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FACULDADE DAMÁSIO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PROCESSUAL PENAL JULIANA PAULA DA SILVA CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO ANTE A FALTA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO ADEQUADO A APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 56 LEVA À IMPUNIDADE? UBERABA-MG 2019 FACULDADE DAMÁSIO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PROCESSUAL PENAL JULIANA PAULA DA SILVA CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO ANTE A FALTA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO ADEQUADO A APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 56 LEVA À IMPUNIDADE? Monografia apresentada à Faculdade Damásio, como exigência parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Processual Penal, sob orientação da professora Thaise Oliveira Pimentel. UBERABA-MG 2019 JULIANA PAULA DA SILVA CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO ANTE A FALTA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO ADEQUADO: A APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 56 LEVA À IMPUNIDADE? TERMO DE APROVAÇÃO Esta monografia apresentada no final do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Processual Penal, na Faculdade Damásio, foi considerada suficiente como requisito parcial para obtenção do Certificado de Conclusão. O examinado foi aprovado com a nota _________. São Paulo, 04 de agosto de 2019. AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço à Deus, por me manter de pé e focada, ainda que tudo pareça desabar ao meu redor. À minha mãe, por todo incentivo e apoio em minha jornada acadêmica e profissional, suas palavras de motivação me mantém firme diante tantos obstáculos, obrigada por sempre acreditar que era possível quando nem eu mesma achava que fosse. Aos meus irmãos, Nayara e Luís Fernando pelo carinho e paciência, esse trabalho é fruto do amor de vocês. Às amigas de faculdade, Adrielle, Anna Flávia, Camila, Emonalize, Giovanna, Ingrid, Laura, Rafaela e Thamiris, vocês sempre serão meu exemplo de resiliência e cumplicidade, independente da distância, dos compromissos e de nossas vidas particulares, estaremos sempre juntas, umas pelas outras. Ao amigo Vinícius, por sua preocupação em me manter disposta e ativa, sempre confiando no meu potencial. “Quando eu saí em direção ao portão que me levaria à liberdade, eu sabia que, se eu não deixasse minha amargura e meu ódio para trás, eu ainda estaria na prisão”. Nelson Mandela RESUMO O presente trabalho monográfico tem como objetivo analisar o teor da Súmula Vinculante 56 e sua aplicação nos casos de ausência de vagas para cumprimento de pena nos regimes semiaberto e aberto, abordando as implicações práticas no âmbito jurídico e sua repercussão na sociedade. O método usado para coleta de dados foi bibliográfico, analisando doutrinas diversas e jurisprudências, além da legislação pertinente ao tema. De tal análise pode-se verificar que ainda que a realidade carcerária brasileira não esteja alinhada com a legislação de execução penal não se pode permitir que o condenado, durante a execução da pena seja submetido à regime prisional mais gravoso do que o adequado por desídia estatal em criar unidades prisionais condizentes com o modelo de progressão de regime adotado em nosso ordenamento jurídico. As alternativas apresentadas pelo Supremo Tribunal Federal no RE 641.320/RS e posteriormente com a edição da Súmula Vinculante 56, deverão ser observadas a fim de que se evite um quadro de excesso de execução e descumprimento de direitos inerentes à pessoa humana e ao condenado. Conclui-se, por fim, que não obstante a relutância da sociedade em enxergar o apenado como detentor de direitos, não se pode impor um cumprimento de pena mais gravoso a este baseado na ignorância ou no temor da sociedade ante o aumento da criminalidade. Deve-se buscar todos os meios possíveis para dar efetividade a ressocialização da população carcerária ainda que o Estado não forneça os elementos necessários para isso. Palavras-chave: Execução. Súmula Vinculante 56. Segurança Pública. Estabelecimentos penais. ABSTRACT The present monographic work aims to analyze the content of Binding Precedent 56 and its application in cases of absence of vacancies for serving sentences in semi-open and open regimes, addressing the practical implications in the legal field and its impact on society. The method used for data collection was bibliographic, analyzing various doctrines and jurisprudences, as well as the relevant legislation. From this analysis it can be verified that even if the Brazilian prison reality is not aligned with the penal execution legislation, it is not possible to allow the convicted person, during the execution of the sentence, to be subjected to the more severe prison regime than adequate by state misery. in creating prison units consistent with the regime progression model adopted in our legal system. The alternatives presented by the Federal Supreme Court in RE 641.320 / RS and later with the edition of Binding Precedent 56, should be observed in order to avoid a framework of over-execution and non-compliance with rights inherent to the human person and the convict. Finally, it is concluded that, despite the reluctance of society to see the inmate as a rights holder, a more severe sentence cannot be imposed on him based on society's ignorance or fear of increasing crime. All possible means should be sought to effectively effect the resocialization of the prison population even if the State does not provide the necessary elements for this. Keywords: Execution. Binding Precedent 56. Public Safety. Penal establishments. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10 1. DA PENA E SUAS FINALIDADES ................................................................................ .12 1.1 CONCEITOS E ORIGEM...................................................................................................12 1.2 ASPECTOS HISTÓRICOS.................................................................................................14 1.2.1 Direito Penal dos povos primitivos ..................................................................................14 1.2.1.1 Vingança divina.............................................................................................................14 1.2.1.2 Vingança privada...........................................................................................................15 1.2.1.3 Vingança pública...........................................................................................................16 1.2.2 Idade Antiga: Direito Penal Grego e Direito Penal Romano ...........................................17 1.2.3 Idade Média: Direito Penal Germânico e Direito Penal Canônico...................................18 1.2.4 Idade Moderna: Período Humanitário..............................................................................20 1.3. TEORIAS LEGITIMADORAS DA PENA.......................................................................21 1.3.1 Teorias Legitimadoras......................................................................................................22 1.3.2 Teorias Deslegitimadoras.................................................................................................241.4 FUNDAMENTOS DA PENA.............................................................................................25 1.5 FINALIDADADES DA PENA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO........25 1.6 PENAS PREVISTAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO........................26 1.6.1 Pena privativa de liberdade..............................................................................................27 1.6.1.1 Penas de reclusão e detenção........................................................................................27 1.6.1.2 Pena de prisão simples..................................................................................................29 1.6.2 Penas restritivas de direitos..............................................................................................29 1.6.3 Pena de multa....................................................................................................................31 1.7 PENAS VEDADAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO..........................32 2. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PENA .................................................................... 33 2.1 PRINCÍPIOS INFORMADORES DA PENA.....................................................................34 2.1.1 Princípio da humanidade ou humanização das penas.......................................................34 2.1.2 Princípio da legalidade ou reserva legal e anterioridade...................................................34 2.1.3 Princípio da individualização da pena...............................................................................35 2.1.4 Princípio da proporcionalidade.........................................................................................35 2.1.5 Princípio da personalidade ou intranscendência...............................................................36 2.1.6 Princípio da inderrogabilidade ou inevitabilidade............................................................36 2.1.7 Princípio da intervenção mínima..................................................................................... 