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Página 12 de 24 NNoovvooss CCeennáárriiooss EEdduuccaacciioonnaaiiss U N Í N T E S E Muitas ideias surgem com distintas posições, mas questionamentos já antigos persistem: o que é educação? O que é escola? Para que ela serve? A quem atende? Entendemos a educação como um conjunto de saberes, dos quais fazem parte todo o tipo de conhecimento produzido e acumulado pela humanidade, em suas diferentes áreas, seja de caráter científico, tecnológico, cultural, ético ou espiritual. Para Delval (2001), a educação é a maior invenção da humanidade, pois através dela se estabeleceu o principal pilar de sobreviência da espécie através do ensino sistemático, o que possibilitou ao homem receber o conhecimento acumulado pelas gerações anteriores. Neste contexto, a escola se configura como uma instituição formal para o acesso aos saberes acumulados, produzidos pelas gerações passadas e para, a partir destes, produzir e sistematizar novos conhecimentos que servirão para balizar o progresso e o desenvolvimento das gerações futuras. A finalidade da escola é ensinar a repensar o pensamento, a ‘des-saber’ o sabido e a duvidar de sua própria dúvida; esta é a única maneira de começar a acreditar em alguma coisa. (MAIRENA, apud MORIN, 2003, p. 21) Sabemos que ao longo da história, a escola foi sendo construída para atender às necessidades de cada época, de cada povo e organizada de distintas formas, mas com um ponto em comum: reservada a poucos. Uma das formas de organização da educação mais conhecida é a da Grécia antiga: 2| O desenho de novos cenários educacionais: o desafio do conhecimento Página 13 de 24 NNoovvooss CCeennáárriiooss EEdduuccaacciioonnaaiiss U N Í N T E S E A primeira educação realizava-se em casa e era encargo de uma espécie de aio ou criado, denominado “pedagogo”, que convivia com a criança e tinha como missão formá-la nos valores da comunidade e ocupar- se da aquisição das habilidades básicas, sobretudo das sociais. Mais adiante, a criança começava a frequentar a escola, onde, sob a tutela do professor, aprendia a leitura, a escrita e a matemática. Porém, continuava sendo dirigida pelo pedagogo, e a formação que recebia deste era considerada mais básica e fundamental do que aquela adquirida com o professor. (MARROU, 1954, apud DELVAL, 2001, p. 82) A partir desta citação podemos extrair os conceitos de educação e de instrução. A educação era de responsabilidade da família, no entanto, delegava ao pedagogo (muitas vezes um escravo) o papel de desenvolver habilidades sociais de preparação para a vida e contribuir para a formação do caráter. Já a instrução era responsabilidade da escola, desempenhada por professores que se dedicavam ao desenvolvimento de habilidades e conhecimentos “técnicos” focados na leitura, escrita e cálculos. Ao depararmo-nos com questionamentos de professores acerca de seus reais papéis e os da família no processo educacional, lembramos da velha expressão “educação se traz de casa”, o que nos remete a esta organização escolar grega que não possuía responsabilidades no ensino das questões éticas, emocionais e de comportamento. Nesta expressão, coexiste um desejo coletivo intrínseco por parte da “escola” de que a família assuma, como na sociedade grega antiga, as responsabilidades pela educação, reservando a si apenas o papel da instrução. Ao estabelecer relações, entendemos que esta primeira educação grega, desenvolvida em casa por um pedagogo, foi transferida, em nossa sociedade atual, para a escola. A família contemporânea tem responsabilidades frente à educação; entretanto, como a família grega antiga, delega ao “pedagogo” esta tarefa, hoje não mais na casa, mas na escola. E assim, a escola recebe constantemente a responsabilidade pela educação e pela instrução. Para dar conta desta demanda, aumenta o período de escolarização e o tempo de permanência do estudante na escola. A tarefa do “pedagogo-professor” contemporâneo exige maior qualificação e preparo diante dos problemas e situações cada vez mais complexos no ensino. Página 14 de 24 NNoovvooss CCeennáárriiooss EEdduuccaacciioonnaaiiss U N Í N T E S