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Artigo sobre estrategia e saude da familia

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TBL - Pólis
A Estratégia Saúde da Família: a principal estratégia da APS no Brasil
A construção teórica e social da APS aqui exposta reafirma desde seu princípio a importância de ações direcionadas à comunidade, à família, a um acompanhamento que considere, também, como princípio a própria integralidade das ações em saúde, da qual emana por definição um trabalho de promoção e educação em saúde. Nessa relação é fundamental o acompanhamento desse cuidado (um trabalho de idas e vindas). O processo demanda da equipe de saúde tempo e cuidado regulares, na perspectiva da longitudinalidade e tudo que ela representa. Ao que fica posto, portanto, o cuidado/atendimento não se encerraria em uma consulta tradicional em uma unidade básica de saúde, conforme assiste-se em uma perspectiva mais tradicional em unidades hospitalares direcionadas a cura e reabilitação.
Uma das principais iniciativas, já reconhecida como fundamental para a reorganização dos serviços de saúde, em um caminho que fortaleça também a APS nas políticas de saúde no Brasil, é o Programa de Saúde da Família (PSF), implantado em 1994. O PSF está intimamente ligado ao Pacs, esse último tendo nascido nacionalmente em 1991.
O PSF é analisado por Mendes (2015) como uma grande mudança na concepção e implementação da atenção primária no Brasil, vez que a expansão da APS por meio de programa direciona-se para o foco da qualidade das ações. Dessa maneira, qualificar o trabalho e não apenas melhorar dados estatísticos. Exatamente no intuito de ir além do “mais do mesmo”. Ao que se pese, mesmo diante dos desafios encontrados, o PSF, desde sua criação, se deu em um ambiente de superação de uma assistência seletiva. O PSF passa de Programa para Estratégia, em 200614.
Segundo o Ministério da Saúde, a EsF organiza-se por base no princípio da territorialização, com uma população adscrita, ou seja, o atendimento de uma população em seu território de referência e localização de forma universal. O processo de trabalho preza pela integralidade das ações de saúde, com ênfase na promoção a saúde. No processo, a participação da comunidade para o autocuidado é fundamental, conforme observa Nogueira (1997, p.182): “vamos encontrar aí o fato peculiar de que o usuário é um fornecedor de valores de uso substantivos de tal modo que ele é co-participe do processo de trabalho.”.
Na EsF, as ações são estruturadas no trabalho em equipe, no intuito também de humanizar as práticas de saúde e de obtenção da satisfação do usuário por meio do estreito relacionamento dos profissionais com a comunidade. Para realizar o trabalho, as equipes de saúde, a partir do conceito de delimitação do território, estruturam o mapeamento das áreas e microáreas, sendo que as áreas são apreendidas como um conjunto de microáreas confinantes sob a responsabilidade de uma equipe. Nesse território (área) residem uma média de 3.000 a 4.500 pessoas e, na segunda micro-área, há a atuação de um agente comunitário de saúde (ACS) onde moram de 400 a 750 pessoas, cadastramento familiar e utilização do Sistema de Informação de Atenção Básica (Siab) (BRASIL, 2006).
O Ministério da Saúde reafirma que a consolidação da EsF é a forma prioritária no processo de reorganização da APS no Brasil. Além disso, prevê uma equipe de EsF com composição multiprofissional como médicos, enfermeiros, cirurgiões-dentistas, auxiliar de saúde bucal ou técnico em saúde bucal, auxiliar de enfermagem ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde e, ainda, prevê a ação de outros profissionais em função da realidade epidemiológica, institucional e das necessidades de saúde da população (BRASIL, 2012). Nessa perspectiva, essa consolidação da APS ocorre pela implantação de equipes em todo país, a partir de:
...1994 a 2002 foram implantadas 16.698 equipes de Saúde da a aaaFamília, em 4.161 municípios, cobrindo 31,87% da população brasileira e entre 2003 e 2012 foram implantadas mais 16.706 equipes, totalizando 33.404 e ampliando a cobertura para 54,84% da população em 5.297 municípios. Esses indicadores de capacidade instalada e de utilização de serviço indicam a crescente importância da Atenção Primária no Brasil. [...] Ao longo destes primeiros vinte e dois anos do SUS, foram elaboradas novas Políticas Nacionais de Atenção Básica - PNAB, uma em 2006 e outra em 201115, ambas valorizando a Atenção Primária, tendo em vista a consideração de que o crescimento e a qualificação da Atenção Primária seriam vitais para a consolidação e a sustentabilidade do SUS (CAMPOS e PEREIRA JUNIOR, 2016, p. 2657).
