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Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Engenharia Departamento de Engenharia Mecânica PROCESSOS NÃO CONVENCIONAIS DE USINAGEM Prof. Alexandre Abrão Belo Horizonte, agosto de 2016 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão CONTEÚDO Página 1. Introdução 3 1.1 Classificação dos processos não convencionais 5 2. Processos mecânicos 7 2.1 Jato abrasivo 7 2.2 Jato de água 13 2.3 Fluxo abrasivo 27 2.4 Usinagem ultrassônica 36 3. Processos elétricos 47 3.1 Usinagem eletroquímica 47 3.2 Outras operações 4. Processos térmicos 4.1 Eletroerosão 4.1.1 Eletroerosão a fio 4.1.2 Retificação por eletroerosão 4.1.3 Texturização 4.2 Feixe de elétrons 4.3 Feixe de íons 4.4 Arco plasma 4.5 Feixe laser 5. Processos químicos 5.1 Usinagem química 5.2 Usinagem fotoquímica 6. Prototipagem rápida 6.1 Estereolitografia 6.2 Deposição de plástico fundido 6.3 Sinterização a laser 6.4 Deposição por adesão 6.5 Deposição de lâminas 6.6 Ferramental rápido e manufatura rápida 7. Referências bibliográficas 2 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão 1 INTRODUÇÃO Os processos de manufatura sempre acompanharam o Homem em sua constante busca por melhores condições de vida. Há 2 milhões de anos eram utilizadas ferramentas manuais feitas de ossos, pedras e madeira e há 1 milhão de anos as ferramentas metálicas passaram a ser usadas. Até o século XVII, as operações eram realizadas manualmente ou utilizando dispositivos rústicos, como o torno-árvore representado na Figura 1.1. Figura 1.1: Torno-árvore (McGeough, 1988). Somente a partir da Revolução Industrial é que surgiram as primeiras máquinas ferramentas: em 1774, Wilkinson desenvolveu a máquina para mandrilar cilindros de máquinas a vapor e em 1797 Maudsley apresentou o torno com avanço automático para rosquear. Em seguida surgiram a plaina limadora, furadeira, fresadora (1818) e, no final século XIX, a retificadora. O desenvolvimento de novos materiais e ligas mais resistentes e, consequentemente, mais difíceis de se usinar inviabiliza o uso da usinagem convencional (por cisalhamento) tanto do ponto de vista técnico quanto econômico. Tais materiais combinam algumas das seguintes propriedades: alta dureza e fragilidade, pobres propriedades térmicas, alta refratariedade, reatividade química, microestrutura não-homogênea, etc. Dentre os segmentos industriais que fazem uso de materiais com as características citadas, destacam-se as áreas biomédica e aeroespacial. A Figura 1.2 mostra o aumento da temperatura do motor de aeronaves ao longo do século XX (Ezugwu, 2005). 3 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 1.2: Evolução da temperatura do motor de aeronaves ao longo do século XX (Ezugwu, 2005). Assim, o termo não convencional (ou não tradicional) se refere ao fato de a energia ser aplicada em sua forma mais direta, sem a necessidade, na grande maioria das vezes, de uma ferramenta de corte. Ainda que a ferramenta seja necessária, arestas de corte afiadas não são um requisto essencial. Tais processos vêm sendo aplicados com sucesso desde a Segunda Guerra Mundial e, ao contrário dos processos convencionais, os processos não convencionais se destinam a aplicações específicas, tanto no que diz respeito ao material da peça quanto a forma, dimensões, tolerâncias e acabamento do componente usinado. Por outro lado, a crescente popularização do comando numérico computadorizado tem permitido uma maior flexibilização destes processos, com destaque para a usinagem a laser e por eletroerosão. A maior parte desses equipamentos é comandada numericamente, o que permite o monitoramento e controle da operação. Desta forma, o tempo e custo de fabricação são reduzidos, viabilizando a utilização de tais processos em novos segmentos. A Figura 1.3 mostra o grau de exatidão obtido por operações de usinagem ao longo do último século. 4 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 1.3: Evolução da exatidão em máquinas ferramentas e instrumentos de medição (Tanigushi, 1983). Entretanto, é importante deixar claro que os processos não convencionais não substituirão os processos ditos convencionais e que um processo não convencional considerado mais apropriado para usinar um material sob determinada condição pode não ser igualmente eficiente no corte do mesmo material sob condição distinta, principalmente no que se refere à qualidade da superfície usinada e taxa de remoção de material. 1.1 Classificação dos processos não convencionais A classificação dos processos não convencionais de usinagem é arbitrária e não consensual. A classificação mais frequentemente utilizada leva em conta a forma de aplicação da energia, que pode ser mecânica, elétrica, térmica ou química. A Tabela 1.1 mostra os principais processos não convencionais de usinagem e suas características mais relevantes (Pandey e Shan, 1980), isto é, o mecanismo responsável pela remoção de material, o meio de transferência e a fonte de energia. Nota-se que os processos térmicos são os que apresentam maior variabilidade em termos de meio de transferência e fonte de energia. 5 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Tabela 1.1: Classificação dos processos não convencionais de usinagem. Forma de energia: Mecânica Elétrica Térmica Química Processo: Jato abrasivo Jato de água Jato de água com abrasivo Fluxo abrasivo Ultrassom Eletroquímica e derivados Eletroerosão Feixe elétrons Feixe íons Feixe laser Arco plasma Química Fotoquímica Mecanismo de remoção: Erosão Deslocamento de íons Fusão e vaporização Ablação Meio de transferência: Partículas a alta velocidade Eletrólito Gás aquecido, elétrons, radiação ou corrente de íons Ambiente reativo Fonte de energia: Pressão pneumática ou hidráulica Corrente elétrica Material ionizado, alta tensão, luz amplificada. Agente corrosivo Entretanto, uma tendência que tem sido observada é o desenvolvimento de processos híbridos, ou seja, a combinação de duas operações de naturezas distintas em um novo processo, como por exemplo, a usinagem por eletroerosão e a eletroquímica, eletroerosão e usinagem ultrassônica, ou mesmo a combinação de um processo não convencional com outro considerado convencional (eletroquímica e retificação,usinagem ultrassônica e fresamento, arco plasma e torneamento, etc.). 