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FLUSSER, SEU MUNDO CODIFICADO E O DESIGN 
Diólia de Carvalho Graziano
1
 
 
 O presente artigo tem como objetivo analisar os ensaios escritos por Flusser em sua fase 
madura, ou seja, datados entre o final da década de 70 e inicio da década de 90, tendo como 
recorte principal "Teoria da Comunicação" e, como pano de fundo secundário, a intenção de 
averiguar se o autor aborda naqueles textos a "Cultura do Ouvir". Verificar se em algum 
momento das teorias estabelecidas por Flusser ao longo dos textos analisados, este ressalta a 
sonoridade, a "audiovisualidade" ou se Flusser se concentra somente no aspecto visual. Para 
isso almeja-se analisar os seguintes ensaios: O mundo codificado (1978), O futuro da escrita 
(1983-84), Imagens nos novos meios (1989), Uma nova imaginação (1990), Sobre a palavra 
design (1990), O modo de ver do designer (1991), Design: obstáculo para a remoção de 
obstáculos? (1988), Uma ética do design industrial? (1991), Design como Teologia (1990). 
Pretende-se utilizar também os autores Menezes e Baitello. 
Palavras-chave: Flusser, Teoria dos media, audiovisual, fotografia, comunicação. 
 
Flusser, his encoded world and the design 
 
 This article aims to analyze essays written by Flusser in his mature phase, ie, dating from the 
late 70's and early 90's, focusing on principal "Theory of Communication" and the background 
secondary, the intention of ascertaining whether the author addresses those texts to the Culture 
of Listening. "Check if at any time of the theories established by Flusser over the analyzed texts, 
this emphasizes the sound, the "audiovisual" or Flusser focuses only on the visual aspect. For 
that aims to analyze the following tests: the codified world (1978), The future of writing (1983-
84), Pictures in the new media (1989), A new imagination (1990), On the word design (1990), 
The way to see the designer (1991), Design: obstacle to the removal of obstacles? (1988), An 
ethic of industrial design? (1991), Design and Theology (1990). It is intended to also use the 
authors and Baitello Menezes. 
Keywords: Flusser Theory of the media, audiovisual, photography, communication. 
 
Sobre Flusser
2
: 
Vilém Flusser nasceu em 12 de maio de 1920 em Praga, de uma família de 
intelectuais judeus. Ele é descrito (Baitello,2005) como tendo sido de presença 
 
