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O Conhecimento

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Muitas ideias surgem com distintas posições, mas 
questionamentos já antigos persistem: o que é educação? O que 
é escola? Para que ela serve? A quem atende? 
Entendemos a educação como um conjunto de saberes, 
dos quais fazem parte todo o tipo de conhecimento produzido e 
acumulado pela humanidade, em suas diferentes áreas, seja de 
caráter científico, tecnológico, cultural, ético ou espiritual. 
Para Delval (2001), a educação é a maior invenção da 
humanidade, pois através dela se estabeleceu o principal pilar de 
sobreviência da espécie através do ensino sistemático, o que 
possibilitou ao homem receber o conhecimento acumulado pelas 
gerações anteriores. 
Neste contexto, a escola se configura como uma instituição 
formal para o acesso aos saberes acumulados, produzidos pelas 
gerações passadas e para, a partir destes, produzir e sistematizar 
novos conhecimentos que servirão para balizar o progresso e o 
desenvolvimento das gerações futuras. 
 
 
A finalidade da escola é ensinar a repensar o 
pensamento, a ‘des-saber’ o sabido e a duvidar de sua 
própria dúvida; esta é a única maneira de começar a 
acreditar em alguma coisa. (MAIRENA, apud MORIN, 2003, 
p. 21) 
 
 
Sabemos que ao longo da história, a escola foi sendo 
construída para atender às necessidades de cada época, de cada 
povo e organizada de distintas formas, mas com um ponto em 
comum: reservada a poucos. Uma das formas de organização da 
educação mais conhecida é a da Grécia antiga: 
2| O desenho de novos cenários educacionais: o desafio do conhecimento 
 
 
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A primeira educação realizava-se em casa e era 
encargo de uma espécie de aio ou criado, denominado 
“pedagogo”, que convivia com a criança e tinha como 
missão formá-la nos valores da comunidade e ocupar-
se da aquisição das habilidades básicas, sobretudo das 
sociais. Mais adiante, a criança começava a frequentar 
a escola, onde, sob a tutela do professor, aprendia a 
leitura, a escrita e a matemática. Porém, continuava 
sendo dirigida pelo pedagogo, e a formação que 
recebia deste era considerada mais básica e 
fundamental do que aquela adquirida com o professor. 
(MARROU, 1954, apud DELVAL, 2001, p. 82) 
 
 
 
A partir desta citação podemos extrair os conceitos de 
educação e de instrução. A educação era de responsabilidade da 
família, no entanto, delegava ao pedagogo (muitas vezes um 
escravo) o papel de desenvolver habilidades sociais de 
preparação para a vida e contribuir para a formação do caráter. 
Já a instrução era responsabilidade da escola, desempenhada 
por professores que se dedicavam ao desenvolvimento de 
habilidades e conhecimentos “técnicos” focados na leitura, 
escrita e cálculos. 
Ao depararmo-nos com questionamentos de professores 
acerca de seus reais papéis e os da família no processo 
educacional, lembramos da velha expressão “educação se traz de 
casa”, o que nos remete a esta organização escolar grega que 
não possuía responsabilidades no ensino das questões éticas, 
emocionais e de comportamento. Nesta expressão, coexiste um 
desejo coletivo intrínseco por parte da “escola” de que a família 
assuma, como na sociedade grega antiga, as responsabilidades 
pela educação, reservando a si apenas o papel da instrução. 
Ao estabelecer relações, entendemos que esta primeira 
educação grega, desenvolvida em casa por um pedagogo, foi 
transferida, em nossa sociedade atual, para a escola. A família 
contemporânea tem responsabilidades frente à educação; 
entretanto, como a família grega antiga, delega ao “pedagogo” 
esta tarefa, hoje não mais na casa, mas na escola. E assim, a 
escola recebe constantemente a responsabilidade pela educação 
e pela instrução. Para dar conta desta demanda, aumenta o 
período de escolarização e o tempo de permanência do 
estudante na escola. A tarefa do “pedagogo-professor” 
contemporâneo exige maior qualificação e preparo diante dos 
problemas e situações cada vez mais complexos no ensino. 
 
