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Wolfgang Köhler divide com M. Wertheimer e K. Koffka os méritos de criar e ex pandir a teoria da Gestalt na Psicologia. Essa teoria deu grande relevo ao estudo sistemático da percepção e procurou esclarecer a influência dinâmica das bases perceptivas do comporta mento humano. Grande investigador e prodi gioso trabalhador intelectual, Köhler deixou uma vasta bibliografia, na qual se destacam A Inteli gência dos Antropóides-, O Lugar do Valor em um Mundo de Fato s; Psicologia da G estalt; D inâ m ica da Psicologia e A Tarefa da Psicologia da Gestalt. O Professor Arno Engelmann realizou uma cuidadosa seleção de textos, que facilita o conhecimento das principais idéias e contribui ções de Köhler. Em sua Introdução, expõe de modo muito claro 0. evolução da fecunda carreira de investigador desse psicólogo alemão, especi ficando como suas descobertas se encaixaram na construção da teoria da Gestalt. Além disso, salienta o significado de sua obra para a Psi cologia moderna, especialmente para os cog- nitivistas. C ÍÉN TJSTAS s o c i a i s Textos básicos de Ciências Sociais, selecionados com a supervisão geral do Pro f. Florestan Fernandes. Abrangendo seis disciplinas fundamentais da ciência social - Sociologia, História, Econom ia, Psicologia, Política e Antropologia - a coleção apresenta os autores modernos e contemporâneos de maior destaque mundial, focalizados através de introdução crítica e hiobihliográfica, assinada por especialistas da universidade brasileira. A essa introdução crítica segue-se uma coletânea dos textos mais representativos de cada autor. Köhler Organizador Arno Engelmann Coordenador Florestan Fernandes PSICOLOGIA 1. A INTELIGÊNCIA DOS ANTROPÓIDES * ' Vamos descrever, nas páginas seguintes, alguns tipos de comporta mento dos macacos antropóides, e fazer algumas observações que nos ajudem a compreender melhor os problemas que surgem neste campo de estudos. Acho que a Psicologia Animal tem de ser uma ciência do comportamento, ao mesmo tempo que acredito que a suposição da existência de uma consciência animal como fator atuante nos problemas e explicações pode apenas causar confusão. Aliás, este é também o axioma do behaviorismo neste país. Todavia, se o uso freqüente que faço de certos termos sugerir, apesar da declaração acima, a heresia de que eu acredito na existência dessa consciência, o leitor logo perceberá a razão disso e acreditará na minha inocência. Não podemos concordar com Watson quando ele condena todos os problemas aparentemente difíceis do sistema nervoso, rotulando-os de misticismo puro e de pós- -efeitos do tempo de introspecção. É verdade que essa atitude leva à elaboração de uma ciência simples, de poucos conceitos, mas também é verdade que, procedendo assim, faz-se com que grande parte do mundo do comportamento fique excluída da sua ciência. É por essa razão que eu faço distinção entre o behaviorismo dogmático, que es treita o seu próprio mundo de realidade, problemas e possibilidades teóricas, como que conhecendo, de antemão, que tipo de coisas pode acontecer, num contexto preciso, e o outro behaviorismo, que deseja ver o maior número possível de formas de comportamento, problemas e possibilidades teóricas, profundamente convencido de que até mesmo esta visão mais ampla do mundo provavelmente ainda está aquém da * Reproduzido de K ö h l e r , W. “Intelligence in Apes.” In: M u r c h is o n , C. (org.). Psychologies of 1925. Worcester, Mass., Clark University Press, 1926. cap. 7, p. 145-61. Trad, por José Severo de Camargo Pereira e Vera Lúcia Bianco. 1 C onferência p ronunciada na C lark U niversity, U SA, em 30 de abril de 1925. 40 imensa variedade de fenômenos que existe. Prefiro este segundo modo de entender as coisas. Quando observamos de modo natural a cara de antropóides, ma cacos e cães temos a impressão de que esses animais mostram graus muito diferentes de “compreensão” e de insight. A observação de ani mais em ação e a experimentação com eles provam que a nossa expec tativa é justificada, ao menos em relação à relevância que tendemos dar aos antropóides. Tomemos como exemplo o método da reação retardada, 2 de Hun- ter, que descreverei de modo simplificado. Se um vertebrado superior estiver faminto e vir à sua frente três portas abertas, uma delas com comida, ele se moverá em direção ao alimento, e procurará comê-lo se as circunstâncias permitirem essa forma de comportamento. Se o expe rimento for repetido, colocando-se o alimento em portas diferentes, o animal adaptar-se-á a 'essas mudanças, buscando sempre aquela “com comida”. Entretanto, escolher a porta certa ficará mais difícil se o ani mal estiver preso no momento em que a comida por exibida, só sendo libertado depois que o alimento sumir atrás da porta. Nessas condições, os animais inferiores ao macaco encontram grande dificuldade em en contrar o alimento mostrado e depois escondido. Mesmo que o interregno entre a visão do alimento e a libertação seja pequeno — de alguns segundos a um minuto — o efeito posterior da percepção passada (em linguagem humana: “Era aquela porta!” ) parece ficar confuso. Aliás, em alguns casos, não sabemos mesmo dizer se existe realmente um pós-efeito desse tipo ou se os resultados positivos obtidos são conse qüência de uma forma bastante crua e primária de comportamento. s Trabalhando com chimpanzés, usei método um pouco diferente. O antropóide estava preso numa jaula gradeada, observando-me. Fora do alcance dos seus braços, cavei um buraco, coloquei algumas frutas e cobri tudo — buraco e arredores — com areia. O chimpanzé não conseguia alcançar o alimento desejado, porque o buraco havia sido cavado bem longe de sua jaula. Assim que me aproximei das grades, ele me agarrou o braço e tentou empurrá-lo em direção ao alimento escondido, reação que adotava sempre que não conseguia alcançar, 2 Behavior Monographs. 