6 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão 2. PROCESSOS MECÂNICOS Neste grupo de operações o material é removido pela ação abrasiva. Normalmente são empregados quando os processos convencionais apresentam dificuldades associadas à dureza, tenacidade ou fragilidade da peça (materiais cerâmicos, compósitos, etc.). Dentre as principais vantagens deste grupo se destacam o fato de o material da peça não precisar ser condutor elétrico (o que restringe a utilização de diversas operações não convencionais), a viabilidade de se usinar materiais frágeis tais como vidro, quartzo e cerâmicas (inexequível para a maioria das operações convencionais) e a operação não provocar danos térmicos. 2.1 Usinagem por jato abrasivo Nesta operação partículas abrasivas - normalmente óxido de alumínio (Al2O3) ou carboneto de silício (SiC) - são arremessadas contra a peça por meio de um gás sob pressão. A remoção do material ocorre por microlascamento e pode sercontrolada para corte, limpeza, rebarbação, polimento, etc. A Figura 2.1 representa o processo de remoção de material (Slikkerveer et al. apud Park et al., 2004): quando um penetrador é pressionada contra a peça uma zona de deformação plástica se forma logo abaixo da ponta do penetrador devido à força compressiva. Eventualmente trincas surgem nas direções radial e paralela em relação à superfície da peça. As trincas laterais (paralelas às superfície) estão associadas ao mecanismo de remoção de material na usinagem por jato abrasivo. Figura 2.1: Propagação de microtrincas por indentação Assim, este processo é mais eficiente em materiais duros e frágeis, tais como vidro, silício, tugstênio, cerâmicas, etc. Difere do jateamento convencional pelo fato dos grãos serem 7 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão menores (diâmetro médio entre 10 e 50 µm), pelo maior controle de impurezas e do jato. A Figura 2.2 apresenta um diagrama esquemático da operação. Figura 2.2: Esquema da usinagem por jato abrasivo (ASM, 1995). O equipamento trabalha com um gás que pode ser ar (menor custo), nitrogênio (N2), dióxido de carbono (CO2) ou outro gás inerte pressurizado, seco e livre de contaminantes. A pressão varia de a 520 a 830 kPa, porém pressões acima de 600 kPa são raramente empregadas porque provocam o desgaste prematuro do bocal. O gás passa por uma câmara onde é feita a mistura com os abrasivos. Em seguida a mistura passa por uma válvula liga/desliga e chega ao bocal. Ao passar pelo bocal o jato atinge velocidades na faixa de 150 - 300 m/s (Benedict, 1987). Uma cabine evita o contato do operador com o pó. Este equipamento apresenta um dos menores custos dentre os processos não convencionais de usinagem, muito embora frequentemente seja controlado manualmente. O bocal é geralmente feito em metal duro (WC+Co), também podendo ser em safira (mais durável, porém mais caro). As dimensões da seção do bocal variam de Ø 0,13 a 1,25 mm ou de 0,08 x 0,5 mm até 0,18 x 3,8 mm. A vida do bocal depende do seu material e do abrasivo usado: para o metal duro ela pode chegar a 35 horas enquanto o de safira pode durar até 300 horas. A velocidade de avanço pode alcançar 2 mm/s e a taxa de remoção de material é de aproximadamente 16 mm3/min para o vidro e varia de 1,6 a 4,1 mm3/min para metais. No caso de cerâmicas duras a taxa de remoção é de 50% da do vidro. Os principais fatores que afetam a taxa de remoção são: • material da peça 8 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão • vazão do jato abrasivo (desbaste: 10 - 20 g/min e acabamento: 3 - 5 g/min) • tamanho e tipo de abrasivo • distância entre bocal e peça. A Figura 2.3 mostra a influência da vazão e do tamanho das partículas abrasivas sobre a taxa de remoção de material. A taxa de remoção aumenta com a vazão de abrasivo, porém se esta for muito elevada, há um decréscimo na velocidade dos grãos abrasivos e, consequentemente, na taxa de remoção de material. Observa-se que para as condições empregadas (corte de vidro) existe uma vazão ótima em torno de 10 g/min que resulta em taxa de remoção máxima. Além disso, a taxa de remoção de material aumenta com o tamanho das partículas abrasivas devido à maior capacidade de microlascamento dos abrasivos com dimensões maiores. Figura 2.3: Influência da vazão e tamanho do abrasivo sobre a taxa de remoção de material (ASM, 1995). O abrasivo não deve ser reutilizado, pois perde a capacidade de corte. Além disso, seu custo é baixo e os cavacos misturados aos abrasivos podem entupir o bocal. Os tipos de abrasivo mais comumente utilizados são: • óxido de alumínio (Al2O3): operações pesadas • carboneto de silício (SiC): operações pesadas em materiais mais duros • carbonato de magnésio: limpeza e gravação • bicarbonato de sódio: limpeza e corte de metais macios 9 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão • vidro: polimento. A Figura 2.4 mostra a influência da distância bocal-peça sobre a taxa de remoção, que apresenta uma região ótima. Distâncias muito pequenas causam a redução da taxa de remoção devido à queda de pressão, enquanto distâncias muito elevadas prejudicam o processo devido à redução da velocidade do jato. Além disso, quanto maior a distância bocal-peça, maior será a dispersão do jato, que a partir de 1,6 mm torna-se cônico com inclinação de 7o. Figura 2.4: Influência da distância bocal-peça sobre a taxa de remoção de material (ASM, 1995). Via de regra recomenda-se uma distância entre 2 e 15 mm para corte. Distâncias curtas (menores que 1 mm) são empregadas quando se deseja elevada exatidão (às expensas de baixa taxa de remoção), ao passo que o aumento da distância provoca a dispersão do jato, o que é indicado para operações de limpeza (distância entre 5 e 13 mm) e texturização de vidro (de 25 a 75 mm). O processo produz uma superfície granular e opaca com rugosidade Ra entre 0,15 e 1,5 µm, tolerâncias de ±0,13 mm (típicas) a ±0,05 mm (sob condições especiais) e o raio mínimo é de 2 mm. A influência da distância bocal-peça