 
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Em nossa sociedade, teoricamente sabemos o porquê da 
existência da escola e principalmente quais as suas funções 
sociais e a quem ela deveria responder. No entanto, temos 
percebido uma prática distinta e, a partir deste modelo atual de 
escola, mal conseguimos compreender à quais funções sociais 
ela serve. 
A escola, dentro de suas funções sociais, assumiu um 
compromisso grande com a informação, o que condizia com o 
momento histórico, marcado pela escassez de informações e 
quase “ausência” de meios de comunicação. Assim, a estrutura 
pedagógica da escola, por esse e outros motivos, se organizou 
priorizando a informação como principal elemento do seu ensino 
exigindo, como retorno da aprendizagem, a quantidade do que 
se transmitia. Entretanto constata-se que, com os avanços 
científicos e tecnológicos alcançados e com a rapidez com que 
temos acesso à informação, fica a escola comprometida ao 
centralizar seu trabalho pedagógico neste plano, já que a 
disseminação da informação é feita de modo bastante eficiente 
pelos meios de comunicação e interação de que dispusemos, 
atualmente. 
Apesar de acreditar-se que a escola trabalha com o 
conhecimento, questionamos esta afirmativa. Encontramos 
muitas evidências, sem a intenção de generalizar, de que pouco 
se diferencia, na escola, conhecimento de informação. 
A informação pode ser entendida como o conteúdo de 
uma mensagem comunicada a um destinatário. Para um leitor, a 
informação trazida por uma notícia, constitui um conhecimento 
que ele vai agregar aos já existentes em um determinado campo 
do saber. (STIELER, 2009, p. 36). 
Para Morin (2001), a informação pode ser concebida como 
uma partícula, um bit, uma unidade que só adquire sentido se 
integrada a um conhecimento que a organiza. Diariamente 
somos inundados por uma chuva de informações que não 
conseguimos organizar e consequentemente conhecer. 
Conhecimento é aquilo que permite situar a informação, 
contextualizá-la e globalizá-la, ou seja, inserí-la num conjunto. É 
uma organização, não só de informações, como também de 
dados cognitivos. (apud PENA-VEGA; et al, 2001, p. 124) 
O conceito de conhecimento é mais amplo e profundo que 
o de informação. Segundo Merton, é o processo de compreender 
e internalizar as informações recebidas do ambiente, 
combinando-as de forma a gerar mais conhecimento. (apud STIELER, 
2009, p. 37). 
 
 
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Numa tentativa de exemplificar para melhor compreender 
estes conceitos, utilizaremos o aparelho de fax: podemos dizer 
que a maioria das pessoas conhece um aparelho de fax (quase 
em extinção) e sabem sua função – isto seria informação. 
Conhecimento seria saber todo o processo que ocorre na 
transmissão de uma mensagem, desde como se processa a cópia 
(escrita ou ilustrada) e como se dá sua transmissão/recepção 
através de outro aparelho (receptor). Assim, podemos dizer que 
temos apenas a informação sobre o que é o fax, para que serve e 
como utilizá-lo. Teríamos o conhecimento se entendêssemos seu 
processo de funcionamento na totalidade. 
 
[...] na educação, trata-se de transformar as 
informações em conhecimento, de transformar o 
conhecimento em sapiência [...] (MORIN, 2003 p. 47). 
 
 
A partir deste olhar, a escola ao trabalhar com o 
conhecimento, precisa rever toda sua organização, uma vez que 
não poderá priorizar a quantidade de conteúdos,cada vez mais 
numerosos e sim, a qualidade. Sobre isto, Morin muito contribui 
quando nos traz a concepção da “cabeça bem feita e da cabeça 
bem cheia”: 
 
O significado de “uma cabeça bem cheia” é óbvio: é 
uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e 
não dispõe de um princípio de seleção e organização 
que lhe dê sentido. “Uma cabeça bem-feita” significa 
que, em vez de acumular o saber, é mais importante 
dispor ao mesmo tempo de: 
- uma aptidão geral para colocar e tratar problemas; 
- princípios organizadores que permitam ligar os 
saberes e lhes dar sentido. (Idem, p. 21). 
 
