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56 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 Unidade III Unidade III 5 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS Pestana (2013) diz que designamos como licitação internacional o processo administrativo licitatório brasileiro, no qual a Administração Pública admite a participação de interessados, pessoas físicas ou jurídicas, estabelecidos ou não no Brasil. Diferentemente do que se passa nas licitações que somente autorizam a participação de pessoas físicas ou jurídicas aqui estabelecidas, a característica que lhe é peculiar é a de admitir, como se disse, que interessados, sejam de quais países provierem ou onde quer que se encontrem, tomem parte no certame, reunindo condições de satisfazer os requisitos constantes do instrumento convocatório, apresentando propostas e habilitando-se para virem a ser contratados, caso apresentem aquela que venha a ser considerada a melhor proposta. De acordo com o mesmo autor, a pergunta que de pronto ocorre, quando se cogita de lançar-se uma licitação, é se esta será nacional ou internacional. Em certas situações, a autoridade competente possui a possibilidade de, segundo juízo de conveniência e oportunidade, optar por fazê-la na espécie internacional ou nacional. Noutras vezes, entretanto, não haverá esse juízo discricionário, sendo-lhe verdadeiramente imposta a sua implementação como certame internacional ou nacional. Segundo Pestana (2013), a própria necessidade da Administração Pública interfere, decisivamente, na escolha da espécie de licitação. A premência de contratar-se um determinado serviço ou de adquirir-se um determinado produto que, aqui no Brasil, reconhecidamente seja bem prestado ou se apresente com qualidade, preço atraente etc., praticamente delimita o domínio do mérito administrativo da autoridade, pois não lhe restará outra alternativa senão a de realizar a licitação nacional. Noutro extremo, entretanto, se a demanda recair sobre produtos inexistentes no País ou sobre serviços que somente sejam prestados com qualidade, bom preço, prazo de fornecimento compatível com a necessidade da Administração etc. no exterior, então essa necessidade igualmente delimitará a margem de discricionariedade do agente, exigindo que a licitação seja da espécie internacional. O certame internacional poderá, inclusive no que toca ao exame da documentação relativa à habilitação do licitante que, como se sabe, apresenta sensíveis e onerosas dificuldades, conforme mais adiante examinaremos, assenhorear-se de todas as particularidades, implicações e consequências da adoção de uma ou de outra espécie licitatória. A partir disso, motivadamente, deverá decidir, optando por esta ou por aquela espécie de licitação, exatamente o proceder licitatório mais adequado à realidade da contratação cogitada. Para nós, neste particular, se a escolha for equivocada – e aqui o equívoco provavelmente repousará na escolha da licitação nacional, quando a internacional seria a mais apropriada – abre-se a possibilidade de 57 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS interessados ou daqueles que se responsabilizam pelo controle da legalidade da licitação se insurgirem contra ela, pugnando para que seja, administrativa ou judicialmente, modificada. Conforme Pestana (2013), há determinadas contratações que são viabilizadas pela utilização de recursos provenientes de entidades de financiamento e fomento internacional, caso do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ou do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), também conhecido como Banco Mundial. Destacaremos esses organismos mais adiante. Pestana (2013) esclarece que essas entidades abrem linhas de crédito, disponibilizam recursos, inclusive, por vezes até a fundo perdido, em diversos países, os quais, por sua vez, naturalmente, apresentam particularidades e peculiaridades no que se refere às compras públicas. Para justamente não ficar ao sabor das normas legislativas locais, que por vezes poderão não atender aos elevados e consagrados princípios licitatórios adotados por países integrantes do que se convenciona chamar Estado democrático de direito, e que tenham sido eleitos, pelas entidades em questão, como aqueles que deverão estar presentes na identificação da proposta a ser contratada, é que o fornecedor dos recursos condiciona a aceitação e a adoção, no respectivo processo de licitação, de alguns dos termos e condições que a entidade julgue convenientes e apropriados exigir da licitação em causa. Nesse sentido, Pestana (2013) argumenta que, dentre os valores relevantes a serem considerados, deverá ser rechaçada qualquer deliberação para vedar, nas licitações internacionais brasileiras, a participação de pessoas jurídicas nacionais ou estrangeiras aqui estabelecidas. Nesse caso, destaca Pestana (2013), à evidência, a espécie de licitação estará definida no próprio instante em que for aceita a utilização de tais recursos, segundo tais termos e condições, restando ao agente público somente verificar se os requisitos que estarão sendo verdadeiramente impostos à entidade brasileira conformam-se, adequadamente, ao ordenamento jurídico do Brasil. Segundo Pestana (2006), a licitação é o processo administrativo pelo qual a Administração Pública identifica a proposta que, mais vantajosamente, atenda aos seus interesses e, consequentemente, aos de toda a coletividade, e que poderá, após concluídos os trabalhos licitatórios, ser objeto de contratação. O exame da matéria é trabalhoso, especialmente em face dos interesses antagônicos que se instalam entre os coparticipantes da licitação, através de relações jurídicas estabelecidas entre a Administração Pública e os licitantes e entre os próprios licitantes e a Administração Pública. 5.1 Procedimentos nas licitações internacionais Segundo Pestana (2013), a Lei nº 8.666/1993 (BRASIL, 1993), embora de maneira assistemática, possui um conjunto de dispositivos para exatamente presidir a realização de certames licitatórios com abrangência internacional, harmonizando-os às demais disposições utilizáveis e aplicáveis aos certames nacionais. Em síntese, são disposições que promovem ajustes no ordenamento licitatório, com o fim de enfrentar e disciplinar peculiaridades que poderiam, se não parcialmente modificadas, comprometer o caráter competitivo e isonômico que deve ser encontrado no processo administrativo licitatório; noutras, 58 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 Unidade III ainda, têm a vocação instrumental para, claramente, regrar as condutas a que os estrangeiros aqui não estabelecidos deverão obedecer para, de forma adequada, poderem validamente obrigarem-se no certame; noutras, igualmente, voltam-se para estabelecer mecanismos instrumentais de representações especificamente criadas para conformar-se à participação estrangeira. Conforme destaca Pestana (2013), tais dispositivos contidos nas normas gerais licitatórias brasileiras, que adiante serão individualmente examinados, quando integrados com os demais, consubstanciam-se em normas gerais genuinamente brasileiras para disciplinar os processos de licitação internacional, ou seja, não se submetendo, em regra, a qualquer tipo de modificação em razão da presença de exigências ou preceptivos exógenos. Lembrete Exógenos: que provêm do exterior; que se devem a uma causa externa. Nas licitações nacionais, na fase de habilitação,como vimos anteriormente, são exigidas as provas e os comprovantes de cumprimento dos requisitos relativos a aspectos jurídicos, técnicos, econômico-financeiros, fiscal-trabalhistas e de regularidade na contratação dos trabalhadores menores e aprendizes. As provas correspondentes de atendimento e satisfação às exigências constantes da lei e do instrumento convocatório da licitação em questão são prestadas diretamente perante a própria entidade ou órgão promotor da licitação, prévia ou concomitantemente à realização do processo de licitação, ou mediante registros cadastrais especificamente sistematizados e existentes para justamente atender a tal finalidade. Pestana (2013) destaca que os licitantes estrangeiros que aqui não estejam estabelecidos deverão igualmente atender e comprovar o cumprimento das obrigações daqueles mesmos aspectos antes mencionados. Por vezes, a comprovação é relativamente simples, como a que diz respeito à apresentação do ato constitutivo da pessoa jurídica ser registrado no Registro do Comércio onde se situe a sede da sociedade; o mesmo ocorre no tocante à exibição de balanços econômicos e patrimoniais, segundo as normas contábeis internacionais (International Financial Reporting Standards), ou, ainda, na comprovação e no fornecimento de atestados certificadores dos serviços prestados ou produtos fornecidos pela proponente a clientes, públicos ou privados, em outros países. Observação As normas internacionais