sobre a dimensão e forma do furo é ilustrada na 10 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.4. Nota-se um aumento do diâmetro médio do furo com a elevação da distância bocal- peça, acompanhado da elevação do desvio de circularidade. Figura 2.5: Influência da distância bocal-peça sobre os desvios dimensional e geométrico (Pandney e Shan, 1980). Aplicações típicas da usinagem por jato abrasivo em materiais cerâmicos, plásticos rígidos e metais endurecidos compreendem: • corte e furação de pequenas seções • gravação em peças metálicas, plásticas e de vidro (número de chassis). • rebarbação • corte de perfis intrincados em materiais duros e frágeis (espessura inferior a 1,5 mm para aços e 6 mm para vidros) • limpeza e remoção de camadas oxidadas • acabamento de componentes eletrônicos. As principais vantagens da usinagem por jato abrasivo são: • boa dissipação do calor gerado pelo gás • corte de materiais frágeis e de seções finas • eficaz para materiais duros • o bocal atinge locais de difícil acesso • baixo consumo de energia • equipamento de baixo custo. Gás: ar Pressão: 30 kPa Abrasivo: Al2O3 (40 µm) Peça: vidro 11 Lara laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Por outro lado, este processo apresenta as seguintes desvantagens: • taxa de remoção de material dentre as mais baixas • inviável para materiais dúcteis • elevado desgaste do bocal • dispersão do jato • possível alojamento de partículas abrasivas na peça • baixa exatidão (especialmente conicidade em cortes profundos). 12 Lara laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão 2.2 Usinagem por jato de água Esta operação emprega um jato de água colimado a alta velocidade como ferramenta cortante. No caso de peças não metálicas, utiliza-se o jato de água sem abrasivo, entretanto, para o corte de materiais mais duros e densos (tais como metais, vidros e cerâmicas), deve-se acrescentar partículas abrasivas à água. No caso específico de materiais compósitos, o jato de água com abrasivo é dez vezes mais rápidoque o corte convencional. No início do século XX, trabalhadores de usinas de geração de vapor observaram que pequenos furos na tubulação de vapor sob alta pressão geravam um jato capaz de cortar madeira. Entretanto, somente em 1960 Norman Franz patenteou a técnica de produção de uma jato de água coerente a alta velocidade e em meados de 1980 foi anunciado um sistema para corte de aço. Ao atingir a superfície da peça, a velocidade do jato (de até 900 m/s conforme McGeough, 1988) torna-se nula e, por conseguinte, a energia cinética é convertida em pressão hidráulica. De acordo com Pandney e Shan (1980), nos primeiros milissegundos após o contato inicial a pressão transiente pode chegar ao triplo da pressão hidrostática, sendo que a remoção de material ocorrerá onde a pressão do jato exceder a força de ligação dos átomos que compõem o material da peça. As principais aplicações do jato de água sem abrasivo são: • corte de materiais não metálicos (madeira, papel, placas de circuito impresso, etc.) • corte de compósitos poliméricos (plástico reforçado com fibras) • decapagem de fios • corte de materiais inflamáveis (tecidos) e de alimentos (sem quebrar ou trincar) • corte sem a produção de partículas suspensas em materiais como carvão e rocha. Por sua vez, o jato de água com abrasivo permite: • corte de metais ferrosos, como aço ferramenta, sem resíduos • corte de ligas resistentes ao calor • corte de compósitos poliméricos reforçados com fibras de carbono e de vidro • remoção de rebarbas em peças de aço usinadas. A Figura 2.6 mostra o corte por jato de água com abrasivo de um disco maciço de Inconel (liga Ni-Cr) para a produção de rotores de turbina (Ø760 x 45 mm) em 48 horas. 13 Lara Lara Max 900 m/s Lara Lara Lara Lara Lara Pode empilhar material pra cortar tudo junto Lara laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.6: Usinagem por jato de água com abrasivo de rotor de turbina (ASM, 1995). O equipamento consiste de uma unidade hidráulica completa com motor para acionamento da bomba com potência de 15 a 37 kW, linha de transmissão, bocal e coletor, vide Figura 2.7. A pressão da bomba hidráulica (20 MPa) é elevada pelo intensificador (Figura 2.8) para até 380 MPa dependendo da razão entre as áreas dos pistões de óleo e de água, enquanto o acumulador garante a uniformidade de pressão e velocidade do jato graças à compressibilidade da água (cerca de 12% a 380 MPa). Figura 2.7: Diagrama da usinagem por jato abrasivo (McGeough, 1988). 14 Lara Lara Lara Lara Dois circuitos: um de óleo e um de água Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.8: Esquema de funcionamento do intensificador (ASM, 1995). A linha de transmissão é normalmente feita em aço inoxidável (Øext/Øint=5-10) e a válvula liga/desliga deve apresentar tempo de resposta curto e impedir vazamentos. O coletor deve conter algum material (esferas de aço, pellets cerâmicos ou água) capaz de absorver a energia do jato abrasivo. Dois aspectos críticos a serem considerados no projeto da bomba e intensificador dizem respeito à vedação dos elementos que atuam sob alta pressão e ao desgaste por fadiga dos componentes mecânicos. A distância entre o bocal e a peça varia de 2 a 25 mm de acordo com o material a ser cortado, entretanto, a forma e o diâmetro do jato sofrem alterações mínimas dentro desta faixa de distância. O bocal para o corte sem abrasivo possui um orifício em safira ou diamante sintético cujo diâmetro mínimo é de 0,075 mm. Embora o bocal de diamante seja de 7 a 10 vezes mais caro, ele garante uma vida 10 vezes mais longa e não se desgasta durante a limpeza. A Figura 2.9 mostra bocais para as operações: (a) sem abrasivo e (b) com abrasivo. 