A fim de buscar melhor qualidade de vida, no contexto de mudanças propostas pelo SUS desde sua criação, a EsF incorpora bases próprias nas quais inclui o planejamento e a programação de serviços direcionados ao perfil de sua população, com a demanda espontânea ou direcionada. Parte das ações previstas em políticas e programas vai desde estratégias voltadas para a saúde do idoso, saúde do homem16, saúde da mulher, saúde infantil, interferir e combater fatores de risco, a implementação de estratégias de promoção de saúde até, por exemplo, iniciativas voltadas ao combate a obesidade. As principais responsabilidades da EsF em suas diretrizes operacionais constituem-se em:
.... consolidar e qualificar a Estratégia da Saúde da Família como modelo de atenção básica à saúde e como centro ordenador das redes de atenção à saúde do SUS. Para isso deverão ser utilizadas técnicas de visitas domiciliares, reuniões entre os profissionais e a comunidade, atividades educativas com grupos definidos, ações administrativas de supervisão e educação continuada (MARTINS, GARCIA e PASSOS, 2008, p. 09).
De fato, a EsF possui uma capilaridade de ações e programas que não está limitada à consulta na Unidade Básica de Saúde (UBS). Entretanto, mesmo sem um estudo mais aprofundado sobre tais estratégias, fica ainda mais claro a prerrogativa da APS de não se limitar a iniciativas reducionistas, que se encerram em si mesmas. Mas, ora sim, possui um contorno para além do contato imediato do usuário e o serviço. Portanto, medidas que almejam um impacto positivo na qualidade de vida dessas comunidades e desses sujeitos atendidos pelos serviços de saúde. Ao passo, que é comum serem levantadas hipóteses e afirmativas sobre fragilidade da EsF como principal forma de organizar a APS. Assim, na análise de Mendes (2015), parece existir uma corrente de desencanto, na qual se sugere que a EsF seja um modelo pouco resolutivo, ao ponto de apresentarem propostas, consideradas mais flexíveis:
...essas propostas fazem-se com fundamento num suposto fracasso do EsF, são construídas com base em opiniões de forte conteúdo valorativo e constroem-se ao arrepio de evidências que as sustentem. Ademais, têm seu foco numa visão ultrapassada de APS que a considera, exclusivamente, como porta de entrada do SUS. Ou seja,como uma parte isolada de um sistema fragmentado, voltada, prioritariamente para a atenção às condições e aos eventos agudos operando de forma episódica, descontínua e fortemente ancorada na consulta médica (MENDES, 2015, p. 38).
Em oposição a tal perspectiva, Mendes (2015) apresenta em seu argumento estudos que comprovam o sucesso da EsF, apesar dos limites impostos ao seu desenvolvimento. Em destaque internacional, sobre os avanços do PSF está a revista médica British Medical Journal de novembro de 2010 que o confirma como, provavelmente, o exemplo mundial mais impressionante de um sistema de atenção primária integral de rápida expansão e bom custoefetividade. Nesse cenário, uma relação de simbiose com o PSF está o Programa de Agentes Comunitários de Saúde-Pacs, atualmente parte integrante da EsF, criado antes mesmo do PSF. O Pacs foi uma experiência exitosa no estado do Ceará de 1987, com inspiração nos médicos “pés descalços” da China17. A iniciativa com o Pacs foi colocada em prática como uma iniciativa do Ministério da Saúde em 1991:
a primeira experiência de Agentes Comunitários de Saúde, ACS, como uma estratégia abrangente de saúde pública estruturada, ocorreuno Ceará em 1987, com o objetivo duplo de criar oportunidade de emprego para as mulheres na área da seca e, ao mesmo tempo, contribuir para a queda da mortalidade infantil, priorizando a realização de ações de saúde da mulher e da criança. Esta estratégia expandiu-se rapidamente no Estado, atingindo praticamente todos os municípios em três anos, sendo encampada pelo Ministério da Saúde mais ou menos nos mesmos moldes, em 1991. As primeiras experiências do Programa de Saúde da Família - PSF, nos moldes atuais, também surgiram no Ceará em janeiro de 1994, sendo encampadas pelo MS em março do mesmo ano, como estratégia de reorganização da atenção básica no país. A partir daí o Pacs, passou a ser incorporado pelo PSF (TOMAZ, 2002, p.84).