1913. II, 1. 3 Com animais que possuem olfato bastante desenvolvido, é necessário muito cuidado para se evitar pistas olfativas no momento da reação. N o caso dos macacos antro póides, entretanto, esse perigo não é muito sério, porque o olfato deles equipara-se mais ou menos ao nosso, como se pode demonstrar facilmente. 41 por seus próprios meios, o objetivo desejado. É claro que esse com portamento já era uma reação retardada. Todavia, como eu desejava um retardamento ainda maior, não lhe fiz o favor pedido. Vendo que as suas súplicas não eram atendidas, o chimpanzé largou o meu braço e começou a brincar na sua jaula, aparentemente desatento para com o lugar onde a comida fora enterrada. Quarenta e cinco minutos depois, joguei uma vara dentro da jaula, no lado oposto ao do buraco que continha as desejadas frutas. Acostumado que estava a usar varas como instrumentos, o antropóide imediatamente se apossou dela, diri- giu-se para as barras próximas do buraco, e começou a escavar a areia no ponto exato onde estavam enterradas as frutas. Conseguiu desenterrá-las e puxá-las para si. Esse experimento foi repetido muitas vezes — com as frutas enterradas em diferentes lugares — sempre com os mesmos resultados positivos. Como os comportamentos obtidos eram sempre admiravelmente corretos, resolvi aumentar o tempo entre a percepção do "alimento e a oportunidade de obtê-lo. Assim, um dia, enterrei alimento num lugar qualquer do grande terreno que os antropóides usavam para recreação. Os animais assistiram a operação, mas não tiveram oportunidade de obter a comida desejada, porque eu os levei imediatamente para o dor mitório. Só os trouxe de volta, no dia seguinte, cerca de 17 horas de pois, mais de metade das quais eles passaram dorminflo. Pois bem. Assim mesmo, um dos chimpanzés não hesitou um momento: assim que voltou ao pátio de recreio, encaminhou-se diretamentepara o local em que as frutas tinham sido enterradas, e descobriu-as após algumas tentativas. 4 Em outro experimento, escondemos uma vara no madeirame do teto, de tal forma que os animais não a podiam ver do chão. Mais uma vez eles observaram com grande interesse o nosso incomum proce dimento. Logo a seguir foram levados para o dormitório. N a manhã seguinte, quando um deles foi trazido de volta para a sala em questão, viu algumas bananas do outro lado das grades, fora do alcance dos 4 Poder-se-ia dizer que o local em que estava enterrado o alimento não atraiu o antropóide pelo fato de este saber que havia comida ali, mas por causa do aspecto incomüm que o terreno apresentava, dadas as escavações feitas por mim. Aos meus olhos, nada havia de incomum ali, porque tomei a precaução de cobrir toda a área com areia seca. Todavia, para rebater melhor essa crítica, devo acrescentar que, depois de os animais terem sido recolhidos, cavei vários buracos e enchi todos da mesma forma. N c entanto, como disse, o antropóide dirigiu-se ao local certo. 42 seus braços. Como fazem os antropóides acostumados a usar varas, ele olhou em volta — da mesma forma que o faria alguém que esti vesse procurando algo — , mas não encontrou nenhum instrumento capaz de o auxiliar. Depois de alguns segundos, olhou para o lugar onde a vara tinha sido escondida na noite anterior. Ele não podia ver a vara, mas, assim mesmo, trepou naquela parte do teto onde ela tinha sido posta. Logo desceu com ela nas mãos, dirigiu-se às bananas e puxou-as para si. Repeti esse experimento com todos os chimpanzés que haviam visto a vara ser escondida no teto, e todos eles, indepen dentemente uns dos outros, resolveram o problema do mesmo modo. Há pelo menos duas formas diferentes de a “memória” atuar. Muitos animais e homens aprendem a reagir de maneira específica a uma situação também específica, isto é, desenvolvem hábitos. Há grandes diferenças quanto à rapidez da aprendizagem, quanto à complexidade das reações que são aprendidas e quanto ao número de situações diver sas por meio do qual se pode aprender a reagir. Até mesmo um verme demonstra ter “memória” desse tipo geral, quando adquire um hábito muito simples como, por exemplo, o de se mover de uma forma espa cial precisa. No segundo tipo de memória algo mais parece estar en volvido: parte importante de uma situação não está realmente presente no momento da percepção, mas foi constatada em outro lugar ou mo mento. Não obstante, ela poderá ser levada em conta pelo sujeito, na sua resposta, se a sua lembrança ainda estiver ativa ou assim se tornar no instante da reação. Quando esse tipo de memória existe num ani mal, a sua vida e o seu comportamento parecem muito mais amplos e livres do que quando temos apenas a memória do tipo formação de hábitos. Não há muitos indícios de que essa classe de memória exista na maioria dos animais, e eu não tenho certeza de que até mesmo os macacos seriam capazes de exibir comportamento tão surpreendente quanto o que encontrei nos chimpanzés. 5 5 Nos animais inferiores aos antropóides, parece que, até certo ponto, podemos explicar as “reações retardadas” do seguinte modo. Quando o estímulo original é apresentado (alimento, por exemplo), o animal volta-se naturalmente para ele, e essa orientação corporal se mantém, por simples inércia, mesmo depois de o estímulo desaparecer. Depois, assim que é libertado, o animal se move na direção em causa, a menos que novas estimulações não o desviem. É' claro que, no nosso caso, os chimpanzés não permaneceram na orientação corporal adequada. Nem por 45 minutos, nem por 17 horas. Assim sendo, a reação retardada que apresen taram não pode ser explicada de modo tão simples. Aliás, devemos acrescentar que muitos casos de reação retardada em animais inferiores também não com portam essa explicação. 