Buscar

A Fragilidade do Reconhecimento Pessoal como Única Prova para Condenação Penal

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 3 páginas

Prévia do material em texto

23/06/2015 A Fragilidade do Reconhecimento Pessoal como Única Prova para Condenação Penal
data:text/html;charset=utf-8,%3Cdiv%20id%3D%22p-description%22%20class%3D%22text-content%22%20style%3D%22margin%3A%200px%3B%20pa… 1/3
O reconhecimento pessoal tem sido uma das provas mais aceitas e utilizadas no processo
penal, tendo força para derrubar todo um conjunto probatório produzido.
Diante de tamanha importância é que o reconhecimento pessoal seja talvez um dos "mais
solenes atos processuais realizados numa persecução criminal" - ou, ao menos, deveria ser,
estando hoje disciplinado nos artigos 226 e seguintes do Código de Processo Penal.
Há, ainda, previsão para o caso de reconhecimento "sigiloso", caso se receie que o
reconhecedor por intimidação ou outra influência não diga a verdade no momento do
reconhecimento, providenciando-se para que a pessoa a ser reconhecida não veja o seu
reconhecedor (art. 226, III, do CPP).
Por fim, assinala o Código Processual Penal que, nos casos em que várias forem as pessoas a
efetuarem o reconhecimento, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer
comunicação entre elas (art. 228 do CPP). Sem dúvida este é o mais importante e o mais
desrespeitado de todos os comandos legais referentes às formalidades do
reconhecimento pessoal.
Isto se afirma porque é comum o contato anterior entre os reconhecedores, ainda que fora dos
domínios territoriais do Poder Judiciário, onde estes conversam especificamente a respeito da
pessoa a ser reconhecida, o que macula por completo o ato de reconhecimento posteriormente
realizado em juízo.
Em se tratando de crime com repercussão na mídia, essa mácula é ainda maior, pois que a
apresentação pela imprensa induz ao reconhecimento, mesmo quando inviável. Não são raros
os casos em que o reconhecedor no primeiro momento não podia sequer descrever o acusado,
e após a exposição na mídia o reconhece como sendo o autor do crime.
Devemos asseverar que o reconhecimento pessoal, muito mais que um "ato processual" é um
"complexo ato psicobiológico", chamado de processo mnemônico, o qual se dá na seguinte
ordem: AQUISIÇÃO -> RETENÇÃO 
-> RECORDAÇÃO.
Vários são os fatores responsáveis pela deterioração da lembrança, sendo que os dois
principais são: 1) o intervalo até a retenção (a diminuição da precisão da lembrança se deve ao
esquecimento normal, o qual é mais rápido após a aquisição e antes da retenção, tornando-se
mais lento em seguida) e 2) as informações obtidas após o ocorrido (durante o intervalo entre a
aquisição e a retenção, ou mesmo após a retenção, a testemunha está exposta a novas
informações sobre o acontecimento presenciado, por exemplo, por comentários posteriores de
outras testemunhas, os quais criarão problemas para distinguir entre a informação original e a
incorporada posteriormente)1
Quanto ao primeiro fator de deterioração da lembrança não há muito a que discorrer,
aplicando-se tão somente uma regra aritmética para a qual a relação entre o tempo e a
lembrança são inversamente proporcionais, ou seja, quanto maior o tempo transcorrido entre o
fato e o momento da recuperação desta informação na memória, menor e pior será a
lembrança.
23/06/2015 A Fragilidade do Reconhecimento Pessoal como Única Prova para Condenação Penal
data:text/html;charset=utf-8,%3Cdiv%20id%3D%22p-description%22%20class%3D%22text-content%22%20style%3D%22margin%3A%200px%3B%20pa… 2/3
No tocante à contaminação da memória por informações externas, devemos afirmar que
freqüentemente a informação posterior ao evento, recebida pela testemunha ou pela
vítima,lhes é proporcionada durante a tomada da declaração pelo sujeito (policial) que está
incumbido da investigação e, ainda que inconscientemente, ele conduz o depoimento na
direção que melhor condizer com seu preconceito sobre o deslinde dos fatos. Assim, as
perguntas que obedeçam a determinados interesses parciais, baseadas em premissas falsas e
em expectativas do entrevistador, podem distorcer, seriamente, a lembrança dos fatos, por uma
testemunha.
De fato, não há uma preocupação acentuada dos profissionais encarregados da investigação
preliminar (inquérito policial, por exemplo) e da instrução processual acerca da psicologia do
testemunho e do reconhecimento. De nada adianta uma boa aquisição e retenção da memória
se houver falha justamente no terceiro momento, isto é, na recuperação da lembrança.
Adentrando mais profundamente ao segundo tipo de vício da memória (informações externas
após o ocorrido), veremos alguns estudos acerca das distorções da memória, realizados por
