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( 3 ) A construção social do ser humano: subjetividade e identidades À duração da minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser conco- mitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios. Clarice Linspector Nesta unidade, analisaremos os aspectos da construção da subjetividade, das identidades e sua impor- tância nas relações sociais. A identidade é um tema multidisciplinar da Filosofia, Antropologia, Sociologia, Psicologia e outras áreas. Apre- ende-se o conceito através da análise das condições de vida historicamente construídas de um sujeito e não através do es- tudo das singularidades da alma ou no arcabouço biológico. Propomos, nesta unidade, algumas reflexões acerca da construção do conceito das subjetividades e identidades do ser humano e, em especial, as motivações psicológicas que ensejam a realização das suas ações. Vamos refletir sobre as questões: Como homens e mulheres investem continuamente em assumir características e traços considerados ine- rentes à constituição do ser? Por que este tema é importante para o estudo das re- lações sociais? Cláudia Vaz Torres 84 P si co lo gi a e co m po rt am en to Importa, para você, a identidade do outro? Você sabe conceituar identidade? E subjetividade? Existe uma tensão constante do termo identidade com o termo subjetividade. Woodward (2000, p. 55) esclarece que os termos “identidade” e “subjetividade” são, às vezes, utili- zados de forma intercambiável. Existe, na verdade, uma considerável sobreposição entre os dois. Subjetivi- dade sugere a compreensão que temos sobre o nosso eu. O termo envolve os pensamentos e as emoções inconscien- tes que constituem nossas concepções sobre ‘quem somos nós’. A subjetivida- de envolve nossos sentimentos e pensa- mentos mais pessoais. Entretanto, nós vivemos nossa subjetividade em um contexto social no qual a linguagem e a cultura fornecem elementos para a construção do significado sobre a ex- periência que temos de nós mesmos e no qual nós construímos e adotamos identidades. Depreendemos que os conceitos de identidade e sub- jetividade tencionam entre si porque envolvem discussões sobre a subjetividade individual e coletiva, a historicidade, as interações sociais, a dependência do outro como constituinte da subjetividade e os processos de individuação. As tensões, A c on st ru çã o so ci al d o se r h um an o: su bj et iv id ad e e id en tid ad es 85 também, revelam a dificuldade de exprimir conceitualmente as suas complexidades. A subjetividade pode ser compreendida como o que constitui o nosso modo de ser, envolve a maneira de pensar, sentir, agir, etc. E a identidade é o modo como nos apresenta- mos ao mundo e somos reconhecidos. As pessoas vão se cons- tituindo umas às outras, ao mesmo tempo em que constituem um universo de significações que as constitui. As identidades envolvem a articulação de várias personagens, articulação de igualdades e diferenças atravessada por uma história pessoal. (3.1) Construindo um conceito de identidade Como se constroem as nossas identidades? Reflita sobre a questão a partir dos vídeos: Identidade de Fernando Meireles disponível em http://www.youtube. com/watch?v=yKG8no8OKDg e Identidade cultural na pós- modernidade disponível em http://www. youtube.com/watch?v=x4mwIWTEdC8 86 P si co lo gi a e co m po rt am en to Para construir o conceito de identidade, é necessário que se façam opções epistemológicas, metodológicas e políti- cas, pois existem diferentes formas de pensar sobre qualquer conceito. Para os propósitos deste estudo, constitui-se pressu- posto fundamental a ideia de identidade como uma constru- ção social, superando aquele que a apresenta como uma enti- dade fixa e imutável, destacando o caráter ativo do indivíduo no contexto sócio-histórico de sua vida. Nesse sentido, fazemos uma incursão pelos trabalhos de Ciampa (1987), Hall (2001), Woodward (2000), entre outros, que permitem a construção de saberes necessários para a compreensão do processo de constituição da identidade. O termo identidade remete ao que é idêntico, ao que torna os indivíduos iguais aos demais, mas também ao conjunto de caracteres que possuem e que os tornam di- ferentes e únicos. Ao mesmo tempo em que se representa semelhante ao outro por pertencer à determinada classe, raça ou categoria, o indivíduo percebe-se como um ser úni- co a partir de um conjunto