E Em nossa sociedade, teoricamente sabemos o porquê da existência da escola e principalmente quais as suas funções sociais e a quem ela deveria responder. No entanto, temos percebido uma prática distinta e, a partir deste modelo atual de escola, mal conseguimos compreender à quais funções sociais ela serve. A escola, dentro de suas funções sociais, assumiu um compromisso grande com a informação, o que condizia com o momento histórico, marcado pela escassez de informações e quase “ausência” de meios de comunicação. Assim, a estrutura pedagógica da escola, por esse e outros motivos, se organizou priorizando a informação como principal elemento do seu ensino exigindo, como retorno da aprendizagem, a quantidade do que se transmitia. Entretanto constata-se que, com os avanços científicos e tecnológicos alcançados e com a rapidez com que temos acesso à informação, fica a escola comprometida ao centralizar seu trabalho pedagógico neste plano, já que a disseminação da informação é feita de modo bastante eficiente pelos meios de comunicação e interação de que dispusemos, atualmente. Apesar de acreditar-se que a escola trabalha com o conhecimento, questionamos esta afirmativa. Encontramos muitas evidências, sem a intenção de generalizar, de que pouco se diferencia, na escola, conhecimento de informação. A informação pode ser entendida como o conteúdo de uma mensagem comunicada a um destinatário. Para um leitor, a informação trazida por uma notícia, constitui um conhecimento que ele vai agregar aos já existentes em um determinado campo do saber. (STIELER, 2009, p. 36). Para Morin (2001), a informação pode ser concebida como uma partícula, um bit, uma unidade que só adquire sentido se integrada a um conhecimento que a organiza. Diariamente somos inundados por uma chuva de informações que não conseguimos organizar e consequentemente conhecer. Conhecimento é aquilo que permite situar a informação, contextualizá-la e globalizá-la, ou seja, inserí-la num conjunto. É uma organização, não só de informações, como também de dados cognitivos. (apud PENA-VEGA; et al, 2001, p. 124) O conceito de conhecimento é mais amplo e profundo que o de informação. Segundo Merton, é o processo de compreender e internalizar as informações recebidas do ambiente, combinando-as de forma a gerar mais conhecimento. (apud STIELER, 2009, p. 37). Página 15 de 24 NNoovvooss CCeennáárriiooss EEdduuccaacciioonnaaiiss U N Í N T E S E Numa tentativa de exemplificar para melhor compreender estes conceitos, utilizaremos o aparelho de fax: podemos dizer que a maioria das pessoas conhece um aparelho de fax (quase em extinção) e sabem sua função – isto seria informação. Conhecimento seria saber todo o processo que ocorre na transmissão de uma mensagem, desde como se processa a cópia (escrita ou ilustrada) e como se dá sua transmissão/recepção através de outro aparelho (receptor). Assim, podemos dizer que temos apenas a informação sobre o que é o fax, para que serve e como utilizá-lo. Teríamos o conhecimento se entendêssemos seu processo de funcionamento na totalidade. [...] na educação, trata-se de transformar as informações em conhecimento, de transformar o conhecimento em sapiência [...] (MORIN, 2003 p. 47). A partir deste olhar, a escola ao trabalhar com o conhecimento, precisa rever toda sua organização, uma vez que não poderá priorizar a quantidade de conteúdos,cada vez mais numerosos e sim, a qualidade. Sobre isto, Morin muito contribui quando nos traz a concepção da “cabeça bem feita e da cabeça bem cheia”: O significado de “uma cabeça bem cheia” é óbvio: é uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido. “Uma cabeça bem-feita” significa que, em vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmo tempo de: - uma aptidão geral para colocar e tratar problemas; - princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido. (Idem, p. 21). Precisamos compreender como desenvolver, no estudante, as aptidões gerais da mente, pois quanto mais a educação favorecer essa aptidão natural para colocar e resolver problemas estimulando o emprego da inteligência geral, mais desenvolvida ela será e maiores suas capacidades