de contabilidade (em inglês: International Accounting Standard – IAS – hoje conhecidas como International Financial Reporting Standards – IFRS), traduzidas para o português como “Normas Internacionais de Relatório Financeiro”, são um conjunto de pronunciamentos de contabilidade internacionais publicados e revisados pelo International Accounting Standards Board (Iasb) (Conselho de 59 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS Normas Internacionais de Contabilidade). Atualmente numerosos países têm projetos oficiais de convergência das normas contábeis locais para as normas IFRS, inclusive o Brasil. Conforme destaca Pestana (2013), dificuldades, entretanto, poderão apresentar-se no tocante à comprovação de cumprimento de determinadas obrigações que, no país da sede do licitante, apresentem-se de maneira diferenciada daquelas aqui praticadas, ou mesmo que não se amoldem, à justa, à sistemática praticada no Brasil. A título de exemplo, alguns países poderão não ter o sistema aguçado e aprimorado de satisfação de obrigações de natureza tributária; o mesmo se diga em relação a obrigações de natureza previdenciária, que aqui se hospedam no sistema de regularidade fiscal; ou, ainda, de comprovação do estrito cumprimento da obrigação relativa ao menor trabalhador, que poderá ter outras feições no país em questão. Dessa forma, é aqui que se instala a necessidade de a Comissão Julgadora sair da zona de conforto do conhecido para enveredar-se no desconhecido, diligenciando para compreender os sistemas jurídicos adotados pelos países dos proponentes ou daqueles de onde for emitido algum tipo de prova que seja trazido ao processo administrativo licitatório, como o que acontece em relação à autenticação de atestados e certidões relativas à experiência técnica, comprovadoras da expertise detida pelo interessado na licitação. Conforme o art. 32, § 4º da Lei nº 8.666/93: “As empresas estrangeiras que não funcionem no País, tanto quanto possível, atenderão, nas licitações internacionais, às exigências dos parágrafos anteriores” (BRASIL, 1993). Outro ponto importante a ser destacado, no caso da documentação, é a necessidade que também satisfaça ao aspecto formal, quanto à autenticação nos consulados situados no exterior, ao mesmo tempo em que sejam vertidos para o português. Evidentemente, entenda-se que a autenticação consular em questão não se endereça ao conteúdo do documento autenticado; limita-se a dizer ter sido expedido no país em questão e formalmente subscrito por aquele signatário, não servindo para reconhecer a procedência e o teor que ele contenha. Quanto à tradução, determina-se, para adequadamente ser levado em consideração, que o suporte físico da prova, não importa se em papel, meio eletrônico etc., seja realizado por tradutor juramentado, devidamente certificado, e depositados seus correspondentes nome e registro conforme Registro do Comércio onde estiver inscrito. Pestana (2013) destaca que o resultado de tradução deverá ser assentado em papel, assinalando-se o número da tradução, o número do livro de arquivamento, o número das páginas da tradução, sendo que os livros de traduções deverão ser registrados na Junta Comercial onde o tradutor encontra-se registrado. Essa profissão regulamentada, a propósito, é conhecida como a de tradutor público e intérprete comercial, daí epicentrarem-se em Juntas Comerciais seus credenciamentos e registros. O desatendimento dessa formalidade, ou seja, a apresentação de documentos noutras línguas, mas vertidas para o português por pessoa não credenciada, importará na desconsideração da prova apresentada e, consequentemente, na sua rejeição para efeitos de instrução documental do processo administrativo licitatório. 60 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 Unidade III Segundo Pestana (2013), as empresas estrangeiras que não possuam estabelecimento no País somente podem participar de licitação internacional brasileira caso outorguem mandato a pessoa física com poderes para representá-las na licitação em apreço, para receber citação e para responder, administrativa e judicialmente, em todas as medidas que sejam tomadas envolvendo, direta ou indiretamente, o processo administrativo licitatório em questão. Saiba mais Consulte o site de Compras Públicas do Governo do Estado de São Paulo, entre em Caufesp e verifique os procedimentos para cadastramento de empresa estrangeira. <https://www.bec.sp.gov.br>. Assim como em relação aos demais documentos, o instrumento de mandato deverá ser consularizado, traduzido para o português por tradutor público, e levado a registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos. Conforme o art. 129 da Lei nº 6.015/1973: Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros: [...] 6o – todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal (BRASIL, 1973). De acordo com Pestana (2013), a lei é silente no tocante à duração do mandato. Quer nos parecer que o prazo do mandato deverá ser de, no mínimo, um ano, tendo como termo inicial os instantes que cercam a primeira intervenção da pessoa jurídica representada, como no instante em que são formulados requerimentos à Administração Pública para esclarecer determinados aspectos envolvendo o instrumento convocatório da licitação, termo inicial esse que, necessariamente, não poderá ultrapassar a data de apresentação da respectiva proposta, sob pena de desatendimento aos requisitos atinentes à habilitação jurídica. Segundo o autor em questão, esse prazo de, no mínimo, um ano de duração do mandato teria o propósito de assegurar acessibilidade processual, tanto administrativa quanto judicial, propiciando agilização para que possam ser formalizados processos que gravitemem torno da respectiva licitação. 61 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS Com isso, certames de maior expressão – caso, em regra, das licitações internacionais – não enfrentariam empecilhos em razão das dificuldades ontológicas que envolvem países estrangeiros quanto a notificações, intimações e citações, estas, no âmbito judicial, como se da no cumprimento de cartas rogatórias, de costumeira difícil e morosa implementação. Conforme Pestana (2013), agora poderão surgir discussões neste sentido, especialmente judiciais, que demorem para ser aparelhadas, pelas próprias dificuldades das suas instruções e dos obstáculos que antes tenham de ser contornados, caso de processos administrativos prolongados nos domínios da própria Administração Pública ou de processos instalados, desenvolvidos e encerrados no âmbito dos Tribunais de Contas, e que a partir de então animam a propositura de determinadas medidas judiciais, inclusive a Ação Civil Pública, mas não se limitando a esta. Para esses casos, entendemos que deverão ser obedecidos os procedimentos próprios das medidas tomadas, inclusive envolvendo a expedição de cartas rogatórias, transcendendo, à evidência, o próprio proceder do processo administrativo licitatório, ingressando no plano da atividade jurisdicional estatal. Pestana (2013) nos diz que, quanto ao conteúdo do mandato, a norma em apreço é parcimoniosa. Diz que o representante deverá reunir poderes suficientes para receber citação e representar a outorgante, administrativa ou judicialmente. Evidentemente, não é tudo. Entendemos que algumas cláusulas e poderes complementares deveriam ser exigidos expressamente pela norma geral em apreço, especialmente, mas não se limitando, a poderes para transigir – especialmente nas situações que envolvam negociação no curso da própria licitação –, assinar compromissos, termos e propostas, a outorga de poderes em caráter irrevogável e irretratável etc. Segundo Pestana (2013), deveria, ainda, claramente disciplinar e possuir mecanismos eficazes para contornar situações em que o mandatário viesse a renunciar ao respectivo mandato, especialmente naquelas hipóteses em que tal se dê, não por ato unilateral e pessoal, mas em cumprimento a orientações da empresa estrangeira mandante, conferindo, nessas situações, prazo para a pronta substituição, sob pena do endereçamento de apenamentos rigorosos. A norma geral licitatória admite a formação de consórcios para a participação em processos administrativos de licitação, consórcios estes que, no Brasil, são disciplinados pela Lei nº 6.404/1976 (BRASIL, 1976). O consórcio, segundo os moldes definidos pela norma geral de licitação, deverá necessariamente contar com, no mínimo, uma empresa brasileira, ainda que a maioria de seus participantes seja estrangeira. É o que se depreende do exame do art. 33 da Lei nº 8.666/1993 (BRASIL, 1993), ao determinar que a liderança do consórcio do qual participem empresas estrangeiras deverá ser exercida por uma empresa brasileira. Art. 33. Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas: 62 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 Unidade III I – comprovação do compromisso público ou particular de constituição de consórcio, subscrito pelos consorciados; II – indicação da empresa responsável pelo consórcio que deverá atender às condições de liderança, obrigatoriamente fixadas no edital; III – apresentação dos documentos exigidos nos arts. 28 a 31 desta Lei por parte de cada consorciado, admitindo-se, para efeito de qualificação técnica, o somatório dos quantitativos de cada consorciado, e, para efeito de qualificação econômico-financeira, o somatório dos valores de cada consorciado, na proporção de sua respectiva participação, podendo a Administração estabelecer, para o consórcio, um acréscimo de até 30% (trinta por cento) dos valores exigidos para licitante individual, inexigível este acréscimo para os consórcios compostos, em sua totalidade, por micro e pequenas empresas assim definidas em lei; IV – impedimento de participação de empresa consorciada, na mesma licitação, através de mais de um consórcio ou isoladamente; V – responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato. § 1º – No consórcio de empresas brasileiras e estrangeiras a liderança caberá, obrigatoriamente, à empresa brasileira, observado o disposto no inciso II deste artigo. § 2º – O licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a constituição e o registro do consórcio, nos termos do compromisso referido no inciso I deste artigo (BRASIL, 1993). Esse dispositivo – de exigir liderança nacional no consórcio – estimula a formação, por vezes, de estruturas jurídicas artificiais, especialmente naquelas em que a expertise, a experiência e o know-how são detidos, exclusivamente, pelas empresas estrangeiras e o player nacional tem atuação e função adjacentes àquela que será integradamente prestada pelo consórcio em questão. Pestana (2013) coloca que o conteúdo dessa liderança deverá ser disciplinado pelo instrumento convocatório, conforme assim determina o preceptivo da norma geral. Fundamentalmente, dirá respeito a como se estabelecerão as relações funcionais e jurídicas entre a Administração Pública e o consórcio – especialmente porque essa forma jurídica não resulta na constituição de uma nova personalidade jurídica – razão pela qual será exigido que esse líder seja investido de poderes de representação suficientes para representar as demais consorciadas e, portanto, a todos obrigar, tanto em atos que venham a ser praticados no âmbito da licitação quanto, posteriormente, em razão dos termos e das condições constantes do contrato que vier a celebrar com a Administração. 63 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS Tendo em vista que a licitação internacional admite a participação de nacionais e estrangeiros não estabelecidos no Brasil, é necessário que se assegurem condições equivalentes de pagamento a tais diferentes categorias de proponentes. Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: [...] IX – condições equivalentes de pagamento entre empresas brasileiras e estrangeiras, no caso de licitações internacionais (BRASIL, 1993). Nesse contexto, os pagamentos, no caso, tanto poderão ser aqueles provenientes da Administração Pública ao contratado em virtude do fornecimento ocorrido, do serviço prestado ou da obra realizada, quanto, diferentemente, dizer respeito aos pagamentos que os interessados farão à Administração Pública promotora do certame licitatório, como o que se passa na realização de leilões internacionais. Lembrete Administração Pública engloba a administração direta e a indireta. De acordo com Pestana (2013), os pagamentos provenientes do exterior, assim como aqueles que daqui se enderecem para o exterior, em regra,deverão ser objeto de conversão cambial e informados à autoridade responsável pelo seu controle – no caso brasileiro, o Banco Central do Brasil –, sendo pagos pelo contravalor da moeda utilizada para pagamento, não importa o sentido. Saiba mais Para saber mais sobre câmbio e capitais internacionais, acesse as informações disponíveis no site do Banco Central do Brasil. <http://www.bcb.gov.br/pt-br/#!/n/CAMBIO>. A partir dessa orientação, a legislação admite que nas licitações internacionais as propostas possam tanto se apresentar em moeda brasileira quanto estrangeira, independentemente da qualificação pessoal do proponente. 64 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 Unidade III Observação Veda-se, portanto, a adoção de duas ou mais unidades monetárias para efeito de propostas apresentadas no processo licitatório. Vale destacar que a unidade monetária, naturalmente, deverá expressamente encontrar-se especificada no instrumento convocatório, assegurando-se a todos aqueles licitantes que participem do certame, ao apresentarem uma única moeda, ter assegurado tratamento isonômico, assim como permitindo o julgamento sumário dos valores propostos, mediante mero cotejamento aritmético. Pestana (2013) esclarece que uma coisa é apresentar proposta no processo administrativo de licitação internacional (que poderá ser em reais ou em outra moeda, conforme definido no instrumento convocatório da licitação); outra, diferente, é realizar, para aquele que vier a ser vitorioso e contratado, os pagamentos correspondentes. Dessa forma, os pagamentos deverão ser realizados no Brasil, em regra, em real. Agora, se as propostas apresentadas tiverem sido cotadas em outras moedas, continuarão sendo pagas em real (mesmo que de/para Administração Pública de/para contratado brasileiro ou estrangeiro aqui estabelecido), nas hipóteses em que o instrumento convocatório estabelecer moeda estrangeira como unidade monetária para apresentação de propostas, com a particularidade de que será utilizada a taxa de câmbio vigente no dia útil imediatamente anterior à data do efetivo pagamento. Conforme o art. 42 da Lei nº 8.666/1993 estabelece: Nas concorrências de âmbito internacional, o edital deverá ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigências dos órgãos competentes. [...] § 1º – Quando for permitido ao licitante estrangeiro cotar preço em moeda estrangeira, igualmente o poderá fazer o licitante brasileiro. § 2º – O pagamento feito ao licitante brasileiro eventualmente contratado em virtude da licitação de que trata o parágrafo anterior será efetuado em moeda brasileira, à taxa de câmbio vigente no dia útil imediatamente anterior à data do efetivo pagamento (BRASIL, 1993). Assim, diz Pestana (2013), logo de início observa-se um tropeço do legislador, pois, naturalmente, não se trataria de um dispositivo somente aplicável à modalidade concorrência, deixando ao desabrigo as demais modalidades quando utilizadas na espécie de licitação internacional. Assim, recomenda-se que 65 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS o dispositivo seja considerado como endereçado às licitações internacionais brasileiras, e não somente àquelas realizadas sob a modalidade concorrência. A rigor, trata-se de uma determinação programática que manda obedecer às instruções e determinações provindas dos órgãos, entidades e autoridades responsáveis pelas políticas monetárias e de comércio exterior. Pois bem, no que se refere à política monetária, temos como players de maior destaque e intensa atuação o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil, este último que, como sabemos, goza de alguma autonomia em relação ao poder público federal. Saiba mais Verifique a atual composição dos membros do Conselho Monetário Nacional (CMN). BANCO CENTRAL DO BRASIL (BCB). Entenda o CMN. Disponível em: <https://www.bcb.gov.br/Pre/CMN/Entenda%20o%20CMN.asp>. Acesso em: 30 out. 2017. Segundo Pestana (2013), normalmente os instrumentos utilizados para implementar a política monetária consubstanciam-se na fixação de taxa de juros no mercado de reservas bancárias, no nível de reservas compulsórias bancárias, assim como na fixação da taxa de redesconto, que é a irrigação que o Banco Central realiza, na forma de empréstimos, para o sistema bancário. A política monetária, à evidência, transita por ambientes estruturantes, que causam reflexos em toda a sociedade, nos mais diversos domínios, como o econômico, o comercial, o social, o cultural, enfim, em todos os recantos frequentados pela sociedade brasileira. Sendo, como é, atuação sensível, sujeita aos embates e intempéries globais, a par de igualmente sujeitar- se às pressões e demandas internas, deve ser conduzida de maneira firme, planejada e célere, não podendo admitir que contratações realizadas em processos licitatórios possam infirmar qualquer uma das suas diretrizes, razão pela qual a norma geral em apreço determinou a obediência nos certames internacionais. Pestana (2013) coloca que, no tocante à política de comércio exterior adotada no Brasil, o cenário não poderia ser diferente. Embora possua ênfase específica, inegavelmente anda de braços dados com a política monetária. Ocupa-se de assuntos que dizem respeito ao próprio País, normalmente cuidando dos fluxos