de traços que o diferenciam e o distinguem por algo que ele não é. Para Ciampa (1986), a criança antes de nascer já é repre- sentada como filho de alguém e essa representação prévia a constitui efetivamente e objetivamente como filho e membro de uma determinada família. Posteriormente, essa represen- tação é interiorizada pelo indivíduo e reafirma-se à medida que as relações nas quais estiver envolvido confirmarem essa representação, através de comportamentos e discursos que reforcem a sua identificação com o fazer do pai e/ou mãe e com tudo que envolve a dinâmica familiar. A identidade de um sujeito não é fixa, permanente, es- A c on st ru çã o so ci al d o se r h um an o: su bj et iv id ad e e id en tid ad es 87 tável, ela está em constante processo de transformação. Confere-se, ainda, importância ao conceito de identi- dade ao longo da história. (3.2) O conceito de identidade na história Em diferentes períodos históricos, o conceito de iden- tidade tem variado de importância. Segundo Gaarder (1995), um dos maiores filósofos da Antiguidade, Sócrates (469-399 a.C.), acreditava que a identidade humana busca o saber es- sencial da realidade e não apenas o conhecimento do que pode ser útil às suas necessidades. O acesso ao que é essen- cial, na realidade, para Sócrates, não poderia ser conseguido sem a busca do conhecimento e o reconhecimento de que o homem é capaz de realizar o desejo de conhecer e de se asso- ciar às diferentes realidades de seu dia a dia. Para Sócrates, explica Gaarder (1995), era importante encontrar um alicerce seguro para o conhecimento. Ele acreditava que esse alicerce estava na razão humana. Através da razão, do ato de conhe- cer, a identidade humana experimentava um comum-perten- cer à realidade. A realidade, assim, era compreendida pelo homem através das sensações. Estas conformam um saber útil, constituído pelos sentidos e também pelo conhecimento e pelo discurso, com a função de entrelaçar o homem à sua realidade. Posteriormente, o homem passou a incumbir-se da ta- 88 P si co lo gi a e co m po rt am en to refa de construir sistemas de ideias com os quais julgaria e atribuiria um valor à realidade. Para Platão (427-347 a.C.), o mundo material torna-se compreensível através das hipóte- ses das ideias, realidades invisíveis, incorpóreas, perfeitas e imutáveis. As ideias são modelos ideais a serem buscados e copiados de modo imperfeito e transitório. Para o filósofo, a identidade humana sempre esteve e está na clareira das ideias, o que a torna capaz de recordá-las, através das sensações do corpo. Assim, em Fédon, Platão (1983, p. 115) explicava: Uma vez evidenciado que a alma é imortal, não existirá para ela nenhuma fuga possível a seus males, nenhuma salvação, a não ser tornando-se melhor e mais sábia. A alma, com efeito, nada tem consigo, quando chega ao Hades, do que sua formação moral e seu regi- me de vida. A alma, neste sentido, é a possibilidadeda relação en- tre a natureza e a sociedade, e a identidade humana passa a ser associada ao Ser. Na Idade Média, a identidade humana já não era mais entendida à luz das ideias, mas de acordo com os preceitos da fé cristã. Para os teólogos, o que importava era unir o homem a Deus através da crença. A fé cristã referida era, então, enunciada através de um discurso teológico que se servia do conhecimento filosófico A c on st ru çã o so ci al d o se r h um an o: su bj et iv id ad e e id en tid ad es 89 da época e praticada para assegurar ao homem o seu perten- cimento a Deus. A existência, os desejos e as necessidades do homem não interessavam à teologia medieval; o importante era que o homem se aproximasse do divino. Santo Agostinho (354-430), um dos maiores teólogos da Idade Média, acredi- tava que toda a existência humana é de natureza divina. No cerne da antropologia agostiniana, Deus é a bondade absolu- ta, e o homem, um miserável condenado ao inferno, só obten- do salvação mediante a graça divina. No fim da Idade Média e no início do Renascimento e da Reforma, importantes transformações ocorridas nos sécu- los XV e XVI marcam uma mudança na concepção da identi- dade, que passou a ser compreendida não mais ancorada nas sensações ou na fé, mas na autonomia e liberdade de pensa- mento e crença. Assim, o início da Modernidade é geralmente interpretado dentro de um pensar cartesiano: “Penso, logo existo!”, principalmente no que tange ao exercício da razão. Deste