36 2.2 TRATADOS INTERNACIONAIS.....................................................................................37 3. CUMPRIMENTO DA PENA .......................................................................................... 37 3.1 SISTEMA OU CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE.. .39 3.1.1 Primeira fase de aplicação da pena: pena-base.................................................................40 3.1.2 Segunda fase de aplicação da pena: pena provisória.........................................................41 3. 1.3 Terceira fase de aplicação da pena: pena definitiva........................................................42 3.2 FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA..............................43 3.2.1 Regime fechado................................................................................................................44 3.2.2 Regime semiaberto...........................................................................................................44 3.2.3 Regime aberto...................................................................................................................45 3.3 ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS..............................................................................46 3.3.1 Penitenciária.................................................................................................................... 47 3.3.2 Colônia Agrícola, Industrial ou Similar...........................................................................48 3.3.3 Casa do Albergado...........................................................................................................49 3.3.4 Centro de Observação......................................................................................................50 3.3.5 Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico..............................................................50 3.3.6 Cadeia Pública..................................................................................................................51 4. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL ................................................................... 51 4.1 MODELOS DE SISTEMA DE PROGRESSÃO DE REGIME E SISTEMA ADOTADO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.............................................................51 4.2 REQUISITOS PARA PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL...................................53 4.3 VEDAÇÃO À PROGRESSÃO PER SALTUM.................................................................55 5. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 641.320/RS E A EDIÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE 56 ................................................................................................................. 55 6. SÚMULA VINCULANTE 56 E SEGURANÇA PÚBLICA............................................62 CONCLUSÃO.........................................................................................................................66 REFERÊNCIAS......................................................................................................................68 10 INTRODUÇÃO É de conhecimento público que o sistema penitenciário brasileiro vive um momento de total abandono. O aumento contínuo da população carcerária, a morosidade do sistema de execução das penas, as condições das unidades prisionais e o déficit de vagas são alguns dos problemas enfrentados que geram ou potencializam as violações de direitos fundamentais do apenado. Dentre os problemas encontrados, a falta de vagas em estabelecimentos penais adequados é o objeto central da presente pesquisa. O Código Penal estabelece que, após determinar o quantum da pena aplicável ao delito será fixado o regime inicial de cumprimento de pena sendo eles: regime fechado, semiaberto e aberto, cada qual com características distintas e estabelecimento prisional adequado ao mesmo, regulados pela Lei de Execução Penal. Entretanto, a realidade do sistema carcerário contrapõe-se com os ditames da referida legislação vez que, as unidades prisionais, além de possuírem falhas estruturais não comportam toda a população carcerária seja no regime fechado ou intermediário, criando um ambiente propício para inúmeras irregularidades e violações de direitos. O retorno gradual do apenado ao convívio em sociedade, base do sistema progressivo de cumprimento de pena, vem sendo impactado pela falta de condições das unidades prisionais que não permitem que o condenado cumpra pena em regime com características intermediárias, fazendo com o que mesmo como medida paliativa, permaneça em regime mais gravoso do que o que lhe foi conferido ainda que possua direito subjetivo de cumprir pena em condições diversas. Visando sanar essa irregularidade o STF editou a Sumula Vinculante 56, que teve como precedente normativo o Recurso Extraordinário nº 641.320/RS. A redação da referida Súmula estudada em tópico específico na presente pesquisa, não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso ante um quadro de ausência de vaga no regime adequado, instituindo alternativas para amenizar o quadro de déficit de vagas. Diante da solução encontrada pelo judiciário ante a omissão estatal surgem questionamentos por parte da doutrina e da sociedade: seria a Súmula uma medida que acaba por antecipar a progressão ou liberdade de um condenado que não se encontra apto para retornar ao convívio em sociedade, criando um cenário de impunidade ou abrandamento das sanções? Estaria o judiciário atuando em favor dos direitos fundamentais da população carcerária e onerando uma população já fragilizada com o aumento desenfreado da criminalidade? 11 É diante da gravidade dessa situação que o presente estudo se justifica, criando uma análise objetiva, sem exaurir o assunto em discussão, percorrendo a doutrina, a jurisprudênciae a legislação de pertinência temática, analisando o histórico da pena desde os primórdios da humanidade, aspectos conceituais e históricos, os princípios norteadores da pena, seu cumprimento e fixação na legislação brasileira bem como os diferentes regime de cumprimento, os estabelecimentos prisionais e o sistema de progressão de regime, criando uma base para a discussão do assunto central. O tema é objeto de constante debate, envolve princípios, direitos fundamentais, a responsabilidade do Estado em conferir condições adequadas ao cumprimento de pena, segurança social e opinião pública, áreas de difícil pacificação mas que devem estar em constante questionamento, sempre buscando o ideal maior de garantir que se cumpra as leis do país, independente da condição em que se encontra o cidadão seja livre ou encarcerado. 12 1. DA PENA E SUAS FINALIDADES Inicialmente serão abordados os conceitos e origens da pena, partindo de uma breve análise quanto a evolução histórica do instituto, seu surgimento na sociedade como forma de responsabilização e as principais correntes político-criminais sobre a legitimidade do poder de punir. Posteriormente, uma síntese quanto às finalidades e fundamentos da pena, as principais teorias adotadas pela doutrina e ordenamento jurídico brasileiro, as espécies de pena vigentes do direito pátrio e eventuais vedações quanto as mesmas. Tais pontos servirão de base para a temática principal do estudo, para que se entenda de forma linear o início da pena na história da humanidade e como ela se apresenta atualmente na legislação e na prática. 1.1 CONCEITOS E ORIGEM Por definição em alguns dicionários jurídico brasileiros, conceitua-se pena como “uma imposição da perda ou diminuição de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada, pelo órgão judiciário, a quem praticou ilícito penal” (SANTOS, 2001, p. 182). O termo tem origem do latim poena, com derivação do grego poine, significando dor, castigo, punição, expiação, penitência, sofrimento, trabalho, fadiga, submissão, vingança e recompensa. Para Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 400), pena “é a sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes”. Atualmente, o instituto da pena pode ser conceituado segundo Rogério Sanches Cunha (2016, p. 395) como “espécie de sanção penal, isto é, resposta estatal ao infrator da norma incriminadora (crime ou contravenção), consiste na privação ou restrição de determinados bens jurídicos do agente”. No âmbito criminal a pena é a resposta estatal aos que cometem infrações das normas legais, Fernando Capez (2013, p. 385-386) conceitua a pena como: sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social a prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade. 13 No que tange a origem, a pena está ligada com a história do Direito Penal visto que, antes da própria ser instituída, surgem as normas de conduta social regulando o convívio dos homens em comunidade, partindo da necessidade de se criar regras que pautassem a vida em coletividade Para Cesare Beccaria (2006, p.9, apud, MENDONÇA, 2018, p.16), a origem da pena tem relação com a liberdade e a segurança dos indivíduos: Cansados de só viver no meio de temores e de encontrar inimigos por toda parte, fatigados de uma liberdade que incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para gozar do resto com mais segurança. A soma de todas essas porções de liberdade, sacrificadas assim ao bem geral, formou a soberania da nação; e aquele que foi encarregado pelas leis do depósito das liberdades e dos cuidados da administração foi proclamado o soberano do povo. O direito surge