comerciais, coibindo práticas desleais, procurando assegurar o abastecimento interno e contribuir, se possível de maneira favorável, para a balança de pagamentos. Assim, para atingir tais objetivos, por vezes o Estado cria programas de incentivo à exportação, polos de exportação, programas de desregulamentação para facilitar os entraves burocráticos com 66 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 Unidade III repercussões desfavoráveis no custo-Brasil. Nas relações regionais e globais, tal igualmente se dá ao subscrever e integrar blocos, organizações e entidades internacionais, como o que se passa com o Mercosul – Mercado Comum do Sul, a Aladi – Associação Latino-Americana de Integração e a OMC – Organização Mundial do Comércio. No campo fiscal, promovem-se modificações nas alíquotas de impostos que importem em impacto na composição de preços no comércio, caso do Imposto de Importação e do IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados, utilizando-se, a propósito, desse valioso instrumental fiscal de eficácia nos resultados para promover ajustes no consumo e, consequentemente, no próprio comércio. Pestana (2013) coloca que tais diretrizes, como se observa, devem ser respeitadas nas licitações internacionais, como também nas nacionais, dado tratarem-se de domínios nos quais prevalece a soberania do País, verdadeiras questões de Estado, e não da Administração Pública, a qual daquele é parte integrante. 5.2 Garantias de pagamento Conforme destaca Pestana (2013), dependendo da natureza e do objeto da licitação internacional, poderão o mercado e as normas jurídicas aplicáveis exigir que o contratante, no caso, a entidade contratante, ofereça garantias para o contratado, justamente aquele que se sagrar vencedor do certame licitatório e tiver adjudicado o respectivo objeto. As modalidades de garantias são variadas, dependendo (muito) da natureza da obrigação que a Administração Pública estiver assumindo nos termos da licitação. Compreendem desde cartas de crédito,nas operações de importação, até fianças bancárias ou seguros-fiança para garantir determinadas obrigações que serão assumidas pelo contratante perante o contratado. No comércio exterior temos as seguintes modalidades de pagamento: Modalidades de pagamento Pagamento antecipado ou remessa antecipada Remessa sem saque Crédito documentário ou carta de crédito Cobrança documentária Figura 21 A título de esclarecimento, vamos verificar o conceito dessas modalidades de pagamento. 67 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS O pagamento antecipado (na importação) ou remessa antecipada (na exportação) é aquele feito ao exterior antes do embarque da mercadoria com destino ao país importador. No entanto, no Brasil, essa regra possui uma condição: ela somente vale para as importações realizadas a título definitivo. Já na remessa sem saque o exportador envia diretamente ao importador (sem usar a via bancária) a fatura e o conhecimento de embarque; não emite um saque, o que significa que não há prazo para pagamento. Recebidos os documentos, o importador promove o desembaraço da mercadoria na alfândega e, posteriormente, providencia a remessa da quantia respectiva para o exterior. Nesse caso, o exportador deve confiar na idoneidade do importador, porque fica sem nenhuma garantia, razão pela qual essa modalidade é mais comum nas operações realizadas entre matrizes e filiais. Na modalidade de cobrança, o exportador, após o embarque da mercadoria, entrega a documentação a um banco (banco remetente), para que seja encaminhada a outro banco no país do importador (banco cobrador), que se encarregará de obter o pagamento ou aceite e o posterior pagamento do importador. Na modalidade crédito documentário, mais conhecida por carta de crédito, trata-se de um compromisso irrevogável que um banco assume de pagar ao beneficiário somente se os termos e condições da carta tiverem sido cumpridos. Vamos exemplificar: um banco brasileiro emite uma carta de crédito se comprometendo a pagar a um beneficiário indicado pelo importador (isso dá segurança ao beneficiário), caso todas as cláusulas previstas na mesma carta de crédito sejam cumpridas (isso dá segurança ao importador). O pagamento ocorre depois que os documentos exigidos são entregues pelo beneficiário a um banco e este verifica que todas as cláusulas da carta de crédito foram cumpridas por aquele. 5.3 A equalização de preços das propostas A Lei nº 8.666/1993, nas licitações internacionais, determina, para fins de julgamento da licitação, que as propostas apresentadas por licitantes estrangeiros serão acrescidas dos gravames consequentes dos mesmos tributos que oneram exclusivamente os licitantes brasileiros quanto à operação final de venda. Conforme o art. 43, § 4º, da Lei nº 8.666/1993: Para fins de julgamento da licitação, as propostas apresentadas por licitantes estrangeiros serão acrescidas dos gravames consequentes dos mesmos tributos que oneram exclusivamente os licitantes brasileiros quanto à operação final de venda (BRASIL, 1993). Segundo Pestana (2013), o dispositivo citado determina que a própria Administração Pública, através daqueles responsáveis por conduzir o certame licitatório, realize as contas de acréscimos dos impactos tributários sobre os valores constantes das propostas apresentadas pelos licitantes estrangeiros. 68 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 Unidade III Tal assentamento legal registra, claro, que o que se pretende assegurar é, exatamente, a igualdade de termos e condições das propostas apresentadas pelos licitantes, fazendo que aquela proveniente do estrangeiro aqui não estabelecido sofra as equalizações necessárias para que receba o mesmo impacto tributário das incorridas pelos nacionais e por aqueles aqui estabelecidos. Segundo o autor, parece incorreto dizer que se trataria, em verdade, de atribuir-se preferência aos nacionais, em detrimento dos não aqui estabelecidos, pois, em verdade, o que efetivamente se promove não é o privilegiamento dos proponentes estabelecidos no País, mas, sim, a uniformização dos impactos que recairão sobre as propostas apresentadas, logo dispensando tratamento isonômico entre os licitantes. Pestana (2013) coloca que pouco importa a política tributária dos países nos quais estejam localizados os proponentes estrangeiros. Nem poderia ser diferente, pois ao lançar-se, aqui no Brasil, licitação internacional, preponderantemente a maior parte do cumprimento das obrigações será realizada no País, logo sujeitando o vencedor da licitação, quando contratado, à instalação de estabelecimento no Brasil, para aqui dar cumprimento ao quanto ajustado. Por outro lado, mesmo que o cumprimento da obrigação se realize integralmente no exterior, como o que envolve o fornecimento de bens, pelo produtor, que serão para aqui exportados, logo daqui importados, prontos e acabados, ou, ainda, de serviços que venham a ser integralmente prestados no exterior, estes, quando ingressarem em território brasileiro, estarão sujeitos aos tributos correspondentes, impactando o preço final consequente. Como as combinatórias, a propósito, são muitas, o dispositivo em questão de pronto esclarece que os cálculos a serem realizados o serão “para fins de julgamento da licitação” (BRASIL, 1993), devendo claramente constar do respectivo convocatório, não necessariamente materializando-se por ocasião da efetiva contratação e do cumprimento, pelo contratado, das obrigações correspondentes. Ainda segundo Pestana (2013), é necessário consignar que não são todos os tributos que se hospedam sob a expressão “operação final de venda”, logo, que são atingidos pelo aludido preceptivo. A norma diz respeito, estritamente, aos tributos que diretamente incidam sobre a operação, caso do Imposto sobre Importação, do ICMS, do IPI, do ISS, sem se fazer menção às taxas e contribuições também incidentes, vez que o enunciado, ao se referir a tributo, diz respeito a gênero que também abriga tais espécies tributárias. O preceptivo, à evidência, passa ao largo dos tributos indiretos que incidam sobre a atividade exercida pela pessoa jurídica, como o Imposto sobre a Renda, a Contribuição Social sobre o Lucro, etc., ou, ainda, incidentes sobre o patrimônio do licitante, caso do Imposto sobre Propriedade Territorial e Urbana – IPTU, do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR ou do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, a que parte da doutrina, ao que parece, não atentou. Segundo Pestana (2013), procura o dispositivo em apreço igualar aqueles que são desiguais, no tocante aos influxos e incidências de natureza tributária, diretamente em relação à operação final de venda, para efeitos da licitação internacional: os nacionais e os estrangeiros aqui estabelecidos, que 69 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS sofrem, habitualmente, o impacto dos tributos