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112 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 Unidade III Unidade III 5 BIOMECÂNICA DA GINÁSTICA A ginástica é o nome dado há um conjunto de movimentos feitos em determinada sessão de treino para diferentes fins: • condicionar o corpo; • educar o corpo para o movimento; • corrigir posturas que provocam dores; • desafiar o corpo para controle do equilíbrio em movimentos complexos, entre outros. Muitos foram os objetos atribuídos à ginástica ao longo de sua história (BROCHADO; BRACHADO, 2005), e, por meio desses diferentes objetivos, várias modalidades de ginástica foram criadas. As modalidades que exigem maior controle de equilíbrio, além de força e flexibilidade, são as vistas em competições olímpicas, ginástica artística e ginástica olímpica ou acrobática (MOCHIZUKI; AMADIO, 2007). O treino do controle de equilíbrio é bastante relevante para esse tipo de modalidade (LAMB et al., 2014), assim, os fatores biomecânicos que interferem no controle do equilíbrio e os princípios do treinamento proprioceptivo que organizam o controle motor para esse fim serão estudados neste capítulo. Além de auxiliar atletas de alto nível, o treinamento proprioceptivo também é muito usado em academias para melhorar a postura estática e dinâmica do movimento, particularmente em condições de reabilitação de lesões musculoesqueléticas. Existem várias modalidades de ginástica de academia, entretanto, as mais antigas e que ainda perduram são as que têm step e aeróbica. Apesar de elas não alcançarem o nível de competição de uma Olimpíada, existem competições locais que priorizam a performance das sequências de movimentos complexos aprendidas nessas modalidades. Para entender o efeito que os movimentos das ginástica aeróbica e step causam no aparelho locomotor, é necessário mensurar o impacto da atividade e entender como controlá-lo – particularmente em aulas nas quais o volume de cargas mecânicas e a intensidade variam de acordo com o tipo de movimento e a velocidade da música. É necessário ainda considerar que os praticantes de step e aeróbica incluídos na mesma sala de aula nem sempre têm o mesmo condicionamento físico e controle de movimento para reproduzir os 113 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE gestos motores dessas práticas de exercícios com técnica correta. Dessa forma, esses fatores devem ser entendidos para a elaboração de sequências de treino condizentes com o condicionamento físico, muitas vezes heterogêneo de uma turma. 5.1 Ginástica olímpica e artística: biomecânica do equilíbrio Para determinar o posicionamento do centro de massa do corpo utilizam-se os conceitos da área da biomecânica, denominada de antropometria. Esta tem como objetivo determinar as características físicas do aparelho locomotor pela utilização de modelos antropométricos (AMADIO; DUARTE, 1996; AMADIO; SERRÃO, 2007). A partir do registro de medidas corporais, como comprimento do corpo, peso corporal e diâmetros de partes específicas determinadas em cada modelo antropométrico, é possível calcular: • as forças internas, tais como os torques internos, as forças musculares e articulares; • o local do centro de massa de cada segmento e do corpo em diferentes posturas. Com a obtenção desses parâmetros, pode-se definir a sobrecarga em cada estrutura do corpo, bem como verificar o posicionamento corporal para fazer considerações sobre a estabilidade do corpo no movimento (AMADIO; DUARTE, 1996, AMADIO; SERRÃO, 2007). A estabilidade do corpo nos movimentos esportivos, tais como na ginástica olímpica ou rítmica, é conseguida quando os executores do movimento têm grande capacidade de controlar o equilíbrio. Mas, como um atleta de uma dessas modalidades consegue se manter parado com o apoio da porção anterior de um dos pés no solo? Como tem estabilidade para permanecer por um tempo no apoio invertido? E nas sequências de trave, como é possível saltar, girar, abaixar e levantar sem perder o equilíbrio corporal? Quais fatores interferem no controle do equilíbrio do corpo? O equilíbrio corporal sofre influência de fatores como posição do centro de massa do corpo, quantidade de massa, base de apoio e localização vertical do centro de massa em relação à base de apoio (HALL, 2013). Lembrete O centro de massa é o ponto de equilíbrio do objeto ou segmento corporal. Ao redor desse ponto, a distribuição de massa do objeto ou segmento se dá de forma homogênea. Portanto, se o objeto ou segmento for suspenso por um fio exatamente pelo centro de massa, ele ficará em equilíbrio (MCGINNIS, 2015; HALL, 2013). A posição do centro de massa de um corpo ou um objeto é determinada pela distribuição de massa em torno desse ponto e ela sempre será homogênea. Observe as ilustrações da figura a seguir: 114 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 Unidade III Figura 65 – Ilustração da localização do centro de massa (ponto vermelho) de objetos O ponto vermelho representa o centro de massa de cada objeto. Repare que nem sempre esse ponto está no meio do objeto. Veja o exemplo da pá. Pelo fato de o cabo de madeira pesar menos do que a parte de ferro da pá, a tendência é que o centro de massa desse objeto fique mais deslocado para a área que pesa mais. Lembre-se de que a determinação do ponto de equilíbrio depende da relação dos torques ao redor desse ponto, que deve tender a zero. Veja o exemplo da figura a seguir para entender a localização do centro de massa de uma pá: 15 N ↓ 60 N ↓ 40 cm 10 cm (15 N) (40 cm) = (60 N) (10 cm) 600 N - cm = 600 N-cm Figura 66 – Aplicação do conceito de torque para localização do centro de massa de objetos ou segmentos Como a caixa A pesa mais do que a caixa B, para determinar o ponto de equilíbrio do sistema, é preciso manipular as distâncias dos braços de alavanca. Para garantir o equilíbrio, a somatória de torques ao redor do eixo do sistema deve ser igual a zero. Então, como a caixa A pesa mais, sua distância em relação ao eixo (ou ponto de equilíbrio) deve ser menor. Como a caixa B pesa menos, sua distância em relação ao ponto de equilíbrio do sistema deve ser maior. Assim, a somatória dos torques será zero e o sistema permanece em equilíbrio. É possível perceber também na figura 65 que, às vezes, o centro de massa do objeto não fica