15 Lara laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão (a) corte sem abrasivo (b) corte com abrasivo Figura 2.9: Bocais para usinagem por jato de água: (a) sem abrasivo (McGeough, 1988) e (b) com abrasivo (El-Hofy, 2014). No caso do jato de água com abrasivo, o bocal difere do anterior basicamente por apresentar uma entrada adicional para o abrasivo e uma câmara para mistura. O diâmetro do orifício varia de 0,75 a 2,5 mm, de modo a garantir que seja pelo menos 5 vezes o diâmetro do abrasivo. A potência na saída do bocal varia de 7 a 45 kW. Os principais abrasivos naturais empregados são a granada [Fe3Al2(SiO4)2)], crisólita [(MgFe)2SiO4] e quartzo (SiO2). Os abrasivos sintéticos são extremamente agressivos e provocam o desgaste prematuro do bocal (Kulekci, 2002). A dureza do abrasivo a ser utilizado deve aumentar com a dureza da peça. De acordo com Kulekci (2002), a natureza turbulenta do processo e o tamanho das partículas abrasivas dificultam o estudo do fenômeno. Aparentemente, no início as partículas têm velocidade nula, sendo aceleradas e arremessadas constantemente pelo jato contra as paredes internas do bocal, até que a direção da velocidade do abrasivo seja paralela à do jato. Além disso, é possível que após o primeiro impacto os abrasivos sejam reintroduzidos no fluxo, permitindo cortes profundos. A adição à água de 1% de um polímero de cadeia longa (por exemplo, óxido de polietileno) auxilia na manutenção da coerência do jato por uma distância mais longa. 16 Lara Lara Lara Abrasivos sintéticos não são usados normalmente laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Os principais parâmetros que afetam o desempenho da operação são: • pressão e vazão do jato • diâmetro do bocal • distância bocal-peça (2,5 - 25 mm) • velocidade de avanço • tipo e tamanho de abrasivo. A Figura 2.10 apresenta um nomograma no qual é possível determinar, a partir da vazão e pressão do jato e do diâmetro interno do bocal, a potência disponível para o corte (ASM, 1995). Alternativamente, a partir a equação de Bernoulli para fluidos incompressíveis é possível determinar a velocidade (Equação 2.1) e a vazão (Equação 2.2) do jato: )2.2.(2)4( )1.2.(2 2 EqpDpCQ Eqpv D ρ ρ = = Onde, v: velocidade do jato. p: pressão do fluido. ρ: densidade do fluido. Q: vazão. CD: coeficiente do orifício (aproximadamente 0,7). D: diâmetro do orifício. Para a operação sem abrasivo, Konig et al. (apud McGeough, 1988) afirmam que velocidades de avanço máximas de 4 e 6 m/min podem ser empregadas para o corte de plásticos reforçados com fibras de aramida e de vidro, respectivamente. A Tabela 2.1 apresenta as velocidades de avanço indicadas para outros materiais. 17 Lara laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.10: Nomograma para determinação da potência de corte do jato abrasivo (CD=1). 18 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Tabela 2.1: Velocidades de avanço recomendadas para o corte com jato de água sem abrasivo (Olsen apud Benedict, 1987). Material Espessura (mm) Velocidade de avanço(m/min) Alumínio Vidro Papel Espuma Papel corrugado 1,3 12,7 25 50 6,3 0,15 1,5 6 152 183 A Figura 2.11apresenta a relação entre pressão do jato abrasivo e velocidade de avanço para diversos tipos, vazões e tamanhos de abrasivos (ASM, 1995). Nota-se que a velocidade de avanço necessária para garantir o corte pode ser aumentada com a elevação da pressão do jato, da vazão de abrasivo acrescentado à água e/ou do tamanho das partículas abrasivas. Figura 2.11: Relação entre pressão do jato abrasivo e velocidade de avanço (abrasivo: granada). De modo análogo, a Figura 2.12(a) ilustra a relação entre velocidade de avanço e espessura de corte para diversos materiais (Ohman, apud Kulekci, 2002) e a Figura 2.12(b) representa a relação entre vazão de abrasivos e espessura de corte (El-Hofy, 2014). 19 Lara Garnet = granada laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão (a) (b) Figura 2.12: (a) Relação entre velocidade de avanço e espessura de corte para diversos materiais (pressão de 2500 bar, distância de 2 mm (Ohman, apud Kulekci, 2002) e (b) relação entre vazão de abrasivos e espessura de corte para diversos materiais (El-Hofy, 2014). A influência da pressão de água e do tamanho do abrasivo sobre a espessura do corte está representada na Figura 2.13 (Kulekci, 2002). Observa-se nas Figuras 2.13(a) e 2.13(b) que uma maior profundidade de corte pode ser atingida durante o corte de alumínio em comparação com o aço inoxidável. Além disso, espessura de corte máxima é obtida quando o tamanho das partículas abrasivas de granada situa-se em torno de 200 µm para o corte de aço inoxidável e 250 µm para o alumínio. 20 laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.13: (a) Influência da pressão de água sobre a espessura de corte. (b) Influência do tamanho do abrasivo sobre a espessura de corte. A influência da vazão de abrasivos sobre a taxa de remoção de material é mostrada na Figura 2.14 (Hocheng et al., 2013), onde se observa que este efeito é mais pronunciado sob alta pressão e utilizando grãos abrasivos maiores. Figura 2.14: Influência da vazão de abrasivos sobre a taxa de remoção de material Uma das desvantagens da usinagem por jato abrasivo está associada à textura irregular da seção de corte provocada pela deflexão do jato, representada de forma esquemática na Figura 2.15. Além disso, quando o jato executa cortes em arco ou cantos, tem-se uma forma cônica de corte, como mostra a Figura 2.16(a). O corte com perfil inclinado, ilustrado na Figura 2.16(b), 21 Lara Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão também é frequente e pode ser eliminado pelo aumento da potência ou redução da velocidade de avanço. Figura 2.15: Deflexão do jato durante o corte (Kulekci, 2002). Figura 2.16: Desvios geométricos observados no corte por jato de água com abrasivos (Kulekci, 2002). A Figura 2.17 (Hascalik et al., 2006) mostra: (a) a seção transversal de uma peça de Ti-6Al-4V cortada por jato de água abrasivo, na qual são identificadas três regiões distintas (IDR, SCD e RCR) e (b) a vista lateral mostrando a variação na largura de corte. A região IDR representa a zona de ataque primária resultante da expansão do jato, anterior ao choque. Nessa região os materiais mais dúcteis estão sujeitos à deformação plástica devido à energia cinética do jato de água abrasivo. A região SCR representa a zona intermediária de ataque, onde se observa melhor acabamento superficial e onde a energia é consumida na remoção de material. Finalmente, RCR é a zona de deflexão do jato abrasivo, onde