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Köhler - A Inteligência dos Antropóides
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Wolfgang Köhler divide com M. Wertheimer e K. Koffka os méritos de criar e ex pandir a teoria da Gestalt na Psicologia. Essa teoria deu grande relevo ao estudo sistemático da percepção e procurou esclarecer a influência dinâmica das bases perceptivas do comporta mento humano. Grande investigador e prodi gioso trabalhador intelectual, Köhler deixou uma vasta bibliografia, na qual se destacam A Inteli gência dos Antropóides-, O Lugar do Valor em um Mundo de Fato s; Psicologia da G estalt; D inâ m ica da Psicologia e A Tarefa da Psicologia da Gestalt. O Professor Arno Engelmann realizou uma cuidadosa seleção de textos, que facilita o conhecimento das principais idéias e contribui ções de Köhler. Em sua Introdução, expõe de modo muito claro 0. evolução da fecunda carreira de investigador desse psicólogo alemão, especi ficando como suas descobertas se encaixaram na construção da teoria da Gestalt. Além disso, salienta o significado de sua obra para a Psi cologia moderna, especialmente para os cog- nitivistas. C ÍÉN TJSTAS s o c i a i s Textos básicos de Ciências Sociais, selecionados com a supervisão geral do Pro f. Florestan Fernandes. Abrangendo seis disciplinas fundamentais da ciência social - Sociologia, História, Econom ia, Psicologia, Política e Antropologia - a coleção apresenta os autores modernos e contemporâneos de maior destaque mundial, focalizados através de introdução crítica e hiobihliográfica, assinada por especialistas da universidade brasileira. A essa introdução crítica segue-se uma coletânea dos textos mais representativos de cada autor. Köhler Organizador Arno Engelmann Coordenador Florestan Fernandes PSICOLOGIA 1. A INTELIGÊNCIA DOS ANTROPÓIDES * ' Vamos descrever, nas páginas seguintes, alguns tipos de comporta mento dos macacos antropóides, e fazer algumas observações que nos ajudem a compreender melhor os problemas que surgem neste campo de estudos. Acho que a Psicologia Animal tem de ser uma ciência do comportamento, ao mesmo tempo que acredito que a suposição da existência de uma consciência animal como fator atuante nos problemas e explicações pode apenas causar confusão. Aliás, este é também o axioma do behaviorismo neste país. Todavia, se o uso freqüente que faço de certos termos sugerir, apesar da declaração acima, a heresia de que eu acredito na existência dessa consciência, o leitor logo perceberá a razão disso e acreditará na minha inocência. Não podemos concordar com Watson quando ele condena todos os problemas aparentemente difíceis do sistema nervoso, rotulando-os de misticismo puro e de pós- -efeitos do tempo de introspecção. É verdade que essa atitude leva à elaboração de uma ciência simples, de poucos conceitos, mas também é verdade que, procedendo assim, faz-se com que grande parte do mundo do comportamento fique excluída da sua ciência. É por essa razão que eu faço distinção entre o behaviorismo dogmático, que es treita o seu próprio mundo de realidade, problemas e possibilidades teóricas, como que conhecendo, de antemão, que tipo de coisas pode acontecer, num contexto preciso, e o outro behaviorismo, que deseja ver o maior número possível de formas de comportamento, problemas e possibilidades teóricas, profundamente convencido de que até mesmo esta visão mais ampla do mundo provavelmente ainda está aquém da * Reproduzido de K ö h l e r , W. “Intelligence in Apes.” In: M u r c h is o n , C. (org.). Psychologies of 1925. Worcester, Mass., Clark University Press, 1926. cap. 7, p. 145-61. Trad, por José Severo de Camargo Pereira e Vera Lúcia Bianco. 1 C onferência p ronunciada na C lark U niversity, U SA, em 30 de abril de 1925. 