para tratar problemas especiais, da sua própria condição e de sua época. O desenvolvimento da inteligência geral e o seu pleno emprego exigem o livre exercício da faculdade mais comum e mais ativa Página 16 de 24 NNoovvooss CCeennáárriiooss EEdduuccaacciioonnaaiiss U N Í N T E S E na infância e na adolescência, a curiosidade, que muito frequentemente é aniquilada. (Idem, p. 22) Uma cabeça bem feita é capaz de organizar os conhecimentos, interrelacionando-os, dando-lhes sentido e contexto, permitindo sempre gerar novos conhecimentos. O processo de organização de conhecimentos é circular, envolvendo operações de ligação (conjunção, inclusão, implicações) e de separação (diferenciação, oposição, seleção, exclusão), de análise e síntese, não permitindo que nenhum acontecimento, informação ou conhecimento fique fora de seu meio, de seu contexto. (Idem, p. 24-25). Diante deste cenário, repensar o currículo da escola ainda fortemente expresso em “grade curricular” é um processo importante. O currículo, organizado em disciplinas2 , ainda traz a concepção de “grade3”, tornando mais difícil nos desprender da quantidade de conteúdos e do acúmulo de saberes, a fim de superarmos essa construção escolar, já ultrapassada. Quantos mil campos do saber existem? Por que a escola organizou seu programa priorizando menos de uma dezena deles? Esse programa consegue atender às necessidades e exigências de formação “integral” do ser humano? Como esta organização conseguirá inserir as novas descobertas e novos conhecimentos que estão transformando o mundo? Há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários. (MORIN, 2003, p. 13). Não basta repensarmos a organização pedagógica da escola, seu currículo, seus saberes e sua função social se não repensarmos urgentemente a função docente e o professor. Precisamos pensar quem é o professor, como a sociedade o vê e como ele próprio se vê. Sabemos que no Brasil, a função docente foi iniciada pelos padres jesuítas, seguidos pelos “irmãos e irmãs de fé” da igreja. Como a organização educacional ficou 2 O termo “disciplina” nos remete à condição submissa a um regime de estudos imposto e também à relação de submissão do estudante ao professor. 3 Grade curricular traz a concepção de “aprisionamento”, um programa de estudos fechado em si mesmo, onde cada integrante, no caso a disciplina, é isolada dos demais – sem interação, sem relacionamento. Página 17 de 24 NNoovvooss CCeennáárriiooss EEdduuccaacciioonnaaiiss U N Í N T E S E por muito tempo nas mãos da igreja, padres e freiras tornaram- se a referência de “professor”, exercendo fortes influências, ainda hoje, seja na arquitetura escolar, seja na figura do professor. A sociedade aprendeu a conhecer o(a) professor(a) como um(a) missionário(a) religioso(a): dedicado ao máximo aos outros, sem nada esperar em troca. Tudo se resumia em doação, em doar-se. Este perfil missionário e caridoso ficou internalizado no “inconsciente coletivo da sociedade” que, década após década, não consegue ver o professor como um profissional. A função docente, exercida pela sociedade civil, é deixada a cargo da figura feminina: a mulher “leiga” torna-se professora, carregando o mesmo perfil dos religiosos. Naquele momento histórico da mulher – que não tinha direitos, sendo considerada inferior e submissa ao homem – ela dificilmente poderia exercer outra função fora do “lar”. Para a sociedade machista, a figura da “esposa professora”, contribuía para o destaque do homem no seu meio, pois ressaltava o quanto “esta” mulher estava mais próxima dos pressupostos religiosos e do modelo feminino que imperava na época. Muitos professores, ainda se veem como “missionários- caridosos”. Basta perguntarmos sobre suas atividades profissionais, que certamente ouviremos muito a resposta: “dou aulas”. Isto contribui para que se perpetue a imagem de professor-missionário. Esta simples expressão “dou aulas”, pode representar, (considerando o contexto de surgimento da função no Brasil) que o professor não precisa receber uma remuneração mais equiparada aos demais profissionais, pois o “reconhecimento” ou recompensa, virá da sua dedicação e da