na forma de normas que regulam a conduta dos homens garantindo uma convivência pacífica e harmônica em comunidade. Partindo da premissa de que nem todos cumprem as normas impostas desobedecendo as regras de convívio faz-se necessário a aplicação de medidas de correção e punição do infrator (KOLINSKI, 2018, p. 11). Nos dizeres de Bruno (1976, p.10), citado por Masson (2019, p. 499), a pena surge: Como reação contra o crime, isto é, contra uma grave transgressão das normas de convivência, ela aparece com os primeiros agregados humanos. Violenta e impulsiva nos primeiros tempos, exprimindo o sentimento natural de vingança do ofendido ou a revolta de toda comunidade social, ela se vai disciplinando com o progresso das relações humanas, abandonando os seu apoios extrajurídicos e tomando o sentido de uma instituição de Direito posta nas mãos do poder público para a manutenção da ordem e segurança social. Para Bitencourt (2013, p.577) a origem da pena é remota, sendo tão antiga quanto a História da Humanidade sendo difícil situar sua origem por apresentar diversas contradições e equívocos. Dessa análise, pode-se inferir que a pena surge como uma reação necessária da defesa dos interesses dos indivíduos e posteriormente dos grupos, clãs e tribos. Para melhor compreensão das finalidades do instituto da pena, passa-se a uma breve análise história acerca do surgimento da pena, analisando principalmente suas funções. 14 1.2 ASPECTOS HISTÓRICOS Nos dizeres de Masson (2019, p. 57) “a história da pena e, consequentemente, do Direito Penal, embora não sistematizado, se confunde com a história da própria humanidade”. A pena surge como a solução contra aqueles que contrariavam a ordem social vigente, colidindo com os padrões de conduta e prejudicando a harmonia dos grupos. O conteúdo das normas era predominantemente moral e religioso com imposições que limitavam a conduta prezando por uma sociedade mais pacífica. Para Kolinski (2018, p.12), “ao longo da história, conforme modificaram-se conceitos de sociedade, coletividade, Estado, homem, direitos e deveres, a pena evolui gradativamente e ganha características próprias do contexto em que inserida”. 1.2.1 Direito Penal dos povos primitivos “É correto, pois, reconhecer a existência da pena como um fato histórico primitivo, bem como considerar o Direito Penal a primeira e mais antiga camada da história da evolução do Direito” (MASSON, 2019, p.57). Ela está intimamente ligada com o homem como uma forma de reação ou vingança contra um comportamento indesejado, seja na sua concepção individual ou de acordo com os preceitos de uma comunidade. A vingança desenvolveu-se em três importantes fases, a vingança divina, vingança privada e vingança pública, tais divisões são consideradas meramente didáticas, estabelecendo períodos para uma sequência lógica de análise da doutrina. 1.2.1.1 Vingança divina O homem primitivo regulava sua conduta baseada no temor religioso ou mágico, cultuando os antepassados ou divindades. “A lei tinha origem divina e, como tal, sua violação consistia numa ofensa aos deuses, punia-se o infrator para desagravar a divindade, bem como para purgar o seu grupo das impurezas trazidas pelo crime” (MASSON, 2019, p. 58). As diversas formas de pena tinham caráter expiatório, a repressão tinha a finalidade de amenizar a ira dos deuses ofendidos pela prática do crime, estas, eram aplicadas pelos sacerdotes, que personificavam a vontade desses deuses. Nesse período do final da Idade Média e início da Idade Moderna, prevalecem as penas corporais e cruéis, o castigo consistia no sacrifício de sua vida, expulsão do grupo ou pena de 15 perda da paz onde o infrator perdia a proteção do clã, tais penas objetivavam intimidaro infrator e o grupo, bem como reconciliar o pecador com a divindade ofendida (SICA, 2002, apud CACIAMANI, 2018, p. 12). 1.2.1.2 Vingança Privada Segundo Leonardo Sica (2002, p.39, apud CACIAMANI, 2018, p. 11), “a forma primária de reação penal foi a vingança privada e ilimitada, marcada pela autotutela e pela ausência total de proporção entre o mal sofrido e a reação”. Nessa fase na ocorrência de um crime a reação era natural e instintiva, partindo do ofendido, familiares ou grupo ao qual pertence a vítima, o único fundamento era a retribuição àquele que praticou a infração. Para Masson (2019, p.58), contrariando a visão de Sica, a fase de vingança privada surge posteriormente à vingança divina, onde a infração era encarada como ofensa ao grupo a que a vítima pertencia haja vista o forte laço do homem primitivo com sua comunidade. A pena instituída nesse período, não possui características de instrumento jurídico haja vista a desproporcionalidade e ausência de limites ao poder punitivo, imperava o revide à agressão e a vingança de sangue e a lei do mais forte sendo geralmente aplicada a pena de morte que ocasionava muitas vezes na extinção de um dos grupos. Nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete (2005, p.35): Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social, que agiam sem proporção à ofensa, atingindo não só o ofensor como também todo o seu grupo. Se o transgressor fosse membro da tribo, podia ser punido com a “expulsão da paz” que o deixava à mercê de outros grupos, que lhe infligiam, invariavelmente, a morte. Caso a violação fosse praticada por elemento estranho à tribo, a reação era a de “vingança de sangue”, considerada como obrigação religiosa e sagrada, verdadeira guerra movida pelo grupo ofendido àquele a que pertencia o ofensor, culminando não raro, com a eliminação completa de um dos grupos. (apud CACIAMANI, 2018, p. 11) Com o passar dos tempos, o desenvolvimento das comunidades, atividade produtiva e divisão de trabalhos, o poder centralizado foi se fortificando, surgindo duas importantes regulamentações no período de vingança privada: a Lei de Talião e a composição. A Lei de Talião (do latim talis -tal qual), inscrita no Código de Hamurabi, surge com o propósito de evitar a dizimação dos grupos, o primeiro marco na limitação e humanização das penas, considerada “[...] a pioneira manifestação do princípio da proporcionalidade, por representar tratamento igualitário entre autor e vítima” (MASSON, 2019, p.59). Conhecida 16 pela expressão “olho por olho, dente por dente”, propagava a pena na proporção da ofensa perpetrada, criando uma graduação das infrações e castigos. Sobre a composição, doutrina Cleber Masson: Com o passar do tempo, diante do elevado número de infratores, as populações ficavam deformadas, motivo pelo qual se evoluiu para o sistema de composição, forma de conciliação entre o ofensor e o ofendido ou seus familiares, pela prestação pecuniária como forma de reparar o dano (dinheiro da paz). O ofensor comprava sua liberdade evitando o castigo (2019, p.59). A composição foi adotada pelo Código de Hamurabi (Babilônia), pelo pentateuco (Hebreus), pelo Código de Manu (Índia) assim como pelo Direito Germânico, considerada um dos antecedentes das indenizações e reparação do dano do Direito Civil e penas pecuniárias penais. 1.2.1.3 Vingança Pública Masson (2019, p. 59) explica que “com a evolução política da sociedade e melhor organização comunitária, o Estado avocou o poder-dever de manter a ordem e a segurança social, conferindo a seus agentes a autoridade para punir em nome de seus súditos”. O período de vingança pública, baseou o direito de punir do Estado por meio da teoria do contrato social (contratualismo de Hobbes e Rousseau), assim ensina Sica (2002, p. 23-24): De maneira geral e convergente, destaca-se, no pensamento contratualista, a marcante concepção sobre a necessidade de uma força superior a coordenar as vontades individuais em nome da vontade geral (Rousseau). A ambição, as pretensões sobrepostas, as desavenças, inerentes ao convívio social, são, porém, perniciosas, clamando assim, por uma organização suprapessoal de controle, calcada na hipotética soma das vontades pessoais. Apesar de divergirem nos meios e fundamentos pelos quais surge e se legitima esse pacto, os contratualistas evidenciam a inescapável necessidade da existência da organização estatal e meios de controle correspondentes[...]. O cotejo das teorias contratualistas serve para mostrar que junto com a sociedade civil – formada primeiramente por um “pacto de associação”, seguido por um “pacto de submissão” – nascem as esferas de controle social, desde já com caráter eminentemente punitivo e sempre orientadas verticalmente. Logo, o jus puniendi surge teoricamente justificado como manifestações imediata e inerente da organização social e fundado na crença de que deva ser exercido pelo Estado (Leviatã), representante e portador da somatória das vontades individuais e, logo, ente apto a garantir a coexistência pacífica de seus membros. (apud CACIAMANI, 2018, p. 13-14) Nessa fase, a finalidade era garantir a segurança do soberano, cabendo ao Estado como representante da coletividade decidir a questão posta em análise, a pena deixa de ter uma visão sacra e torna-se uma sanção imposta em nome de uma autoridade pública sem interesse no conflito. 17 Conforme Rogério Sanches, “a pena pública tinha por função principal proteger a própria existência do Estado e do Soberano, tendo como delitos principais os de lesa-majestade e, sucessivamente, os que atacasse a ordem pública e os bens religiosos ou públicos[...]” (2016, p.44). Salienta-se que ainda que ocorra a outorga da aplicação da pena ao Estado, essas ainda eram intimidatórias e cruéis visto que além do caráter público tinham a função de proteger o soberano por isso muitas vezes eram arbitrárias podendo transcender muitas vezes a pessoa do culpado. 