sobre o corpo do objeto, como mostrado no taco de golfe. Além da distribuição de massa no eixo longitudinal 115 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE do objeto, é preciso entender que, por ter uma extremidade de ferro similar a um gancho e por essa extremidade pesar mais do que o cabo do taco, a distribuição de massa de forma homogênea ocorrerá com o deslocamento do centro de massa mais próximo da extremidade de gancho e mais lateral em relação ao eixo longitudinal do objeto. Por isso, verifica-se o centro de massa do corpo do objeto fora dele. Como dito anteriormente, a localização do centro de massa do corpo pode ser feita com o uso de modelos antropométricos, protocolo definido por pesquisadores, que, por meio de estudos com cadáveres, usaram a relação ilustrada na figura anterior para definir a posição do centro de massa de cada segmento. Entenda esse conceito com a leitura do passo a passo da localização do centro de massa do corpo usando o modelo antropométrico de segmentação proposto por Hay (1981). Inicialmente, o movimento deve ser filmado ou fotografado e suas principais fases deverão ser separadas para análise. Aposição do sujeito em cada fase do movimento que se deseja analisar deverá ser impressa em uma folha de papel milimetrado (figura a seguir). Em seguida, a marcação com régua e caneta de cada linha que representa o comprimento de cada segmento do corpo deve ser traçada. Lembre-se que o tamanho do segmento será representado por uma linha traçada entre as epífises distal e proximal dos segmentos. Em seguida, o centro de massa de cada segmento deverá ser marcado em acordo com os pontos de referência destacados no modelo de Hay (1981): • para o segmento cabeça: vértice ou inserção do queixo com o pescoço; • para o segmento tronco: apêndice supraesternal ou ponto central entre os eixos do quadril; • para o segmento braço: articulação do ombro ou do cotovelo; • para o segmento antebraço: articulação do cotovelo ou do punho; • para o segmento mão: articulação do punho ou terceiro dedo da mão; • para o segmento coxa: articulação do quadril ou do joelho; • para o segmento perna: articulação do joelho ou do tornozelo; • para o segmento pé: calcanhar ou ponta do dedo maior do pé (hálux). Repare que para cada segmento é preciso escolher um dos lados. Por exemplo, para determinar o centro de massa do segmento braço, é preciso escolher como referência ou a articulação do ombro ou a articulação do cotovelo. A escolha de um dos lados do segmento depende de qual porcentagem será usada para o cálculo do centro de massa do segmento. Veja a tabela a seguir, elaborada a partir de informações presentes na obra de Hay (1981): 116 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 Unidade III Quadro 1 – Localização do centro de gravidade dos segmentos corporais Segmento Localização do centro de gravidade dos segmentos expressos como porcentagem da distância total entre os pontos de referência Cabeça 46,4% do vértice ou 53,6 da intersecção do queixo com o pescoço Tronco 38% do apêndice supraesternal ou 62% do ponto central entre os eixos do quadril Braço 51,3% do eixo do ombro ou 48,7% do eixo do cotovelo Antebraço 39% do eixo do cotovelo ou 61% do eixo do punho Mão 18% do eixo do punho ou 82% do terceiro dedo Coxa 37,2% do eixo do quadril ou 62,8% do eixo do joelho Perna 37,1% do eixo do joelho ou 62,9% do eixo do tornozelo Pé 44,9% do calcanhar ou 55,1% da ponta do dedo maior Suponha que o comprimento do braço direito, representado pela linha traçada entre cotovelo e ombro na figura impressa em papel milimetrado, foi de 1,5 cm. É possível multiplicar esse valor por 51,3% referente ao ombro, ou por 48,7%, referente ao cotovelo. Se a escolha for pela porcentagem do ombro, para marcar o resultado da multiplicação entre 1,5 cm e 51,3% no papel milimetrado, o valor zero da régua necessariamente deve estar sobre o ombro. Se a escolha for pela porcentagem do cotovelo, para marcar o resultado da multiplicação entre 1,5 cm e 48,7% no papel milimetrado, o valor zero da régua necessariamente deve estar sobre o cotovelo. É possível perceber que o braço tem um pouco mais de massa na região da epífise proximal do que na região da epífise distal. Esse procedimento de localizar o centro de massa de cada segmento deverá ser repetido para todos os segmentos do corpo. Na sequência, deve-se traçar duas linhas fora da figura, uma vertical e do lado direito da figura, que representará o eixo Y; e outra horizontal e abaixo da figura, que representará o eixo X. Vejá a figura a seguir: 13 y 11 12 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 x Figura 67 – Procedimento para localização do centro de massa do corpo. Linhas pretas definem o comprimento dos segmentos; estrelas vermelhas indicam o centro de massa de cada segmento calculado e marcado em acordo com o quadro 1; estrela azul, centro de massa do corpo calculado com o método de segmentação de Hay 117 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE A tabela a seguir deverá ser preenchida com as coordenadas em X e em Y para cada centro de massa encontrado em cada segmento. Por exemplo, o centro de massa do braço direito na figura analisada está a 3,1 cm no eixo X, então, coloca-se esse valor na tabela, na coluna definida como posição em X. O mesmo ponto, centro de massa do braço direito, na figura, está a 10,1 cm no eixo Y, então coloca-se na tabela esse valor, na coluna posição em Y. Esse passo deverá ser repetido para todos os segmentos até o preenchimento total das colunas posição em X e posição em Y da tabela. Tabela 1 – Obtenção das coordenadas X e Y para o movimento arabesque e cálculos do torque em X e em Y para determinação do centro de massa do corpo Segmentos Peso relativo Posição em X Torque em X Peso relativo Posição em Y Torque em Y Cabeça 0.073 4,5 0,33 0.073 10,5 0,77 Tronco 0.507 4,0 2,03 0.507 8,3 4,20 Braço E 0.026 5,8 0,15 0.026 9,2 0,24 Antebraço E 0.016 6,9 0,11 0.016 9,2 0,15 Mão E 0.007 8,0 0,05 0.007 9,1 0,06 Braço D 0.026 3,1 0,08 0.026 10,1 0,26 Antebraço D 0.016 2,4 0,04 0.016 11,2 0,18 Mão D 0.007 1,7 0,01 0.007 12,2 0,08 Coxa E 0.103 5,7 0,6 0.103 7,6 0,79 Perna E 0.043 9,1 0,4 0.043 8,0 0,34 Pé E 0.015 11,3 0,17 0.015 8,7 0,13 Coxa D 0.103 5,5 0,6 0.103 5,5 0,56 Perna D 0.043 5,4 0,23 