diretos sobre o fornecimento de bens ou sobre a prestação dos serviços, de um lado, e, de outro, aqueles estrangeiros, aqui não estabelecidos, que, por vezes, nem mesmo sabem, no detalhe, da carga tributária incidente no Brasil e dos mecanismos complexos de créditos e débitos que alguns desses tributos adotam, verdadeiro cipoal fiscal que até muitos brasileiros não conhecem, na minúcia e nas suas particularidades, por vezes fazendo que recolham maisdo que deveriam, ou, ao contrário, deixando de recolher os tributos efetivamente devidos, logo pagando menos do que deveriam. Outro ponto destacado por Pestana (2013) diz que essa equalização de tributos está relacionada com a carga tributária a ser suportada pelo licitante, e não pela entidade lançadora do certame, em razão das relações jurídicas, pois o tributo, em regra, já se encontra uniformizado e previsto no próprio instrumento convocatório. Considere, por exemplo, que algum tributo seja ou venha a ser cobrado do contratante – situação, portanto, não sujeita à isenção ou imunidade tributária – onerando-o justamente por se tratar de estrangeiro aqui não estabelecido (enquanto tal montante, em regra, não seria onerável na relação que estabeleceria com os aqui estabelecidos), como o que poderia ocorrer (apenas como um exemplo para melhor expressar o quanto estamos aqui sublinhando) com um tributo com a compleição de um IOF, incorrido no fechamento de câmbio relativo à remuneração paga para o estrangeiro situado no exterior (e que, dada a natureza da contratação, não teria motivos para aqui instalar um estabelecimento). Esse encargo deverá claramente estar consignado no instrumento convocatório e no contrato correspondente, sendo o montante em questão absorvido, devendo ser suportado a cargo exclusivo do licitante estrangeiro aqui não estabelecido. 5.4 Local de entrega Tendo em vista que a licitação internacional poderá contar com a participação de proponentes aqui estabelecidos, como também de interessados não estabelecidos no Brasil, estabeleceu a norma geral de licitação que o local de entrega do objeto da licitação deverá ser o mesmo, não importa de onde provenha, nem onde esteja o proponente a ser contratado pela Administração Pública. Segundo o art. 42, § 6º, da Lei nº 8.666/1993: “As cotações de todos os licitantes serão para entrega no mesmo local de destino (BRASIL, 1993). De acordo com Pestana (2013), para assegurar tratamento isonômico aos licitantes, tornando todos os termos e condições da licitação uniformes para todos os interessados, evidentemente o local da entrega do objeto deverá ser o mesmo, fazendo que todos enfrentem os mesmos percalços, dificuldades e onerações. Em relação a determinados objetos de licitação, o texto legal nem necessitaria ser tão claro, como o que se passa na execução de obras de estradas ou barragens. Nesse caso, haveria limitação ontológica impedindo a existência de mais de um local para cumprimento da obrigação a que o licitante se propôs e que já tenha sido objeto de alvarás, autorizações, projeto básico, projeto executivo etc. Noutras, entretanto, impõe-se a sua univocidade, especialmente nas situações em que a satisfação ou o 70 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 Unidade III cumprimento da obrigação perante a Administração Pública possa tanto realizar-se no País quanto no exterior, como é o caso da confecção de projetos ou do fornecimento de medicamentos. Dessa forma, segundo Pestana (2013), para essas situações de multipossibilidades é que a determinação legal justifica-se, evitando que propostas elaboradas em circunstâncias e com requisitos díspares venham a ser apresentadas em relação ao local de entrega do objeto da licitação. Lembrete Univocidade significa aquilo que permite somente uma interpretação. 5.5 Valores das propostas De acordo com Pestana (2013), nas licitações internacionais em que os proponentes utilizem mão de obra estrangeira, assim como nas importações que venham a ser realizadas pela Administração Pública, fruto da licitação ocorrida, não se admitirá o recebimento de propostas que apresentem preços globais ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o instrumento convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações de propriedade do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou à totalidade da remuneração. O art. 44 da Lei nº 8.666/1993 estipula: §3º Não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o instrumento convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações de propriedade do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou [à] totalidade da remuneração. §4º O disposto no parágrafo anterior aplica-se também às propostas que incluam mão de obra estrangeira ou importações de qualquer natureza (BRASIL, 1993). Pestana (2013) coloca que, com tal determinação, o legislador procura coibir, também em certames licitatórios, que os interessados apresentem propostas em desacordo com os princípios mais elementares da concorrência leal, da livre-competição, os quais passam pela reverência aos princípios cardeais apregoados e aceitos pelos Estados Democráticos de Direito. O mesmo se diga em relação aos insumos, que não poderão apresentar-se com preço vil ao integrar o produto ou serviço a ser ofertado à Administração Pública lançadora da licitação, não representando, apropriada e adequadamente, aqueles montantes efetivamente praticados no mercado. 71 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS As licitações, em regra, deverão consignar, nos atos convocatórios, assim como nos contratos correspondentes, seja em licitações nacionais, seja em internacionais, que será competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual. Art. 55, § 2º, da Lei nº 8.666/1993: Nos contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, deverá constar necessariamente cláusula que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual, salvo o disposto no § 6º do art. 32 desta Lei (BRASIL, 1993). Essa determinação, em primeiro lugar, tem a condição de propiciar aos defensores da Administração Pública mais comodidade na condução das disputas litigiosas das quais venham a tomar parte, com reflexos na sua própria produtividade, concentrando no local onde se situe a sede da contratante todos os litígios e controvérsias que possam instalar-se em razão da celebração do contrato e dos trabalhos licitatórios que o precederam, caso não se constituam em hipóteses de contratação direta. Observação Contratação direta é aquela realizada sem licitação, em situações excepcionais, expressamente previstas em lei. Continuando, Pestana (2013) diz que, em segundo lugar, o preceptivo estabelece que, em regra, será aplicável ao contrato – logo, também à dirimência das controvérsias que a partir dele surgirem –, a lei brasileira, ainda que o contratado seja estrangeiro aqui não estabelecido. Fixa, portanto, a jurisdição brasileira, assim como a lei brasileira, como apropriadas para dirimir os conflitos consequentes. 5.6 A arbitragem De acordo com Pestana (2013), a partir da positivação na Lei nº 9.307/96 (BRASIL, 1996), conceitua- se arbitragem como o meio extrajudicial livremente ajustado por partes contratantes, no qual terceiros, designados árbitros, dirimem controvérsias e litígios envolvendo direitos patrimoniais disponíveis.Não obstante não se confunda com a jurisdição estatal, possui – a arbitragem – o traço comum de dissipar litígios, numa visão finalística de pacificar as relações intersubjetivas, especificamente, aquelas estabelecidas a partir de um ajuste contratual. Pestana (2013) coloca que, muitas das vezes, o proceder arbitral estabelece necessário e íntimo entrelaçamento com a jurisdição estatal, pois, sobretudo nas situações em que haja resistência por parte de litigantes recalcitrantes, deverá o Estado – no portal judiciário – fazer-se presente para exigir a obediência até então resistida. 