modo, o homem tomou para si a necessidade de estabe- lecer o eixo da sua existência e elevar-se a um nível superior para tornar-se ser humano. O distanciamento das concepções reinantes da Idade Média, em que todos os aspectos da vida humana estavam atrelados a Deus, possibilitou que o homem voltasse a ocupar o centro de tudo. A égide deste movimento, segundo Gaarder (1995, p. 216), era a seguinte: “De volta às fontes”. E a principal fonte era o humanismo da Antiguida- de. Deste modo, a maior contribuição do Renascimento foi a abertura para uma nova visão de homem, cuja existência não estava presa ao divino. Sobre a posição ocupada pelo homem nesse momento, Gaarder (1995, p. 219) declara: 90 P si co lo gi a e co m po rt am en to O homem não existia apenas para ser- vir a Deus, mas também para ser ele próprio. Por esta razão, o homem podia desfrutar aqui e agora de sua própria vida. E se o homem podia se desenvol- ver livremente, ele tinha possibilidades ilimitadas. Seu objetivo era ultrapassar todas as fronteiras. O famoso homem vitruviano Fonte: Banco de dados ThinkStock A c on st ru çã o so ci al d o se r h um an o: su bj et iv id ad e e id en tid ad es 91 Conhecer não era compreender a essência, mas as re- lações do objeto com o contexto através de estruturas mate- máticas quantitativas. A contemplação cedeu lugar à mani- pulação; os sistemas hierárquicos sucumbiram à relatividade; o mundo empírico abriu espaço para o conhecimento prove- niente da razão. Deste modo, não se pode refletir sobre o con- ceito de identidade sem o apoio da Filosofia, da Antropologia, da Sociologia e da Psicologia. Expressões distintas – como imagem, representação e conceito de si, que se referem a um conjunto de traços, imagens e sentimentos que o indivíduo reconhece como fazendo parte dele próprio – são empre- gadas, fazendo referência ao conceito de identidade. Como enuncia Jacques (1998, p. 160): A identidade pode ser representada pelo nome, pelo prenome eu ou por outras predicações como aquelas refe- rentes ao papel social. No entanto, a re- presentação de si através da qual é pos- sível apreender a identidade é sempre a representação de um objeto ausente (o si mesmo). Sob este ponto de vista, a identidade se refere a um conjunto de representações que responde a pergun- ta ‘quem és’. 92 P si co lo gi a e co m po rt am en to (3.3) “Quem eu sou?” Responder à pergunta “quem eu sou” implica, para o indivíduo, tornar claro o modo como está inserido no mundo social, a atividade produtiva que se presentifica como atribu- to do eu e as relações sociais estabelecidas. Percebe o quanto estas questões são importantes? Então: Quem és? O que faz? Para a Psicologia Sócio-Histórica, que tem como re- ferência a Psicologia Histórica Cultural, o entendimento de como as identidades se constituem não pode prescindir de levar em conta as condições históricas, sociais e econômicas nas quais o homem está inserido, a compreensão de que a identidade não é preexistente ao homem e que a análise do “mundo interno” exige a análise do “mundo externo”, que es- tão em movimento contínuo de construção e desconstrução. O mundo interno dos seres humanos não pode ser en- tendido descolado da realidade, que inclui aspectos impor- tantes, como o trabalho social e a atividade humana, carac- terística que promove a divisão das funções e origina novas formas de comportamento, bem como o uso de ferramentas e o aparecimento da linguagem. A c on st ru çã o so ci al d o se r h um an o: su bj et iv id ad e e id en tid ad es 93 A linguagem é um sistema de códigos e um recurso que permite a abstração, a generalização, o pensamento, a imaginação, a criatividade, a reestruturação emocional e a construção da subjetividade. Não se pode estudar o mundo interno do ser humano sem levar em conta esses aspectos: o trabalho, o uso de ferramentas, a linguagem e a atividade consciente entendidos não de modos justapostos, mas como presenças que caracterizam uma unidade. Antônio Ciampa (1987), psicólogo social que desenvol- veu uma concepção psicossocial da identidade, explica que ela aparece como um processo, sem características de perma- nência ou independência entre os elementos biológicos, psi- cológicos e sociais que a constituem. Para Ciampa (1987, p. 152): “A identidade de uma pes- soa é um fenômeno social e não natural.” É, então, um pro- cesso em constante movimento dialético, construído pela atividade e ação do sujeito. O autor citado emprega o termo “metamorfose” como possibilidade de transformação e supe- ração da identidade pressuposta, para expressar este movi- mento em que é preciso articular estabilidade/transformação, como também a dicotomia do igual e do diferente. Uma identidade nos aparece como uma articulação de várias persona- gens, articulação de igualdades e di- ferenças, constituindo, e constituída por uma história pessoal. (CIAMPA, 1987, p.157). 