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Amebíase (Entamoeba histolytica/ Entamoeba díspar) Introdução A Entamoeba histolytica é o agente etiológico da Amebíase, importante problema de saúde pública que leva ao óbito anualmente cerca de 100.000 pessoas, constando a segunda causa de mortes por parasitoses. Apesar da alta mortalidade, muitos casos de infecções assintomáticas são registrados. No início do século XX, estimava- se que cerca de 12% da população mundial portavam o parasito em seu trato intestinal, mas destes, somente 10% apresentavam sintomas da doença. Este elevado número íe assintomáticos fez Brumpt, em 1925, sugerir a existencia de outra espécie de ameba, E. dispar, infectando assintomáticos. Esta hipótese foi rejeitada pela maioria Dcs pesquisadores na época, que acreditavam que a grande habilidade de virulência da E. histolistica respondia por aquele quadro. Porém, na década de 1980 começa-se a acumular-se dados que davam suporte à hipótese st Brumpt. Inicialmente, estudos do perfil isoenzimático esses protozoários revelaram diferenças entre amebas. Ciclo Patogênico Em situações que não estão bem conhecidas, o equilíbrio parasito-hospedeiro pode ser rompido e os trofozoítos invadem a submucosa intestinal, multiplicando-se ativamente no interior das úlceras e podem, através da circulação porta, atingir outros órgãos, como o fígado e, posteriormente, o pulmão, o rim, o cérebro ou a pele, causando amebíase extraintestinal. O trofozoíto presente nestas úlceras é denominado forma invasiva ou virulenta. Na intimidade tissular, não forma cistos, são hematófagos e muito ativos. Transmissão O mecanismo de transmissão ocorre pela ingestão de cistos maduros em alimentos (sólidos ou líquidos). O uso de água sem tratamento, contaminada por dejetos humanos, é um modo frequente de contaminação; ingestão de alimentos contaminados (verduras cruas - alface, agrião; frutas - morango) é importante veículo de cistos. Alimentos também podem ser contaminados por cistos veiculados nas patas de baratas e moscas (essas também são capazes de regurgitar cistos anteriormente ingeridos). Além disso, falta de higiene domiciliar pode facilitar a disseminação de cistos dentro da família. Os “portadores assintomáticos” que manipulam alimentos são importantes disseminadores dessa protozoose. Patogenia e Virulência Amebíase é a infecção do homem causada pela Entamoeba histolytica, com ou sem manifestação clínica. Um dos mais intrigantes aspectos da biologia dessa ameba é sua inexplicada variabilidade quanto ao potencial patogênico e à diferença de virulência. Este fato parece estar diretamente ligado à natureza de fatores que determinam a virulência do parasito, principalmente o que faz mudá-lo de um tipo comensal para um agressivo, invasor. Parece que o início da invasão amebiana é resultante da ruptura ou quebra do equilíbrio parasito-hospedeiro, em favor do parasito. São inúmeros os fatores ligados ao hospedeiro: localização geográfica, sexo, idade, resposta imune, estado nutricional, dieta, alcoolismo, clima e hábitos sexuais. Dentre os fatores diretamente ligados ao meio onde as amebas vivem, destaca-se a microbiota bacteriana associada. Determinadas bactérias, principalmente anaeróbicas, são capazes de potencializar a virulência de cepas de E. histolytica, cujos mecanismos envolvidos nesta interação são ainda especulativos. Dentre estas bactérias encontram- se várias cepas de Escherichia coli, Salmonella, Shiguela, Enterobacter e Clostridium. Outros fatores, como o colesterol, passagens sucessivas em diversos hospedeiros ou reinfecções sucessivas, podem aumentar a sua virulência. Com relação ao parasito, sabe-se que a evolução da patogenia ocorre após a invasão dos tecidos pelos trofozoítos invasivos e virulentos. Os mecanismos dessa invasão não estão ainda totalmente esclarecidos. Tudo indica que a E. histolytica tem um efeito letal direto sobre a célula, necessitando, para isso, que haja inicialmente uma forte adesão entre a ameba e a célula que será lesada (Figura 15.4). Esta adesão parece estar mediada por lectinas contidas na superfície das amebas, sendo auxiliadas por formações filopódicas que ampliam a adesão, logo seguida pela fagocitose. A lectina Gal/GalNac se destaca na adesão da ameba à célula-alvo. Uma vez vencida a barreira epitelial, os movimentos ameboides e a liberação de enzimas proteolíticas (hialuronidases, proteases e mucopolissacaridases) favorecem a progressão e a destruição dos tecidos. Dentre as muitas enzimas produzidas por E. histolytica, as cisteíno proteases constituem importantes efetoras da lesão tecidual. Outra ferramenta usada pela E. histolytica para lesionar os tecidos são os amebaporos, induzindo apoptose e lise osmótica da célula- alvo. Parece que a ameba tem certa dificuldade em penetrar na mucosa intestinal intacta, havendo fortes indicações de que penetre inicialmente nas regiões intraglandulares. Uma vez invadida a mucosa, os trofozoítos se multiplicam e prosseguem penetrando nos tecidos sob a forma de microulcerações em direção à muscularis mucosae, com escassa reação inflamatória. Na submucosa, as amebas podem progredir em todas as direções, determinando inicialmente a típica ulceração chamada “botão de camisa” ou “colo de garrafa”. Estas são resultado da necrose liquefativa produzida inicialmente pelas amebas, podendo haver invasão bacteriana secundária, agravando a lesão. As lesões amebianas são mais frequentes no ceco e na região retossigmoidiana. As úlceras variam muito em tamanho e forma e podem estender-se a grandes proporções do intestino grosso com comprometimento de toda a parede intestinal com consequente perfuração levando à peritonite fecal. Ocasionalmente, os trofozoítos podem induzir uma resposta inflamatória proliferativa com formação de uma massa granulomatosa, chamada “ameboma”. Essa formação não é comum na amebíase. As amebas podem penetrar nos vasos sanguíneos e, através da circulação porta, atingir primeiramente o fígado, que é o principal órgão com acometimento extraintestinal, formando “abscessos” ou, mais propriamente, necrose coliquativa. Podem também atingir o pulmão e mais raramente o cérebro. Atingem ainda, em certas circunstâncias, a pele e as regiões anal ou vaginal iperíneo). Epidemiologia Estima-se que existam cerca de 650 milhões de pessoas i j mundo infectadas com a E. histolytica/E. dispar, das :-ais 10% apresentam formas invasoras, isto é, alterações - lestinais ou extraintestinais, seguramente produzidas :<i iE . histolytica. Estudos recentes, usando metodologias —•: leculares para identificar as duas espécies, sugerem que i E. dispar seja dez vezes mais frequente em portadores assintomáticos em países em desenvolvimento. Apesar cr rrevalência ser maior nas regiões tropicais e subtropi- cacs. talvez isto não se deva mais às precárias condições 5e higiene, educação sanitária e alimentação dos povos s abdesenvolvidos dessas regiões do que propriamente ao clima, uma vez que nos países de clima frio, com baixas condições higiênicas, a prevalência também é alta. Quanto à patogenicidade, a E. histolytica também apresenta um comportamento muito diferente nas várias regiões do globo, observando-se um confinamento da roença sintomática. Talvez fatores de virulência do parasito possam explicar este comportamento. Dentre estes fatores encontram-se as enzimas proteolíticas amebianas. Foram identificados 86 genes de peptidases em E. histolytica, sendo que, destes, 50 de cisteíno, dez de serino, quatro de aspártico e 20 de metaloenzimas. Até o presente, com base na mobilidade eletroforética de isoenzimas, foram identificadas em quatro continentes sete zimodemaspotencialmente patogênicas. No Brasil, a infecção por E. histolytica/E.dispar apresenta grande diversidade no número de indivíduos infectados ou com sintomatologia da doença, variando de região para região. No Sul e Sudeste do país, a prevalência varia de 2,5 a 11%, na região Amazônica atinge até 19%, e nas demais regiões fica em tomo de 10%. Há, no entanto, uma variação muito grande da