1.2.2 Idade Antiga: Direito Penal Grego e Direito Penal Romano Na Grécia Antiga não existem escritos aptos a uma análise sobre a legislação penal vigente, mas sabe-se que o crime e a pena se inspiravam no sentimento religioso. Nucci (2013, p.78) cita que “na Grécia Antiga, como retratavam os filósofos da época, a punição mantinha seu caráter sacro e continuava a representar forte tendência expiatória e intimidativa”. Por meio de passagens em obras filosóficas percebe-se a evolução do direito penal grego para um período político com base moral e civil. Masson apresenta uma análise sobre a influência das discussões sobre política, ética, liberdade e justiça e como as posições filosóficas influenciaram nas noções de direito de punir e da finalidade da pena, para ele, “em que pesem os estudos democráticos e filosóficos então reinantes, os gregos pouco se preocupavam com os direitos fundamentais. De fato, todas as questões da vida, seja no campo social ou político giravam em torno da cidade (polis)” (2019, p.60). Ainda segundo o autor, a democracia estava ligada à integração do homem ao Estado, as penas passaram a possuir uma dose de humanidade priorizando o desenvolvimento da sociedade e não propriamente o acusado. Em matéria penal, a história do Direito Romano divide-se em várias fases, do poder absoluto do chefe da família (pater famílias) com sanções ao grupo, a fase do reinado vigorando o caráter sagrado da pena ao estágio da vingança pública onde a pena perdeu o caráter de expiação prevalecendo o talião e a composição (NUCCI, 2013, p.78). O poder dos magistrados era discricionário e limitado apenas pela apelação ao povo, as decisões passaram a possuir fundamentação proporcionando maior segurança jurídica. Priorizava-se nesse período a buscapelo poder e prosperidade garantindo, porém os direitos 18 das classes privilegiadas e pouca proteção dos direitos fundamentais em face do arbítrio estatal (MASSON, 2019, p.61). Nos dizeres de Cleber Masson, em Roma surgiu a distinção entre crimes públicos e crimes privados: Crimes públicos envolviam a traição ou a conspiração política contra o Estado e o assassinato, enquanto os demais crimes privados (critério residual). O julgamento dos crimes públicos era atribuição do Estado, por meio de um magistrado, e realizado por tribunais especiais. A sanção aplicada era a pena capital. Já o julgamento dos crimes privados era confiado ao particular ofendido, interferindo o Estado apenas para regular o seu exercício. [...] As finalidades atribuídas à pena eram: castigo, emenda, satisfação da vítima, prevenção geral pela intimidação e segurança social (2019, p.61). Para o ilustre doutrinador, no final do período da República foram criadas as leges corneliae e juliae catalogando os comportamentos criminosos, que ao seu ver, foi a primeira manifestação do princípio da reserva legal. 1.2.3 Idade Média: Direito Penal germânico e Direito Penal canônico A lei penal no período medieval tinha como principal objetivo provocar o medo coletivo, trazendo o auge da crueldade na repressão, durante esse período a ideia de pena privativa de liberdade não aparece havendo um evidente predomínio do direito penal germânico. Para Rogério Sanches Cunha (2016, p. 46), foi um período onde “grandes retrocessos marcaram o desenvolvimento do Direito Penal na Idade Média. Privilegiam-se pena mordazes, com caráter eminentemente intimidador”. Nucci conceitua o Direito Germânico como: de natureza consuetudinária, caracterizou-se pela vingança privada e pela composição, havendo posteriormente, a utilização das ordálias e juízos de Deus (provas que submetiam os acusados aos mais nefastos testes de culpa – caminhar pelo fogo, ser colocado em água fervente, submergir num lago com uma pedra amarrada nos pés -, caso sobrevivessem seriam inocentes, do contrário, a culpa estaria demonstrada, não sendo preciso dizer o que terminava ocorrendo nessas situações) e também dos duelas judiciários, onde terminava prevalecendo a lei do mais forte (2013, p.79). O Direito Germânico é marcado pela ausência de leis escritas com o direito concebido como ordem de paz. A transgressão das normas, segundo Masson (2019, p. 61), poderia ter caráter público, onde impunha-se a perda da paz (ausência de proteção jurídica) ou, se privado o crime, o infrator era entregue à vítima ou familiares desta para que exercessem o direito de vingança, fase marcada por penas de morte, corporais, exílio etc. Cunha (2016, p.45) explica essa divisão das penas no Direito Germânico: 19 “Trazia como pena mais grave a Frieldlosigkeit, extremamente peculiar e não mais vista me outros ordenamentos, no qual o delinquente, quando a infração ofendia os interesses da comunidade, perdia seu direito fundamental a vida, podendo qualquer cidadão matá-lo. Quando a infração atingia apenas uma pessoa ou família, o direito penal germânico fomentava o restabelecimento da paz social por via da reparação, admitindo também a vingança de sangue (faida)”. Nesse período foram adotadas posteriormente a Lei de Talião e a composição de caráter misto compreendendo a pena e o ressarcimento, trazendo amostras de proporcionalidade para o direito. A pena de morte passou a ser substituída por um preço da paz, onde o infrator pagava uma pecúnia em troca da liberdade, um sistema de composição pecuniária (Vehgeld) (MASSON, 2019, p.62). O Direito Canônico conservou o caráter sacro da punição, mantendo sua severidade, mas com objetivos corretivos, visando a regeneração do criminoso. Esse período é marcado pelo ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana, de início preponderando o caráter disciplinar aos seus membros e posteriormente, com o enfraquecimento do Estado, estendendo-se aos leigos para atos de conotação religiosa (MASSON, 2019, p.62). Pelo forte vínculo da religião com o poder as infrações religiosas implicavam em crime contra o próprio Estado, posto isso, surgiram os excessos característicos da Santa Inquisição, procedimento iniciado de ofício, com emprego de tortura para se obter confissões, punir o acuso e infligir penas cruéis e públicas aos condenados, sem qualquer proporcionalidade entre a infração e a punição. Essa época foi marcada pela arbitrariedade do judiciário, criação e extinção de crimes de acordo com interesses, crueldade na execução das penas e ausência de isonomia no tratamento entre nobres e plebeus que praticassem crimes, infligindo aos pobres as penas mais brutais. O julgamento era mediante arbítrio do Estado sem possibilidade de defesa ou de um devido processo legal. A intimidação e exemplaridade justificavam os excessos do período (MASSON, 2019, p.63). Conforme os ensinamentos de Cleber Masson (2019, p.62), “a jurisdição eclesiástica era dividida em dois grupos: em razão da pessoa (ratione personae) e em razão da matéria (ratione materiae)”. Pela pessoa do religioso, com julgamento pelo Tribunal da Igreja, independente do delito, e pela matéria, onde a competência da Igreja era definida pelo crime cometido pelo leigo, delitos que eram divididos nas categorias que se seguem: a) Delicta eclesiástica: ofendiam o direito divino, eram de competência dos tribunais eclesiásticos e punidos com penitências; b) Delicta mera secularia: ofendiam apenas a ordem jurídica laica, eram julgados pelos tribunais do Estado e suportavam as penas comuns. Eventualmente, sofriam punição eclesiástica com as poena medicinales; e c) Delicta mixta: violavam as ordens religiosa e laica, e eram julgados pelo Tribunal que primeiro tivesse conhecimento da ofensa. Pela Igreja eram punidos com as poena vindicativae (MASSON, 2019, p.63). 20 Para Bitencourt (2013, p.581), o “Direito Canônico contribuiu decisivamente para o surgimento da prisão moderna, especialmente no que se refere às primeiras ideias sobre a reforma do delinquente”. Nos dizeres de Masson, “do vocábulo “penitência” derivam os termos “penitenciária” e “penitenciário”. O cárcere, como instrumento espiritual de castigo, foi desenvolvido pelo Direito Canônico [...]” (2019, p.63). A penitência tinha como objetivo aproximação do criminoso com Deus, onde através do sofrimento e isolamento a alma se livra dos pecados, levando o condenado a uma reflexão que lhe salvaria e livrando os demais cristãos da influência do pecado do infrator. Nucci conclui sobre a finalidade da pena para o período: [...] era apenas intimidação pura, o que terminou saturando muitos filósofos e juristas, propiciando com a obra Dos delitos e das Penas, de Cesare Bonesana, o nascimento da corrente de pensamento denominada Escola Clássica. Contrário as penas de morte e cruéis, pregou o Marquês de Beccaria o princípio da proporcionalidade da pena à infração praticada, dando relevo ao dano que o crime havia causado à sociedade. O caráter humanitário presente em sua obra foi um marco para o Direito Penal, até porque contrapôs-se ao arbítrio e à prepotência dos juízes, sustentando-se que somente as leis poderiam fixar penas, não cabendo aos magistrados interpretá-las, mas somente aplicá-las como postas (2013, p.79). A modernização do Direito Penal, iniciou-se com o movimento Iluminista marcado por uma forte preocupação com a racionalização na aplicação das penas. Sobre o chamado “período humanitário” segue uma breve análise. 