94 P si co lo gi a e co m po rt am en to A identidade que um indivíduo assume em determi- nado momento da sua existência é o desdobramento das múltiplas determinações a que está sujeito. Há, como diz Ciampa (1987), uma rede intricada de relações, em que cada identidade reflete outra identidade, sem que se possa esta- belecer um fio condutor para se alcançar um fundamento originário para cada uma delas. O conceito de identidade proposto por Bock, Furta- do e Teixeira (1993) tem que ser pensado na sua implica- ção com a realidade social, que constitui a história de vida do sujeito e lhe dá sentido. As experiências concretas que o sujeito vivencia em determinada época, cultura, classe social, grupo étnico, grupo religioso, etc., exercem grande influência sobre a formação do ser. A identidade é resultante de toda uma vida real e de todo um conjunto de condições materiais experienciadas. “A identidade é a síntese pessoal sobre si mesmo, incluindo da- dos pessoais, biografia e atributos que os outroslhe confe- rem” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1993, p. 145). Nesse con- ceito está implícita a ideia de singularidade, da construção de uma representação de si no confronto com o outro, através da dinâmica das relações. Há, então, um processar contínuo na construção e definição de si mesmo. Do mesmo modo, na sociedade moderna, não há espaço para uma identidade bem definida e localizada no mundo social e cultural em que o homem possa ser pensado como um conjunto de papéis, ati- tudes, valores, etc., distanciado da sua realidade. A c on st ru çã o so ci al d o se r h um an o: su bj et iv id ad e e id en tid ad es 95 Leia o poema de Carlos Drummond de Andrade e reflita sobre o que estamos tratando: Eu, etiqueta Em minha calça está grudado um nome Que não é meu de batismo ou de cartório Um nome... estranho Meu blusão traz lembrete de bebida Que jamais pus na boca, nessa vida, Em minha camiseta, a marca de cigarro Que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produtos Que nunca experimentei Mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido De alguma coisa não provada Por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, Minha gravata e cinto e escova e pente, Meu copo, minha xícara, Minha toalha de banho e sabonete, Meu isso, meu aquilo. Desde a cabeça ao bico dos sapatos, São mensagens, Letras falantes, Gritos visuais, Ordens de uso, abuso, reincidências. Costume, hábito, premência, Indispensabilidade, E fazem de mim home -anúncio itinerante, Escravo da matéria anunciada. 96 P si co lo gi a e co m po rt am en to Estou, estou na moda. É duro andar na moda, ainda que a moda Seja negar minha identidade, Trocá-lo por mil, açambarcando Todas as marcas registradas, Todos os logotipos do mercado Com que inocência demito-me de ser Eu que antes era e me sabia Tão diverso de outros, tão mim mesmo [...] Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher, Minhas idiossincrasias tão pessoais, Tão minhas que no rosto se espelhavam E cada gesto, cada olhar, Cada vinco da roupa Sou gravado de forma universal, [...] Por me ostentar assim, tão orgulhoso De ser não eu, mar artigo industrial, Peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente. . Fonte: http://www.pensador.info/p/eu_etiqueta_-_carlos_drumond_de_andrade/1/ A c on st ru çã o so ci al d o se r h um an o: su bj et iv id ad e e id en tid ad es 97 (3.4) Identidade...mais contribuições Outro teórico que desenvolve uma reflexão sobre a questão da identidade cultural na modernidade é Stuart Hall (2001). Para ele, as identidades existentes num mundo que se intitula pós-moderno, que tem como base uma sociedade in- formatizada e pós-industrial, em que não existem “grandes narrativas” como o discurso iluminista, que pregava a eman- cipação pela revolução ou pelo saber para fundar a ciência, se inserem em sociedades que têm como preocupação central a extinção de fronteiras, nas quais predominam