estrias são geradas na peça. 22 Lara laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão (a) Seção transversal (b) Vista lateral Figura 2.17: Superfície de Ti-6Al-4V usinada por jato de água abrasivo (velocidade de avanço: 60 mm/min). A inclinação do corte é afetada principalmente pela velocidade de avanço e pela pressão do fluido, conforme mostra a Figura 2.18 (Hocheng et al., 20013). Sob alta velocidade de avanço, a borda inferior do material não recebe energia suficiente para que a fenda produzinda apresente largura constante. Por outro lado, altas pressões do jato fornecem energia cinética suficiente para que a largura da fenda seja uniforme. A Tabela 2.2 mostra de forma qualitativa a influência do material da peça e sua espessura e da velocidade de avanço sobre a qualidade do corte obtido e a Figura 2.19 apresenta a influência da velocidade de avanço e granulometria dos abrasivos sobre a rugosidade da parede gerada. A Figura 2.20 apresenta a influência do fator de forma (razão entre o menor e o maior diâmetros de um grão abrasivo), dureza do abrasivo e velocidade de avanço sobre a taxa de remoção. 23 laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.18: Influência da velocidade de avanço sobre a inclinação da fenda. Tabela 2.2: Qualidade obtida para diferentes condições de trabalho: pressão de 3800 bar e distância de corte de 2 mm (Berkeley Chemical Research Inc., apud Kulekci, 2002). 24 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.19: Influência da velocidade de avanço e granulometria do abrasivo sobre a rugosidade da parede (Hocheng et al., 2013). Figura 2.20: Taxa de remoção de material (Ti6Al4V) em função de: (a) e (b) fator de forma (vf=0,03 – 0,08 e 0,17 m/s), (c) e (d) dureza do abrasivo (Fowler et al., 2009). As principais vantagens do corte por jato abrasivo são: • forças de usinagem baixas • dispensa pré-furação • não induz alterações térmicas na peça 25 Lara laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão • corte sem partículas suspensas • fácil integração com sistemas automatizados • corte de camadas múltiplas • pequena largura de corte. Em contrapartida, este processo apresenta as seguintes limitações: • baixa eficiência no corte de materiais metálicos • acabamento opaco • tolerâncias dimensionais abertas (±0,13 mm) • produz estrias na peça • requer proteção contra ruído e altas pressões • elevado custo do equipamento. 26 Lara laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão 2.3 Usinagem por fluxo abrasivo Trata-se de uma operação de acabamento na qual dois pistões opostos alternadamente extrudam um fluido abrasivo semissólido de um cilindro para o outro através do espaço existente entre peça e matriz, promovendo a remoção do material da peça (Figura 2.21). A repetição da operação através de passagens restritas provoca a abrasão da peça e permite a fabricação de até milhares de peças por hora, porém com baixa taxa de remoção de material. Desta forma é possível usinar diversas passagens inacessíveis simultaneamente, além de montar diversas peças em um único dispositivo. A ação abrasiva assemelha-se à retificação ou lapidação e é tanto maior quanto maior for a restrição à passagem do fluido, pois assim a força de corte e a velocidade do fluido sãoelevadas. Figura 2.21: Diagrama da usinagem por fluxo abrasivo. O equipamento, ilustrado na Figura 2.22, opera a uma pressão de 0,7 a 20 MPa e vazão de 10 a 380 L/min e o número de ciclos necessário ao acabamento de uma peça varia de três a centenas de ciclos (Benedict, 1987). Temperatura, viscosidade, pressão, desgaste e vazão são controlados durante a operação. Máquinas automatizadas apresentam tempo de produção entre 1 e 3 minutos, porém, o processo não é adequado quando se deseja elevado volume de material removido por peça. A matriz mantém a peça posicionada e direciona o fluido corretamente e restringindo sua passagem onde abrasão deve ocorrer (Figura 2.23). 27 Lara Melhora superfície da peça Lara Lara Lara Lara Lara Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.22: Equipamento para usinagem por fluxo abrasivo. Figura 2.23: Matriz e peça na usinagem por fluxo abrasivo (Benedict, 1987). O fluido abrasivo é composto de um mistura de polímero orgânico com grãos abrasivos. O polímero é um material similar à borracha com lubrificante. As propriedades do fluido são alteradas de acordo com o resultado desejado, ou seja, baixa vazão e alta viscosidade são recomendadas para remoção mais uniforme (geração de cantos vivos), 28 Lara Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão ao passo que para a produção de raios usa-se fluido abrasivo com vazão mais alta e menor viscosidade, vide Figura 2.24. (a)fluido de alta viscosidade (b) fluido de baixa viscosidade Figura 2.24: Influência da viscosidade do fluido abrasivo sobre a remoção de material: (a) fluido com viscosidade alta e (b) fluido com viscosidade baixa (ASM, 1995). Valores de rugosidade em torno de Ra=0,5 µm são obtidos em materiais como alumínio, cerâmicas e ligas de níquel, entretanto, o limite prático é de 0,05 µm. As tolerâncias dimensionais podem chegar a ±5 µm (Benedict, 1987), porém, irregularidades e imperfeições profundas não podem ser removidas. Além disso, furos não passantes não podem ser usinados. As Figuras 2.25 a 2.27 mostram a influência do número de ciclos sobre a rugosidade da superfície e massa removida (Liang Fang et al., 2009). Observa-se na Figura 2.25 que a rugosidade cai drasticamente após o primeiro ciclo, entretanto, não há melhoria substancial nos ciclos subsequentes, nem em função do material da peça. Por outro lado, as Figuras 2.26 e 2.27 mostram que o material da peça e a viscosidade do fluido afetam de forma acentuada o volume removido de material. 29 Lara laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.25: Influência do número de ciclos sobre a rugosidade dos aços AISI 1045, 1080 e A36. Figura 2.26: Influência do número de ciclos sobre a massa removida dos aços AISI 1045, 1080 e A36. 