 
Precisamos compreender como desenvolver, no estudante, 
as aptidões gerais da mente, pois quanto mais a educação 
favorecer essa aptidão natural para colocar e resolver problemas 
estimulando o emprego da inteligência geral, mais desenvolvida 
ela será e maiores suas capacidades para tratar problemas 
especiais, da sua própria condição e de sua época. O 
desenvolvimento da inteligência geral e o seu pleno emprego 
exigem o livre exercício da faculdade mais comum e mais ativa 
 
 
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na infância e na adolescência, a curiosidade, que muito 
frequentemente é aniquilada. (Idem, p. 22) 
Uma cabeça bem feita é capaz de organizar os 
conhecimentos, interrelacionando-os, dando-lhes sentido e 
contexto, permitindo sempre gerar novos conhecimentos. O 
processo de organização de conhecimentos é circular, 
envolvendo operações de ligação (conjunção, inclusão, 
implicações) e de separação (diferenciação, oposição, seleção, 
exclusão), de análise e síntese, não permitindo que nenhum 
acontecimento, informação ou conhecimento fique fora de seu 
meio, de seu contexto. (Idem, p. 24-25). 
Diante deste cenário, repensar o currículo da escola ainda 
fortemente expresso em “grade curricular” é um processo 
importante. O currículo, organizado em disciplinas2 , ainda traz a 
concepção de “grade3”, tornando mais difícil nos desprender da 
quantidade de conteúdos e do acúmulo de saberes, a fim de 
superarmos essa construção escolar, já ultrapassada. 
Quantos mil campos do saber existem? Por que a escola 
organizou seu programa priorizando menos de uma dezena 
deles? Esse programa consegue atender às necessidades e 
exigências de formação “integral” do ser humano? Como esta 
organização conseguirá inserir as novas descobertas e novos 
conhecimentos que estão transformando o mundo? 
 
Há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave 
entre os saberes separados, fragmentados, 
compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, 
realidades ou problemas cada vez mais 
polidisciplinares, transversais, multidimensionais, 
transnacionais, globais, planetários. (MORIN, 2003, p. 13). 
 
 
Não basta repensarmos a organização pedagógica da 
escola, seu currículo, seus saberes e sua função social se não 
repensarmos urgentemente a função docente e o professor. 
Precisamos pensar quem é o professor, como a sociedade 
o vê e como ele próprio se vê. Sabemos que no Brasil, a função 
docente foi iniciada pelos padres jesuítas, seguidos pelos “irmãos 
e irmãs de fé” da igreja. Como a organização educacional ficou 
 
2
 O termo “disciplina” nos remete à condição submissa a um regime de estudos 
imposto e também à relação de submissão do estudante ao professor. 
3
 Grade curricular traz a concepção de “aprisionamento”, um programa de estudos 
fechado em si mesmo, onde cada integrante, no caso a disciplina, é isolada dos demais 
– sem interação, sem relacionamento. 
 