1
 Curriculo Lattes: <http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhepesq.jsp?pesq=7634964222273119> 
2
 Fontes: Wikipedia. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Vil%C3%A9m_Flusser>. Acessado em 
01 jan 2011. Site Flusser Studies. Disponível em <http://www.flusserstudies.net/pag/flusser.htm>. 
Acessado em 01 jan 2011. Tradução livre da autora. 
imponente e possuidor de impressionante gestualidade vocal e corporal que se fez lenda, 
de idéias performáticas. Autodidata, em 1940 perde sua irmã, seus pais e avós, mortos 
em campos de concentração. No ano seguinte Vilém Flusser deixa a Inglaterra vindo 
para o Brasil, onde posteriormente se naturaliza. 
A partir de 1960 Flusser inicia sua colaboração com a Revista Brasileira de 
Filosofia, editada pelo Instituto Brasileiro de Filosofia (IBF) ambos fundados por 
Miguel Reale, em São Paulo, aproximando-se assim de um círculo de intelectuais 
brasileiros de formação liberal. De acordo com Baitello (2005), Flusser “devorou a 
cultura brasileira da mesma maneira como a cultura brasileira devorou as culturas que 
aqui aportaram.” Ao longo da década de 1960, leciona Filosofia da Ciência, na Escola 
Politécnica da USP. Em 1962 torna-se membro do Instituto Brasileiro de Filosofia, e é 
nomeado professor de filosofia da comunicação pela FAAP (Faculdade de 
Comunicação e Humanidades). Participa ativamente da vida artística da cidade, 
colabora com a Bienal de São Paulo e em 1963 publica seu primeiro livro - Língua e 
realidade. 
Em 1964, ele também se tornou co-editor da Brazilian Philosophical review. 
Em 1966, inicia sua colaboração com o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung. Por 
causa da situação problemática no Brasil após o golpe militar de1964, foi ficando mais 
difícil para Flusser proferir palestras e também publicar. Em 1970 a reforma 
universitária agrega os professores de filosofia da USP ao Departamento de Filosofia da 
FFLCH, e Flusser, que era professor da Politécnica, não é recontratado. Em 1972 Vilém 
deixa o Brasil. Inicialmente vive na Itália. Leva uma vida nômade, proferindo palestras, 
até que em 1981 ele e Edith, sua esposa, compram uma casa em Robion, na Provence e 
se estabelecem. 
Em 1983 ele publicou Filosofia da Caixa Preta. O livro foi um enorme sucesso 
com várias edições, sendo publicado em 14 idiomas diferentes. De idéias performáticas, 
Flusser manteve-se bastante ativo até o final de sua vida, escrevendo e ministrando 
conferências na área de Teoria da Comunicação. No dia 27 de Novembro de 1991, após 
conferência em Praga, sua cidade natal, Flusser morreu em um acidente de carro perto 
da fronteira alemã. Ele está enterrado no cemitério judaico daquela cidade. 
Em Menezes (2010) encontramos a sugestão de que “entre os diversos caminhos 
para o acesso a um autor e/ou sua obra destaca-se a leitura de sua autobiografia. O 
contato com Bodenlos: uma autobiografia filosófica, de Vilém Flusser, permite o acesso 
ao universo dialógico no qual viveu o filósofo tcheco naturalizado brasileiro...” 
(Menezes, 201019) Bodenlos em alemão significa “sem chão”, “sem fundamento”. 
Flusser em sua autobiografia assumiria sua condição de eterno migrante, de sujeito 
desenraizado de pátrias e de quaisquer sistemas. 
O pesquisador e estudioso da obra de Flusser, Norval Baitello Júnior, em artigo 
publicado no Japão – Vilém Flusser e a Terceira Catástrofe do Homem ou as Dores do 
Espaço, a Fotografia e o Vento
3
 – nos relata como seu orientador de doutorado na 
Alemanha trouxera Harry Pross, exilado de Praga, da mesma geração de Flusser, para 
lecionar na Universidade Livre de Berlim, e mais tarde, Flusser para sua primeira 
palestra, quando este já se encontrava estabelecido na França. 
Mas, mais do que ser brasileiro, Vilém Flusser era um “antropófago”4 da 
melhor estirpe: devorou a cultura brasileira da mesma maneira como a 
cultura brasileira devorou as culturas que aqui aportaram. Foi com as 
ferramentas da “Antropofagia” que Flusser passou a se deliciar com os mais 
diversos artefatos e fatos da mídia e seus desenvolvimentos. Foi o olhar do 
antropófago que fez Flusser enxergar muito à frente o cenário futurológico 
que apenas se descortinava. ( Baitello, 2005:1) 
 