43 Mas talvez os experimentos mencionados não se refiram à inteli gência no sentido estrito da palavra. Descreverei, então, outro tipo de comportamento, certamente mais ligado à inteligência propriamente dita. Trata-se daquelas conhecidas situações experimentais em que o sujeito se defronta com vários objetos, e deve aprender a escolher um deles com base em alguma das suas características: cor, posição espacial, etc. O efeito é conseguido recompensando-se o animal cada vez que ele es colhe o objeto “certo” , e punindo-o (facultativamente) cada vez que es colhe o “errado”. Aprendizagens desse tipo costumam ser vagarosas, e não há nenhum indício de que envolvam processos psíquicos mais eleva dos. A curva de aprendizagem, que mostra como o número de respostas erradas diminui com o tempo, costuma ter forma gradualmente descen dente, ainda que irregular. Poder-se-ia esperar que um antropóide aprendesse a resolver tarefas assim simples em tempo mais curto do que o requerido por outros animais. No entanto, nem sempre isso acontece. Muito ao contrário: em geral, o seu período de aprendizagem costuma ser pelo menos tão longo quanto o dos animais inferiores. Mas há uma diferença: a forma de aprendizagem dos antropóides é, às vezes, bem diversa da encontrada nos vertebrados inferiores. Quando Yerkes realizou, com um orangotango, experimentos do tipo geral que descrevemos, 6 esse antropóide não fez^nenhum progresso real por longo período de tempo. (No entanto, alguns animais muito inferiores na escala zoológica resolveram o problema sem grande difi culdade.) Finalmente, quando o experimentador já tinha quase perdido a esperança de conseguir que o orangotango resolvesse o problema, o animal logrou fazer uma escolha correta, e, a partir de então, dominou completamente a situação, isto é, não mais cometeu erros. Resolveu o problema num momento afortunado e, com isso, a sua curva de apren dizagem passou a apresentar uma queda abrupta. 7 Alguns dos meus experimentos com o processo de aprendizagem dos chimpanzés apre sentaram resultados muito semelhantes aos de Yerkes. Como, às vezes, também encontramos em experimentos com crianças esse mesmo fato surpreendente, é difícil evitar a impressão de que os chimpanzés se comportam como seres humanos que, em circunstâncias experimentais parecidas, conseguem perceber a essência do problema depois de algu 6 Para a presente discussão, não interessa o fato de os experimentos de Yerkes terem sido do tipo múltipla escolha, e não do tipo mais simples de discriminação sensorial. 7 Behavior Monographs. 1916. I ll, 1. 44 mas tentativas, e dizem para si próprios: “Ora, aí está! É sempre o objeto escuro!” É claro que, depois disso, eles também não mais errariam. Os experimentos desse tipo são, em geral, descritos como uma situação em que o animal aprende a conectar certos estímulos a certas reações, conexão essa que ficaria “gravada” ou “estampada” no psiquis mo do animal. N a nossa opinião, essa descrição não é boa, porque empresta importância muito grande ao aspecto memória ou associação, negligenciando outro que poderia ser ainda mais importante e mais difícil. Apesar do muito que se tem falado contra o “antropomorfismo” na Psicologia Animal, temos aqui um exemplo persistente desse erro, cometido não por diletantes, mas por proeminentes homens de ciência. O experimentador está interessado num problema de discriminação sen- sorial, e constrói um aparelho apropriado para apresentar os “estímu los” ao animal em questão. Ao considerar a situação experimental que ele próprio criou, ela lhe parece completamente organizada; os “estí mulos” constituem a sua parte essencial, e tudo o mais não passa de cenário sem importância. Conseqüentemente, o experimentador concebe a tarefa do animal como a de conectar os “estímulos” a determinadas reações, não passando as recompensas e as punições de meros reforços para essa conexão. Acontece que, pensando assim, o cientista nãotem consciência de que está supondo que o animal percebe as coisas da mesma forma que ele, o experimentador, isto é, como uma situação organizada, resultante do objetivo e problema científicos que tem em mente. Não há dúvida de que o experimentador vê os estímulos como os elementos predominantes na situação. Mas por que deveria o ino cente animal perceber as coisas do mesmo modo? A experiência mostra que uma situação objetiva pode aparecer em organizações muito dife rentes. A formação de grupos e de formas num campo é o produto natural de muitas constelações de estímulos. Além disso, algumas par tes do campo também podem ser espontaneamente acentuadas ou apa recer como dominantes. Entretanto, sob a influência de interesses, de experiências prévias etc., a organização original tende a se transformar em outras novas. Ainda não estudamos esses processos nos animais, mas uma coisa parece evidente à primeira vista: é altamente imprová vel que um animal, quando confrontado com uma situação nova de discriminação, tenha logo de início a mesma organização de campo que existe no pensamento e na percepção do experimentador. 