. Em síntese, o liberalismo no Brasil foi singular, pois apesar de defender a democracia representativa, negava a participação popular, atribuindo aos poucos letrados a tarefa de conduzir as instituições políticas e jurídicas. Enfim, um liberalismo conservador, elitista, antidemocrático que nega na prática suas próprias convicções. O processo de transição social produzido pela independência trará a marca desta lógica liberal. TÓPICO 3 | O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL 179 Apesar disso, salienta Florestan Fernandes (1974, p. 31) que a independência se constituiu numa revolução social por ter produzido simultaneamente o fim da era colonial e o advento da sociedade nacional. As relações de poder modificam- se na medida em que deixam de manifestar-se “[...] como imposição de fora para dentro, para organizar-se a partir de dentro, malgrado as injunções e as contingências que iriam cercar a longa fase do “predomínio inglês” na vida econômica, política e diplomática da nação” (FERNANDES, 1974, p. 31-32). Sem dúvida, os donos do poder não se insurgiram contra a estrutura da sociedade colonial, mas contra o limite imposto pelo sistema que acabava por neutralizar a capacidade desta elite em dominar as diferentes esferas da ordem social, política e econômica. Essa é, segundo Florestan Fernandes (1974), a lógica que permite compreender por que as elites nacionais, sem negar a ordem social dominante, atuaram na esfera política, adaptando e integrando internamente a herança colonial com os interesses impostos pela independência. Portanto, o novo momento brasileiro irá se caracterizar como uma inovação aliada ao poder por parte das oligarquias e a enorme marginalização da população livre. A independência pode ser compreendida como mudança de status político- jurídico sem mudança material e social, o que justifica a perpetuação das relações sociais de dominação internas ao longo da construção da sociedade nacional. FIGURA 57 – “O GRITO DO IPIRANGA” – PINTURA A ÓLEO DE PEDRO AMÉRICO – MUSEU DO IPIRANGA FONTE: Disponível em: <http://www.mp.usp.br/museu-do-ipiranga>. Acesso em: 25 nov. 2017. UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO 180 Para muitos historiadores, essa é uma das razões da defesa limitada, tosca e egoísta, porém eficaz, dos ideais liberais por parte das elites nacionais, pois apenas era defendido aquilo que, num jogo de probabilidades concretas, poderiam efetivamente desfrutar, como o poder de igualdade e fraternidade dos interesses inerentes ao seu papel definido da estrutura de poder dominante. É evidente que o liberalismo, ao construir a base ideológica e política para a transição colonial, tornou-se, ao mesmo tempo, o elemento mais destacado da cultura brasileira durante a fase imperial e o ideário para a edificação do Estado nacional, para a “ideia de Brasil”. NOTA O projeto liberal no Brasil, que norteou o processo de independência, não significou uma única aspiração, mas sim o resultado de distintos segmentos, radicais e moderados conservadores, que concordavam num aspecto: o processo de independência e construção nacional se operaria com a ausência de participação popular. O resultado dos conflitos entre os diferentes segmentos liberais foi a vitória dos conservadores, pensamento claramente explícito nas palavras de Evaristo da Veiga, líder da independência, citado por Lima Lopes (2012, p. 279): “Não temo que o Brasil se despolitize, temo que se anarquize, temo mais hoje os cortesãos da gentalha que aqueles que cheiram as capas do monarca”. Os radicais “souberam aceitar” a monarquia como forma de sobrevivência. Este fato demonstra a paradoxal conciliação resultante da estratégia liberal- conservadora capaz de permitir o clientelismo e a cooptação aliada a uma cultura jurídico-institucional formalista, retórica e ornamental. Este “pacto conciliador” estará presente na judicialização do processo de independência, sendo sua face visível o bacharelismo liberal. 