40 imensa variedade de fenômenos que existe. Prefiro este segundo modo de entender as coisas. Quando observamos de modo natural a cara de antropóides, ma cacos e cães temos a impressão de que esses animais mostram graus muito diferentes de “compreensão” e de insight. A observação de ani mais em ação e a experimentação com eles provam que a nossa expec tativa é justificada, ao menos em relação à relevância que tendemos dar aos antropóides. Tomemos como exemplo o método da reação retardada, 2 de Hun- ter, que descreverei de modo simplificado. Se um vertebrado superior estiver faminto e vir à sua frente três portas abertas, uma delas com comida, ele se moverá em direção ao alimento, e procurará comê-lo se as circunstâncias permitirem essa forma de comportamento. Se o expe rimento for repetido, colocando-se o alimento em portas diferentes, o animal adaptar-se-á a 'essas mudanças, buscando sempre aquela “com comida”. Entretanto, escolher a porta certa ficará mais difícil se o ani mal estiver preso no momento em que a comida por exibida, só sendo libertado depois que o alimento sumir atrás da porta. Nessas condições, os animais inferiores ao macaco encontram grande dificuldade em en contrar o alimento mostrado e depois escondido. Mesmo que o interregno entre a visão do alimento e a libertação seja pequeno — de alguns segundos a um minuto — o efeito posterior da percepção passada (em linguagem humana: “Era aquela porta!” ) parece ficar confuso. Aliás, em alguns casos, não sabemos mesmo dizer se existe realmente um pós-efeito desse tipo ou se os resultados positivos obtidos são conse qüência de uma forma bastante crua e primária de comportamento. s Trabalhando com chimpanzés, usei método um pouco diferente. O antropóide estava preso numa jaula gradeada, observando-me. Fora do alcance dos seus braços, cavei um buraco, coloquei algumas frutas e cobri tudo — buraco e arredores — com areia. O chimpanzé não conseguia alcançar o alimento desejado, porque o buraco havia sido cavado bem longe de sua jaula. Assim que me aproximei das grades, ele me agarrou o braço e tentou empurrá-lo em direção ao alimento escondido, reação que adotava sempre que não conseguia alcançar, 2 Behavior Monographs. 1913. II, 1. 3 Com animais que possuem olfato bastante desenvolvido, é necessário muito cuidado para se evitar pistas olfativas no momento da reação. N o caso dos macacos antro póides, entretanto, esse perigo não é muito sério, porque o olfato deles equipara-se mais ou menos ao nosso, como se pode demonstrar facilmente. 41 por seus próprios meios, o objetivo desejado. É claro que esse com portamento já era uma reação retardada. Todavia, como eu desejava um retardamento ainda maior, não lhe fiz o favor pedido. Vendo que as suas súplicas não eram atendidas, o chimpanzé largou o meu braço e começou a brincar na sua jaula, aparentemente desatento para com o lugar onde a comida fora enterrada. Quarenta e cinco minutos depois, joguei uma vara dentro da jaula, no lado oposto ao do buraco que continha as desejadas frutas. Acostumado que estava a usar varas como instrumentos, o antropóide imediatamente se apossou dela, diri- giu-se para as barras próximas do buraco, e começou a escavar a areia no ponto exato onde estavam enterradas as frutas. Conseguiu desenterrá-las e puxá-las para si. Esse experimento foi repetido muitas vezes — com as frutas enterradas em diferentes lugares — sempre com os mesmos resultados positivos. Como os comportamentos obtidos eram sempre admiravelmente corretos, resolvi aumentar o tempo entre a percepção do "alimento e a oportunidade de obtê-lo. Assim, um dia, enterrei alimento num lugar qualquer do grande terreno que os antropóides usavam para recreação. Os animais assistiram a operação, mas não tiveram oportunidade de obter a comida desejada, porque eu os levei imediatamente para o dor mitório. Só os trouxe de volta, no dia seguinte, cerca de 17 horas de pois, mais de metade das quais eles passaram dorminflo. Pois bem. Assim mesmo, um dos chimpanzés não hesitou um momento: assim que voltou ao pátio de recreio, encaminhou-se diretamente