Flusser observara que o homem havia vivenciado três catástrofes históricas: a 
hominização, com o uso de ferramentas de pedra; a civilização com a sedentarização, a 
criação das imagens tradicionais e a escrita que substitui o mundo; e a terceira 
catástrofe, ainda em curso, voltada ao nomadismo do espírito, das casas inabitáveis em 
decorrência da entrada pelos buracos do vento da informação e suas imagens técnicas, 
transmitidas pelas tomadas elétricas. 
Na chamada “escalada da abstração” elaborada por Flusser, a cada degrau ocorre 
redução de uma dimensão como abstrair significando subtrair. Do mundo tridimensional 
às pinturas rupestres bidimensionais, destas para a escrita unidimensional. Deste 
pensamento linear, conceitual da escrita, surgem as bases que criam os aparelhos 
produtores das tecno-imagens. Não possuindo corporeidade, sendo formulas e 
algoritmos que se projeta em um suporte qualquer (papel, parede, garrafa, névoa) são 
nulodimensionais. 
Na relação com suas ferramentas, Flusser argumenta que na era pré-industrial, o 
homem era o centro das atividades, sendo sujeito da ação transformadora do mundo,se 
cercando de ferramentas. Na era industrial as máquinas passaram a ocupar o centro e o 
homem passa então a cercá-las em seu papel de trabalhador. Na terceira catástrofe, com 
o advento dos aparelhos, a lógica industrial é transformada: a máquina produtora das 
tecno-imagens é a parte menos onerosa e todos podem ter seu próprio equipamento. O 
valor se desloca assim para o seu programa, que previamente é dado pelo aparelho. 
Importante componente do pensamento de Flusser consiste na dúvida, pois ele tinha 
consciência de fazer parte da primeira ou segunda geração daqueles para os quais a 
 
3
 Disponível em <http://www.flusserstudies.net/pag/03/terceira-catastrofe-homem.pdf>. Acessado em 
01/jan/2011. 
4
 Norval refere-se aqui ao movimento de vanguarda histórica chamada “Antropofagia”. Movimento 
radical, desdobramento do Modernismo brasileiro, teve como um dos principais atores e autores Oswald 
de Andrade. O Movimento Antropofágico propunha, sob a metáfora da devoração, um procedimento 
radical de recepção crítica dos fluxos culturais, a contrapelo dos nacionalismos e igualmente a contrapelo 
dos colonialismos. A metáfora se funda nos relatos históricos dos primeiros viajantes europeus no Brasil 
sobre os indígenas canibais, sobretudo no livro do alemão Hans Staden, A verdadeira história dos 
selvagens, nus e ferozes devoradores de homens (1548-1555). 
dúvida da dúvida não seria mais um passatempo teórico, mas uma situação existencial. 
(Menezes, 2010) 
 
O mundo codificado 
 
Lançado em 2007 pela editora Cosac Naif, o livro organizado e introduzido por 
Rafael Cardoso reúne textos traduzidos por Raquel Abi-Sâmara. Rafael Cardoso 
apresenta Flusser como um dos maiores pensadores do século XX. “Trata-se de uma 
obra fundamental para compreender o que pode ser chamado de „período europeu‟... 
Este período é marcado pelo reconhecimento internacional e pelas inúmeras palestras 
que proferiu em diferentes países onde era convidado como „filósofo dos novos 
media‟”. (Menezes, 2010:28). 
O blog brasileiro
5
 que leva o nome da obra argumenta que ela é essencial para a 
formação de designers, sendo referencia obrigatória para melhor entendimento da 
“encruzilhada entre a materialidade temporal e a imaterialidade eternizada à qual nossa 
cultura parece estar chegando”. Ressalta que os textos “trazem a marca da melhor 
produção do autor: são curtos, rápidos, claros, precisos, incisivos” e como afirma 
Cardoso na introdução “que ninguém se engane com a aparência amena dessa água, cuja 
superfície transparente esconde a profundidade vivente de um oceano!" 
A obra é dividida em três grandes seções: coisas, códigos e construções. O 
presente artigo trata de parte da seção códigos, a saber, seus títulos e ano de publicação - 
O mundo codificado (1978), O futuro da escrita (1983-84), Imagens nos novos meios 
(1989), Uma nova imaginação (1990) – e da terceira seção, construções: Sobre a palavra 
design (1990), O modo de ver do designer (1991), Design: obstáculo para a remoção de 
obstáculos? (1988), Uma ética do design industrial? (1991), Design como Teologia 
(1990). 
O mundo codificado é aquele cujo significado geral da vida em si mudou sob o 
impacto da revolução na comunicação. As imagens pré-modernas são produtos de 
artesãos, pintores. As obras pós-modernas são produtos da tecnologia. Onde quer que se 
descubram códigos, pode-se deduzir algo sobre a humanidade. O mundo codificado que 
não significa mais processos, não conta história e em que viver nele não significa agir 
criou uma crise de valores na medida em que nós ainda continuamos sendo 
programados por textos. O que não ocorrerá com a nova geração que já é programada 
pelas imagens eletrônicas que nos circundam. Portanto existe ainda em nós uma 
ignorância quanto aos novos códigos. Devemos aprendê-los “senão seremos 
condenados a prolongar uma existência sem sentido em um mundo que se tornou 
codificado pela imaginação tecnológica. A decadência e a queda do alfabeto significam 
o fim da história, no sentido estrito da palavra.” (Flusser, 2007,137). 
 