incidência da doença, de acordo com as condições sanitárias e socioeconômicas da população, principalmente com relação às condições de habitação, presença de esgotos e água tratada. Os surtos de amebíase no Brasil não apresentam a gravidade e a intensidade dos verificados no México, de alguns países da África e da Ásia. Predominam aqui as formas de colites não disentéricas e os casos assintomáticos. Na região Amazônica, a amebíase difere das outras regiões do país, pois, além de ser mais prevalente, manifesta-se com mais gravidade. São frequentes as formas disentéricas e os abscessos hepáticos, que, por sua vez, são raros em outras regiões, principalmente Sudeste e Sul do país. Em estudos feitos em crianças hospitalizadas no Instituto de Medicina Tropical em Manaus, durante os anos de 1983 a 1986, 11,1% das crianças apresentaram abscessos hepáticos amebianos. A epidemiologia da amebíase é muito variável de país para país. Entretanto, alguns aspectos são comuns: • transmissão oral através de ingestão de cistos nos alimentos e na água; • a E. histolytica é endêmica em todas as áreas de sua distribuição, não causando epidemias; • apesar de poder atingir todas as idades, é mais frequente nos adultos; • algumas profissões são mais atingidas (trabalhadores de esgoto etc.); • coelhos, gatos, cães, porcos e primatas são os animais sensíveis à E. histolytica. Entre estes, o cão, o porco e algumas espécies de macacos foram encontrados infectados naturalmente por espécies de amebas morfologicamente iguais à E. histolytica. Talvez os macacos possam funcionar como fontes de infecção para a amebíase humana. Entretanto, os “portadores assintomáticos” é que são os principais responsáveis pela contaminação de alimentos e disseminação de cistos; • os cistos permanecem viáveis (ao abrigo da luz solar e em condições de umidade) durante cerca de 20 dias. Profilaxia Está intimamente ligada à engenharia e à educação sanitária. Contudo, mesmo nos países desenvolvidos, ainda encontramos grande disseminação da E. histolytica, indicando ser o “portador assintomático” o grande responsável pela manutenção do parasito no ambiente. Portanto, seria de grande valia o exame frequente dos “manipuladores de alimentos” para a detecção e o tratamento de algum possível “portador assintomático” que estivesse atuando como fonte de infecção. Entretanto, isto só será alcançado após uma intensa e extensa campanha de educação sanitária, envolvendo-se todo o pessoal responsável pela área de saúde pública. Este pessoal terá como função básica a orientação da população em geral, e, particularmente, dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental que serão os grandes elementos divulgadores. Aliás, em todo e qualquer serviço de educação sanitária, estes professores têm um papel fundamental na divulgação do saber e na preparação do espírito da juventude que se forma. Outro fator profilático importante é o combate às moscas, especialmente a Musca doméstica e a Chrysomya sp., que frequentam lixos, dejetos humanos e também alimentos dentro das casas. Como profilaxia no ambiente doméstico, é possível evitar a ingestão de cistos viáveis procurando lavar bem e tratar todos os alimentos crus. As verduras devem ser mergulhadas por 15 minutos numa solução de 0,3 g de permanganato de potássio para 10 litros de água ou três gotas de iodo por litro de água. Com esse procedimento, os cistos morrem. Em seguida, lavam-se as verduras em água corrente, limpa. A OMS sugere, ainda, como profilaxia para várias doenças, que “ em uma comunidade com pequeno recurso financeiro, todo ele deve ser aplicado em saneamento básico”. A vacina contra E. histolytica tem sido avaliada em animais de laboratório, com experimentos apresentando relativo sucesso. Vacinas de DNA e proteínas, principalmente a lectina Gal/GalNAc, associadas ou não, têm se mostrado protetoras em desafios subsequentes. Referências: NEVES, D. P. Parasitologia humana - 13. ed. São Paulo. Editora Atheneu 2016.
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