0.043 3,0 0,13 Pé D 0.015 5,3 0,08 0.015 1,1 0,01 Resultado do torque em X 4,9 Resultado do torque em Y 7,9 Feito isso, os valores da coluna peso relativo deverão ser multiplicados pelos valores encontrados na posição em X e em Y. Considerando a linha do braço direito na tabela, o valor do peso relativo 0,026 deverá ser multiplicado pelo valor da posição em X, 3,1 cm, e o resultado dessa conta deverá ser escrito na coluna torque em X, 0,08. Ainda para a linha do braço direito, o valor do peso relativo 0,026 deverá ser multiplicado pelo valor da posição em Y, 10,1 cm, e o resultado dessa conta deverá ser escrito na coluna torque em Y, 0,26. Novamente, esses cálculos devem ser repetidos para todos os segmentos até completarem as linhas da tabela. Finalmente, com a soma dos valores da coluna torque em X, encontra-se a posição do centro de massa do corpo na posição X. Com a soma dos valores da coluna torque em Y, encontra-se a posição do centro de massa do corpo na posição Y. Após cálculos dos valores mencionados, estes deverão ser anotados na figura (estrela azul da figura anterior). Com isso, encontra-se a localização do centro de massa do corpo para essa posição. Caso haja interesse em descobrir o deslocamento do centro de massa do corpo em um movimento, basta fazer todo esse procedimento para uma sequência de figuras que o representem. 118 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 Unidade III Exemplo de aplicação Para analisar o deslocamento do centro de massa do corpo de uma ginasta no movimento de mortal para a frente sobre a trave, siga as seguintes etapas: 1) filme a ginasta executando o salto mortal para a frente sobre a trave; 2) com o auxílio de um programa de edição de vídeo, separe cinco imagens que indiquem as principais fases desse movimento; 3) para cada fase, aplique todo o procedimento do método de segmentação de Hay (1981), encontrando o centro de massa do corpo em cada fase do movimento; 4) junte as fases analisadas na sequência correta de execução do movimento e ligue os pontos que representam o centro de massa corpo. O deslocamento do centro de massa do corpo no movimento será traçado em forma de um gráfico. Quando se analisa com a cinemática o deslocamento do centro de massa do corpo em um movimento, como feito por Williams e Cavanagh (1987), ao relacionarem o deslocamentovertical do centro de massa do corpo com o rendimento da corrida (figura 59), o software usado para armazenamento e análise do movimento registrado por câmeras é alimentado com informações antropométricas do sujeito para aplicação de um modelo antropométrico escolhido pelo pesquisador do estudo. Com isso, todo esse cálculo à mão demonstrado anteriormente é feito automaticamente pelo software do computador, reduzindo o tempo para analisar e discutir os resultados do estudo. Portanto, percebe-se que o uso de modelos antropométricos associados com outra metodologia da área da Biomecânica é muito comum para a análise de movimentos. Após definir a posição do centro de massa do corpo para fazer considerações sobre o controle do equilíbrio, é preciso discorrer sobre os demais fatores citados no início dessa sessão: quantidade de massa, base de apoio e localização vertical do centro de massa em relação à base de apoio (HALL, 2013). A quantidade de massa corporal pode influenciar a força que deverá ser aplicada a um corpo para movimentá-lo e, assim, tirá-lo de seu estado de equilíbrio. Apesar da sessão discutir os movimentos da ginástica olímpica e artística, a modalidade de luta sumô é a mais ilustrativa para o entendimento da quantidade de massa no equilíbrio corporal. O objetivo da luta sumô é derrubar o lutador ou empurrá-lo para fora da área de combate. Para ambos movimentos, o lutador que aplicar o golpe deverá necessariamente desequilibrar o oponente. Sabendo que a massa corporal dos lutadores é substancialmente maior do que a de um sujeito não obeso, esta torna o controle de equilíbrio corporal desses atletas mais eficiente, pois, para movimentá-lo ou romper o equilíbrio, será necessário aplicar uma força muito alta. 119 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE A quantidade de massa corporal para essa modalidade esportiva torna-se uma característica física importante para se defender dos golpes dos oponentes e garantir a estabilidade do praticante para ganhar uma luta. Entretanto, na ginástica, outros fatores são mais importantes para controlar o equilíbrio, como, por exemplo, o tamanho da base de apoio. A quantidade de pontos de apoio entre o chão e o corpo e a área ao redor desse ponto determinam a base de apoio entre um ginasta e o ambiente. Quando um sujeito começa a praticar os movimentos da ginástica, como o apoio invertido, é comum verificar o uso das mãos e da cabeça como base de apoio do movimento antes de levantar as pernas do chão para se manter em equilíbrio. Com três apoios formando a base desse movimento, a área que delimita o espaço pelo qual o centro de massa do corpo pode oscilar é bem grande, e a possibilidade de ter sucesso na tarefa, que tem por objetivo manter o corpo parado em apoio invertido, é maior. Para entender o significado da oscilação do centro de massa na base de apoio, imagine que você está em pé sobre uma cartolina branca e circula o espaço entre seus pés com uma linha pontilhada, como demonstrado na figura a seguir, em seu lado esquerdo. Figura 68 – Projeção do centro de massa em diferentes tamanhos de base de apoio Ao mesmo tempo, você segura uma lanterna encostada na região da cicatriz umbilical de seu corpo, com a luz vermelha da lanterna acesa e direcionada para o chão. Você verá que, nessa condição, a luz da lanterna ficará dentro da área delimitada pela linha tracejada entre seus pés. No entanto, se você remover o pé esquerdo do solo e ficar equilibrado somente sobre o pé direito (apoio unipodal, ilustração à direita da figura anterior), a luz vermelha obrigatoriamente se deslocará para dentro de sua nova base de apoio, ou seja, ficará no centro do seu pé direito. Com isso, é possível perceber que o centro de massa do corpo oscila dentro da base de apoio criada para o movimento ou postura adotada. Essa base de apoio é estabelecida não só pelos pontos de apoio do corpo com o solo, mas também pela área ao redor desses pontos. Se, por acaso, a luz da lanterna projetada no solo ultrapassar o limite (linha tracejada) da área delimitada ao redor dos pontos de apoio, obrigatoriamente o sujeito, para não cair, dará um passo para a direção da força que o deslocou. 