5
 Blog O mundo codificado: grupo de estudo do livro “o mundo codificado” de Vilém Flusser”. 
Disponível em <http://vilemflusser.blogspot.com>. Acessado em 04/jan/2011. 
O futuro da escrita em face da crescente importância das mensagens não-
escritas, o distanciamento em relação aos códigos lineares, que produzem a consciência 
histórica onde o tempo transcorre irreversivelmente do passado para o futuro, aponta em 
duas direções: 
Ou ela se tornará uma crítica da tecnologia (o que significa: um 
desmascaramento das ideologias escondidas atrás de um processo técnico que 
se tornará autônomo em relação às decisões humanas) ou se tornará a produção 
de pretextos para a tecno-imaginação (um planejamento para aquele progresso 
técnico). Na primeira alternativa, o futuro se tornará inimaginável por definição. 
Na segunda, a história, no sentido estrito do termo, caminhará para um fim, e 
poderemos facilmente imaginar o que se seguirá: o eterno retorno da vida em 
um aparato que progride por meio de sua própria inércia. (Flusser, 2007:150) 
As imagens tradicionais são resultantes da aplicação de um código específico e 
podem ser lidas por qualquer um que tiver qualquer familiaridade com o mesmo. Para 
ler e usar os códigos das imagens tradicionais é necessária imaginação. O problema 
colocado por Flusser consiste no esquecimento de que a imagens são instrumentos 
criados pelo homem para facilitar sua orientação pelo mundo. Imagens não são o 
mundo. O extremo domínio da imagem é chamado idolatria. O que há por detrás das 
imagens? As imagens nos novos meios, da maneira como funcionam hoje, transformam 
as imagens em verdadeiros modelos de comportamento e fazem dos homens, seus 
funcionários, meros objetos. “Mas os meios podem funcionar de maneira diferente, a 
fim de transformar as imagens em portadoras e os homens em designers de 
significados.” (Flusser:2007, 159). 
Os meios podem ser dispostos diferentemente, ao invés de feixes que ligam o 
emissor a inúmeros receptores, como uma rede que conecta os indivíduos uns com os 
outros - não como a atual televisão, mas algo parecido a uma rede telefônica - podendo 
as imagens assim serem tecnicamente recebidas, reprocessadas e retransmitidas. No 
campo nas imagens de computador já ocorrem mudanças em relação ao transporte de 
imagens, mostrando ser possível neutralizar de modo técnico a soberania política, 
econômica e social vigente. 
A capacidade do homem de criar imagens parece ser algo próprio da espécie. 
Flusser distingue dois tipos de imaginação, ou antes, uma nova imaginação, diversa do 
gesto inaugural da criação de imagens. Não podemos afirmar que compreendemos essa 
fase da criação de imagens. 
A primeira fase de criação imagética consiste no afastamento do mundo objetivo 
em recuo abstrativo. A tradição teológica contestou o uso de imagens por acreditar que 
o ponto de vista a partir do qual se criam as imagens é ontológica e 
epistemologicamente duvidoso, duvidando-se da objetividade daquilo que é visto. Os 
códigos imagéticos são conotativos e, portanto não confiáveis como modelos de 