45 Sob esse aspecto, talvez, a percepção que o animal tem do campo seja bem diferente da do experimentador do que aquela que o estudante tem do tecido cerebral visto ao microscópio em relação à do neurolo gista treinado. O estudante não pode reagir imediatamente e de modo preciso às diferenças na estrutura dos tecidos, que dominam no campo microscópico do professor, pela simples razão de ainda não o ver nessa organização. Apesar disso, o estudante sabe ao menos que, na situação, suas experiências sensoriais reais de temperatura, tato, barulhos, cheiros e o mundo óptico fora do campo microscópico não têm nenhuma im portância no caso. Nenhuma parcela desse conhecimento selecionador é dada ao animal que é colocado numa situação em que deve aprender a “conectar estímulos e reações” . Na realidade, além de aos “estí mulos” , o animal está submetido a um mundo de dados sensoriais ori ginários do seu próprio organismo e também do ambiente que o cerca. Qualquer que seja a organização inicial desses dados, ela certamente não coincidirá com aquela altamente especial que o experimentador tem na situação. E assim surgem perguntas muito importantes. Que papel tem, nas suas reações e no processo da aprendizagem, a maneira real com que a situação aparece ao animal? Será que a aprendizagem pro gride independentemente desse fator e de possíveis mudanças na orga nização do campo? Ou talvez seja a reorganização, que transforma os “estímulos” em aspectos fundamentais do campo, umà importante parte do problema? Nesse caso, como o animal “usa” as tentativas que lhe dão? Para firmar uma conexão entre estímulos e reação ou para esta belecer a organização correta do campo, de tal forma que, finalmente, apareça a coisa correta que resulte a conexão correta? Enfim, será que a pressão do reforço e da punição exerce alguma influência na direção de tal reorganização? Em caso negativo, de que outro modo se dá a reorganização? No momento, ainda não temos respostas para essas questões, pelo menos no que se refere aos vertebrados inferiores. Quanto aos antro- póides, as observações de Yerkes e as minhas próprias sugerem que, sob condições favoráveis, possa ocorrer com eles algo que acontece muito freqüentemente com os seres humanos, a saber: após algumas experiências com a nova situação, ocorre mudança brusca no sentido da reorganização apropriada à tarefa. Podemos mesmo suspeitar que, a seguir, não mais seja necessário muito tempo para se estabelecer uma conexão entre os estímulos, agora partes fundamentais da situação, e a reação, se é que alguma vez existiu separação real entre as duas ta refas. No seu habitat natural, os animais aprendem em geral de ma 46 neira surpreendentemente rápida a distinguir quando o objeto a que já estão prestando atenção apresenta propriedades “boas” ou “más”. Se essas observações tiverem algum fundamento, seremos compe lidos a rever nossas teorias a respeito da aprendizagem. Mas isso exi girá, fatalmente, novos experimentos, porque, apesar de já conhecermos algumas coisas a respeito da organização e reorganização de campos sensoriais no homem, quase nada sabemos disso quando se trata de animais. Assim sendo, proponho que realizemos experimentos nesse sentido. Temos métodos para isso. Enquanto esses experimentos não são realizados, podemos adiantar como simples hipótese que, tanto nos animais quanto nos seres humanos, a forma de apresentação dos estímulos num campo tem grande influência na organização subseqüente. Uma conseqüência prática dessa hipótese é a seguinte:, poderemos auxi liar melhor os animais a aprenderem, se apresentarmos os estímulos de tal modo e em tais condições gerais de ambientação que esses estímulos tendam espontaneamente a se tornar os fatores dominantes da situação. (Todavia, este não é o local apropriado para explicar de que modo isso poderá ser feito.) Acontece que a situação não se resume a um campo sensorial; também existem recompensas e punições. Além disso, no animal tam bém existe, presumivelmente, como conseqüência das recompensas e das punições, algo como uma tensão fisiológica, que é a mola propulsora para a reorganização e a aprendizagem. Falamos dessas coisas como se elas fossem dissociadas, quando, na verdade, a recompensa, a punição e a tensão na reação ao campo é que parecem produzir reorganização e aprendizagem. Talvez, então, uma conexão mais íntima entre os estí mulos, de um lado, e a recompensa (ou a punição), do outro, encur tasse consideravelmente o período de aprendizagem. Por exemplo, um choque elétrico aplicado às pernas do animal não está intimamente relacionado à tarefa de ele perceber uma mancha vermelha como “estí mulo negativo” .' H á apenas uma conexão (espacial ou temporal) muito vaga entre as duas coisas. Se a própria mancha pudesse ser deslocada bruscamente em direção ao animal, sempre que ele estivesse errando, teríamos, certamente, uma situação experimental de aprendizagem bem mais semelhante àquelas comuns e naturais de aprendizagem do animal. E também uma situação mais eficiente, porque o estímulo negativo se transformaria de modo direto num estímulo marcante, ao mesmo tempo que se embeberia imediatamente de “negatividade” . Com chimpanzés, fui ainda mais longe, uma .vez que os antropóides espertos podem até ser “ensinados” . Usando vários artifícios, podemos 47 dirigir a atenção dos chimpanzés para as cores de duas caixas (ou para a diferença entre elas), mostrando-lhes, ao mesmo tempo, que uma delas está vazia e a outra contém uma banana. Quando eu agia assim, esquecendo-me da regra de que o experimentador não deve atuar dire tamente nos experimentos com animais, costumava obter imediatamente aumentos surpreendentes do número de escolhas corretas. E não vejo nenhuma razão para não esquecer essa regra, uma vez que a nossa prin cipal intenção nesses experimentos não é estudar a forma mais grosseira de aprendizagem, mas fazer com que o chimpanzé resolva o mais rapi damente possível o seu problema. É assim que ensinamos as nossas crianças. Somente o mau professor é que não será capaz de verificar, posteriormente, se o resultado da aprendizagem independe dele. Quando trabalhamos com chimpanzés, é muito fácil descobrir se os resultados obtidos são genuínos ou se dependem de uma pista errada, isto é, do experimentador. 