120 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 Unidade III Com a explicação da projeção do centro de massa na cartolina em diferentes posições é possível entender as etapas necessárias para o ginasta aprender a controlar o equilíbrio corporal na parada de mão. Imagine se o sujeito já iniciasse o aprendizado do movimento de parada de mão com o apoio das mãos. Com somente dois pontos de apoio para formar a base de sustentação, a capacidade de controle do equilíbrio com o corpo em posição invertida precisaria ser bem maior do que na situação anterior (com três apoios: parada de cabeça), porque a área pela qual o centro de massa do corpo poderia oscilar seria bem mais restrita. A distância vertical do centro de massa do corpo em relação ao solo é outro fator importante a ser considerado para o controle do equilíbrio na ginástica. Não é difícil observar em sequências acrobáticas de atletas do sexo masculino na prova de solo a execução do seguinte exercício: o atleta apoia as mãos no solo bem afastadas, faz a parada de mãos com os quadris em abdução e, em posição invertida, aduz os quadris para unir as pernas, controla o equilíbrio nessa posição e finalmente faz um rolamento para a frente. Ao ficar em posição invertida e alterar a amplitude do movimento dos quadris, variando a posição das pernas de afastadas para unidas, o atleta desloca o centro de massa do corpo na vertical. Com as pernas afastadas, a massa dos segmentos coxa, perna e pé ficam mais próximas do solo, então, ao calcular a posição do centro de massa do corpo com o Método de Segmentação de Hay (1981), o ponto que o representa estaria mais próximo da parte superior do tronco. Na condição de pernas unidas, a massa dos segmentos coxa, perna e pé é deslocada para cima, então, a posição do centro de massa do corpo, calculada com o mesmo método indicado anteriormente, apresentaria um ponto na porção inferior do tronco. Lembre-se que o movimento está sendo analisado em posição invertida. Mas como a posição vertical do centro de massa corporal afeta o controle do equilíbrio? Vamos aplicar novamente o conceito de torque, veja a figura a seguir. CM • CM • Força Distância em relação ao solo Distância em relação ao solo Força Figura 69 – Distância do centro de massa do corpo em relação ao solo e sua relação com o equilíbrio. Quanto maior e mais longe do solo a força for aplicada contra o corpo, maior a instabilidade Quando o centro de massa está mais próximo do solo, a força necessária para girar o corpo em torno de seu eixo a fim de desequilibrar o atleta deverá ser maior. Caso contrário, o corpo permanecerá em equilíbrio. 121 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Lembrete Para entender o deslocamento de um corpo no espaço, lembre-se da Segunda Lei de Newton, que determina que quando um corpo sofre a ação de uma ou mais forças cujas resultantes são diferentes de zero, ele acelerará na direção da resultante da força, de forma proporcional a sua magnitude. Considere a prova das ginastas na trave, quão desafiadora ela é. As atletas estão sobre um equipamento com base de apoio muito estreita e localizada a 1,25 metros de distância do solo, duas condições muito instáveis para o corpo. Sobre essa área, elas precisam realizar movimentos de saltos, giros e paradas em apoio unipodal.Quando certa atleta, na apresentação de sua rotina, realizar um salto, percebe que perdeu o controle sobre o equilíbrio corporal e aterrissa com os pés um na frente do outro sobre a trave; automaticamente, ela flexiona as articulações dos membros inferiores e posiciona os braços à frente do corpo, paralelos à trave. Essa estratégia serve para abaixar o centro de massa do corpo e, com o movimento dos braços, centralizá-lo em sua base de apoio, para manter-se sobre a trave em equilíbrio. Portanto, a estratégia de flexionar as articulações dos membros inferiores para retomar o equilíbrio corporal explica como o conceito de torque pode ser importante para o controle da estabilidade do corpo. Um centro de massa corporal mais distante do solo é mais suscetível a oscilar em todas as direções, principalmente naquela na qual a área de delimitação da base de apoio é menor, e facilita a ação da gravidade ou de um oponente (no caso de lutas) no deslocamento do sujeito com a intenção de gerar instabilidade e perda do equilíbrio. Apesar de todos os desafios intrínsecos da ginástica olímpica e artística, os sujeitos que a praticam são muito bem treinados para controlar o equilíbrio. Um dos treinamentos usados para esse fim é o treinamento proprioceptivo. 5.2 Treinamento proprioceptivo O treinamento proprioceptivo tem por objetivo desestabilizar o corpo em exercícios, e, ainda assim, o executor do movimento deverá controlar o corpo para manter-se em equilíbrio (LAMB et al. 2014). Em condições normais, o controle do corpo após um estímulo que perturba seu equilíbrio é possível com a participação dos sistemas visual, vestibular e somatossensorial (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2010). Mas quem são esses sistemas? E o que eles fazem para controlar o equilíbrio? O sistema visual fornece informações importantes sobre o posicionamento e a movimentação da cabeça adotando como referência a direção vertical. Assim, os objetos posicionados na vertical em relação ao nosso corpo, como portas e janelas, servem como inputs de informação visual para o equilíbrio (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2010). 