comportamento. As imagens, sendo mediações entre o indivíduo e o mundo objetivo, 
estão submetidas a uma dialética interna, ou seja, em vez de utilizar a circunstancia 
expressa nas imagens como orientação no mundo objetivo, o homem emprega sua 
experiência concreta nesse mundo para se orientar nas imagens, a “idolatria”, cujo 
comportamento resultante é “mágico”. 
Entende-se então que as imagens devem ser proibidasporque necessariamente 
alienam o homem, o levam à loucura da idolatria e do comportamento mágico... 
pode-se defender um ponto de vista que evite a proibição de imagens. Pode-se 
dizer o seguinte: que não é possível se orientar no mundo sem que se faça antes 
uma imagem dele... Mas os argumentos contra as imagens estão corretos. 
Portanto não é oportuno que se proíba a criação de imagens, mas certamente é 
oportuno que as imagens produzidas sejam submetidas a critica. (Flusser, 2007: 
167) 
A escrita linear foi criada no ocidente para explicar a imaginação, tornando as 
imagens transparentes de novo para o mundo dos objetos. Os pixels são elementos 
imagéticos isolados retirados da tela para serem ordenados numa sequencia pictográfica, 
linhas unidimensionais, e submetê-las a uma critica que enumera, que conta, que critica 
- o computador. Apenas uma imaginação totalmente calculada pode ser considerada 
explicada. O código numérico abandonou o código alfabético (retirada do pensamento 
que calcula do pensamento histórico e linear), livrando-se da obrigação de linearidade 
quando passou dos números para as informações digitais. Assim as imagens se tornaram 
completamente analisáveis e inviabilizaram as objeções das tradições filosóficas e 
teológicas. Portanto trata-se agora da abstração absoluta. 
Na computação a criação de imagens é o ajuntamento de elementos pontuais, 
calculados, projetados e concretizados sem o gesto da abstração nem de recuo. As 
imagens da imaginação de antes são bidimensionais porque foram abstraídas do mundo 
quadrimensional e as novas imagens são bidimensionais porque foram projetadas por 
cálculos adimensionais 
O propósito do ato criador anterior é fazer uma cópia de uma circunstancia que 
possa servir de modelo para ações futuras. Essencialmente nas novas imagens buscam-
se situações inesperadas num campo de possibilidades dado, como nas equações fractais 
onde encontramos a estética pura. A nova imaginação se encontra num ponto de vista de 
abstração insuperável. 
A exigência que nos é colocada é a de saltar do nível de existência linear para 
um nível de existência totalmente abstrato, adimensional (para o “nada”). ... 
Independentemente de querermos ou não, a nova imaginação entrou em cena. E 
é uma ousadia empolgante: os níveis de existência que temos que galgar graças 
a essa nova imaginação promete-nos vivencias, representações, sentimentos, 
conceitos, valores e decisões – coisas que até agora só pudemos sonhar, no 
melhor dos casos; essa ousadia promete colocar em cena as capacidades que até 
agora apenas dormitavam em nós.” (Flusser, 2007:177) 
 