2 A CULTURA JURÍDICA NACIONAL: O BACHARELISMO Com a independência política, a grande tarefa será a de construir autonomia jurídica. Para tanto, serão usadas duas grandes estratégias: a elaboração de uma legislação própria e a criação dos cursos de Direito. Se, de um lado a primeira tarefa era a de construir o aparato legal institucional da nação independente, de outro, era necessária a formação de uma elite jurídica própria e afinada com os ideais da independência. A implantação dos cursos jurídicos no Brasil era a alternativa possível frente à perda do único centro formador de juristas de língua portuguesa, a Universidade de Coimbra, de um TÓPICO 3 | O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL 181 lado, e o desaparecimento dos centros jesuíticos de ensino. Sem dúvida, o ponto de partida para a construção da ordem político-jurídico nacional era a instauração dos cursos na medida em que este era o curso fornecedor de importantes quadros para o Estado imperial, já que a grande maioria de bacharéis era absorvida pelo serviço público, por serem mais raros os cargos para magistrados e advogados. A Carta de Lei de 11 de agosto de 1827, que implanta os primeiros cursos jurídicos do Brasil de São Paulo e Recife, reflete, segundo Wolkmer (2007, p. 80), “a exigência da elite que veio a suceder a dominação colonial preocupada com a estrutura de poder e a preparação de uma camada burocrática administrativa capaz de assumir o gerenciamento nacional”. FIGURA 58 – FACULDADE DE DIREITO DO LARGO SÃO FRANCISCO FONTE: Disponível em: <http://ead.stj.jus.br/ead/mod/page/view.php?id=3009>. Acesso em: 25 nov. 2017. Tais centros servirão como reprodutores da legalidade oficial positiva, ou seja, legitimadores dos interesses do poder, distantes de qualquer compromisso com expectativas sociais. Deve-se lembrar que entre os ministros de Estado de 1831 a 1853, mais de 45% eram magistrados, que somando em certos períodos os advogados que exerciam tais funções, chegava-se a 60%. Assim, os cursos de Direito assumiram as funções de serem simultaneamente defensores do ideário liberal e formadores da elite burocrática devidamente adestrada para o exercício do poder. Entretanto, ao buscar construir suas próprias escolas de Direito, o ensino jurídico brasileiro reproduzia um modelo alienígena, cosmopolita, ilustrado e literário, divorciado do quadro agrário rural predominante, e excluindo a grande massa popular marginalizada. UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO 182 Apesar de tais escolas tratarem de formar burocratas do poder dentro da lógica do conservadorismo, é necessário que se assinale algumas tendências inovadoras. A Faculdade de Direito de Pernambuco, apesar de comungar atendência comum do ensino jurídico brasileiro, vai ser o cenário da emergência de um movimento que representará a possibilidade de novos horizontes mais afinados com as modernas correntes de pensamento emergentes, o que poderia representar uma alternativa para o mimetismo português e francês. Este movimento de forte influência germânica, autodenominado Escola de Recife, será considerado o mais avançado de sua época, e terá como expoente a figura de origem social humilde e mestiça: Tobias Barreto. Sobre a importância deste movimento, destaca Alberto Venancio Filho (1982, p. 96): O movimento da Escola do Recife representava, contudo, e talvez pela primeira vez, a realização daquela grande tarefa a que se tinham proposto as faculdades de Direito, de representarem grandes centros de estudo das ciências sociais e filosóficas no Brasil, mas da qual, via de regra, se vinham omitindo ou escapando, pois trazia o movimento no seu bojo um problema de transformação de ideias no campo da crítica literária. A Escola de Recife entendia que para dotar o Brasil de um aparato jurídico era necessário compreender a sociedade brasileira, sua natureza e construção. Defendia que o jurista deveria ser algo mais que um rábula. A intenção era a de compreender o fenômeno jurídico a partir de uma pluralidade de conhecimentos que resultavam essencialmente do evolucionismo e do monismo. E, sem dúvida, esses pensadores jurídicos, mais distantes do centro do poder, viam-se como vanguarda. Já São Paulo, centro privilegiado do bacharelismo liberal e da elite agrária, orientou-se para a formação de burocratas e militantes políticos. No espaço do Largo São Francisco foram intensas as defesas em favor dos direitos individuais e liberdades políticas. As lutas abolicionistas e republicanas eram parte da vivência acadêmica que mais se caracterizava como autodidata, pois o ensino jurídico propriamente era de má qualidade, permitindo que inúmeros acadêmicos aderissem à militância política, sem que, entretanto, deixassem