8 Dado que me parece ser de alguma importância, para a nossa ciência, que os psicólogos comparados reconheçam esses novos proble mas do campo geral da aprendizagem, quero me defender de uma pos sível crítica. Não é verdade, como se poderia pensar, que esses proble mas só aparecem quando atribuímos consciência aos animais. Muitas das expressões usadas na descriçãode experimentos e na exposição de problemas parecem envolver a suposição de que existe essa consciência. Se for esse o caso, o behaviorista ortodoxo terá razão de reagir pronta mente, e de declarar solenemente que nada tem a ver com essas coisas mais ou menos místicas que chamamos de organizações e reorganiza ções de campos. E ainda de acrescentar que, como estudioso de ciência natural, continuará a formular os seus problemas em termos de estí mulos e reações. Minha resposta é que nenhuma das expressões que usei pretendia implicar a noção de consciência. Ninguém pode descrever o comporta mento de animais superiores, na sua realidade rica e concreta, sem usar termos que são ambíguos, na medida em que significam comportamentos, mas que também podem implicar a noção de consciência. Eu sempre os uso no primeiro sentido. Tomemos como exemplo a frase: “O antro- póide observava com grande interesse o que eu fazia.” Poderia um 8 Num novo método ■— que, aliás, aplica-se muito bem aos antropóides, como des cobrimos ■—■ eliminamos, eventualmente do estudo do campo sensorial todos os aprendizados provocados pelas reações casuais.' (Psychol. Forschung, 1922. I. p. 399.) 48 antropóide “observar” ou ter “interesse” sem ter consciência? Poderia eu afirmar que a sua “observação” se dirigia às minhas ações sem pressupor uma consciência nele? Não sei se, nesses casos, o antropóide tem ou não consciência. Mas posso continuar o meu trabalho sem resolver esse problema, porque “observar algo” é uma expressão que também tem um significado perfeitamente objetivo na linguagem coti diana, a saber: um comportamento visível e bem característico em di reção a alguma coisa. Nego peremptoriamente que sempre (ou mesmo em geral) nos refiramos à consciência ou pensemos nela, quando ve mos uma pessoa (um químico ou um policial) “observando” algo (uma reação química ou um automóvel suspeito). Acontece a mesma coisa com a palavra “interesse” . Tanto um homem quanto um chimpanzé podem parecer “interessados” . Quando usamos essa palavra, na maio ria dos casos queremos apenas nos referir a uma atitude observável e muito característica. Mas por que não usarmos apenas termos que estejam livres de qualquer ambigüidade e que possam apenas sugerir atitudes e formas objetivas de comportamento? Simplesmente porque esses termos não existem. Ou, então, porque eles não têm as nuanças necessárias, para sugerirem ao leitor todas as atitudes e formas de comportamento que podemos observar nos animais superiores e no homem. Descrever a contração de todos os músculos empregados, quando uma pessoa ou um chimpanzé olha “interessado”, está além das minhas forças. Além disso, ninguém me entenderia, a menos que eu acrescentasse ao final uma frase como esta: “Você sabe, eu quero me referir àqueles movi mentos que, em conjunto, produzem a atitude interessada.” Mas, então, cairíamos num círculo vicioso. Por outro lado, onde estará o perigo de usar esses termos se convencionarmos, de uma vez por todas, que eles apenas significam comportamento? Finalmente, cabe dizer que o não-emprego sistemático desses termos tornaria extremamente pobres as nossas descrições de comportamentos. Nesse caso, apenas a sombra estéril do mundo concreto do comportamento é que seria aceita em nossa ciência, e os nossos conceitos teóricos se tornariam, muitó em breve, ião pobres e estéreis quanto o nosso material. Todavia, a defesa que fizemos só vale para o caso das descrições de comportamentos. Os behavioristas imediatamente ressaltariam que, ao explicar o suposto problema da organização, eu mencionei a percep ção de campo do animal, ao mesmo tempo que enfatizei muito a orga nização com que o campo aparece ao animal. E novamente devo res ponder que, dado o uso que faço dessas palavras, é completamente sem 49 importância o fato de o animal ter ou não consciência. As minhas for mulações envolvem apenas duas suposições. A primeira é a seguinte: nos animais superiores, algumas partes do sistema nervoso central são a sede dos processos sensoriais, que correspondem a estimualções ex ternas, da mesma forma que certos campos do cérebro humano são o cenário de processos sensoriais. Os casos patológicos oferecem provas indiscutíveis do que acabamos de afirmar. E eu uso a expressão “per cepção da situação”, quando quero me referir à totalidade desses pro cessos. Estaríamos condenados a formas grotescas e enfadonhas de diálogo, se termos convenientes desse tipo fossem banidos pelos puri tanos do comportamento. A segunda suposição, que introduz o aspecto fisiológico da Psicologia da Gestalt (aplicada ao campo sonsorial), é uma hipótese de trabalho a respeito de uma propriedade geral desses processos sensoriais. Mesmo o behaviorista, que formula os seus pro blemas apenas em termos de estímulo e reação, deve admitir que alguma coisa acontece entre um e outra, no sistema nervoso central. Ele tende a negar que algum problema específico seja resolvido nessa região, entre os órgãos sensoriais e os reatores. Mas isso também é uma hipótese, na verdade, muito vaga. Pelo menos um problema deve ser aceito como tal. Temos condutores entre os órgãos sensoriais (os olhos, por exem plo) e os reatores; e tais condutores se estendem entre os dois tipos de órgãos como uma espécie de densa rede. Poderíamos supor que um condutor vá, inteiramente isolado, de um ponto da retina até um órgão reator, que outro vá, da mesma forma, de outro ponto do olho até