O design 
 
Sobre o design, Flusser lembra a funcionalidade da palavra como verbo e 
substantivo, argumentando que a palavra design ocorre em um contexto de fraudes e 
astúcias e que se encaixa na brecha ocorrida na cisão entre o ramo científico, técnico e o 
ramo estético, qualificador. Embora ele afirme que “...design significa 
aproximadamente aquele lugar em que arte e técnica (e, consequentemente, 
pensamentos, valorativo e científico) caminham juntas, com pesos equivalentes, 
tornando possível uma nova forma de cultura”(Flusser, 2007:184), logo em seguida 
salienta que os termos mencionados remetem ao engodo e malícia. 
Exemplificando a alavanca como uma antiga máquina simples, imitação do 
braço humano, potencialmente capaz de nos arremessar à lua, trapaceando a natureza e 
nos libertando de nossas condições naturais. “Este é o design que está na base de toda 
cultura: enganar a natureza por meio da técnica, substituir o natural pelo artificial e 
construir máquinas de onde surja um deus que somos nós mesmos... nos transformar de 
simples mamíferos condicionados pela natureza em artistas livres.” (Flusser, 2007:184) 
Avançando em seu raciocínio afirma que há uma desvalorização de todos os 
valores e analisa a caneta de plástico, atual suporte publicitário, em que se trata com 
desdém o material e o trabalho necessário para produzi-las: o trabalho, que em Marx era 
a fonte de todos os valores, e a criatividade científica e econômica que tornaram 
possível aquele objeto. Para o autor tcheco, o design nos liberou para viver em modo 
cada vez mais bonito e artificial, e o preço pago é a renuncia à verdade e à 
autenticidade. Todos os artefatos adquirem o mesmo valor que as canetas de plástico: 
convertem-se em gadgets descartáveis Neste ponto me lembro de Walter Benjamin e a 
sua Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica
6
 pois Flusser lamenta que 
com o design houve a perda do sentido de valorização do trabalho criativo e 
manufatureiro dos objetos, a exemplo de, ou como que sequenciando Benjamin com a 
reprodutibilidade e aura que envolvia as obras originais. 
O modo de ver dos designers é capaz de olhar através do tempo, em direção à 
eternidade, e de reproduzir o que foi visto desse modo para, por exemplo, projetar 
pontes, ou como na antiga Mesopotâmia: subiam no alto das montanhas e olhando na 
direção da nascente do rio previam secas e inundações, projetavam em argila os canais 
de irrigação e drenos. Flusser assemelha os designers à Deus, pois possuem uma espécie 
de olho-sentinela que os torna capazes de dar ordens a um robô para que transporte a 
eternidade intuída e manipulada para a temporalidade, como o que ocorre com a 
construção de foguetes. Na Mesopotâmia eram chamados profetas, mas hoje o designer 
 
6
 A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica é um ensaio de Walter Benjamin, foi publicado 
em 1936, e discute as novas potencialidades artísticas decorrentes da reprodutibilidade técnica. Em 
épocas anteriores a experiência do público com a obra de arte era única e condicionada pelo que ele 
chama de aura, isto é, pela distância e reverência que cada obra de arte, na medida em que é única, impõe 
ao observador. O aparecimento e desenvolvimento de outras formas de arte, (começando pela fotografia), 
em que deixa de fazer sentido distinguir entre original e cópia, traduz-se assim no fim dessa «aura». Isto 
libera a arte para novas possibilidades, tornando o seu acesso mais democrático.. Fonte: Wikipédia. 
Disponível em < 
http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Obra_de_Arte_na_Era_de_Sua_Reprodutibilidade_T%C3%A9cnica>, 
acessado em 17 jan.2011. 
 
“Graças a Deus não é consciente disso e considera-se um técnico ou um artista. Que 
Deus o possa conservar nessa fé” (Flusser, 2007:192). 
Existe o dilema de o design criar problemas para resolver problemas, cuja 
solução seria os objetos de uso constituir mediações entre um ser humano e outros 
homens, e não meros objetos. A questão colocada é sobre a capacidade de configurar 
projetos de modo que os aspectos comunicativo, intersubjetivo e dialógico sejam mais 
enfatizados do que o aspecto objetivo, objetal, problemático. Contudo, os objetos de uso 
são obstáculos necessários para que se progrida, e quanto mais necessário, maior o 
consumo. Com o consumo, o projeto que os lançou se extingue. 
De acordo com a segunda lei da termodinâmica, toda matéria tende a perder a 
sua forma, informação. Assim se dá com os objetos de uso imaterial, sendo descartados. 
As formas se tornam cada vez mais efêmeras, o que sugere maior descarte e, portanto 
uma possibilidade futura de criação mais responsável, resultando em uma cultura onde 
os objetos de uso significariam cada vez menos obstáculos e cada vez mais veículos de 
comunicação entre os homens. Assim, precisa-se pensar a ética no design, senão “... o 
nazismo, a guerra do Golfo e fenômenos parecidos haverão de representar unicamente 
os primeiros estágios da destruição e da autodestruição” (Flusser:2007,204) 
 