de ser cooptados pela burocracia estatal. O comprometimento da qualidade do ensino era denunciado em 5 de agosto de 1831 pelo aviso do Ministro do Império José Lino Coutinho, sobre o desleixo e negligência escandalosa de professores do curso de Direito, que eram indiferentes à ausência dos acadêmicos e aprovavam indiscriminadamente. Comparativamente, enquanto a Escola de Recife imaginava produzir pensadores da ciência do Direito, o Largo São Francisco de São Paulo era o celeiro de políticos e burocratas do Estado Imperial. Recife exaltava seu papel como núcleo intelectual e formador de ideias. São Paulo, apesar da fragilidade intelectual, colocava-se como vanguarda política nacional de onde partia o direcionamento político-jurídico brasileiro. Entretanto, seja como for, em meio a um ensino de baixa qualidade, os juristas tornam-se quase autodidatas que continuavam a reproduzir ideias tradicionalistas e formalistas de TÓPICO 3 | O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL 183 direito, mantendo como espaço de discussão política não o espaço público, mas o privado: o interior do Salão do Imperador e os espaços domésticos, fato característico de uma sociedade aristocrática que foi capaz de construir um corpo normativo legal de fachada liberal que pudesse conviver com o escravismo e religião de Estado. Os juristas brasileiros que vão sendo forjados no Brasil independente caracterizam-se pelo apego ao passado e a valorização de uma cultura retórica e vazia, que não soube levar em conta a diversidade e especificidade brasileira. Por esta razão, afirma Caio Prado (2012) que o direito brasileiro era um direito artificial e inaplicável que deixa de lado as particularidades nacionais, sendo um exemplo significativo a questão da terra: “[...] num país agrícola e na maior parte ainda deserto, e que apesar disto nunca foi devidamente tratado nas leis brasileiras. O que sempre tivemos na matéria foi copiado de legislações europeias, onde naturalmente a situação é inteiramente outra” (p. 197). Um exemplo disso é a codificação civil brasileira de 1916. Mais próxima do conservadorismo do que da inovação, reproduziu mais valoração ao patrimônio privado do que às pessoas. Fiel retrato do modelo social, político, ideológico e cultural de sua época; muito do qual se perpetuou até o momento. Sem dúvida, trata- se da ritualização e dogmatização das raízes que ordenavam, e de certa forma, ainda ordenam, as relações materiais e pessoais brasileiras. O resultado desse passado, no tocante à legislação civilista, é que permanecem irresolvidas questões sociais dramáticas, como a concentração de riqueza, que foi funcionando historicamente como um perverso mecanismo que nos dias de hoje segrega e estigmatiza milhões de brasileiros, pois, sem dúvida, o modelo civil nacional foi idealizado para assegurar e perpetuar os interesses e privilégios da oligarquia agrária. Em síntese, a cultura jurídica do século XIX, que vai engendrar o direito do século XX, vigente atualmente no Brasil, foi marcada por um forte individualismo e formalismo legalista, projetando uma lógica singular, própria de uma nação que emergiu buscando aliar os princípios individualistas liberais burgueses importados do modelo europeu, com o legado colonial que instituiu práticas burocráticas-administrativas orientadas e ajustadas para a garantia e a proteção dos bens patrimoniais, ignorando, na prática, os interesses e necessidades da grande maioria que compõe o povo brasileiro. São oportunas as palavras de Wolkmer (2007, p. 125) quando afirma: “[...] os limites, o artificialismo e a pouca funcionalidade desse sistema de legalidade formalista e conservador propiciam as condições favoráveis para a sequência de confrontos intermináveis e os horizontes de ruptura com os procedimentos de justiça oficial e estatal”. É exatamente sob a ótica desta cultura jurídica que vai ser construída toda legislação nacional. Um saber técnico-normativo que vai, dentro de padrões rigorosos de objetividade, pretender seguir um seguro caminho para a manutenção e reprodução do modelo de direito legado por este passado marcado pela exclusão e dominação, alheio a qualquer interesse e compromisso de emancipação. UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO 184 DICAS A fim de melhor compreender a evolução histórica da legislação nacional, sugere-se