outro efetuador etc. Nesse caso, não haveria muito que inquirir a respeito da região intermediária. Ou, então, percebo que seria difícil conceber a mencionada rede como a soma de condutores totalmente isolados. E, nesse caso, devo admitir que as leis mais simples da Física se aplicam à rede, de tal modo que os processos num condutor tornam- -se funcionalmente dependentes dos que ocorrem em todos os outros e vice-versa. Agora, a “condução” entre os órgãos sensoriais e os rea tores significa um problema de distribuição específica de processos, problema esse que, nos seus aspectos mais gerais, é semelhante aos que ocorrem na Física. E o efeito sobre os órgãos reatores (e conse qüentemente sobre o comportamento) dependerá diretamente de tal distribuição. É a essa distribuição dinâmica que me refiro, quando falo sobre a organização dos processos sensoriais. E não consigo per ceber como, concebido assim, esse termo possa ter algum significado misterioso, apesar de o ponto principal ser a descoberta das proprie dades concretas da distribuição, ainda pouco conhecidas por nós. É claro que essa organização depende da estimulação, mas não da maneira 50 que dependeria se todos os condutores fossem isolados uns dos outros. Dizer que o estudo do comportamento deve ser a investigação de rea ções que dependem de “estímulos” , aparece agora como programa um pouco confuso, propício a encobrir o problema fundamental, que é o seguinte: De que modo os processos sensoriais dependem de determi nado conjunto de estímulos? Como se dá, portanto, a organização do campo, e como se dão as reações? Falaremos sobre isso futuramente. Poder-se-ia considerar como terceira suposição (apesar de se tratar de algo obrigatório) a idéia de que a distribuição ou a organização dos processos sensoriais não depende apenas da constelação de estímulos, mas também da situação interior total existente no animal, de tal forma que as influências exteriores (fome, medo, raiva, fadiga etc.) e as organizações, que ocorreram em experiências prévias; possam produzir mudanças num a distribuição. Todavia, quanto a isso, o behaviorista — no caso de ele admitir o problema das organizações — terá certa mente a mesma opin ião .9 Alguns psicólogos afirmariam que um animal (como o orango tango de Y erkes), que “capta” , de repente, a essência de um a situação, em experimentosde aprendizagem, revela um tipo genuíno de compor tamento inteligente. Mas podemos aplicar outro teste, talvez de maior significância. Um fato freqüentemente observado nas salas de aula ilustrará o que pretendo dizer. Estou tentando explicar aos meus alunos uma demonstração mate mática meio difícil, organizando, para tanto, as minhas frases, na se qüência correta, procurando ser o mais claro possível. Como a demons tração é difícil, provavelmente não serei bem sucedido na primeira tentativa. É o que as expressões faciais dos meus alunos estão mos trando: não estou sendo feliz. Repito tudo o que disse. Assim, quem sabe, no decorrer da terceira tentativa, alguns rostos comecem a passar por modificações características, indicadores seguros de que terá havido uma “clarificação” . Chamo, então, um desses alunos ao quadro, e ele é capaz de repetir a minha demonstração. (O u será que eu deveria dizer imitar o meu desempenho anterior?) Alguma coisa aconteceu na 9 Não pretendo negar, que a ênfase que coloco neste problema decorre; em grande parte, de estudos com seres humanos, meus próprios e de outros. Que mal há nisso? Muitos dos melhores trabalhos realizados no campo da Psicologia Animal foram sugeridos por experimentos feitos com seres humanos. Foi o que acon teceu com os estudos a respeito da discriminação de cores, do fenômeno de Pur- quinje, do contraste, do efeito da distribuição na aprendizagem etc. 51 mente desse aluno enquanto eu estava explicando a demonstração, algo suficientemente importante para se tornar imediatamente visível, na alteração do aspecto externo do aluno, e permitir a eclosão de nova forma de comportamento. Se tentarmos transportar o que dissemos para a experimentação com antropóides, é claro que não poderemos fazer uso da linguagem nem deveremos tentar explicar demonstrações matemáticas. Qual o efeito que terá sobre um antropóide a visão de alguém, símio ou homem, realizando uma ação que, se imitada, lhe será de muita valia? Aqui, talvez, surja uma objeção, a saber: alguns afirmarão que um antropóide não está revelando nenhuma forma de inteligência quando imita o que vê outros fazerem, Não são os macacos e os antropóides dotados de instinto especial para imitar a maioria dos atos que eles presenciam? Assim, se eles também o fazem em experimentos, que conclusão pode ríamos tirar disso? Quem pensar assim estará completamente errado. A idéia ou crença de que os macacos e os antropóides estão constantemente imi tando comportamentos alheios parece ter a seguinte origem: eles nos causam forte impressão devido às semelhanças flagrantes que existem entre o seu comportamento e o nosso. Não usam as mãos do mesmo modo que os seres humanos? Os seus rostos não revelam “expressões’’ semelhantes às nossas em muitos estados emocionais? Tudo isso seria facilmente explicável, se os primatas sentissem prazer especial em copiar ou se eles fossem mecanicamente compelidos a imitar as atitudes e os comportamentos humanos. No entanto, os macacos e os antropóides caçados nas selvas da África Central ou da Ásia revelam, desde o início, ter esse mesmo tipo de comportamento. E isso antes que o convívio com os seres humanos tivesse tido tempo de exercer alguma influência sobre eles. A semelhança que mostram em relação ao homem é natural, não resultando ela da atuação de nenhum forte “instinto de imitação” . De fato, tal instinto não existe. A imitação