1.2.4 Idade Moderna: Período Humanitário Nucci em sua obra traz como expoente do processo de modernização do direito penal o Iluminismo, para ele, “a partir das contribuições de Bentham (Ingleterra), Montesquieu e Voltaire (França), Hommel e Feuerbach (Alemanha), Beccaria, Filangieri ePegano (Itália)” (2013, p. 79), houve um aumento na preocupação com racionalizar a aplicação das penas combatendo a arbitrariedade do judiciário. Nas lições de Ney Moura Teles (2004, p.317): Só mesmo quando as ideias iluministas se desenvolvem e ganham forma com as proposições concretizadas por Cesare Beccaria é que a pena criminal passa a ganhar um matiz de humanidade. Com a Revolução Francesa, a Declaração de Direitos estatuiu: ‘A lei só deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias’. Esta ideia de necessidade da pena, aparentemente simples ou simplista, é da mais alta importância, pois que não mais se admitiria a punição por pura e simples vingança. Desse tempo em diante, as penas vão sendo humanizadas. Alguns Estados Nacionais abolem, outros restringem, a pena de morte. Eliminam-se em grande parte as penas corporais, torturas, suplícios, trabalhos forçados etc., e as infamantes. Caminha-se em 21 direção a um novo ideário penal, o de recuperar, educar ou reformar o condenado (apud CACIAMANI, 2018, p.15). Trazendo um panorama sobre os ideias de Beccaria, Masson relata que a obra do Marquês, “baseia seu pensamento no contrato social de Rousseau, de forma que o criminoso passar a ser reputado como violador do pacto social, sendo então considerado um adversário da sociedade. A pena perdia seu caráter religioso, predominando a razão [...]” (2019, p.64). Na mesma linha Nucci diz que “a inspiração contratualista voltava-se ao banimento do terrorismo punitivo, uma vez que cada cidadão teria renunciado a uma porção de liberdade para delegar ao Estado a tarefa de punir, nos limites da necessária defesa social (2013, p.80). No período humanitário a pena passou a possuir uma carga de utilidade, saindo da ideia de castigo do direito canônico para um ideal de prevenção, a pena como consequência da evolução do modelo feudal para o capitalista, deixa de incidir sobre o corpo e passa a incidir sobre a alma dos condenados (CACIAMANI, 2018, p. 16). Surgem as ideias de livre-arbítrio, o homem comete o delito consciente da sua conduta e da contrariedade desta perante as normas do pacto social, como consequência a pena deve ser legalmente prevista para que o indivíduo saiba diferenciar o vedado do permitido e assim optar por um caminho. Seguindo os pensamentos de Beccaria, as leis deveriam ser claras e precisas, a pena deve ser proporcional e imposta de forma que o condenado não voltasse a cometer crimes com aplicação apenas por parte do magistrado, delineando as bases dos princípios da legalidade e proporcionalidade (MASSON, 2019, p. 64). Finalizando os pensamentos do período, a sanção “deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima possível nas circunstâncias dadas, proporcional aos delitos e ditadas pelas leis” (2019.p.65). Posto esse contexto, surgem as chamadas penas privativas de liberdade, de extrema importância no ordenamento jurídico e para direcionar o objeto principal desse estudo. Após análise sobre a evolução histórica da pena, faz-se necessário para compreender as funções dessa, uma breve explanação sobre suas principais correntes político-criminais legitimadoras da pena. 1.3 TEORIAS LEGITIMADORAS DA PENA Bitencourt, em uma introdução sobre as teorias menciona que “com o Iluminismo e a repercussão dos ideais reformadores [...], a crise da sanção penal começou a ganhar destaque. A pena chamada a intimidar não intimidava” (2013, p.610). A função de corrigir o criminoso 22 não funcionava e ainda provocava sua reincidência. Nesse panorama de indagações sobre a real finalidade da pena a compreensão das teorias relaciona-se com a própria origem do Direito Penal (MASSON, 2019, p.452). Conforme Bianca Regina Caciamani em seu estudo, “atualmente há duas principais correntes político-criminais consideradas para análise das funções das penas, teorias legitimadoras e as teorias deslegitimadoras do poder de punir” (2018, p.17). Tais teorias são apresentadas como linhas de orientação que procuram apresentar os fundamentos e as finalidades da pena. 1.3.1 Teorias Legitimadoras As teorias legitimadoras reconhecem a legitimidade do Estado para intervir na liberdade dos cidadãos por meio do direito penal em prol da segurança jurídica através da restrição de liberdade do indivíduo, tais teorias dão diversas funções para a pena, subdividindo-se em fundamentos absolutos, relativos e mistos. As teorias absolutas ganharam destaque com Georg Wikhelm Friedrich Hegel e Emmanuel Kant. É conceituada com absoluta pois segundo Masson (2019, p.452), “esgota-se em si mesma, ou seja, a pena independe te qualquer finalidade prática, não se vincula a nenhum fim, pois não se preocupa com a readaptação social do infrator da lei penal”. Na mesma linha ensina Nucci, que a finalidade da pena é eminentemente retributiva, direcionada ao castigo do criminoso, uma retribuição justa, desprovida de finalidade específica, apenas fundamentada na justiça e necessidade moral, sem se importar com a efetiva utilidade desta (2013, p.82). A finalidade da pena para os absolutistas é unicamente punir, um castigo de caráter expiatório, uma retribuição ao mal injusto. Nessa vertente o direito penal é visto como um fim em si mesmo, sua legitimidade decorre simplesmente da prática de um ato ilícito. Masson afirma, “a pena atua como instrumento de vingança do Estado contra o criminoso, com a finalidade única de castigá-lo, fator esse que proporciona a justificação moral do condenado e o restabelecimento da ordem jurídica” (2019, p. 453). As teorias relativas e finalidades preventivas difundidas por Beccaria, Feuerbach, Carmignani entre outros, considera que a pena deve ter um caráter utilitário, são teorias finalistas, nos dizeres de Fernando Capez (2013, p.386), “a pena tem um fim prático e imediato de prevenção geral ou especial do crime (punitur ne peccetur)”. 23 O mesmo raciocínio é seguido por Bitencourt em sua obra, para ele a pena se justifica para prevenir a prática delitiva de forma que o delinquente não volte a praticar novas infrações, “a pena passa a ser um meio para o alcance de fins futuros e a estar justificada pela sua necessidade: a prevenção de delitos” (2013, p. 142). A doutrina majoritária entende que nas teorias relativas à pena possui um fim exclusivamente prático com aspecto dúplice da prevenção das infrações penais que se diferenciam em função dos destinatários da prevenção: geral (com relação a todos) e especial (com relação ao condenado). O aspecto geral nos dizeres de Masson, “destina-se ao controle da violência, na medida em que busca diminuí-la e evitá-la. Pode ser negativa ou positiva” (2019, p. 453), essa subdivisão se dá em função da natureza das prestações da pena. A prevenção geral negativa, busca criar um contra estímulo nos potenciais infratores, intimidando a coletividade onde a ameaça de uma pena grave e implacável produz uma motivação para não cometer o delito, usando o medo para que o indivíduo pondere sobre as vantagens e desvantagens da empreitada criminosa, ou seja, mostrar para a sociedade que o crime não compensa. Na prevenção geral positiva segundos os ensinamentos de Bitencourt (2013, p. 147), “a pena passa, então, a assumir uma finalidade pedagógica e comunicativa de afirmação do sistema normativo, com o objetivo de oferecer estabilidade ao ordenamento jurídico”. Busca-se demonstrar a vigência de lei penal “na conservação e no reforço da confiança na firmeza e poder de execução do ordenamento jurídico” (MASSON, 2019, p. 454). Quanto a prevenção especial, que conforme citado direciona-se à pessoa do condenado, busca evitar a prática do delito, mas objetivando que o delinquente não volte a infringir a lei. Na prevenção especial negativa o foco continua sendo na intimidação como abordagem para evitar a reincidência, já naespecial positiva preocupa-se com a ressocialização do condenado. Nesse aspecto, o objetivo é que após o cumprimento da pena possa retornar ao convívio em sociedade apto a respeitar as regras. No que tange a chamada teoria mista, unificadora e dupla finalidade, cria-se uma síntese das teorias anteriores onde a pena passa a ter um tríplice aspecto: retribuição, prevenção geral e prevenção especial. “A pena deve, simultaneamente, castigar o condenado pelo mal praticado e evitar a prática de novos crimes, tanto em relação ao criminoso como no tocante à sociedade” (MASSON, 2019, p. 454). Destaca-se nesse campo, a teoria unificadora de Claus Roxin e o garantismo de Ferrajoli. 24 Sobre a teoria de Claus Roxin, Bitencourt explica: [...]o fim da pena somente pode ser do tipo preventivo, no sentido de que a pena somente pode perseguir o fim de prevenir delitos, pois dessa forma se lograria alcançar a proteção da liberdade individual e do sistema social que justificam as normas penais. Nessa linha de entendimento, manifesta, ademais, que tanto a prevenção especial, como a prevenção geral devem figurar como fins da pena (2013, p. 157). Quanto ao garantismo de Ferrajoli, nos ensinamentos de Nucci (2013, p. 403): Trata-se de um modelo normativo de direito, que obedece a estrita legalidade, típico do Estado Democrático de Direito, voltado a minimizar a violência e maximizar a liberdade, impondo limites à função punitiva do Estado. Busca representar o equilíbrio entre os modelos do abolicionismo e do direito penal máximo. 