a leitura do texto: “Brevíssimas notas sobre a história do direito e da justiça no Brasil”, de Jefferson Carús Guedes, disponível em: <http://www.confluencias.uff.br/index.php/ confluencias/article/viewFile/303/228>. O colonialismo metropolitano imposto ao Brasil a partir do século XVI trouxe como uma de suas faces a imposição do modelo epistemológico hegemônico na Europa através da violência. Violência através da repressão de outras formas de saber existentes na colônia e também pela assimilação de um saber que se anuncia como universal e verdadeiro. A cultura jurídica nacional desenvolveu-se numa matriz epistemológica que muito bem cumpriu o papel de reprodução do direito hegemônico, tornando- se instrumento de legitimação de um passado comprometido com a ausência de compromissos de legítima emancipação nacional. Enfim, uma concepção vazia e negadora de referenciais que possam definir um horizonte compreensivo legitimamente justo para com o que secularmente foi excluído do direito brasileiro: valores e necessidades capazes de promover a emancipação política e social dos empobrecidos, dos ausentes e dos invisibilizados. Um “direito das ausências” responsável por ter a “balança” da justiçapendido para “o lado” mais forte política e economicamente. 185 Neste tópico, você aprendeu que: • Com a independência política brasileira em 1822, o grande desafio será a construção da autonomia jurídica, daí a criação das primeiras Faculdades de Direito e elaboração da legislação nacional. • O liberalismo, apesar de suas contradições no Brasil, constituiu-se no grande ideário norteador do processo de independência, servindo seus princípios de fundamento da legislação nacional. • A cultura jurídica brasileira deve ser compreendida a partir das grandes contradições e paradoxos da sociedade nacional, que buscou conciliar os interesses das elites locais e as necessidades sociais. RESUMO DO TÓPICO 3 186 AUTOATIVIDADE Considere o texto: “Com a Independência do país, o liberalismo acabou constituindo-se na proposta de progresso e modernização superadora do colonialismo, ainda que, contraditoriamente, admitisse a propriedade escrava e convivesse com a estrutura patrimonialista de poder. Ao conferir as bases ideológicas para a transposição do status colonial, o liberalismo não só se tornou componente indispensável na vida cultural brasileira durante o Império, como também na projeção das bases essenciais de organização do Estado e de integração da sociedade nacional”. FONTE: WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 65. A partir do estudo realizado, por que afirma o autor que o liberalismo brasileiro foi contraditório? Quais são as contradições? 187 TÓPICO 4 OS DESAFIOS DO DIREITO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO A entrada no século XXI, embora não triunfal, nas terras brasileiras foi feita sob a égide da democracia aliada à esperança – nunca perdida – de reafirmação de cidadania. É nesse contexto que o sistema judiciário internamente assumiu o papel inédito de assegurar não apenas o conjunto de direitos fundamentais duramente conquistados, mas o de também manter a estabilidade política numa historicamente frágil ordem democrática. Revisando a história do Direito brasileiro, não é difícil perceber que esse protagonismo é muito diferente do tradicionalmente assumido de servir de mero instrumento de conferir eficácia ao sistema normativo estabelecido por um poder político raramente comprometido com interesses populares e fortemente marcado pela herança colonial. Na trajetória de construção do Estado brasileiro, o Judiciário esteve mais ocupado em cumprir seu papel controlador e reprodutor dos interesses das elites e organizar-se institucionalmente como aparato burocrático do poder. A bem da verdade, o Judiciário não foi alvo de atenção nem das elites nem das forças progressistas, talvez porque nunca representou obstáculo para aquelas, tampouco fonte de justiça social para essas, mas acabou, em finais do século XX, assumindo um papel político do qual não pode mais renunciar. O novo sistema mundial neoliberal, adotado pelos países europeus, nos últimos 30 anos, encontrou o absoluto desmantelamento do Estado intervencionista – quer o modelo desenvolvimentista das periferias e semiperferias mundiais, como Estado Providência – e o fortalecimento do Estado de