72 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 Unidade III Segundo Pestana (2013), a arbitragem obedece a todos os consagrados princípios incidentes sobre os processos judiciais e administrativos, como o devido processo legal, o contraditório e o direito à ampla defesa, a imparcialidade dos julgadores, o necessário convencimento por parte daqueles que emitam sentença etc. Além disso, evidentemente, respeita os limites preestabelecidos por sua lei de regência, logo os princípios da legalidade, da motivação e da isonomia entre as partes, dentre outros. Pestana (2013) destaca, igualmente, que até a edição da Lei nº 9.307/1996, ainda que dispositivos tivessem sido alojados no Código Civil de 1916, e nos de Processo Civil de 1939 e 1973, não se concebera, no País, um conjunto normativo em sentido completo disciplinando o instituto da arbitragem, assinalando todas as suas particularidades, suas nuances, seus procedimentos e, claramente, distinguindo seus elementos ínsitos. Fragmentos jurídicos, portanto, já se encontravam alojados em normativos, faltando, contudo, conforme antes se sublinhou, a disposição normativa sistemática acerca da arbitragem, compreendendo aspectos jurídicos sincrônicos e diacrônicos Assim, continua Pestana (2013) ainda que, no âmbito das relações contratuais genuinamente de direito privado, o instituto tivesse relativa desenvoltura, a visão clássica administrativista então prevalecente via com reservas a possibilidade de a Administração Pública submeter-se à arbitragem, como meio adequado para dirimir conflitos dos quais fosse parte. Evidentemente, havia, sim, relações em que a arbitragem já se fazia presente, inclusive envolvendo a própria Administração Pública, como a opção costumeira por esse meio adotada nos contratos de financiamento subscritos com agentes internacionais (caso do Bird – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, o que trataremos adiante), verdadeira cláusula impositiva por parte dos emprestadores e financiadores estrangeiros, dado muitas vezes não depositarem incondicional confiança no Poder Judiciário dos mais diversos países nos quais atuam. Mas, aqui no Brasil, sempre que possível, optava a Administração Pública por prosseguir levando ao Poder Judiciário os conflitos dos quais tomasse parte. Nesse contexto, a introdução da Lei nº 9.307/1996 não foi de imediato aceita por toda a comunidade jurídica atuante nas relações jurídicas de direito público. Havia, à altura, perplexidade e alguma dose de receio de encontrar-se diante de vitandas inconstitucionalidades. Deveras, perplexidade, ao depararem com a emissão de sentença não sujeita a revisibilidade em segundo grau, o que poderia representar uma ofensa ao princípio do devido legal sob a ótica substancial; receio doutra inconstitucionalidade, ao imaginar que a arbitragem ofenderia o princípio da inafastabilidade da jurisdição, consagrado no art. 5º, inciso XXXV, da CF, etc. Em 1995 foi distribuído Agravo Regimental, na Sentença Estrangeira 5.206-7, perante o Supremo Tribunal Federal, versando sobre requerimento apresentado por empresa com sede em Genebra, Suíça, no sentido de obter a homologação de laudo arbitral proferido em Barcelona, Reino da Espanha, relativo a litígio existente entre a requerente e determinada empresa com sede no território brasileiro. EMENTA: 1. Sentença estrangeira: laudo arbitral que dirimiu conflito entre duas sociedades comerciais sobre direitos inquestionavelmente disponíveis – a existência e o montante de créditos a título de comissão 73 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS por representação comercial de empresa brasileira no exterior: compromisso firmado pela requerida que, neste processo, presta anuência ao pedido de homologação: ausência de chancela, na origem, de autoridade judiciária ou órgão público equivalente: homologação negada pelo Presidente do STF, nos termos da jurisprudência da Corte, então dominante: agravo regimental a que se dá provimento, por unanimidade, tendo em vista a edição posterior da L. 9.307, de 23.9.96, que dispõe sobre a arbitragem, para que, homologado o laudo, valha no Brasil como título executivo judicial. 2. Laudo arbitral: homologação: Lei da Arbitragem: controle incidental de constitucionalidade e o papel do STF. A constitucionalidade da primeira das inovações da Lei da Arbitragem – a possibilidade de execução específica de compromisso arbitral – não constitui, na espécie, questão prejudicial da homologação do laudo estrangeiro; a essa interessa apenas, como premissa, a extinção, no direito interno, da homologação judicial do laudo (arts. 18 e 31), e sua consequente dispensa, na origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença arbitral estrangeira (art. 35). A completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à decisão judicial, pela nova Lei de Arbitragem, já bastaria, a rigor, para autorizar a homologação, no Brasil, do laudo arbitral estrangeiro, independentemente de sua prévia homologação pela Justiça do país de origem. Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal – dado o seu papel de “guarda da Constituição” – se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. MS 20.505, Néri). 3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte – incluído o do relator – que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória – dada a indeterminação de seu objeto – e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, consequentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei nº 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade – aí por decisão unânime, dos 74 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/20 17 Unidade III dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31). (SE 5206 AgR, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 12/12/2001, DJ 30-04-2004 PP-00029 EMENT VOL-02149- 06 PP-00958) (BRASIL, 2001). Segundo Pestana (2013), incidentalmente, o Pleno apreciou e decidiu pela constitucionalidade de dispositivos sensíveis contidos na Lei nº 9.307/1996 (BRASIL, 1996), que introduzira, conforme já se assinalou, de maneira detalhada e sistematizada, a arbitragem no Brasil, decidindo então os senhores ministros: por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substituísse a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofenderiam o art. 5º, XXXV, da CF; e, por unanimidade, que também a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos da sentença arbitral (art. 31) seriam absolutamente conformes à Carta Constitucional. Falta, tão somente, no que se refere ao objeto da presente obra, que o legislador admita a possibilidade de sua utilização nas contratações formalizadas sob a disciplina estabelecida pelas Leis nº 8.666/1993 e nº 10.520/2002 (BRASIL, 1993, 2002), o que, convenhamos, falta bem pouco, pois a disposição eloquente da Administração Pública brasileira de aceitar e verdadeiramente adotar o instituto da arbitragem, nos dias de hoje, revela-se incontroversa, conforme depõem os normativos antes relacionados. A arbitragem, portanto, além de ser juridicamente possível, nos segmentos e nas relações contratuais que contam com tal previsão legal, revela de todo conveniente ser inserida no regime jurídico-licitatório genuinamente brasileiro, aliás, como já intensamente praticado no ambiente jurídico-licitatório- internacional híbrido, conforme veremos a breve trecho. E por que a arbitragem se mostra recomendável também no ambiente das contratações submetidas às normas gerais aqui examinadas? Em súmula estrita, de acordo com Pestana (2013), observam-se as situações a seguir: • Inexiste, atualmente, a insegurança jurídica que efetivamente foi observada nos anos seguintes à edição da Lei nº 9.307/1996. Nesse particular, merece destaque o Supremo Tribunal Federal, que em memorável decisão já antes examinada, decidiu a constitucionalidade de dispositivos sensíveis contidos no aludido normativo. • A apreciação do conflito e a decisão a ser proferida o serão por árbitros especializados na matéria e de indicação das partes interessadas, os quais serão exatamente escolhidos por reunirem, dentre outras qualificações, aptidões e virtudes, expertise para tanto, o que radicalmente a distingue da jurisdição estatal. • Não obstante a Lei de Arbitragem admita a decisão monocrática, o julgamento arbitral, nas questões envolvendo Administração Pública, a nosso ver, deverá ser conduzido por pluralidade de julgadores, em número não inferior a três, com isso conformando-se, à justa, com a não aplicação 75 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS do princípio da revisibilidade, ao mesmo tempo em que permite aprimorar, dada a pluralidade de árbitros, a qualidade da decisão. • A velocidade com que se realizará a dirimência do litígio, se confrontada com o procedimento judicial, é imensamente superior. É írrita, à arbitragem, a protelação; celeridade é da sua essência, tanto que, expressamente, a Lei de Arbitragem estabelece o propósito de proferir-se o decisório em até seis meses, ainda que readequações temporais possam ser implementadas. A formulação de recursos sucessivamente interpostos na seara judicial (agravos, nas suas diversas espécies, assim como recursos doutros matizes) não tem lugar na arbitragem, o que lhe confere celeridade indiscutível, com isso resolvendo-se, em prazos relativamente exíguos, litígios que demandariam, na esfera judicial, não menos do que praticamente uma década até obter-se o trânsito em julgado do respectivo decisório. • O procedimento arbitral dispensa tratamento isonômico entre as partes submetidas à arbitragem, inclusive em relação à Administração Pública, bem diferentemente do que se passa no procedimento judicial, em que há tratamento discriminatório amplamente mais favorável ao Poder Público, chegando-se, por vezes, a serem relevadas intervenções processuais extemporâneas dos