sua doação ao próximo, como na época religiosa. Ao tentarmos “elevar” o cargo do professor de função docente para profissão4, estamos abordando um tema muito complexo para a sociedade, para os próprios professores e para a estrutura do Estado. Com isso queremos fazer um alerta para que o professor conheça mais a fundo sua história, compreenda as imagens e autoimagens que carrega e esteja mais atento para o que ocorre a sua volta, quando se trata de assuntos da profissão. É preciso olhar para as políticas e ações sindicais de sua categoria e analisar se o caminho adotado leva ao melhoramento futuro. Parece-nos, de longe, que é necessário mudar o foco, pois uma sociedade não reconhecerá financeiramente o professor e também como um profissional chave para o desenvolvimento social, apenas com campanhas 4 Legalmente, o cargo de professor é designado como uma função e não como uma profissão. Se o fosse, existiriam os conselhos da profissão, código de ética, assim como os demais instrumentos presentes em profissões devidamente regulamentadas. Página 18 de 24 NNoovvooss CCeennáárriiooss EEdduuccaacciioonnaaiiss U N Í N T E S E salariais ou greves como forma de pressionar governos. É necessário mergulhar mais fundo e construir novas bases para esta nova etapa da profissão, o que requer muitas discussões, que não se esgotam aqui. Os professores [...] muitas vezes não se sentem profissionais, pois não são vistos como tal, seja na representação que a sociedade faz deles, seja na caracterização das suas situações de trabalho. Ainda existe uma forte ideia de que ensinar é tarefa fácil, que qualquer pessoa dedicada e paciente pode realizar sem grandes dificuldades. Não é considerada a complexidade que tal tarefa envolve: necessidade de conhecimentos, capacidades e práticas específicas (o que de fato configura o ensino como um campo profissional). A transformação dessa concepção, principalmente por parte dos próprios professores, é fator importante para a mudança das condições de trabalho e da própria organização institucional dos sistemas educativos que interferem na qualidade de atuação desses profissionais. Por isso programas de formação, por natureza transitórios,precisam enfrentar essa questão se tiverem como intenção promover mudanças permanentes. (CARDOSO, et al. 2007, p. 19) Pensamos exatamente como Neide Nogueira, para quem tais mudanças dependem também, e em altíssimo grau, de transformações legais, vontade política e condições econômicas. É no modo de pensar e na construção da autoimagem dos professores que a formação pode intervir. (CARDOSO, et al. 2007, p. 19) Assim, torna-se fundamental que o professor se compreenda no tempo e no espaço, se construa e reconstrua como profissional a fim de promover o melhoramento da carreira e da qualidade da educação. De igual forma, torna-se fundamental refletirmos, profundamente, sobre este segundo “eixo” apresentado como determinante no desenho dos novos cenários educacionais: a exigência de que a escola trabalhe com o conhecimento, representa um desafio grandioso que a atormenta e a faz negá-lo devido à falta de clareza sobre esta nova “era” na qual deverá a escola entrar, única alternativa para que possa, nos séculos futuros, desempenhar um papel central na vida das pessoas e da sociedade. Página 2 de 24 NNoovvooss CCeennáárriiooss EEdduuccaacciioonnaaiiss U N Í N T E S E EXPEDIENTE Uníntese | UnínteseVirtual Pedro Stieler Diretor Presidente Mara Regina Escobar Diretora Vice-Presidente Maria Bernardete Bechler Diretora Pedagógica Cristiane da Silva Evangelista Diretora de Administração e Finanças Carmem Regina dos Santos Ferreira Diretora de Marketing Novos Cenários Educacionais e a necessidade de olhar para as diferenças Diretos Autorais reservados à UNÍNTESE Pedro Stieler Coordenação Geral Maria Bernardete Bechler Coordenação Pedagógica Pedro Luiz Stieler Texto Maria Denise Uggeri (Pedagógico) Rosane Stieler (Administrativo-Operacional) Tatiane da Silva Campos (Acessibilidade) Willian Dourado Teixeira (Tecnologia) Vanessa Immich (Design Instrucional) Equipe Técnica | Produção 2011
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