Elizabeth Loftus2, iniciados ainda na década de setenta. Esses estudos apresentaram resultados
impressionantes e até mesmo assustadores, pois concluíram que a lembrança pode ser
altamente manipulada a partir de informações errôneas sobre acontecimentos nunca vividos, e
também pode haver modificação dos fatos vivenciados. Loftus realizou centenas de
experiências, com mais de vinte mil pessoas, a fim de constatar como a exposição a
informações não verdadeiras distorce a memória. Averiguou, através de trabalho de campo, ser
a desinformação capaz de modificar as lembranças de maneira previsível e até mesmo
espetacular, nas situações mais cotidianas: "a informação errônea pode se imiscuir em nossas
lembranças quando falamos com outras pessoas, quando somos interrogados de maneira
evocativa, ou quando uma reportagem nos mostra um evento que nós próprios vivemos".
Para o processo, a possibilidade de uma testemunha ou vítima fornecer um relato não
verdadeiro, a partir da falsificação da recordação, compromete, integralmente, a confiabilidade
do testemunho ou do reconhecimento, gerando um imenso prejuízo ao acusado.
Não se pode afastar a tendência daquele que toma os depoimentos em explorar unicamente a
hipótese acusatória, induzindo os questionamentos, fruto do modelo inquisitorial, bem como o
despreparo dos profissionais para lidar com essa situação.
Mais preocupante é que, na maioria das vezes, diante da ausência de outros elementos
probatórios, o julgador emite um juízo de culpabilidade com base unicamente na palavra de
reconhecedores ou testemunhas cuja memória foi absolutamente viciada, prova esta que
deveria ser considerada, conseqüentemente, imprestável para todos os fins, principalmente,
para a condenação.
O presente artigo não pretende pôr em descrédito essa prova, mas sim demonstrar que,
dependendo do contexto, ela não é suficiente, por si só, para afastar a presunção de inocência.
A ausência de resquícios materiais, os quais poderiam desmentir a falsificação da lembrança,
gera a problemática de desvendar o que de fato ocorreu, diante da "contaminação" do contexto
no qual a prova foi produzida. Esse equívoco poderá ocorrer pelo induzimento realizado por
parentes, por amigos, por policiais ou julgadores, ao formularem os seus questionamentos,
bem como pela mídia, devido à notoriedade do caso.
23/06/2015 A Fragilidade do Reconhecimento Pessoal como Única Prova para Condenação Penal
data:text/html;charset=utf-8,%3Cdiv%20id%3D%22p-description%22%20class%3D%22text-content%22%20style%3D%22margin%3A%200px%3B%20pa… 3/3
Assim, pela peculiaridade do reconhecimento pessoal, que é um ato complexo - ato processual
+ ato psicobiológico (processo mnemônico) -, é imprescindível que não só os requisitos legais
sejam estritamente obedecidos (artigos 226 e seguintes do CPP), mas também os requisitos
subjetivos, tais como curto espaço de tempo entre a ocorrência dos fatos e a inquirição; além
da não contaminação da memória por informações externas e indutivas, dessa forma se
garantirá que a memória externada pelas testemunhas e ou reconhecedores espelhem
exatamente a realidade, homenageando-se precipuamente o dogma da "verdade real".
Desrespeitados quaisquer desses requisitos,o único caminho é a decretação da ilegalidade e
da imprestabilidade da referida prova, desentranhando-a, inclusive, dos autos, pois sua
manutenção no processo, em condições inadequadas de produção, poderá levar a um desfecho
completamente afastado da justiça e da própria verdade dos fatos.
Notas
1 Vid. GIACOMOLLI, Nereu José e GESU, Cristina Carla di - AS FALSAS MEMÓRIAS NA
RECONSTRUÇÃO DOS FATOS PELAS TESTEMUNHAS NO PROCESSO PENAL - Trabalho publicado
nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília - DF, nos dias 20, 21 e
22 de novembro de 2008.
2 Elizabeth F. Loftus é uma psicóloga americana e especialista em memória humana. Ela
realizou uma extensa pesquisa sobre o efeito da desinformação e da natureza das memórias
falsas. Loftus foi reconhecida em todo o mundo por seu trabalho, recebendo inúmeros prêmios
e títulos honoríficos. Em 2002, Loftus foi 58ª em uma lista dos 100 mais influentes
pesquisadores em psicologia no século 20 e, a melhor classificação mulher na lista.
PALAVRAS CHAVE: RECONHECIMENTO PESSOAL, ÚNICA PROVA, CONDENAÇÃO, PROCESSO
PENAL.
Sobre os autores
1) Rodrigo de Souza Rezende, advogado; membro da comissão de direito criminal da OAB -
subseção de Guarulhos; professor de direito concursado no Centro Paula Souza.
2) Alexandre de Sá Domingues, advogado; membro da comissão de direito criminal da OAB -
subseção de Guarulhos; professor de direito processual penal no Centro Universitário
Metropolitano de São Paulo UNIMESP-FIG.

Continue navegando