122 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 Unidade III Se uma pessoa distraída está em pé em frente a uma porta aberta, e outra pessoa de repente fecha essa porta rapidamente, a primeira pessoa citada na frase terá a reação de inclinar o corpo para trás. Essa reação só é possível por conta da informação visual captada do meio. A aproximação da porta faz o corpo se proteger, inclinando para trás. No entanto, imagine que a pessoa que inclinou para trás, por algum motivo, não pode tirar seus pés do lugar, não pode se mexer. Para não cair após a inclinação para trás, seus músculos posteriores serão acionados (encurtam) para projetarem o corpo para a frente e reestabelecerem o equilíbrio corporal. É dessa forma que o sistema visual auxilia o controle do equilíbrio. O sistema vestibular, localizado no sistema auditivo, fornece informações sobre as forças de inércia e gravitacional que interagem com nosso corpo parado e em movimento. A situação de descer um andar de um prédio por uma escada rolante pode ilustrar a percepção dessas forças e o ajuste de equilíbrio do corpo (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2010). Imagine que, ao se aproximar da escada rolante, a pessoa está caminhando mais lentamente do que a velocidade dessa escada. Se essa pessoa colocar o pé diretamente na escada rolante para descê-la, sem ajustar o passo, a escada, que está mais rápida que o corpo, projetará o pé de apoio da pessoa para a frente, e isso facilitará seu desequilíbrio para trás. Além de segurar forte no corrimão da escada, o corpo da pessoa tende a ir para a frente, a fim de ajustar o desequilíbrio causado pela força da escada que projetou o corpo para trás. Todo esse comportamento só foi possível porque o sistema nervoso percebeu a aplicação de uma força maior sobre o corpo e, como resposta, acionou a musculatura para controlar essa força e manter o corpo em equilíbrio. Então, percebe-se que o sistema vestibular também é importante para controlar o equilíbrio corporal. O sistema somatossensorial é formado por células receptoras proprioceptivas cutâneas e articulares que informam sobre a variação de forças que ocorrem dentro do nosso corpo (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2010). Se, por exemplo, um sujeito, ao aterrissar após um salto, sentir sua perna fraca em relação à força que está recebendo do solo e perder a estabilidade para o controle do equilíbrio na aterrissagem do salto, é possível que tal impacto aplicado ao corpo esteja muito alto, e, como forma de proteção, o músculo do quadríceps relaxar para não ser demasiadamente estirado, o que poderia provocar uma lesão. Este controle protetor só é possível por existirem no músculo células receptoras (fuso muscular e órgão tendinoso de Golgi) que informam o sistema nervoso central sobre a variação de tensão no músculo; assim, caso haja uma força muito alta incidindo ou sendo gerada pelo músculo, o SNC é informado e fornece uma resposta para controlar a carga mecânica sobre o corpo. Da mesma forma como acontece para o controle de carga, quando o SNC é informado sobre as variações no comprimento músculo-tendíneo pelos receptores mecânicos e percebe que tal variação comprometerá o controle de equilíbrio, o SNC ativará os músculos devidos e relaxará os opostos para ajustar a postura do corporal e preservar o equilíbrio. 123 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Assim como o músculo, os componentes articulares e a pele também possuem células receptoras para informar: • se um ligamento está mais alongado do que outro, denota distribuição irregular de força sobre a articulação e, por consequência, instabilidade articular; • a quantidade de força aplicada em cada área da região plantar para o SNC saber se a distribuição de forças sobre o pé está homogênea ou se há indicação de perda de estabilidade sobre a base de apoio do movimento. Essas informações obtidas dentro do próprio corpo sobre o posicionamento de suas partes que ajudam a regular o equilíbrio em posturas estáticas e dinâmicas são conhecidas por respostas proprioceptivas. Saiba mais Para mais informações sobre os sistemas que controlam o equilíbrio, leia: SHUMWAY-COOK, A; WOOLLACOTT, M. H. Controle motor: teoria e aplicações práticas. 3. ed. Barueri: Manole, 2010. 622 p. Com base na definição dos sistemas visual, vestibular e somatossensorial, é possível entender que todas as informações obtidas desses sistemas chegam ao SNC, este as absorve e define uma resposta mais eficiente para ser executada pelos músculos a fim de controlarem a postura do corpo no movimento. Mas quando essas respostas são perturbadas no exercício, o que ocorre? A perturbação do equilíbrio corporal é a forma usada pelo treinamento proprioceptivo para melhorar o controle motor e, por consequência, o controle do equilíbrio. Se um músculo é treinado para reagir a uma determinada situação imposta por um exercício, quando algum movimento do cotidiano gerar uma perturbação similar sobre a estabilidade corporal, o músculo que treinou para reagir a essa situação o fará, e o risco de queda ou perda de estabilidade diminuirá. Então, o tempo para acionar o músculo e a sua intensidade de ação são fatores importantes a serem treinados para controle do equilíbrio após uma perturbação. Veja o estudo de Borreani et al. (2014), que verificaram as diferenças na ativação dos músculos tibial anterior, fibular longo e sóleo quando 44 participantes do estudo executaram exercícios proprioceptivos distintos em relação à estabilidade e intensidade. Os exercícios observados na figura aseguir foram considerados os mais estáveis pelos autores, porque a atividade eletromiográfica dos músculos tibial anterior, fibular longo e sóleo não foi alta e não variou entre as condições de estabilidade. 124 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 Unidade III Repare que, no exercício do lado direito, o sujeito está com os dois pés afastados lateralmente no solo, portanto a base de apoio do movimento é bem estável. No exercício do meio, a bola é usada para deixar a base de apoio mais instável, pois ela pode oscilar nos vários eixos; entretanto, com a bola e os dois pés apoiados no solo, a base de apoio fica muito grande e estável para o controle do equilíbrio. O exercício do lado esquerdo é o menos estável dos três apresentados nessa figura por ter embaixo de cada pé uma almofada de equilíbrio para gerar instabilidade postural; ainda assim, para os músculos estudados, a ativação muscular não variou em relação aos outros movimentos da figura. Figura 70 – Exercícios proprioceptivos usados por Borreani et al. (2014) para verificar as diferenças na ativação dos músculos tibial anterior, fibular longo e sóleo em 44 sujeitos Observação A almofada de equilíbrio é um acessório usado em aulas de treinamento proprioceptivo para gerar instabilidade ao corpo. Ela é feita de plástico vinílico, em