é quase tão difícil e rara nos antropóides quanto nos vertebrados inferiores. Podemos obser var várias formas ou tipos diferentes de imitação nos antropóides. Todavia, não são muito freqüentes, e só surgem após o preenchimento de certas condições. O primeiro tipo de imitação que, surpreso, vi nos antropóides é bastante comum nas crianças. Lançando mão de objetos muitas vezes inadequados (livros, pedaços de madeira, e tc.), elas ten tam freqüentemente imitar o comportamento dos adultos que vêem ser rando objetos, pregando, pintando, etc. Chamemos esse comportamento 52 das crianças de “brinquedo sério” . É uma brincadeira, mas uma brin cadeira séria, o que é bastânte comum nas crianças. Elas se sentem importantes ao assumirem o papel de um artesão, e ficam muito desgos tosas quando alguém ri das suas “brincadeiras” . Eu também chamaria de imitação do tipo “brinquedo sério” o seguinte comportamento de um chimpanzé. Na área de recreação do animal, um homem estava pintando de branco um poste de madeira. Terminado o trabalho, ele se retirou, deixando no local a lata de tinta e o pincel. Eu estava observando o único chimpanzé presente, escon dendo o rosto com as mãos como se não estivesse prestando atenção nele. O chimpanzé volta-se para mim e me observa atentamente. Ele quer se aproximar do pincel e da tinta, mas já aprendeu que o uso indevido das nossas coisas pode lhe trazer sérias conseqüências. Toda via, encorajado com a minha atitude, pega o pincel, mergulha-o na tinta, e pinta uma grande pedra que está próxima. Durante todo o tempo em que durou a “brincadeira”, o animal se comportou de maneira extre mamente séria. E também é assim que se comportam os antropóides ao imitarem a lavagem de roupas ou o uso de uma broca. A sociedade moderna nos leva a julgar todas as coisas com base no valor prático que tenham, mas eu acho que ela exagera um pouco nesse ponto. O ato de pintar, executado pelo meu chimpanzé, é uma brincadeira sem valor prático para ele. Nessas condições, gostaria de saber se também imitaria um ato que tivesse valor prático para ele. E, no caso afirmativo, se o faria de forma que fosse “mais do que uma brincadeira” . H á casos dessa espécie. Um dia, um chimpanzé não foi alimentado pela manhã, mas a sua comida foi colocada no teto da sua habitação. Pusemos uma caixa no chão, a alguns metros do local adequado, mas o animal não a usou. Na verdade, ele nunca havia usado anteriormente um a caixa como ins trumento auxiliar. Tentou, em vão, alcançar a comida dependurada no teto, pulando para alcançá-la, subindo pelas paredes e correndo ao longo do telhado. Em dado momento, ficou tão fatigado que foi várias vezes até a caixa para se sentar e descansar um pouco, enquanto olhava tristemente para a comida dependurada no teto. Passaram-se muitas horas sem que o chimpanzé mostrasse qualquer indício de ter atinado com a solução do problema. Peguei, então, a caixa, coloquei-a debaixo do alimento, subi nela, e toquei a comida com as mãos. Em seguida desci e novamente empurrei a caixa para longe. Em menos de um minuto, o chimpanzé, que havia estado observando minhas manipula 53 ções, pegou a caixa, arrastou-a para debaixo do alimento, subiu nela, e conseguiu a fruta desejada. Outro exemplo. Quando a comida era dependurada no teto, perto de uma porta fechada, os chimpanzés abriam-na, viravam-na em dire ção ao alimento, e subiam por ela para alcançá-lo. Um dia, dificultei a tarefa deles, prendendo a porta à parede por meio de um gancho e de um anel. Queria ver como os animais se comportariam nessas novas condições. O antropóide que escolhi para o experimento tentou abrir a porta, mas falhou completamente por não reparar no gancho e no anel. Os chimpanzés não compreendem facilmente que um objeto pequeno (gancho e anel, no caso) possa ter importância para os movi mentos de um objeto grande (a porta, no caso). Depois de várias tentativas inúteis, o animal desistiu de abrir a porta, mas observou-me atentamente quando eu me aproximei dela, levantei o gancho e abri-a um pouco. Nesse instante, ele deu o grito de surpresa, muito semelhante à correspondente expressão vocálica emocional do homem. E mal eu havia acabado de restabelecer a situação inicial porta-gancho-anel e me afastado, já o antropóide havia resolvido o problema e se apoderado do alimento desejado. Esses exemplos podem, facilmente, causar a impressãode que a imitação seja algo fácil de ser feito, e não uma aquisição de certa im portância. Mas é só repetirmos um desses experimentos com um an tropóide menos inteligente, para vermos que certas condições devem ser preenchidas antes de a imitação ser possível. Em Tenerife, um dos meus chimpanzés era quase estúpido; pelo menos quando comparado a outros antropóides. Viu muitas vezes alguns chimpanzés utilizarem uma caixa para alcançarem frutas dependuradas bem alto. Nessas con dições, eu esperava que ele também fosse capaz de fazer o mesmo, che gada a sua vez. Quando o experimentei na situação descrita — alimento dependurado no teto e caixa deslocada em relação a ele — o animal dirigiu-se para a caixa. Subiu nela, sem primeiramente deslocá-la para debaixo do alimento, e começou a dar pulos inúteis no ar. Depois, começou a pular debaixo das bananas, mas diretamente do chão, aban donando a caixa. Várias vezes outros animais procederam corretamente na sua frente, mas ele não conseguia imitá-los. Apenas conseguia copiar partes do comportamento dos seus companheiros, o que, evidentemente, não resolvia o problema. Ele subia na caixa, corria da caixa para debaixo das bananas, e pulava para elas, diretamente do chão. Estava claro que o animal ainda não havia conseguido estabelecer a conexão correta entre a caixa e o alimento. Algumas vezes ele deslocava a caixa 54 