30 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.27: Influência do número de ciclos e da viscosidade do fluido sobre a massa removida de material. Os principais materiais abrasivos utilizados são o óxido de alumínio (Al2O3), o carboneto de silício (SiC), o carboneto de boro (BC) e o diamante. O primeiro é empregado para uso geral enquanto o segundo proporciona taxas de remoção de material mais elevadas. O carboneto de boro é indicado para materiais mais duros e o diamante para a usinagem de carboneto de tungstênio e remoção de camada fundida. O tamanho das partículas varia de 0,005 a 1,5 mm (quanto menor o grão abrasivo, melhor o acabamento, porém menor é a taxa de remoção). Em geral, o abrasivo pode ser usado por semanas, produzindo milhares de peças antes de ser substituído. Entretanto, Tzeng et al. (2007) observaram que a relação entre tamanho médio dos abrasivos e rugosidade é um pouco mais complexa. De acordo com estes autores, a força que mantém os abrasivos de pequeno diâmetro presos ao fluido é baixa, o que prejudica a remoção de material e a redução da rugosidade da superfície. Assim, a rugosidade diminui com a elevação do tamanho das partículas abrasivas, da viscosidade do fluido e do tempo de processamento, vide Figura 2.28. 31 Lara Lara Lara laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.28: Efeito dos parâmetros da usinagem por fluxo abrasivo sobre a rugosidade da peça: (a) tamanho dos abrasivos, (b) concentração de abrasivos e (c) pressão de extrusão (Tzeng et al., 2007). Aplicações típicas (produção em massa) da usinagem por fluxo abrasivo abrangem: • fabricação de componentes aeronáuticos: substituição do polimento manual de turbinas (9 horas) por fluxo abrasivo (1 hora) seguido de acabamento manual (2 horas) • fabricação de componentes cirúrgicos • rebarbação e polimento (injetor de combustível: 30000peças/dia) • geração de raios de curvatura em regiões de difícil acesso • acabamento de matrizes para conformação mecânica • acabamento de rotores maciços, discos de turbinas, engrenagens, etc. 32 Lara laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão A Figura 2.29 mostra a integridade superficial de canais produzidos por eletroerosão a fio antes e depois de serem submetidos à usinagem por fluxo abrasivo. Além da remoção da zona termicamente afetada, nota-se a redução do raio produzido. (a) após eletroerosão (b) eletroerosão seguida de fluxo abrasivo Figura 2.29: Influência da usinagem por fluxo abrasivo sobre a integridade superficial de canais usinados por eletroerosão à fio (Tzeng et al., 2007). Jha e Jain (2004) estudaram a influência do campo magnético sobre a usinagem por fluxo abrasivo utilizando como fluido uma mistura de pó de ferro carbonila e SiC com graxa e óleo mineral (Figura 2.30). Na ausência do campo magnético os grãos abrasivos rolam ao entrar em contato com as irregularidades, reduzindo a eficiência da operação. A aplicação do campo magnético durante a operação faz com que as partículas de ferro sejam usadas para pressionar os abrasivos contra as irregularidades. Controlando a força magnética é possível controlar a remoção das irregularidades e assim promover melhor acabamento na superfície. 33 Lara Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão (a) Campo magnético ausente: remoção deficiente. (b) Campo magnético presente: remoção eficiente. Figura 2.30: Usinagem por fluxo abrasivo: (a) sem campo magnético e (b) com campo magnético A Figura 2.31 mostra exemplos de peças antes e após serem submetidas à operação de usinagem por fluxo abrasivo (Extrude Hone, 2009). Observa-se o elevado acabamento obtido em regiões de acesso restrito após a operação de fluxo abrasivo. 34 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.31: Exemplos de peças usinadas por fluxo abrasivo. 35 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão 2.4 Usinagem ultrassônica A utilização de ondas sonoras de alta frequência visando a remoção de material foi aventada pela primeira vez em 1927 por Wood e Loomis, entretanto, somente em 1945a primeira patente foi depositada por Balamuth e em 1950 as primeiras máquinas ferramentas ultrassônicas começaram a ser comercializadas (McGeough, 1988). Esta operação emprega a vibração ultrassônica a uma frequência acima de 20 kHz e amplitudes de 1 a 35 µm para usinar materiais duros, frágeis e preferencialmente não metálicos. A ferramenta pode ser rotativa ou estática e é pressionada contra a peça por um sistema pneumático, por molas ou contrapeso (mais simples). Na usinagem com ferramenta estática uma mistura de abrasivo e água é injetada entre ferramenta e peça. A cavidade formada é o negativo da ferramenta e cavidades grandes são produzidas por trepanação. A remoção é provocada pelos seguintes fenômenos (Thoe et al., 1998), conforme ilustrado na Figura 2.32: • abrasão pelo impacto direto de partículas abrasivas forçadas contra a peça pela ferramenta • microlascamento causado por abrasivos livres • cavitação. Figura 2.32: Mecanismos de remoção de material na usinagem ultrassônica (El-Hofy, 2014). Entretanto, não há consenso a respeito da predominância de um ou mais desses fenômenos, embora para alguns autores a cavitação responda por, no máximo, 5% da taxa de remoção de material (McGeough, 1988). Em contrapartida, Ichida et al. (2005) 36 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão realizaram testes nos quais a ferramenta foi mantida afastada da peça e sem a utilização de abrasivos (apenas água ou álcool metílico foram usados como fluido). Sob tais circunstâncias, a cavitação foi considerada o único responsável pela remoção de material na forma de crateras com diâmetro de 0,5 a 5 µm e profundidade de 0,05 a 1 µm. As principais aplicações da usinagem ultrassônica com ferramenta estática são as seguintes: • corte de materiais frágeis e duros com área inferior a 1000 mm2, tais como: cerâmicas, quartzo, diamante e vidro (alta eficiência); metais com dureza acima de 40 HRC (média eficiência); cobre, chumbo, aços em geral (baixa eficiência) • produção de geometrias irregulares e complexas • furação de pequenos diâmetros (Ø 0,1 mm) e furação múltipla. A Figura 2.33 mostra a influência do material da peça sobre a velocidade de penentração na usinagem ultrassônica (Klocke e Konig, 