formato de um círculo achatado, preenchida com ar. Na figura a seguir estão ilustrados os exercícios que apresentaram ativação um pouco maior dos músculos tibial anterior, fibular longo e sóleo em relação à figura anterior. Note que, para aumentar a instabilidade do corpo e aumentar a ativação muscular, a base de apoio dos exercícios foi reduzida e, particularmente, na figura da direita, foi adicionada uma banda elástica para promover maior perturbação na direção horizontal anteroposterior do corpo. Figura 71 – Exercícios proprioceptivos usados por Borreani et al. (2014) para verificar as diferenças na ativação dos músculos tibial anterior, fibular longo e sóleo em 44 sujeitos 125 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Essas manipulações, principalmente na direção anterior posterior do corpo, fizeram com que o músculo tibial anterior apresentasse maior ativação em relação aos demais músculos e exercícios verificados até o momento. O músculo fibular longo foi o segundo a apresentar aumento de atividade, possivelmente pela redução da base de apoio para unipodal, ocasionando o consequente aumento da oscilação do corpo na direção horizontal médio lateral. O sóleo foi o músculo que teve o menor aumento de ativação em relação aos demais estudados. A tração da banda elástica facilita a inclinação do corpo para trás, assim, o sóleo deve ser menos acionado, para não estender o tornozelo e facilitar a inclinação do corpo para trás, o que comprometeria o controle do equilíbrio corporal. Figura 72 – Exercícios proprioceptivos usados por Borreani et al. (2014) para verificar as diferenças na ativação dos músculos tibial anterior, fibular longo e sóleo em 44 sujeitos Na figura anterior, os exercícios que perturbaram mais a estabilidade corporal e que ativaram mais os músculos analisados no estudo são apresentados. A soma de elementos que aumentam a perturbação do equilíbrio, tais como o apoio unipodal sobre base instável e a adição de uma banda elástica que aumenta as oscilações na direção horizontal anteroposterior do exercício, promoveram maior ativação dos músculos do tornozelo que controlam o equilíbrio, sendo a ativação no tibial anterior a que progressivamente apresentou aumento mais expressivo, seguida pela ativação do fibular longo e, por último, do sóleo. Na figura anterior, além do uso da almofada de equilíbrio, a prancha de equilíbrio (imagem do meio) também é usada como acessório para provocar maior instabilidade no controle do equilíbrio. Com o uso de ambas, principalmente, o equilíbrio corporal na direção horizontal anteroposterior é o mais manipulado. Observação A prancha de equilíbrio é um acessório usado em aulas de treinamento proprioceptivo para gerar instabilidade ao corpo. É composta por uma prancha de madeira montada sobre dois semicírculos de madeira, que servem como base de apoio e oscilam em acordo com o ajuste postural. Com a apresentação e a discussão do estudo de Borreani et al. (2014), verifica-se que há possibilidade de treinar a resposta muscular de controle de movimento postural em acordo com a perturbação imposta ao sistema. 126 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 Unidade III Existem acessórios para manipular com a base de apoio, para torná-la mais instável, e além deles é válido lembrar que, para controlar o equilíbrio, é possível usar as informações visuais; então, além de solicitar ao sujeito o uso de um apoio unipodal sobre um disco de equilíbrio, é possível pedir que ele se mantenha sobre essa base com os olhos fechados. A restrição das informações visuais é outra estratégia eficiente que pode ser manipulada no treinamento proprioceptivo. Lembrete Para perturbar o equilíbrio corporal, é necessário criar estratégias de treino que incrementem a instabilidade, tais como redução dos pontos de apoio, uso de bases instáveis, restrição das informações visuais e resistências aplicadas ao corpo que provocam o desequilíbrio corporal na direção mais instável do apoio. 6 GINÁSTICA DE ACADEMIA 6.1 Modalidade step A modalidade de ginástica de academia conhecida como step, quando surgiu, atraiu muitos praticantes e rapidamente se tornou popular. Infelizmente, o grande interesse e volume de prática fez muitas pessoas passarem a apresentar lesões decorrentes da atividade. Na maioria das vezes, a lesão incidia na articulação do joelho, atingindo as estruturas menisco e ligamento cruzado anterior (LCA). Com o aumento da incidência de lesões, foi iniciada a busca de suas causas. A análise das lesões teve como conclusão mais óbvia a de que o alto impacto da modalidade step causava tais lesões. Essa conclusão surgiu do fato de a lesão acometer principalmente os meniscos do joelho, que sabidamente têm como uma de suas funções a atenuação do impacto. Portanto, relacionando a incidência de lesão com a estrutura lesionada, imediatamente se imaginou que o impacto na modalidade step seria alto. Para entender se esse raciocínio faz sentido, vejamos um estudo que investigou a força de reação do solo no movimento básico do step (figura a seguir) (WIECZOREK; DUARTE; AMADIO, 1997). O movimento básico da modalidade envolve subir em um step com uma das pernas, conforme figura a seguir (1); e depois subir com a outra perna (2); em seguida, descer com a perna que inicialmente subiu (3); e, por último, descer com a outra perna (4). Para registrar a FRS, uma plataforma de força foi posicionada na região indicada como P1. Assim, a FRS da descida foi registrada para determinar se o choque mecânico do movimento básico do step é alto o suficiente para promover uma lesão. 127 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE P1 P2 step step P1 P2 step step P1 P2 step step P1 P2 step step 4 3 2 1 Figura 73 – Ilustração do movimento básico do step e da forma como a força de reação do solo (FRS) foi registrada durante sua execução Na figura a seguir, podemos observar o registro da FRS durante a descida. A curva Fy representa a componente vertical da FRS, e as curvas Fx e Fz representam as componentes mediolaterais e horizontais, respectivamente.Note que o primeiro pico de força vertical apresenta valores de força de 1,5 PC, que se assemelham às forças de impacto na marcha. Isso significa que o choque mecânico da descida no movimento básico do step é muito semelhante ao observado na marcha humana. Esse choque é extremamente baixo e, portanto, não é possível afirmar que a solicitação mecânica da atividade é alta. Mas se o impacto é baixo, por que a alta incidência de lesão no menisco? 