1.3.2 Teorias deslegitimadoras Tais teorias negam a legitimidade por considerar a intervenção do Estado desnecessária, fracionando-se em imediata ou abolicionista e mediata, também chamada de perspectiva minimalista radical (QUEIROZ, 2015, p.396 apud CACIAMANI, 2018, p.17). O movimento abolicionista, traz uma nova perspectiva para o Direito Penal, pois rechaça toda a justificação do jus puniendi e traz a supressão do controle social. Conforme leciona Masson (2019, p. 460), segundo o abolicionismo, “para enfrentar a crise penitenciária que cresce a cada dia, nos mais variados cantos do mundo, propõe-se a descriminalização de determinadas condutas [...], e a despenalização de outros comportamentos [...]”. Sua proposta central visa a eliminação do sistema penal, descriminalização de condutas e eliminação das penas, dado seu caráter radical, é considerado uma utopia para os doutrinadores (MASSON, 2019, p. 461). Já a corrente do minimalismo institui a necessidade de um direito penal reduzido em sua incidência em um mínimo necessário, restrito ao mínimo necessário. Ricardo C. de Carvalho Rodrigues em seu estudo sobre a teoria, define a proposta do minimalismo penal como “uma alternativa à utilização do sistema penal tal como se encontra hoje, através de sua contramão, é dizer, reduzindo-o de tal sorte que apenas subsista seu resíduo extremamente necessário, a funcionar como o menor mal tolerável” (2016, p.7). 25 1.4 FUNDAMENTOS DA PENA Em uma breve síntese, Masson defende a diferença entre finalidades e fundamentos da pena. Enquanto as finalidades buscam o objetivo que se busca alcançar com a aplicação da pena, os fundamentos estão relacionados com os motivos que justificam a existência e a imposição de uma pena. Entre os principais fundamentos estão: a) retribuição: o mal da pena equivalente ao mal causado com pena proporcional e correspondente à infração; b) reparação: recompensa à vítima da infração; c) denúncia: reprovação social ao delito (ligado à prevenção geral); d) incapacitação: retirar o condenado do convívio social para a proteção das pessoas; e) reabilitação: restaurar o criminoso recuperando-o, meio educativo para a reinserção social; f) dissuasão: convencer a sociedade em geral que o crime não compensa (2019, p.457-458). 1.5 FINALIDADE DA PENA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO O ordenamento jurídico penal brasileiro traz à pena uma tríplice finalidade, nos ensinamentos de Cunha (2016, p. 396-398): a) retributiva, b) preventiva, c) reeducativa, cada uma dessas identificada em um momento próprio, específico. Quando o legislador cria o crime, cominando-lhe a sanção penal (pena em abstrato), revela-se o caráter preventivo geral. Ao estabelecer os parâmetros mínimo e máximo da pena, afirma-se a validade da norma desafiada pela prática criminosa (prevenção geral positiva), buscando inibir o cidadão de delinquir (prevenção geral negativa). Praticado o crime, no momento da sentença (aplicação da pena), o Magistrado deve observar outras duas finalidades: a retributiva e a preventiva especial. [...] Por fim, na etapa da execução penal concretiza-se a retribuição e prevenção especial (disposições da sentença), ganhando relevo a prevenção especial positiva (ressocialização). O caráter reeducativo (ou educativo) assume importância máxima. A própria Lei de Execução Penal, no seu artigo 1º [...]. O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 59, caput, estabelece que a pena deve ser “necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”, caracterizando a adoção da teoria da união eclética, intermediária, conciliatória ou unitária. Entretanto, em alguns dispositivos apresenta a adoção pela teoria mista ou unificadora, nos dizeres de Masson (2019, p.455): De fato, o Código Penal aponta o acolhimento da finalidade retributiva nos arts. 121§5º, e 129, §8º, quando institui o perdão judicial [...], ser cabível o perdão judicial quando o agente já foi punido, quando já foi castigado pelas consequências do crime [...], já houve retribuição. Por sua vez, em diversos dispositivos a Lei 7.210/1984 – Lei de Execução Penal – dá ênfase à finalidade preventiva da pena, em suas vertentes, geral e especial. [...] E, finalmente, a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, incorporada ao direito pátrio 26 pelo Decreto 678/1992, estatui em seu art. 5º, item “6”, no tocante ao direito à integridade pessoal, que “as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”. Conclui-se que ao longo dos anos a pena foi objeto de vários estudos resultando nos três principais grupos de teorias legitimadoras listados no estudo. A legislação penal e sua aplicação sofreram evoluções, afastando as penas violentas e seguindo para uma pena mais humanizada. Na legislação brasileira como visto, busca-se a punição do condenado pelo mal causado, como forma de reprovação da sua conduta e prevenção, evitando que o infrator realize novas condutas delituosas e a sociedade tenha receio em desobedecer a lei vigente. A humanização do Direito Penal, traz a ideia de que a pena possui um elemento de ressocialização prezando pelo retorno do condenado à sociedade de forma harmônica, onde a própria Lei de Execução Penal preza primordialmente pela reabilitação do indivíduo. Conforme salienta Carlos Eduardo P. Fonseca e Jéssica M. Rodrigues (2017, p.37), em seu estudo sobre o papel da ressocialização na vida do apenado, percebe-se que: O processo de ressocialização deve envolver um trabalho bem estruturado com o presidiário, tanto no sentido de capacitá-lo quanto na intenção de incentivá-lo a superar as problemáticas que o levaram a seguir este caminho, além ainda de tornar a sociedade capaz de receber este indivíduo, através de políticas públicas e conscientização de que a reabilitação do preso possa surtir efeitos positivos para a mesma. 1.6 PENAS PREVISTAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Considerando a tríplice finalidade da pena no Brasil, cada uma das suas funções é observada nas diferentes fases de aplicação da punição, o magistrado, para atender tão propósito deverá utilizar uma das espécies de pena disciplinadas no art.5º , XLVI da CF quais sejam: privação ou restrição da liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos (MORAES, 2018, p. 24). Em síntese, as penas podem ser classificadas segundo critérios diversos, na esfera do presente estudo nos interessa quanto ao bem jurídico do condenado atingido pela reação estatal, nesse caso ela pode ser dividida em três espécies principais que pela doutrina de Cleber Masson são: a) Pena privativa de liberdade: retira do condenado o seu direito de locomoção, em razão da prisão por tempo determinado. Não se admite a privação perpétua da liberdade (CF, art. 5º, XLVII, “b”), mas somente a de natureza temporária, pelo período máximo de 30 anos para crimes (CP, art.75) ou de 5 anos para contravenções penais (LCP, art. 10); b) Pena restritiva de direitos: limita um ou mais direitos do condenado, em substituição à pena privativa de liberdade. Está prevista no art. 43 do 27 Código Penal e por alguns dispositivos da legislação extravagante; c) Pena de multa: incide sobre o patrimônio do condenado [...] (2019, p.458-459). Tal critério de classificação é o mesmo adotado pelo Código Penal que em seu art. 32 traz como penas previstas: privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa, tais espécies de pena serão delineadas no presente tópico. 1.6.1 Pena privativa de liberdade Cleber Masson, conceitua a pena privativa de liberdade como “a modalidade de sanção penal que retira do condenado seu direito de locomoção, em razão da prisão por tempo determinado” (2019, p. 467). Sobre o tema, discorre Rogério Greco (2009, p. 497): A pena privativa de liberdade vem prevista no preceito secundário de cada tipo penal incriminador, servindo à sua individualização, que permitirá a aferição da proporcionalidade entre a sanção que é cominada em comparação com o bem jurídico por ele protegido. Considerada a forma mais extremada de punição, as penas privativas de liberdade podem ser de reclusão, detenção ou prisão simples (CUNHA, 2016, p. 408) diferindo-se pelo maior ou menor rigor do regime penal bem como pelo tempo de privação de liberdade fixado na sentença. Tal classificação é a utilizada pelo direito penal brasileiro que reserva as penas de reclusão e detenção, em se tratando de crimes (CP, art. 33, caput), e prisão simples como exclusiva das contravenções penais (LCP, art.5º, I). Segundo o art. 53 do Código Penal: “As penas privativas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime”, entretanto, cada tipo penal traz em seu bojo, o mínimo e o máximo da pena privativa de liberdade. 