representantes da Administração Pública que, no rigor formal, deveriam ser fulminadas pela preclusão. • Tendo em vista que a arbitragem é um meio extrajudicial de solução de litígios, consubstancia-se âncora segura para a iniciativa privada, sobretudo estrangeira, que, por vezes, possui o receio de ver seus pleitos endereçados à Administração Pública brasileira apreciados e julgados pelo próprio Estado (no portal Judiciário), com um olhar que poderia, para alguns de seus integrantes, conter inclinações favoráveis ao Estado, logo à Administração Pública litigante. • Na arbitragem a fixação de prazos procedimentais, em regra, deverá levar em conta as facilidades ou dificuldades enfrentadas pelas partes litigantes, com isso conferido prazos adequados e logicamente proporcionais à providência a ser implementada, sobretudo no que atina à produção de provas, daí contribuindo, decisivamente, para que o fator temporal beneficie as partes, não se tornando, ao everso, um óbice, conforme com certa frequência se observa na seara judicial. • Revela-se, a arbitragem, extremamente útil e eficaz na solução de divergências interpretativas pré-litigiosas, presididas por sincera boa-fé das partes envolvidas em dar a solução mais adequada para o caso concretamente considerado, observáveis sobretudo em relação a contratos de longo curso – caso, v.g., de execução de obras de grande envergadura e complexidade, impedindo desgastes e rupturas desnecessárias entre as partes, ao mesmo tempo buscando e propiciando soluções e decisões expeditas. • A arbitragem muito facilita a atuação dos profissionais responsáveis pela defesa da Administração Pública, pois, como se sabe, o exercício da função administrativa submete-se a controles internos e externos rigorosos, os quais, muitas das vezes e exatamente em função disso, fazem que determinados procederes sejam na prática utilizados para a própria proteção dos agentes atuantes no litígio, e não em favor da sua própria dirimência, como o que ocorre com a ordem 76 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 Unidade III precipitada para a propositura de medidas judiciais que poderiam ser evitadas, a formulação de pleitos incabíveis ou, como com alguma frequência se observa, na formulação de recursos sobre matérias já decididas e com entendimento pacificado, inclusive, no limite, sumulados em caráter vinculante. Assim, segundo Pestana (2013), urge que o legislador ordinário introduza nas normas gerais licitatórias e de respectivas contratações a possibilidade de, também nesses ambientes, permitir-se a adoção, pela Administração Pública brasileira, da arbitragem, como meio extrajudicial de dirimir os conflitos das relações contratuais de que tome parte ou, mesmo, para esclarecer interpretações jurídicas antagônicas que, se não solvidas a tempo e de maneira eficaz, resultarão na instalação do contencioso correspondente. Nesse sentido, Motta (2010), também destaca que a arbitragem consiste em técnica alternativa de solução de conflitospor meio da qual as partes optam pela jurisdição privada e nomeiam árbitros para dirimir seu conflito. Segundo Garcez (2002 apud MOTTA, 2010), trata -se de: [...] técnica que visa a solucionar questões de interesse de duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, sobre as quais as mesmas possam dispor livremente em termos de transação e renúncia, por decisão de uma ou mais pessoas – o árbitro ou os árbitros – os quais têm poderes para assim decidir pelas partes por delegação expressa destas resultantes de convenção privada, sem estar investidos em funções pelo Estado (GARCEZ, 2002 apud MOTTA, 2010, p. 84). 6 REGIMES JURÍDICOS NAS LICITAÇÕES INTERNACIONAIS De acordo com Pestana (2013), nas licitações internacionais há dois regimes jurídicos claramente assentados para disciplinar as relações jurídicas correspondentes. O primeiro, que chamamos, num pacto semântico, de genuinamente brasileiro, que resulta dos valores relevantes do País em matéria licitatória, gerados pelas casas legislativas brasileiras nos diversos planos, sempre em harmonia com as normas gerais sobre licitação de iniciativa da União Federal, regime jurídico este sobre o qual oferecemos as nossas considerações ao longo desta obra. No segundo, por sua vez, coloca-se o ordenamento jurídico de natureza híbrida, ou seja, que respeita, necessariamente, os princípios cardeais da licitação encontráveis na ordem jurídica brasileira, assim como grande parte dos preceptivos instalados nas normas gerais de licitação do País (que, justamente, guardam reverência aos princípios e valores constitucionais), mas que vem complementado ou mesmo substituído por disposições provenientes de entidades, instituições ou pessoas jurídicas estrangeiras, que conferem um colorido diferenciado ao certame licitatório e à contratação correspondente, configurando um regime jurídico peculiar. Pestana (2013) destaca o ordenamento licitatório híbrido. Pois bem, naquilo que denominamos ordenamento licitatório híbrido, distinguimos, à sua vez, duas subespécies distintas: uma, proveniente de acordos e tratados internacionais, dos quais o Brasil toma parte, e que não se 77 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS preocupa, prioritariamente, com esta ou aquela contratação, mas, sim, com um conjunto de iniciativas que terão reflexos práticos nas licitações e nas contratações correspondentes; outra, mais específica, que tem origem em agências e entidades internacionais que realizam empréstimos e financiamentos, algumas vezes a fundo perdido, que serão utilizados nas contratações que se sucederão às licitações, beneficiando a própria União federal, os estados federados, o Distrito Federal ou os municípios, assim como entidades deles controladas, para contratações, em regra, especificamente consideradas. Quanto à primeira subespécie, tomamos como exemplo o Mercosul, acordo subscrito por alguns dos países da América do Sul e que, como se sabe, possui, dentre outros, o propósito de promover a integração comercial dos seus pares. Ainda que um tanto recalcitrante para fixar âncoras seguras que possam efetivamente outorgar preferências e facilidades para os signatários do acordo. O Brasil já começa a dar mostras concretas de obséquio às diretrizes em comum traçadas ao expressamente consignar, nas normas gerais sobre licitação e contratos administrativos, a possibilidade de assegurar tratamento preferencial, inicialmente, aos subscritores do Mercosul – mas também, logo adiante, a todos os demais países, neste caso mediante celebração de acordos de compras governamentais –, a margem de preferência em relação a determinados produtos e serviços. Segundo o art. 3º, § 10, da Lei nº 8.666/1993: “A margem de preferência a que se refere o § 6º será estendida aos bens e serviços originários dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul – Mercosul” (BRASIL, 1993). Encargos incidentes sobre mão de obra e, sobretudo, em decorrência da intensa diferença existente entre a economia brasileira e as dos demais países, assim como no tocante a ranços políticos nacionalistas historicamente arraigados, permitem testemunhos, por vezes, da adoção, em alguns desses países, de políticas verdadeiramente paroquiais de comércio exterior. Para que o tratado internacional, do qual o Brasil tome parte, seja considerado, aqui, norma vinculante, é imprescindível que conte com a sua aprovação e ratificação, por parte do Congresso Nacional, que se materializará por meio do decreto-legislativo, moldando o ordenamento jurídico correspondente, havendo necessidade de promulgação presidencial para ter-se o seu ingresso efetivo na ordem jurídica brasileira. Quanto à segunda subespécie, Pestana (2013) destaca, como exemplo, o Bird – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial), entidade criada pelos países que compõem a ONU – Organização das Nações Unidas, banco esse que tem a finalidade precípua de transferir recursos para países em desenvolvimento e contribuir para a diminuição da pobreza, financiando projetos e programas de entidades destes países. Nesse sentido, Pestana (2013) coloca que a influência que as entidades e instituições que se hospedam nessa subespécie realizam no ordenamento jurídico licitatório é consequência de fórmulas jurídicas já consagradas, ou seja, diretrizes já intensamente testadas e devidamente catalogadas ao longo das contratações das quais a entidade tomou parte ou em cujo estímulo posicionou-se, as quais 78 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 Unidade III são de aplicação globalizada, não obstante admitam a inserção ou modificação de disposições passíveis de customização em razão do sistema jurídico adotado pelo país em questão. 