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0 -0,5 0 20 40 60 80 100 Tempo de apoio (%) FR S (P C) Fy Fx Fz Figura 74 – Força de reação do solo na realização do movimento básico do step durante a descida Para entender as causas dessa lesão, precisamos entender primeiro a mecânica articular do joelho. Para conseguir realizar seus movimentos de flexão e extensão, o joelho precisa promover o deslizamento do fêmur sobre a tíbia, ou vice-versa. Durante os movimentos, ocorre uma interação complexa entre esses dois ossos que envolvem deslizamentos e rolamentos e também rotações. 128 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 Unidade III Portanto, quando um joelho estendido inicia uma flexão, inicialmente, observamos maior rolamento e menor deslizamento do fêmur sobre a tíbia. Conforme a flexão do joelho aumenta, o rolamento é substituído pelo deslizamento dos ossos. Isso significa que, a partir da extensão total até a flexão total, primeiro, temos mais rolamento e menos deslizamento, mas, em amplitudes mais próximas da flexão total, temos mais deslizamentos e menos rolamentos. Esses movimentos de rolamento e deslizamento são associados a movimentos acessórios de rotação medial e lateral da tíbia. Em outras palavras, durante a extensão do joelho, ocorre rotação lateral da tíbia. Já em movimentos de flexão, ocorrem rotações mediais da tíbia. Obviamente os meniscos laterais e mediais acompanham esses movimentos de rotação. Esses movimentos descritos são os naturais que ocorrem entre os ossos quando um movimento de flexão ou extensão é realizado; porém, em alguns movimentos do step, ocorrem giros sobre a base de apoio em contato com o aparelho. Num desses giros, por exemplo, o praticante sobe no step com a perna direita, realiza uma rotação de, aproximadamente, 45º e desce. Esses movimentos deveriam ocorrer com o calçado deslizando sobre o step. Contudo, por falta de habilidade ou outro fator, eventualmente, o pé não desliza sobre o step, e isso causa uma torção no joelho, levando a uma rotação lateral da tíbia enquanto a pessoa desce, ou seja, enquanto o joelho realiza uma flexão. A rotação lateral da tíbia associada à flexão do joelho não é um movimento natural e pode levar ao pinçamento dos meniscos ou à sobrecarga no LCA. É claro que a lesão não ocorre de forma traumática, pois a força é baixa, mas sucessivas rotações dessa natureza podem causar lesão meniscal ou ligamentar. Por isso, devemos ter muita cautela com a falta de habilidade e de controle motor, mas também com o efeito da fadiga. Perceba que não se trata de contraindicar esses movimentos, mas de ter cuidado para que a fadiga ou a falta de costume não levem a pinçamentos que possam produzir lesões. Saiba mais Para entender melhor as diferenças biomecânicas entre o movimento básico do step e o movimento da marcha, leia: MYLES, C. M. Escadas. In: DURWARD, B. R.; BAER, G. D.; ROWE, P. J. Movimento funcional humano. São Paulo: Manole, 2001. p. 107-120. WALL, J. C. Marcha. In: DURWARD, B. R.; BAER, G. D.; ROWE, P. J. Movimento funcional humano. São Paulo: Manole, 2001. p. 93-105. É importante conhecer os movimentos específicos das diferentes modalidades e os efeitos que estes produzem no aparelho locomotor. Assim, será possível saber se os limites de tolerância estão sendo respeitados. 129 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Lembrete O impacto nas aulas de step não é alto. Não é a magnitude das cargas mecânicas que aumenta o risco de lesões, mas sim alguns movimentos mal-empregados. 6.2 Ginástica de academia: modalidade aeróbia O outro fator que vamos discutir será exemplificado por meio de uma modalidade de ginástica de academia conhecida como ginástica aeróbica, a qual envolve muitos movimentos globais com saltos e saltitos ao longo da aula. Essa modalidade é dividida em aeróbica de baixo impacto e aeróbica de alto impacto. Para investigar a magnitude de impacto na ginástica aeróbica, Ricard e Veatch (1994) usaram uma plataforma de força e avaliaram um movimento de salto com elevação do joelho. 2.0 600 Tempo (ms) Fo rç a (P C) Fo rç a (P C) Aeróbica de baixo impacto Aeróbica de alto impacto Tempo (ms) Propulsão Propulsão Aterrissagem Aterrissagem Fase aérea Primeiro pico de força vertical 6001200 1200 2.0 1.0 1.0 0 0 (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9) (10) Figura 75 – Análise de um movimento básico da aeróbica por meio de uma plataforma de força para investigar a força de reação do solo A figura anterior apresenta o registro da força de reação do solo (FRS), por meio da plataforma de força, em movimento básico de salto da aeróbica de baixo e de alto impacto. Na de baixo impacto, a primeira magnitude de força indica a fase de propulsão para a elevação do solo. Por isso a força cai rapidamente depois, mas não chega a zero, indicando que não há perda de contato completa com o solo. Logo depois, a força aumenta, levando à magnitude de força que, no caso, corresponde à Fy1 na aterrissagem. Na aeróbica de alto impacto, a magnitude de força de propulsão é maior. Observe que, ao final da fase de propulsão, há perda de contato com o solo e, efetivamente, uma fase aérea. Essa fase é seguida da aterrissagem, com um pico de força maior que o observado na aeróbica de baixo impacto. Com isso, temos que o choque mecânico na aeróbica de baixo impacto é semelhante ao da marcha, e o da aeróbica de alto impacto é menor que o da corrida, mas a força de impacto é semelhante (conforme a tabela a seguir). 130 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 Unidade III Tabela 2 – Valores de primeiro pico de força vertical (Fy1) e de tempo para o primeiro pico (Dt Fy1), para as modalidades aeróbica de baixo e de alto impacto, e corrida lenta e rápida Variáveis Baixo impacto Alto impacto Corrida lenta Corrida rápida Fy 1 máx. 1,28 PC 2,62 PC 2,30 PC 3,10 PC ∆Fy 1 máx. 276,02 ms 106,34 ms 40,28 ms 30,02 ms Adaptada de: Ricard; Veatch (1994, p. 16) A classificação do impacto entre as modalidades aeróbicas está correta, pois a de alto impacto apresenta maiores cargas externas que a de baixo impacto. Contudo, o nome alto impacto não pode ser entendido como adequado, pois não é possível considerar esse impacto realmente alto, uma vez que é semelhante ao da corrida, que, por sua vez, tem o segundo impacto mais baixo, perdendo apenas para a marcha (conforme figura a seguir). 