1.6.1.1 Penas de reclusão e detenção Prevista pelo preceito secundário do tipo penal nos crimes considerados mais graves, a pena de reclusão pode ser cumprida inicialmente em regime fechado, semiaberto ou aberto, nos termos do art. 33, caput, 1ª parte do CP considerando os critérios do art. 33, §2º,” a”,” b” e “c” do CP. Para fixação, o réu primário cuja pena seja superior a oito anos de reclusão deve iniciar o cumprimento da pena em regime fechado; primário com pena superior a quatro anos e que não exceda a oito poderá iniciar no regime semiaberto; o réu primário cuja pena seja igual ou 28 inferior a quatro anos de reclusão poderá cumpri-la no regime aberto; por fim, o reincidente que deveria iniciar seu cumprimento no regime fechado independentemente da quantidade de pena aplicada teve sua regra flexibilizada pela Súmula 269 STJ, passando a admitir aos reincidentes com pena igual ou inferior a quatro anos, com circunstâncias judiciais favoráveis o regime semiaberto (AVENA, 2017, p. 196-197). Cabe observar, no que tange as penas de reclusão, a rigor do art. 33, §3º do CP é possível a imposição de regime inicial mais grave do que o indicado pela quantidade da pena quando esse for mais indicado quando analisadas as circunstâncias do art. 59, CP (CUNHA, 2016, p. 449). Para aplicar o regime mais severo, conforme estatui a Súmula 719 do STF o juiz deve fundamentar adequadamente a escolha pelo regime mais gravoso, entendimento similar impõe a Súmula 440 do STJ e Súmula 718 do STF ao estabelecer que o julgador não pode estabelecer regime mais gravoso baseando-se apenas na gravidade em abstrato do delito (AVENA, 2017, p. 197). Sobre a pena de detenção, forma considerada mais branda, esta pode ser cumprida em regime inicialmente semiaberto ou aberto, conforme art. 33, caput do CP, não se admitindo nesse caso a imposição de regime fechado, salvo por força de regressão no curso da execução (art. 33, caput, 2ª parte, CP). Os critérios de fixação do regime de cumprimento de pena de detenção são, conforme síntese de Cleber Masson (2019, p. 472-473), o condenado reincidente inicia a pena no semiaberto independentemente da quantidade da pena aplicada; o primário cuja pena seja superior a quatro anos, cumprirá a mesma no semiaberto, já o condenado primário de pena igual ou inferior a quatro anos, regime aberto. Faculta-se da mesma forma disposta para a pena de reclusão, a possibilidade de fixação de regime mais gravoso quando desfavoráveis as circunstâncias do art. 59 CP. Extraem-se da análise das duas espécies, quatro diferenças fundamentais entre as penas de reclusão e detenção, inicialmente como visto, a primeira delas diz respeito aos regimes de cumprimento, fechado, semiaberto e aberto no caso de reclusão e apenas semiaberto e aberto para detenção. No caso de aplicação cumulativa de ambas, executa-se primeiro a reclusão, depois de executada de forma integral será cumprida a pena de detenção. Em terceiro lugar a reclusão pode ocasionar como efeitos da condenação, a incapacidade para exercício do poder familiar nas hipóteses do art. 92, II, CP, efeito que não condiz com a pena de detenção. No caso de imposição de medida de segurança aplicada, a reclusão conduz a internação enquanto a detenção pode levar á aplicação de tratamento ambulatorial (NUCCI, 2013, p. 411-412). 29 Cabe ressaltar que a possibilidade de interceptação telefônica a teor do art. 2º, III da Lei nº 9.296/1996, somente é autorizada aos crimes punidos com reclusão. Percebe-se com a análise, que a principal diferença entre reclusão e detenção é apenas quantitativa e não quanto à natureza da pena (MORAES, 2018, p. 26). 1.6.1.2 Pena de prisão simples A pena de prisão simples é cominada unicamente para as contravenções penais previstas no Decreto-lei nº 3.688/1941, devendo ser cumprida sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial da prisão comum em regime semiaberto ou aberto, o condenado fica sempre separado dos condenados que cumprem pena de reclusão ou detenção (Masson, 2019, p. 473). Não excedendo quinze dias de pena, o trabalho ao condenado é facultativo (AVENA, 2017, p. 200). 1.6.2 Pena restritiva de direitos Segundo Cleber Masson (2019, p. 595), as penas restritivas de direitos “são também chamadas de penas alternativas, pois tem o propósito de evitar a desnecessária imposição da pena privativa de liberdade nas situações expressamente indicadas em lei[...]” para infratores que possuem condições favoráveis e que praticaram crimes de menor gravidade. No mesmo sentido Nucci (2013, p. 443), traz como fim delas, evitar o encarceramento de determinados condenados, autores de infrações mais leves, promovendo a recuperação por meio de restrições a certos direitos. Nessa perspectiva, Cunha assevera que tais restrições seguem a tendência do direito penal moderno buscando eliminar a pena privativa de liberdade de curta duração visto que ela não atenderia de forma satisfatória às finalidades da sanção (2016, p.454). Considerando sua natureza jurídica, são sanções penais autônomas e substitutivas, características indicadas pelos arts. 44 e 54 do CP. Substitutiva emrazão de em regra, não existirem tipos penais que cominem no preceito secundário a previsão direta de penas restritivas de direitos, assim, são resultado do procedimento judicial que após aplicar uma pena privativa de liberdade, verificando os requisitos legais, substituem essa por uma ou mais penas restritivas de direitos (MASSON, 2019, p. 596). Autônomas pois “subsistem por si mesmas após a substituição” (NUCCI, 2013, p. 443), não podendo ser cumuladas com a pena privativa de liberdade. 30 Para a concessão da pena restritiva de direitos, deve-se obedecer aos requisitos previstos no art. 44 do CP e seus incisos sendo estes de duas ordens: objetivos e subjetivos, presentes no caso em análise, não pode o magistrado negar a substituição. Os requisitos objetivos referem-se à natureza do crime e a quantidade de pena aplicada. Na hipótese de crimes culposos é possível a substituição em todos os casos, ainda que resulte na incidência de violência ou grave ameaça à pessoa. Para os crimes dolosos, deve ter sido cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, não sendo possível a substituição nos casos de violência imprópria visto ser forma específica de violência. No que diz respeito ao quantum de pena, considera-se a efetivamente aplicada na situação correta. Para os dolosos o limite é quatro anos e para os crimes culposos independe a quantidade de pena privativa de liberdade aplicada (MASSON, 2019, p. 598-599). Os requisitos subjetivos referem-se à pessoa do condenado. Exige-se que não seja reincidente em crime doloso, requisito contido no art. 44, II do CP, não sendo a reincidência em crime culposo causa impeditiva da substituição. Para o reincidente em crime doloso é possível a substituição quando presentes dois requisitos cumulativos, a medida seja socialmente recomendável e não se tratar de reincidente específico. O segundo requisito subjetivo diz respeito à suficiência da substituição, a pena restritiva de direitos precisa ser adequada e suficiente para atingir as finalidades da pena, a suficiência é indicada pelas circunstâncias indicadas pelo art. 59 do CP, se desfavoráveis ao réu, não poderá o magistrado conceder-lhe a substituição (AVENA, 2017, p. 347-348). O Código Penal estabelece cinco espécies de penas restritivas de direitos, estas “dividem-se em reais (prestação pecuniária e perda de bens e valores) e pessoais (prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana)” (CUNHA, 2016, p. 454). A primeira espécie de pena restritiva de direito, indicada pelo art. 43 do CP é a prestação pecuniária , introduzida pela Lei nº 9.714/98, “consiste no pagamento em dinheiro feito à vitima e seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz não inferior a um salário mínimo ou superior a trezentos e sessenta salários mínimos” (NUCCI, 2013, p. 444). O valor pago como indenização será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. A perda de bens e valores é transferência em favor do Fundo Penitenciário Nacional, de bens e valores adquiridos licitamente pelo condenado e terá como teto, o montante do prejuízo 31 causado ou o proveito obtido pelo agente ou terceiro com a prática do crime, conforme art. 45, §3º do CP (CUNHA, 2016, p. 456). Outra espécie de pena é a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado, somente aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, prestadas em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais (MASSON, 2019, p. 614). As penas de interdição temporária de direitos, elencadas no art. 47 do CP, “é a mais autêntica pena restritiva de direitos, pois tem por finalidade impedir o exercício de determinada função ou atividade por um período determinado, como forma de punir o agente de crime relacionado à referida função ou atividade proibida” (NUCCI, 2013, p. 445), frequentar alguns lugares ou inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos. Nos termos do art. 48 do CP, temos por fim a limitação de fim de semana, que consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, participando de cursos e palestras ou atividades educativas nesses períodos, visando a reestruturação intelectual e social do condenado (CUNHA, 2016, p. 457). A teor do art. 55 do CP, as penas de prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana, têm a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída. Essa regra não se aplica às penas de prestação pecuniária e perda de bens e valores devido à sua natureza de cunho patrimonial (MASSON, 2019, p. 597). 