Bem-Estar Social relativamente avançado nos países da Europa, marcado por fortes políticas sociais que aliam altos níveis de competitividade com altos níveis de proteção social (SOUSA SANTOS, 2007). A mudança política em tempos de neoliberalismo global, na leitura de Boaventura de Sousa Santos, exige um Judiciário eficiente, rápido e independente para assegurar o novo modelo de desenvolvimento que se assenta nas regras de mercado e nos contratos privados, mas também, que responda às demandas sociais causadas pela precarização dos direitos sociais e econômicos (2007). UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO 188 Particularmente no Brasil, sem que tenha um modelo de Estado forte em políticas sociais, a redemocratização constitucional colocada em marcha com a Constituição Federal de 1988 ampliou consideravelmente o leque de direitos, não apenas em relação aos chamados direitos fundamentais, mas também aos novos direitos, cujos titulares são sujeitos coletivamente identificados: consumidores, negros, homossexuais, crianças e adolescentes, mulheres, indígenas, e tantos outros quantas possibilidades de articulação social e política. Esse fato aumenta a expectativa social de serem garantidos direitos anunciados constitucionalmente, mesmo com débeis mecanismos de implementação, já que a nova ordem constitucional também prevê a ampliação de estratégias e “instituições das quais se pode lançar mão para invocar os tribunais, por exemplo, a ampliação da legitimidade para propositura de ações diretas de inconstitucionalidade, possibilidade de as associações interporem ações em nome de seus associados e a consagração da autonomia do Ministério Público” (SOUSA SANTOS, 2007, p. 18). O novo constitucionalismo e a redemocratização brasileira conferiram ao Judiciário um papel relevante: não apenas é visto como instrumento de viabilização de direitos e garantias, como também a reconstrução e manutenção da ordem democrática. Entretanto, a redemocratização aliada ao constitucionalismo construído nas matrizes europeias que consagram direitos fundamentais – conquistados ao longo de um processo histórico específico –, em terras brasileiras tem sido uma proposta desacompanhada de políticas públicas e sociais capazes de conferir eficácia e efetividade à nova ordem, ainda com agravante de existirem fortes resistências entre juristas herdeiros de uma lógica cartesiana ainda reféns do ultrapassado paradigma formal legalista de direito. Pode-se afirmar que aí está uma das razões centrais para compreender o porquê de, passados quase 30 anos de Constituição Democrática, ainda o Brasil é um país em que os princípios democráticos fazem parte de uma mera intencionalidade nem sempre ou raramente contemplada. “Para se ter uma ideia, o princípio constitucional da ampla defesa ficou quase 15 anos sem ser aplicado nos interrogatórios judiciais, sem que a doutrina e a jurisprudência – com raríssimas exceções – tivessem reivindicado a aplicação direta da Constituição” (STRECK, 2017, p. 155). Evidentemente, sem esquecer que ainda o “peso da balança” pende para um “lado”. Se no passado colonial a face visível da exploração era a do escravo, em tempos de globalização o resultado da perversidade sistêmica, que nos lembra Milton Santos, são as vítimas do fascismo social. O fascismo social não é, como lembra Boaventura de Sousa Santos (2001), aquele criado diretamente pelo Estado, mas o produto de um sistema em que o nível de competitividade tem a guerra como norma, e acaba num individualismo arrebatador e possessivo que tudo coisifica, inclusive seres humanos. TÓPICO 4 | OS DESAFIOS DO DIREITO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO 189 Um sistema “que comanda outros subsistemas da vida social, formando uma constelação que tanto orienta e dirige a produção da economia como também a produção da vida” (SANTOS, 2001, p. 48). As fragmentações resultantes da lei de mercado rompem a solidariedade social, fazendo com que novas formas de perversidades sociais sejam criadas. Como resultado da nova ordem mundial neoliberal, são profundas as desigualdades sociais, vivendo-se um cotidiano de exclusão. FIGURA 59 – EXCLUSÃO SOCIAL: UMA ESTRANHA CONVIVÊNCIA FONTE: Disponível em: <http://profwladimir.blogspot.com.br/2012/05/dados-brasil- desigualdades-sociais.html>. Acesso em: 25 nov. 2017. DICAS Para melhor