21 18 15 12 9 6 3 0 Fo rç a ve rt ic al m áx im a (P C) Marcha Corrida (jogging) Corrida (sprint) Aterrissagem do basquete Salto em altura Salto triplo (step) Figura 76 – Magnitudes de força de impacto de diferentes modalidades expressas em função do peso corporal (PC) A incidência de lesão em ginástica aeróbica é de, aproximadamente, 49% no prazo de 1 a 2 anos. Se a incidência for relativizada em função do volume semanal de prática, poderemos observar que será de 43% para praticantes com frequência semanal inferior a quatro vezes; de 60% para os que praticam quatro vezespor semana; e de 66% para os que praticam mais de quatro vezes por semana (ROTHENBERGER; CHANG; CABLE, 1988). Podemos notar que quanto maior a frequência semanal de treino, maior a incidência de lesão. Essa informação, associada ao fato de que a aula tem uma duração fixa de 45 a 60 minutos, permite-nos assumir que essas lesões estão relacionadas ao excesso de treinamento. Para entender melhor a questão, podemos observar que o choque mecânico é um pouco menor que o da corrida, mas a duração da aula é fixa: no mínimo 45 minutos. Imagine uma pessoa realizando sempre sessões de treinamento de 45 a 60 minutos, mesmo quando iniciante. Se a frequência semanal não for controlada, será possível ocorrer lesões crônicas. 131 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Com a análise dessas duas modalidades de aula, podemos observar a importância de conhecer a característica da atividade, seus efeitos no aparelho locomotor e a importância de controlar o volume semanal de treino e de ser progressivo nos aumentos. É claro que sempre teremos aulas de ginástica novas e com diferentes características, mas, independentemente da criatividade empregada na criação dessas novas modalidades, esses dois conselhos ainda se aplicam e se apresentam como as formas mais básicas de controlar a incidência de lesão. Resumo Nesta unidade, discutimos os conceitos de equilíbrio e controle de sobrecarga no aparelho locomotor nas modalidades de ginástica olímpica e artística e de academia, respectivamente. O controle da estabilidade do corpo foi discutido por meio dos conceitos de base de apoio, distância do centro de massa em relação à base de apoio e localização do centro de massa dentro da base de apoio. Para tanto, o método de segmentação de Hay (1989) foi apresentado, a fim de determinar a posição do centro de massa do corpo e as aplicações práticas referentes ao uso desse instrumento, e as conclusões tiradas após análise foram mostradas. Na sequência, a forma de treinar o equilíbrio pelo treinamento proprioceptivo foi discutida e o uso dos exercícios e das estratégias de treino para perturbar o corpo foram destacadas. Aprendemos ainda que a modalidade de ginástica de academia conhecida como step, ao surgir, atraiu muitos praticantes e rapidamente se tornou popular. Com isso, as pessoas passaram a buscar academias para praticar essas modalidades. Infelizmente, o grande interesse e o grande volume da prática fizeram com que muitas pessoas passassem a apresentar lesões decorrentes da prática dessa atividade. Com a análise dessas duas modalidades de aula, pudemos observar a importância de conhecer a característica da atividade e seus efeitos sobre o aparelho locomotor, bem como a importância de controlar o volume semanal de treino e ser progressivo nos aumentos. É claro que sempre teremos aulas de ginástica novas e com diferentes características, mas, independentemente da criatividade empregada na criação dessas novas modalidades, esses dois conselhos ainda se aplicam e se apresentam como as formas mais básicas de controlar a incidência de lesões. 132 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 Unidade III Exercícios Questão 1. (Funrio 2007, adaptada) Com relação aos estresses mecânicos desenvolvidos nos corpos submetidos às cargas externas, pode-se afirmar que: A) Resultam da relação entre a carga externa e a resistência interna do corpo. B) Classificam-se em estresses de tração, compressão e de fricção. C) Resultam da relação entre a resistência interna e a carga externa aplicada no corpo. D) Classificam-se em estresses estáticos e dinâmicos. E) Configuram respostas dolorosas e/ou inflamatórias do tecido alvo da carga. Resposta correta: alternativa B. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: a questão descreve uma lesão causada por agressão externa. B) Alternativa correta. Justificativa: descreve mecanismos de lesões musculoesqueléticas por agente externo. C) Alternativa incorreta. Justificativa: o estresse mecânico não depende exatamente da resistência interna do tecido. Isso seria um fator, se considerássemos que haverá lesão. Para haver o estresse mecânico, sem considerar se houve ou não lesão, o principal fator é a carga externa. D) Alternativa incorreta. Justificativa: é uma classificação que busca diferenciar se houve ou não movimento. Se pensarmos no membro acometido, poderíamos até classificá-lo como estático ou dinâmico, mas pensando no agente externo, que é o que a questão aparentemente propõe, só pode ser dinâmico, já que sem movimento um agente externo não pode causar estresse. E) Alternativa incorreta. Justificativa: o erro é que nem sempre um estresse externo vai causar respostas dolorosas ou inflamatórias. 133 Re vi sã o: G io va nn a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 12 /1 7 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Questão 2. (Funrio; Sesdec-RJ 2008, adaptada) “Manguito Rotador” é o complexo estabilizador da articulação glenoumeral constituído pelos músculos: A) Deltoide – subescapular – supraespinhoso – redondo maior. B) Deltoide – subescapular – supraespinhoso – infraespinhoso. C) Deltoide – supraespinhoso – redondo maior – redondo menor. D) Subescapular – supraespinhoso – redondo maior – redondo menor. E) Redondo menor – subescapular – supraespinhoso – infraespinhoso. Resolução desta questão na plataforma.
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