 
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por muito tempo nas mãos da igreja, padres e freiras tornaram-
se a referência de “professor”, exercendo fortes influências, 
ainda hoje, seja na arquitetura escolar, seja na figura do 
professor. A sociedade aprendeu a conhecer o(a) professor(a) 
como um(a) missionário(a) religioso(a): dedicado ao máximo aos 
outros, sem nada esperar em troca. Tudo se resumia em doação, 
em doar-se. Este perfil missionário e caridoso ficou internalizado 
no “inconsciente coletivo da sociedade” que, década após 
década, não consegue ver o professor como um profissional. A 
função docente, exercida pela sociedade civil, é deixada a cargo 
da figura feminina: a mulher “leiga” torna-se professora, 
carregando o mesmo perfil dos religiosos. Naquele momento 
histórico da mulher – que não tinha direitos, sendo considerada 
inferior e submissa ao homem – ela dificilmente poderia exercer 
outra função fora do “lar”. Para a sociedade machista, a figura da 
“esposa professora”, contribuía para o destaque do homem no 
seu meio, pois ressaltava o quanto “esta” mulher estava mais 
próxima dos pressupostos religiosos e do modelo feminino que 
imperava na época. 
Muitos professores, ainda se veem como “missionários-
caridosos”. Basta perguntarmos sobre suas atividades 
profissionais, que certamente ouviremos muito a resposta: “dou 
aulas”. Isto contribui para que se perpetue a imagem de 
professor-missionário. Esta simples expressão “dou aulas”, pode 
representar, (considerando o contexto de surgimento da função 
no Brasil) que o professor não precisa receber uma remuneração 
mais equiparada aos demais profissionais, pois o 
“reconhecimento” ou recompensa, virá da sua dedicação e da 
sua doação ao próximo, como na época religiosa. 
Ao tentarmos “elevar” o cargo do professor de função 
docente para profissão4, estamos abordando um tema muito 
complexo para a sociedade, para os próprios professores e para 
a estrutura do Estado. Com isso queremos fazer um alerta para 
que o professor conheça mais a fundo sua história, compreenda 
as imagens e autoimagens que carrega e esteja mais atento para 
o que ocorre a sua volta, quando se trata de assuntos da 
profissão. É preciso olhar para as políticas e ações sindicais de 
sua categoria e analisar se o caminho adotado leva ao 
melhoramento futuro. Parece-nos, de longe, que é necessário 
mudar o foco, pois uma sociedade não reconhecerá 
financeiramente o professor e também como um profissional 
chave para o desenvolvimento social, apenas com campanhas 
 
4
 Legalmente, o cargo de professor é designado como uma função e não como uma 
profissão. Se o fosse, existiriam os conselhos da profissão, código de ética, assim como 
os demais instrumentos presentes em profissões devidamente regulamentadas. 
 
 
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salariais ou greves como forma de pressionar governos. É 
necessário mergulhar mais fundo e construir novas bases para 
esta nova etapa da profissão, o que requer muitas discussões, 
que não se esgotam aqui. 
 
Os professores [...] muitas vezes não se sentem 
profissionais, pois não são vistos como tal, seja na 
representação que a sociedade faz deles, seja na 
caracterização das suas situações de trabalho. Ainda 
existe uma forte ideia de que ensinar é tarefa fácil, que 
qualquer pessoa dedicada e paciente pode realizar sem 
grandes dificuldades. Não é considerada a 
complexidade que tal tarefa envolve: necessidade de 
conhecimentos, capacidades e práticas específicas (o 
que de fato configura o ensino como um campo 
profissional). 
A transformação dessa concepção, principalmente por 
parte dos próprios professores, é fator importante 
para a mudança das condições de trabalho e da própria 
organização institucional dos sistemas educativos que 
interferem na qualidade de atuação desses 
profissionais. Por isso programas de formação, por 
natureza transitórios,precisam enfrentar essa questão 
se tiverem como intenção promover mudanças 
permanentes. (CARDOSO, et al. 2007, p. 19) 
 
 
Pensamos exatamente como Neide Nogueira, para quem 
tais mudanças dependem também, e em altíssimo grau, de 
transformações legais, vontade política e condições econômicas. 
É no modo de pensar e na construção da autoimagem dos 
professores que a formação pode intervir. (CARDOSO, et al. 2007, p. 19) 
Assim, torna-se fundamental que o professor se 
compreenda no tempo e no espaço, se construa e reconstrua 
como profissional a fim de promover o melhoramento da 
carreira e da qualidade da educação. 
De igual forma, torna-se fundamental refletirmos, 
profundamente, sobre este segundo “eixo” apresentado como 
determinante no desenho dos novos cenários educacionais: a 
exigência de que a escola trabalhe com o conhecimento, 
representa um desafio grandioso que a atormenta e a faz negá-lo 
devido à falta de clareza sobre esta nova “era” na qual deverá a 
escola entrar, única alternativa para que possa, nos séculos 
futuros, desempenhar um papel central na vida das pessoas e da 
sociedade. 
 
 
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