2007). Nota-se que a taxa de remoção de material diminui com a elevação da tenacidade à fratura (k1c) da peça. Figura 2.33: Influência do material da peça sobre a velocidade de penetração na usinagem ultrassônica. Na usinagem com ferramenta rotativa, além de vibrar, a ferramenta diamantada gira. A remoção de material ocorre essencialmente pelo cisalhamento causado pelos cristais de 37 laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão diamante incrustados na ferramenta, efeito que é maximizado pela vibração ultrassônica. Abrasivos não são aplicados nesse caso e apenas água é usada para refrigeração e remoção de resíduos. A amplitude de vibração varia de 25 a 50 µm e o sistema deve trabalhar a baixas pressões para se evitar a quebra de peças frágeis. As aplicações da usinagem ultrassônica com ferramenta rotativa envolvem principalmente o fresamento de canais, além da furação e retificação de materiais não metálicos como vidro, cerâmicas, quartzo, rubi, safira, etc. e alguns compósitos. Em linhas gerais, o equipamento consiste de uma fonte que eleva a freqüência de 60 Hz para a faixa ultrassônica (20kHz) e potência de 150 – 2500 W para usinagem com ferramenta estática e 450 W para ferramenta rotativa. Um transdutor piezelétrico (normalmente quartzo, cuja eficiência de conversão é de 96%) ou magnetostritivo (eficiência de conversão de 20-35%) é responsável pela conversão de energia elétrica em mecânica (Benedict, 1987). Em virtude de sua baixa eficiência de conversão, a temperatura do transdutor magnetostritivo tende a se elevar, o que exige um sistema de refrigeração a água. De forma geral, os transdutores piezelétricos (mais modernos) têm seu funcionamento baseado nas alterações dimensionais induzidas quando determinados materiais (cerâmicas sintéticas) são submetidos a um campo elétrico. Um disco de material piezelétrico é montado entre duas chapas espessas de metal, de forma que a passagem de corrente a uma determinada frequência faz com que esse sanduíche vibre a uma frequência ressonante ao longo do eixo longitudinal. O funcionamento do transdutor magnetostritivo é baseado no fenômeno de alteração do comprimento de um objeto ferromagnético quando submetido a um campo magnético de frequência ultrassônica. O perfil de alongamento do transdutor magnetostritivo varia com seu comprimento, de forma que a amplitude máxima de alongamento ocorrerá a uma distância de um quarto do comprimento de onda a partir do plano nodal. Assim, o alongamento máximo será obtido para um transdutor de comprimento igual à metade do comprimento de onda, como mostra a Figura 2.34. A velocidade do som em um meio sólido (v) pode ser calculada pela Equação (2.3), o comprimento de onda (λ) pela Equação (2.4) e a frequência de ressonância (fr) pela Equação (2.5). Por exemplo, a uma frequência de 25 kHz, uma onda se propagando em um meio sólido possui comprimento de onda aproximado de 200 mm. 38 laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão )5.2.( 2 1 )4.2.(1 )3.2.()2( )1( 2 1 2 EqEf EqEff v Eq mm mmE v r ℓ ρ ρ λ ρ = == −− − = Onde, E: módulo de elasticidade. ρ: densidade. 1/m: coeficiente de Poisson. f: frequência de alteração do campo magnético. ℓ: comprimento do transdutor. Figura 2.34: Variação do alongamento com o comprimento do transdutor. A Tabela 2.3 apresenta o valor do coeficiente de alongamento magnetostritivo de algumas ligas (determinado pela razão entre a variação no comprimento e o comprimento do transdutor). Os valores de alongamento obtidos diretamente são relativamente baixos, variando de 0,001 a 0,1 µm (McGeough, 1988) e por isso têm pouca utilidade prática. Por esse motivo, faz-se necessário um amplificador de amplitude (também chamado de concentrador ou cone) de forma a se obter amplitudes na faixa de 10-40 µm, necessárias para o corte de materiais. Por fim, tem-se a ferramenta cujo diâmetro máximo não deve ser superior a Ø 50mm. 39 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Tabela 2.3: Coeficiente de alongamento magnetostritivo de algumas ligas (Kaczmarek apud McGeough, 1988). Material Coeficiente de alongamento magnetostritivo (x106) Alfer (13% Al, 87% Fe) Hypernik (50% Ni, 50% Fe) Permalloy (40% Ni, 60% Fe) Permendur (49% Co, 2% V, 49% Fe) 40 25 25 9 A Figura 2.35 ilustra um sistema composto de transdutor, amplificador e ferramenta. Máquinas estáticas mais sofisticadas são equipadas com comando numérico computadorizado e dispositivos de compensação do desgaste da ferramenta. O comprimento do amplificador deve ser múltiplo da metade do comprimento de onda do som de forma a se atingir a frequência ressonante e, consequentemente, amplitude máxima de vibração do amplificador e da ferramenta. O amplificador deve ser feito de material com elevada resistência à fadiga, sendo o titânio e as ligas a base de bronze os materiais mais utilizados para esta finalidade. Figura 2.35: Sistema para usinagem ultrassônica (McGeough, 1988). O amplificador é um elemento crítico pois, além amplificar, direciona e foca a energia convertida pelo transdutor, garantindo o aproveitamento ótimo dessa energia pormeio de 40 Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão ressonância. Seu perfil geralmente é cilíndrico, cônico ou exponencial. Ao contrário do suporte cilíndrico, que mantém a mesma amplitude de vibração do transdutor, os amplificadores de seção variável têm a capacidade de amplificar a amplitude em até 600%, aumentando a taxa de remoção de material em até 10 vezes, porém, são de fabricação mais complexa (Benedict, 1987). A Figura 2.36 mostra dois amplificadores exponenciais externo e interno (Pandey e Shan, 1980). Nesses casos, a energia acústica não é refletida na superfície lateral e é gradualmente concentrada em uma área casa vez menor, fazendo com que amplitude e velocidade de vibração aumentem. Figura 2.36: Representação de cones exponenciais para usinagem ultrassônica. O material da ferramenta estática também deve possuir elevada resistência à fadiga, além ser dúctil o suficiente para minimizar o desgaste, podendo ser de aço inoxidável, aço prata, aço cromo-níquel, carboneto de tungstênio ou mesmo latão. Quanto maior