Considerações finaisEm “O mundo Codificado” Flusser sedimenta os principais conceitos sobre as 
novas mídias. Os últimos textos escritos por ele antes de morrer alia religiosidade, o 
sacro, e o design, atribuindo ao ocidente, à ciência e a tecnologia, e ao oriente, a 
aproximação estética e pragmática da vida, e que agora, as duas culturas, antes 
excludentes, se fundem entre si, a exemplo dos códigos binários dos computadores. E 
contextualiza a hipótese de que, ao analisar um rádio de mão com design japonês, 
estaremos diante de um design “expressão de um cristianismo judaico „elevado‟”; de um 
budismo “elevado”. 
Não encontramos na obra nenhuma alusão ao sentido da audição, o que 
demandaria uma análise mais extensa do assunto já que a comunicação sonora é tão 
importante e, embora vivenciemos um período de invasão das imagens técnicas, o rádio 
ainda é o meio de comunicação mais acessível, econômico e portátil. E em épocas de 
internet transportando uma enormidade de vídeos ao redor do globo terrestre, já se ouve 
alardes de que, pelo menos nas corporações, conforme se pode observar no artigo 
“Vídeos e mídias sociais pressionarão redes corporativas em 2011”, afirmação de que 
há que se economizar na “banda”, o que sugere que, em algum momento possa haver 
uma necessidade de triagem desse conteúdo audiovisual transportado 
indiscriminadamente e, parte dele, venha a ser convertido para a comunicação sonora, 
promovendo uma retomada do uso comunicacional das rádios e podcasts digitais, que 
utilizam um espaço ínfimo dentro do espectro da rede. 
 
Referências 
 
BAITELLO JÚNIOR, Norval. Vilém Flusser e a Terceira Catástrofe do Homem ou as Dores do Espaço, a 
Fotografia e o Vento. 2005. Disponível em <http://www.flusserstudies.net/pag/03/terceira-catastrofe-
homem.pdf>. Acessado em 01/jan/2011. 
Blog “O mundo codificado: grupo de estudo do livro “o mundo codificado” de Vilém Flusser”. 
Disponível em <http://vilemflusser.blogspot.com>. Acessado em 04/jan/2011. 
Dicionário da comunicação. Ciro Marcondes Filho (org.). São Paulo: Paulus, 2009. 
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. Rafael Cardoso 
(org). Tradução: Raquel Abi-Sâmara. São Paulo: Cosac Naify, 2007. 
MENEZES, José Eugenio de O. Para ler Vilém Flusser. In Líbero. São Paulo, v.13, nº25, p.19-30, jun. de 
2010. 
OLIVEIRA, José Marcos. Vídeos e mídias sociais pressionarão redes corporativas em 2011. In Portal 
Telesíntese. Disponível em < 
http://www.telesintese.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16586:videos-e-midias-
sociais-pressionarao-redes-corporativas-em-2011&catid=18&Itemid=1139>, acessado em 18 jan. 11 
Site Flusser Studies. Flusser Flusser. Disponível em <http://www.flusserstudies.net/pag/flusser.htm>. 
Acessado em 01/ jan/2011. Tradução livre da autora. 
WIKIPÉDIA. Vilém Flusser. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Vil%C3%A9m_Flusser>. 
Acessado em 01/jan/2011.

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