do lugar, mas o fazia a esmo, isto é, tanto para perto quanto para longe da comida. Somente depois de inúmeras observações do com portamento dos seus companheiros é que ele aprendeu a resolver o problema, de um modo que não posso explicar rapidamente. Vemos, pois, que, na aprendizagem por imitação existe uma tarefa séria, mesmo para um aníropóide menos inteligente. Observando o comportamento de um companheiro que sabe resolver o problema, um chimpanzé inteligente percebe logo que, por exemplo, mover a caixa significa des- locá-la para debaixo da comida. O movimento é percebido como um deslocamento com essa orientação essencial. Por outro lado, um animal estúpido vê o movimento da caixa como algo isolado, isto é, não o relaciona imediatamente com o local da comida. Ele verá fases isoladas do desepenho todo, não as percebendo como partes relacionadas com a estrutura essencial da situação, como partes da solução. É claro que essa organização correta não é simplesmente transmitida na seqüência de imagens retinianas que a ação do animal-modelo produz. Com o imitar acontece o mesmo que com o ensinar. Ao ensinarmos crianças, apenas podemos propiciar a elas condições ou “sinais” favoráveis para as novas coisas que a criança tem de “aprender” ; é sempre necessário que a criança também contribua com algo, algo esse que poderíamos chamar de “entendimento”, e que, às vezes, surge de repente. Não podemos simplesmente despejá-lo dentro da criança. Se, em alguns casos, os antropóides são capazes de “ver” a conexão necessária que existe entre as partes do desempenho que observam e os fundamentos de um a situação, surge naturalmente a pergunta. Será que, às vezes, esses animais seriam capazes de inventar desempenhos semelhantes, como soluções para novas situações? Um antropóide que vê um a caixa colocada sob algumas frutas dependuradas do teto, mas não diretamente, tentará alcançá-las trepando nela. Como a caixa não está corretamente colocada, talvez o antropóide não consiga alcançar imediatamente a comida desejada. Seria ele capaz de “entender a situa ção” e mover um pouco a caixa para que ela fique sob o alimento? Já descrevi, em outra ocasião, o modo pelo qual alguns chimpanzés resolvem esse tipo simples de problema, sem a ajuda de treinos ou da imitação do comportamento de companheiros. Essá descrição já foi uma vez traduzida para o inglês; não há necessidade de repeti-la aqui. Seja-me, porém, permitido mencionar um aspecto do comportamento dos antropóides, que pode ser observado em muitos experimentos. Um antropóide vê sua comida no chão, fora de sua jaula e longe do alcance das suas mãos. Ele já usara diversas vezes uma vara como instrumento 55 auxiliar nessa situação, mas, agora, não há nenhuma na sua jaula, mas apenas uma pequena árvore, um tronco com dois ou três galhos. Du rante muito tempo o animal não encontra solução para o seu problema. Êle conhece varas e sabe usá-las, mas, agora, não as tem à sua dispo sição e sim uma árvore. Ele não vê as partes da árvore como varas em potencial. Mas, de repente, ele descobre a solução dó problema: quebra um dos galhos da árvore e o usa como uma vara. No entanto, para mim, o importante é que, durante certo tempo, a árvore não parecia ter qualquer relação com o problema de alcançar o alimento. Os seres humanos, acostumados a analisar e reorganizar a estrutura do seu ambiente, em relação aos problemas que têm de enfrentar, veriam, desde o primeiro momento, os ramos de uma árvore como varas em potencial. Para entendermos o comportamento do antropóide, do ponto de vista do ser humano, precisamos usar uma estrutura algo mais com plicada do que uma simples árvore com galhos. Suponhamos que, por alguma razão, você precise de uma armação de madeira que tenha o seguin te formato: Na sala onde você está não existe tal armação, mas existem ou tras, como as que vemos ao lado, que, à primeira vista, não parecem servir para a situação, mesmo que você tenha à sua disposição um serrote. Mas, agora, de pois de eu ter feito aquelas observações a respeito do comportamento dos antro póides, você começará a examinar as ditas formas, porque suspeita de que eu “escondi” o formato que você queria. E, assim, você rapida mente o descobre no R. Mas talvez você desistisse, se a mencionada suspeita não tivesse surgido e esses formatos parecessem apenas partes casuais do ambiente, não é verdade? Para o nível mental de um chim panzé, a árvore parece ser, em relação à vara (o galho), aquilo que o mencionado grupo de formatos, e especialmente o R, é, para nós, em relação à citada armação: a parte que poderíamos usar não será uma realidade ótica enquanto fizer parte do todo dado inicialmente. Mas poderá sê-la, mediante modificação do ambiente. A reorganização do ambiente, sob a pressão de determinada situação, seria, então, nova mente, aspecto essencial da tarefa e, ao mesmo tempo, sua principal dificuldade. Sei que muitos psicólogos não acreditarão facilmente que a des crição que dei do comportamento inteligente dos antropóides seja correta. Uma atitude quase que negativista desenvolveu-se na Psico- wOO Cb ORS 56 logia Animal, de tal modo que todos nós vivemos com medo de sermos criticados por causa de tendências antropomórficas, caso a descrição que dermos do comportamento animal não negue, mas afirme, a exis tência de algumas formas superiores de processos psíquicos. Assim sendo, tomei o cuidado de filmar alguns experimentos do tipo mencio nado. Esses filmes são muito mais convincentes do que todas as pa lavras e argumentos que eu possa usar para corroborar as minhas afirmações. Infelizmente, os leitores de uma publicação científica, enquanto tais, não podem assistir a uma exibição de filmes.
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