Dessa maneira, o Pacs é estabelecido pelo Ministério da Saúde com o intuito de contribuir para melhores resultados na saúde da comunidade, por meio da estratégia de visita domiciliar, que em alguma medida, seria como o serviço de saúde fosse levado às casas dessas pessoas. Ao ponto do trabalhador ACS18 ser considerado o principal elo entre comunidade e os serviços de saúde. Portanto, é possível afirmar que a APS, o PSF e o Pacs estão intimamente ligados, desde seu nascimento, dentro de seu espectro de ações e significados direcionados para a promoção de saúde e prevenção de doenças, pelo principio da integralidade das ações de saúde. Estariam, portanto, representados como uma engrenagem (Figura 2), pela perspectiva da existência de uma forte imbricação, necessidade do princípio da integralidade e até uma interdependência entre suas ações. Ainda, como já apresentado no debate sobre o significado da APS, podem ser observados, nesse sentido, o papel da EsF e do Pacs como ferramentas estruturantes, vez que são na prática mediadores da reorganização e a sustentação do próprio sistema de saúde nos diversos municípios do Brasil19.
As atribuições específicas do ACS nas equipes de saúde segundo o Ministério da Saúde, é antes de tudo, a promoção de um contato permanente entre as famílias, em um trabalho que facilita a vigilância e a promoção de saúde. O ACS é um elo cultural, que no seu cotidiano potencializa o trabalho educativo, ao passo que faz a ponte entre os dois universos culturais: o do saber popular e o do saber científico (LEVY, MOTA E TOMITA, 2005). As autoras, ainda observam a importância do trabalho dos ACS no sentido de realizar encaminhamentos as UBSs, agendamento de consultas, um trabalho de promoção e educação em saúde. O que se espera é que o Pacs, encarnado no ACS seja agente de mudança, percebidos, para além da perspectiva numérica de indicadores de saúde, ou seja:
... processo de mudança desencadeado pelo Pacs nem sempre se mensura por indicadores epidemiológicos de saúde-doença. Uma outra dimensão de mudanças de consciência e um enfoque sobre a prática solidária de cidadania certamente têm repercussões na qualidade de vida desse bairro. A população se sente amparada, pois está sendo sempre acompanhada e não precisa que a doença se instale para que receba assistência(LEVY, MATOS e TOMITA, 2004, p.200).
Atualmente em todo o Brasil a APS possui um quadro numeroso de ACS, segundo Saliba et. al. (2011). Em 2011, a partir de dados provenientes do SIAB, o Brasil tinha 245.525 ACS em ação em 5.375 municípios de todas as regiões, acompanhando, aproximadamente, 120.400.000 habitante. Assim, 62,8% da população total do país ( mais da metade da população brasileira) já recebe o acompanhamento dos ACS. De fato, teoricamente o papel do ACS e sua importância para a APS e para o SUS é sempre reconhecido. Ao passo que, sua valorização nem sempre segue na mesma medida, na medida que esse trabalhador quase sempre enfrenta condições precárias de trabalho, possui a menor escolaridade e menores salários dos profissionais que compõe a equipe de saúde da família. Ademais, vivenciou por muito tempo uma luta para realizar um curso técnico específico, pois sua formação esteve sempre restrita a capacitações ou treinamentos em serviço.

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