6.1 O controle da licitação e da contratação no sistema jurídico híbrido Costumeiramente, as instituições internacionais exigem que a licitação que venha a realizar-se siga os standards por elas já consagrados e reiteradamente adotados. Lembrete Standard pode ser definido como padrão. Relativamente ao contrato correspondente que venha a celebrar, esses organismos exigem auditorias nas contas dos projetos, zelosamente cuidando, portanto, para que os recursos empregados o sejam nos termos e nas condições constantes da respectiva contratação. As auditorias costumam ficar a cargo de pessoas jurídicas de direito privado, estranhas à Administração Pública. No Brasil, entretanto, caso celebrem Protocolos de Entendimento, determinados organismos internacionais credenciarão a CGU – Controladoria Geral da União – para realizar tais trabalhos de auditoria independente, com isso dispensando a contratação de empresas de auditoria privadas. É o que se passa em algumas das relações envolvendo o Bird, a Unesco, o BID e o Pnud, dentre outros, em que cada Protocolo de Intenções define o escopo da auditoria que será realizada pela CGU. Enquanto isso ocorre em interesse próximo e indiscutível dos organismos internacionais, há o controle público brasileiro sobre tais recursos externos, os quais se sujeitam, no plano federal, ao controle externo do Tribunal de Contas de União, o qual o exerce em conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro e com o controle interno, também a cargo da CGU. A CGU, à evidência, exerce função de natureza dúplice em matéria de controle: de um lado, como auditora “independente”; e, de outro, como auditora no exercício das suas funções de controle interno. Pestana (2013) diz que, apesar dessescontroles, é evidente que sempre haverá a possibilidade de os interessados recorrerem ao Poder Judiciário ou a Câmaras de Arbitragem na ocorrência de ofensa ou riscos de serem ofendidos direitos das partes envolvidas, tudo dependendo, naturalmente, de quanto a respeito dispuserem o instrumento convocatório licitatório e o contrato que venha a disciplinar as relações jurídicas consequentes, o que, em certames internacionais, em determinadas situações catalogadas nessa subespécie, poderá inclusive submeter-se a regimes jurídicos de outros países. As modificações, complementações ou supressões provenientes do exterior, seja qual for a subespécie adotada, somente poderão ser implementadas no país caso seu conteúdo se amolde aos princípios e normas gerais estruturantes licitatórias brasileiras, sobretudo, como é natural, aquelas instaladas na Constituição Federal. 79 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS Deveras, havendo desconformidade formal ou material com o Texto Constitucional, os enunciados e normativos exógenos não se conformarão à ordem jurídico-constitucional, não podendo ser concretamente implementados. Da mesma forma não poderão colidir com princípios e normas gerais estruturantes das licitações contidas na legislação infraconstitucional, neste caso, retratadoras das disposições constitucionais e alojadas nas normas gerais de licitação. Importante igualmente consignar-se que a constelação principiológica em questão não se restringe e, portanto, transborda os limites da licitação, subordinando-se, igualmente, a todos aqueles de prestígio constitucional que digam respeito à Administração Pública brasileira, pois, neste País, conforme pudemos assinalar ao longo desta obra, a licitação é um processo administrativo, logo se submete a todos aqueles princípios de estatura constitucional correspondentes Na prática, quais seriam os princípios e normas jurídicas estruturantes que não poderiam ser modificados? A par daqueles de aplicação genérica aos processos administrativos e daqueles inerentes a toda a Administração Pública e aos seus agentes, especificamente no que se refere ao processo licitatório, ganham destaque imediato os princípios da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo, os quais, de pronto, não poderão ser contrariados, sob pena de falecimento do respectivo certame por desconformidade absoluta. Mas não são só estes. O mesmo se diga, contudo, em relação a outros tantos princípios caros ao processo de licitação, caso dos princípios da publicidade, da impessoalidade, da motivação, da moralidade, da probidade administrativa, da razoabilidade e da proporcionalidade, que, uma vez afrontados, materializam prejudicialidade o suficiente para impedir a instalação, o desenvolvimento e o encerramento regulares do certame de licitação. Segundo Pestana (2013), dependendo, naturalmente, do caso concretamente considerado, em princípio não haverá empeço para que as modificações parciais no ordenamento jurídico se façam, para a realização de licitações internacionais. A previsão de ajustamento, nesse particular, já se encontra prevista na própria Lei nº 8.666/1993 (BRASIL, 1993), apresentando-se o respectivo enunciado sob a forma de textura aberta – respeitados os limites de política monetária e de comércio exterior brasileira – justamente para não criar embaraços de ordem tal a ponto de obstar tratamentos diferenciados em licitações internacionais, impedindo que recursos sejam carreados para o País. Conforme o art. 42 da Lei nº 8.666/1993: Nas concorrências de âmbito internacional, o edital deverá ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigências dos órgãos competentes. [...] § 5º – Para a realização de obras, prestação de serviços ou aquisição de bens com recursos provenientes de financiamento ou doação oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou organismo financeiro multilateral de que o Brasil seja parte, poderão ser admitidas, na respectiva licitação, as condições decorrentes de acordos, protocolos, convenções ou 80 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 Unidade III tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, bem como as normas e procedimentos daquelas entidades, inclusive quanto ao critério de seleção da proposta mais vantajosa para a administração, o qual poderá contemplar, além do preço, outros fatores de avaliação, desde que por elas exigidos para a obtenção do financiamento ou da doação, e que também não conflitem com o princípio do julgamento objetivo e sejam objeto de despacho motivado do órgão executor do contrato, despacho esse ratificado pela autoridade imediatamente superior (BRASIL, 1993). A norma geral, conforme se observa, prestigiou, expressamente, o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, assim como o da motivação, exigindo que autoridade de superior hierarquia ratifique e homologue o despacho formulado pelo órgão responsável pela execução do contrato. Pestana (2013) menciona que em harmonia com a conformação normativa, que deverá ser examinada em cada situação concretamente considerada, a norma geral desobriga os interessados, nas licitações internacionais: • cujos recursos provenham de organismo financeiro internacional do qual o Brasil faça parte; • que contem com recursos de agência estrangeira de cooperação; • voltadas para a contratação de empresa estrangeira para a compra de equipamentos fabricados e entregues no exterior; ou • tendo por objetivo a aquisição de bens e contratação de serviços realizados por unidades administrativas brasileiras com sede no exterior, ao cumprimento de determinadas obrigações habitualmente exigidas dos licitantes. O art. 32, § 6º da Lei nº 8.666/1993 estabelece: O disposto no § 4º deste artigo, no § 1º do art. 33 e no § 2º do art. 55, não se aplica às licitações internacionais para a aquisição de bens e serviços cujo pagamento seja feito com o produto de financiamento concedido por organismo financeiro internacional de que o Brasil faça parte, ou por agência estrangeira de cooperação, nem nos casos de contratação com empresa estrangeira, para a compra de equipamentos fabricados e entregues no exterior, desde que para este caso tenha havido prévia autorização do Chefe do Poder Executivo, nem nos casos de aquisição de bens e serviços realizada por unidades administrativas com sede no exterior (BRASIL, 1993). Pestana (2013) destaca seis situações que devem ser observadas sobre o tema. Vamos analisá-las. Em primeiro lugar, dispensa-se a apresentação dos documentos e comprovantes de habilitação jurídica, de regularidade fiscal-trabalhista, de qualificação técnica e de qualificação econômico-financeira, devendo 81 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 18 /1 0/ 20 17 LICITAÇÕES INTERNACIONAIS a Comissão de Licitação, o Pregoeiro ou o Leiloeiro, entretanto, dispor de juízo de valor para verificar, por outros meios, se os licitantes atendem às condições e exigências indispensáveis ao certame. Em segundo lugar, é igualmente dispensada a apresentação do certificado de registro cadastral perante a Administração Pública, especificamente, aquela que estiver promovendo o respectivo certame licitatório. Em terceiro lugar, não se exige que consórcio formado entre empresas brasileiras e estrangeiras aqui não
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