a dureza da ferramenta, mais acentuado será o seu desgaste. A fixação ao amplificador se dá por parafuso, entretanto, a rosca deve ser superdimensionada na porca e subdimensionada no parafuso para evitar que ocorra soldagem ultrassônica desses elementos durante a operação. Quanto menor a área de contato ferramenta-peça, melhor será a distribuição de abrasivos na interface e, consequentemente, maior será a velocidade de avanço da ferramenta. Por 41 laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão esse motivo, a operação de trepanação é preferível à furação em cheio. Além disso, a área da ferramenta não deve exceder a menor área de seção do amplificador em mais de 15% e a profundidade de penetração não deve exceder o diâmetro da ferramenta em mais de 2,5 vezes. A Figura 2.37 ilustra exemplos de ferramentas estáticas para usinagem ultrassônica, algumas delas já montadas nos amplificadores. Figura 2.37: Ferramentas estáticas para usinagem ultrassônica (ASM, 1995). A dureza do abrasivo deve ser igual ou superior a do material a ser usinado. Normalmente são usados como abrasivos o carboneto de boro - BC (vida de 200 horas), carboneto de silício - SiC (60 horas) e óxido de alumínio (Al2O3) com granulometria entre 9 e 50 µm (Benedict, 1987). O diamante é recomendado apenas para a usinagem de peças do mesmo material ou de rubi. A mistura contém de 30 a 60% em massa de abrasivos em água e é necessária uma vazão mínima de 25 L/min. A Figura 2.38 apresenta dois modos de aplicação da mistura: jorro e sucção. A primeira é mais simples, porém a segunda permite maior eficiência da operação por se capaz de renovar os abrasivos na região de corte, especialmente na usinagem de furos profundos. 42 laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.38: Aplicação da mistura: (a) por jorro e (b) por sucção. A taxa de penetração da ferramenta é baixa: em torno de 3,8 mm/min para o vidro, 1,5 mm/min para materiais cerâmicos e 0,25 mm/min para WC. Os principais parâmetros do processo que afetam a taxa de remoção são: • amplitude de vibração • pressão aplicada à peça • tamanho e material do abrasivo • pressão da mistura abrasivos/água. As Figuras 2.39 a 2.42 mostram o efeito de vários parâmetros sobre a taxa de remoção na usinagem ultrassônica (McGeough, 1988). A elevação da amplitude de vibração e da pressão da ferramenta contra a peça resulta em maior taxa de remoção de material (Figura 2.39). Embora alguns autores tenham relatado que a taxa de remoção de material aumenta com a frequência na faixa de 5 a 20 kHz, a Figura 2.40 mostra que a elevação da frequência de vibração de 19 para 43 kHz resulta na queda da taxa de remoção de material. De acordo com Markov (apud Pandey e Shan, 1980), a taxa de remoção de material é diretamente proporcional à velocidade da partícula abrasiva, ou seja, é proporcional à razão entre amplitude e frequência ressonante. Isto significa que a frequência a ser utilizada para usinagem deve ser a de ressonância para que se obtenha amplitude máxima na ponta da ferramenta e, por conseguinte, máximo aproveitamento do sistema acústico. 43 laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.39: Influência da amplitude de vibração sobre a taxa de remoção na furação de vidro com ferramenta de aço e abrasivo BC. Figura 2.40: Influência da amplitude de vibração sobre a taxa de remoção na furação de aço temperado com ferramenta de aço e abrasivo BC. A Figura 2.41 mostra que o BC é um abrasivo mais eficiente que o SiC devido a dureza mais elevada do primeiro (4200 HV para o BC e 3100 HV para o SiC).e que a eficiência da operação aumenta com a concentração de abrasivo, uma vez que a quantidade de abrasivos disponível para o corte aumenta. Finalmente, a Figura 2.42 ilustra a redução da rugosidade à medida que o tamanho das partículas abrasivas é reduzido. Além disso, valores mais baixos de Ra são obtidos para o aço temperado e mais altos para o vidro, provavelmente devido à maior fragilidade deste. 44 Freqüência: ○ 19 kHz � 24,7 kHz △ 43 kHz Pressão: ○ 0,04 MPa � 0,10 MPa △0,16 MPa � 0,20 MPa laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão Figura 2.41: Influência relativa da concentração sobre a taxa de remoção (○ BC e � SiC). Figura 2.42: Influência do tamanho de grão abrasivo sobre a rugosidade da peça. A exatidão do processo estático depende principalmente do tamanho do grão abrasivo, muito embora o desgaste da ferramenta, a vibração transversal e a profundidade do furo também sejam influentes. A folga entre ferramenta e peça (sobrecorte) varia de 2 a 4 vezes o tamanho médio dos grãos abrasivos e normalmente é maior na superfície de entrada do que na de saída, o que resulta em conicidade do furo. Esta conicidade pode 45 Material da peça: ○ vidro � silício cerâmica � aço temperado laraacm Realce laraacm Realce Processos Não Convencionais de Usinagem Prof. Alexandre Abrão ser reduzida pelo aumento da carga estática (reduzindo assim o tempo de usinagem), redução do desgaste da ferramenta ou redução do tamanho dos abrasivos. Outro aspecto crítico diz respeito à assimetria do furo, que surge devido à vibração transversal da ferramenta quando sua linha de centro não está perpendicular à peça, quando os componentes acústicos da máquina estão desalinhados ou ainda quando a linha de centro da ferramenta está fora do eixo vertical de movimento. Esta assimetria varia de 40 a 120 µm para o vidro e de 20 a 60 µm para a grafita (McGeough, 1988). Valores típicos de rugosidade e tolerâncias dimensionais encontram-se em torno de Ra=0,7 µm e ±0,025 mm, respectivamente. Dentre as vantagens do processo estático destacam-se: • independência das propriedades elétricas da peça • processo seguro • geração de calor muito baixa • indução de tensões residuais compressivas (aumento da resistência à fadiga) • bom acabamento. Por outro lado, citam-se as seguintes desvantagens: • custo de ferramental elevado • necessidade de reposição do abrasivo • baixa taxa de remoção •baixa eficiência contra materiais dúcteis. 46 laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce laraacm Realce
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