o hedonismo, o consumismo exagerado e estruturas psíquicas narcisistas que valorizam a estética e encontram-se distanciadas ou es- vaziadas das demais subjetividades. Estas características pro- movem o descentramento, o deslocamento e a fragmentação pela perda de um sentido de si estável e permanente. Neste sentido, Hall (2001) propõe a distinção de diferentes concep- ções de identidade: a do sujeito do Iluminismo, a da Sociolo- gia e a que enfatiza o caráter de mudança na construção da identidade do sujeito pós-moderno. Segundo esse autor, de acordo com a concepção de su- jeito, centrado na racionalidade e libertado dos dogmas reli- giosos, própria do sujeito do Iluminismo, o indivíduo nascia e permanecia idêntico ao longo de toda a existência. A razão, a consciência e a ação predominavam. A identidade era fixa, havia uma identidade verdadeira que era um apelo à existên- cia do sujeito. Para o Iluminismo, o homem era um ser perfec- tível, com condições de libertar-se dos medos e preconceitos através do conhecimento que advém das ciências, da políti- 98 P si co lo gi a e co m po rt am en to ca, das artes e da doutrina jurídica, áreas que expressavam o grau de progresso de uma civilização. O instrumento do Iluminismo era a consciência individual e autônoma que pos- sibilitava ao homem a libertação da ignorância e dos medos. Também o controle sobre si mesmo, que advém da racionali- dade, era condição de fundamental importância para a for- mação pessoal (TORRES, 2003). Do ponto vista sociológico, a identidade tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”. Este núcleo forma-se e se modifica num diálogo contínuo com o outro e com o mundo. “A identidade, então, costura o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizí- veis” (HALL, 2001, p. 12). Para a Sociologia, tudo o que está ocorrendo com o sujeito, num dado momento, como a sua his- tória, os tencionamentos, os conflitos e as crises existentes no mundo, está presente na construção da sua identidade. Para refletir: Há possibilidade de existirem identidades contraditórias? Há uma identidade mestra? É possível ser “isso” e “aquilo”? Mudanças estruturais e institucionais ocasionaram a perda da estabilidade, do centramento e da unificação da identidade com as “necessidades” objetivas da cultura, pro- duzindo o sujeito pós-moderno que não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. Os sujeitos passam a assumir identidades conforme são representados ou interpelados pela família, pela escola, pelo trabalho e pelos diversos sistemas sociais e culturais em que estão inseridos. Não há garantia da posição de identidade A c on st ru çã o so ci al d o se r h um an o: su bj et iv id ad e e id en tid ad es 99 que o sujeito quer assumir, em consequência dos diversos ape- los feitos por outras identidades envolvidas e das negociações e conflitos que são travados. Assim, Hall (2001, p. 13) explica que há possibilidade de existirem identidades contraditórias, que se cruzam e se deslocam mutuamente. Não há uma “iden- tidade mestra”. Por conseguinte, a análise dos determinantes centrais das posições sociais não pode ser simplificada, toman- do como causa, apenas, os fatores socioeconômicos. É preciso levar em conta, também, a raça, o gênero e a sexualidade, as- suntos que serão discutidos na próxima aula. Todos esses aspectos, assim como as representações simbólicas e a linguagem, fornecem as condições para que as identidades existam e lhes conferem um sentido. Através das relações sociais e da apropriação da cultura, o homem de- senvolve um sentido pessoal, compreende as coisas que estão ao seu redor, compreende a si mesmo e aos outros. O caráter de mudança presente nas situações sociais, nas relações e na história de vida de cada um promove um ressignificar contí- nuo sobre a consciência que se tem de si mesmo. Desse modo, entende-se que o mundo social e as representações simbóli- cas referem-se a processos necessários para a construção e a manutenção das identidades. (3.5) “Somos sujeitos de muitas identidades” A análise do posicionamento do sujeito frente a con- 100 P si co lo gi a e co m po rt am en to dições fundamentalmente diferentes e das motivações que determinama preferência por algumas representações, em detrimento de outras, deve levar em conta os estudos da Psi- cologia Social, da Filosofia e da Psicanálise. Estas explicam que as identidades são produzidas