1.6.3 Pena de Multa Segundo Avena, a pena de multa “trata-se de espécie de sanção penal, de natureza patrimonial, prevista no art. 5º, XLVI, “c”, da Constituição Federal. Consiste, em síntese, no pagamento de determinado valor em dinheiro em favor do Fundo Penitenciário Nacional (2017, p. 362), cominada no preceito secundário do tipo incriminador (isolada, alternativa ou cumulativa com a pena privativa de liberdade). Por ser uma pena, deve respeitar os princípios da reserva legal e da anterioridade, necessária a cominação por lei em sentido material e formal vigente de forma anterior à prática do fato jurídico (MASSON, 2019, p. 622). O critério utilizado para fixação da pena de multa difere do aplicado para penas privativas de liberdade, seguindo um sistema bifásico, ou seja, deve obedecer a duas fases 32 distintas: o magistrado fixa o numero de dias-multa que varia entre dez e trezentos e sessenta a teor do art. 49, caput, parte final do CP. Definido o numero de dias-multa, o magistrado fixa o valor de cada, não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a cinco vezes esse salário, levando-se em consideração, a situação econômica do réu, nos termos do art. 60, caput do CP, podendo inclusive aumentar o valor até o triplo se entender que seria insuficiente e ineficaz considerando o elevado poder econômico do acusado (MASSON, 2019, 624-625). Ainda segundo Masson, a destinação dos valores da pena ao Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) instituída pelo Código Penal, “tem a finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento do sistema penitenciário nacional (Lei complementar 79/1994, art. 1º)” (2019, p. 623), sendo indispensável a edição de leis próprias para a destinação. Transitada em julgado a sentença condenatória, o condenado poderá realizar o pagamento voluntário da pena no prazo de dez dias como determina o art. 50, caput, 1ª parte, do CP, ressaltando-se que, a requerimento do condenado e considerando as circunstâncias do caso, pode o juiz permitir o parcelamento do pagamento da pena de multa (art. 50, caput, CP). O art. 169 da Lei de Execução Penal determina que esse parcelamento em prestações iguais e sucessivas, deve ser requerido pelo condenado antes de vencido o prazo legal (MASSON, 2019, p. 626). Incorrendo em omissão do condenado para o pagamento da multa, procede-se ao pagamento coercitivo através da execução da pena pecuniária, aplicando as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública (art. 51, CP) por ser considerada dívida de valor ainda que mantenha seu caráter de pena (AVENA, 2017, p.366-367). 1.7 PENAS VEDADAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A Constituição Federal, traz em seu art. 5º, XLVII, aspenas proibidas no Brasil, sendo estas: a pena de morte, com ressalva nos casos de guerra declarada, de caráter perpétuo, trabalhos forçados, banimento e cruéis. Rogério Sanches Cunha em sua obra, apresenta de forma didática, um resumo de tais vedações. A pena de morte, em regra proibida, pode ser aplicada em caso de guerra externa, nas hipóteses definidas no Código Penal Militar. Com relação às penas de caráter perpétuo, estas são vedadas como se pode compreender do art. 75 do Código Penal. Na legislação brasileira, o trabalho do preso estabelecido na Lei de Execução Penal, não se confunde com a 33 vedação abordada na Constituição, visto que não é pena e sim medida educativa. No que tange ao banimento, este caracteriza-se pela expulsão do nacional nato ou naturalizado do território, forma igualmente proibida. Por fim, tem-se por pena cruel, aquelas ofensivas à dignidade da pessoa humana (2016, p. 405-407). Pode-se concluir que, “nem mesmo um comportamento condenável priva a pessoa dos direitos fundamentais que lhe são inerentes, ressalvadas as penalidades constitucionalmente autorizadas. Assim surge a inadmissibilidade das penas cruéis e desumanas” (FERNANDES; OLIVEIRA, 2017, p.71). Regular os conflitos da sociedade depende da observância de direitos e garantias fundamentais até mesmo no momento da aplicação da sanção. Sobre esse assunto, apresentar- se-á no tópico a seguir algumas considerações. 2. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PENA A Exposição de Motivos da Lei nº 7.210/1984 afirma que a execução penal norteia-se por um conjunto de princípios e regras, impostas nas condenações bem como nas relações entre o Estado e o condenado. O art. 1º da referida lei estabelece entre os fins da execução, a efetivação da pena estabelecida pela sentença condenatória e a reinserção social do apenado. Busca-se concretizar o poder de punir do Estado e oferecer os mecanismos necessários para reinserção social do reeducando (AVENA, 2017, p.5). Assim, a prisão no ordenamento jurídico brasileiro visa reprimir atos considerados reprováveis perante a lei, além disso, é meio capaz de compensar a sociedade pelos males praticados pelo infrator. O art. 5º, LXI da Constituição Federal, fundamento constitucional da prisão, determina as hipóteses de ocorrência da prisão, delimitando a ação do Estado e estabelecendo os critérios que devem ser observados na sua aplicação (FERNANDES; OLIVEIRA, 2017, p. 68). Entretanto, a tarefa de aplicar a pena por parte do Estado-Juiz deve observar princípios e regras previstos no ordenamento jurídico brasileiro (CUNHA, 2016, p.399). Tem-se que o poder de punir do Estado não é absoluto, sendo limitado por institutos concretizados em normas explícitas ou implícitas previstos na Constituição Federal, Lei de Execução Penal, Direito Penal, Processo Penal e Tratados Internacionais. Deve-se partir do entendimento que o apenado é titular de direitos e garantias de cunho constitucional, cabendo ao processo de execução assegurar tais garantias no momento da 34 aplicação da sanção. Pretende-se no presente tópico, analisar os institutos que devem ser observados segundo o ordenamento jurídico brasileiro. 2.1 PRINCÍPIOS INFORMADORES DA PENA Os princípios podem assumir três espécies de eficácia: direta, quando semelhante a uma regra, como vetores interpretativos da aplicação das normas jurídicas, e eficácia negativa, gerando a paralisação de qualquer norma ou ato jurídico contrário ao princípio analisado (BARROSO, 2009, apud KOLINSKI, 2018, p.22). A doutrina apresenta alguns princípios relacionados aos objetivos da pena, abordado a seguir em uma síntese sobre seu significado e aplicabilidade no campo da execução penal. 2.1.1 Princípio da humanidade ou humanização das penas A pena deve respeitar os direitos inerentes à pessoa humana do condenado. Deriva da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 5º, XLVII da Constituição Federal, vedando o estabelecimento de penas cruéis, de banimento, caráter perpétuo, de trabalhos forçados e de morte, salvo guerra declarada, vedações que serão apresentadas em tópico oportuno. Não pode a pena violar a integridade física ou moral do apenado, conforme estabelecido pelo inciso XLIX do mesmo dispositivo legal. Em suma, o Estado não pode dispensar, qualquer forma de tratamento cruel, desumano ou degradante ao preso (MASSON, 2019, p. 451). No mesmo sentido, a Lei de Execução Penal, instituiu, nos arts. 3º e 40, assegurar os direitos do condenado e internado, não atingidos em lei, bem como o respeito à integridade física e moral dos condenados e presos provisórios (BRASIL, 1984). 2.1.2 Princípio da legalidade ou reserva legal e anterioridade Originário da expressão latina nullum crimen, nulla poena sine praevia lege, o princípio da legalidade no âmbito da execução penal, informa que o poder de punir do Estado decorre das leis dispostas no ordenamento jurídico brasileiro. Tem origem constitucional, no art. 5º XXXIX e legal, art. 1º do Código Penal, onde nenhum crime pode ser instituído e nenhuma pena pode ser aplica e executada sem que lei anterior estabeleça (Avena, 2017, p. 6-7). Conforme doutrina clássica, o princípio da legalidade se desdobra em duas regras: princípio da reserva legal, onde não há crime sem lei que o defina, nem pena sem cominação 35 legal, e o princípio da anterioridade, consagrando que a conduta criminosa e sua respectiva pena devem ser anteriores ao fato delituoso. (AVENA, 2017, p.7). A Lei de Execução Penal por sua vez, prevê o princípio da legalidade em seu art. 2º, onde a jurisdição penal em território nacional, será exercida no âmbito do processo de execução, em conformidade com a referida lei e o Código de Processo Penal (BRASIL. 1984). 2.1.3 Princípio da individualização da pena Previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, é a garantia e direito do condenado, visando promover a “justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que coautores ou partícipes do delito” (MASSON, 2019, p. 451). A individualização desenvolve-se em três fases, nos dizeres de Norberto Avena (2017, p. 7-8): [...] primeira, no âmbito legislativo (individualização legislativa ou formal), que ocorre no momento da criação do tipo penal incriminador, quando o legislador estabelece abstratamente o mínimo e o máximo da pena cominada; segunda, no âmbito judicial (individualização judicial), quando, diante do caso concreto, o juiz do processo de conhecimento, a partir dos critérios estabelecidos na legislação, fixa a pena cabível ao agente; e terceiro, no âmbito executório (individualização executória), quando o juiz da execução penal adapta a pena aplicada na sentença à pessoa do condenado ou internado, concedendo-lhe ou negando-lhe benefícios como a progressão de regime, o livramento condicional, a remição etc. A cada condenado deve ser imposta a pena e a execução de acordo com as características do condenado, seu grau de culpabilidade e observando critérios legais (AVENA, 2017, p. 8). 2.1.4 Princípio da proporcionalidade A sanção deve ser proporcional ao delito praticado, de forma justa e suficiente para cumprir sua finalidade, devendo haver um equilíbrio entre a pena e o crime, consignado pelo art. 5º, XLVI da Constituição Federal. Compreende a proibição do excesso, evitando a hipertrofia da punição, e exige-se a proteção suficiente dos bens jurídicos, sendo nessa análise, indesejado o excesso e a insuficiência (CUNHA, 2016, p. 401-402). Conforme ensinamento de Rogério Sanches Cunha, a proporcionalidade deve ser observada em dois momentos distintos: no plano abstrato, devendo o legislador tornar típico um fato e estabelecer um patamar adequado para a reprimenda bem como atender