em locais históricos, emer- gem de conflitos e negociações, resultam da marcação da di- ferença, da exclusão e distanciam-se da homogeneidade e da unificação. Conforme diz Louro (1999, p. 12): “Somos sujeitos de muitas identidades”. Essas identidades se apresentam de modo transitório e refletem os resultados das relações e em- bates entre o sujeito e os grupos. Nesta análise, precisamos refletir, ainda, sobre os atri- butos sociais que são conferidos a uma pessoa, grupo ou povo, e que marca, cria lugares e posições cujo valor pode ser negativo ou positivo. Esses atributos são os estigmas que revelam a dificuldade do outro de lidar com as diferenças e que são perpetuadas na convivência social (BOCK; FURTA- DO; TEIXEIRA, 2008). Portanto, na nossa sociedade, não há espaço para uma identidade bem definida e localizada no mundo social e cul- tural, em que o homem possa ser pensado como um conjunto de papéis, atitudes, valores, etc., e distanciado da sua realida- de. Peculiar é a paixão pelo efêmero, pela satisfação-insatis- fação com a imagem, pelas novas tecnologias, pelo consumo, pelo descartável. Sobre isso, concorda-se com Chauí (2001) ao admitir que o pós-modernismo é a ideologia que acompanha a nova forma de acumulação do capital, relega os conceitos que fundaram e orientaram a modernidade, como as ideias de racionalidade e universalidade, contrapõe necessidade com contingência e despreza as discussões sobre a relação entre sujeito e objeto. A c on st ru çã o so ci al d o se r h um an o: su bj et iv id ad e e id en tid ad es 101 Portanto, na sociedade contemporânea, o individualis- mo e a fragmentação caracterizam a construção das identida- des de homens e mulheres, valorizando-se a imagem de pres- tígio, poder, sucesso, juventude e beleza e sua possibilidade de ser substituída a qualquer tempo para acompanhar os ru- mos do mercado como, também, privilegia-se a subjetividade fragmentada, conflituosa e insatisfeita. De qualquer modo, é importante lembrar que a identi- dade permite uma relação com o outro, propicia o reconhe- cimento de si, cria e demarca lugares e posições que não são fixos, estão em constante mudança. SÍNTESE Nesta aula, analisamos os aspectos da construção da subjetividade, das identidades e sua importância nas relações sociais. Analisamos que a identidade de uma pessoa é um fe- nômeno social e não natural, é um processo em constante mo- vimento dialético, construído pela atividade e ação do sujeito. Na próxima aula, você continuará refletindo a dimensão sub- jetiva a partir de conceitos como raça, gênero e sexualidade. QUESTÃO PARA REFLEXÃO O que é subjetividade? Qual a importância do “outro” na construção da identidade? 102 P si co lo gi a e co m po rt am en to LEITURA INDICADA EWALD, A.; SOARES, J. Identidade e subjetividade numa era de incertezas: estudos da Psicologia. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/epsic/v12n1/a03v12n1.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2012. SITES INDICADOS Assista aos vídeos que evidenciam as dimensões subjetivas no cotidiano e reflita sobre o conteúdo estudado. Que beleza! Ser bonito. Isso faz diferença? Alguém já disse que a beleza é fundamental. [...] Diariamente julgamos e somos julgados pela aparência. Os valores e sentimentos que dividem o mundo entre feios e belos são o tema desse programa. Assista ao vídeo disponível em: http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/videos/ videos_081030_0001.html Preto no branco Todos os brasileiros são iguais perante a lei. Mas será que todos os brasileiros se sentem iguais? Assista ao vídeo disponível em: http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/videos/ videos_081030_0001.html Lugar comum A c on st ru çã o so ci al d o se r h um an o: su bj et iv id ad e e id en tid ad es 103 Ter uma casa própria. Esse é o sonho de muita gente. Afinal, todo mundo quer ocupar um lugar no espaço. Mas de quanto espaço a gente realmente precisa? Esse episódio mostra que a forma de criar e ocupar espaços faz parte da dimensão subjetiva. Assista ao vídeo disponível em: http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/videos/ videos_081030_0001.html REFERÊNCIAS BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psico- logias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva, 1993. BUZZI, A. A identidade humana: modos de realização. 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