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Por que chefs de cozinha estão abrindo mão de suas estrelas Michelin Autora: Juliana Domingos de Lima Classificação do guia gastronômico francês premia restaurantes pelo mundo e é referência na área, mas tem sido rejeitada por alguns cozinheiros Foram três somente em 2017. E, desde o início dos anos 2000, já são quase dez os chefs renomados que anunciaram desejar “devolver” as estrelas atribuídas a seus respectivos restaurantes pelo Guia Michelin. O anuário francês confere uma, duas ou três estrelas e enorme prestígio internacional aos estabelecimentos. A primeira edição do guia criado por André Michelin é de 1900. A Michelin, fábrica de pneus, lançou o guia para incentivar uma cultura automobilística que apenas começava a se formar. Somente em 1931, foi estabelecida a classificação em estrelas. Na época, a avaliação se restringia aos restaurantes franceses. Depois, com a competição de outras publicações do gênero, o Michelin se renovou, e passou a lançar edições estrangeiras, estendendo as categorias a restaurantes de outros países. As avaliações, feitas por críticos anônimos, correspondem, em tradução livre, a: uma estrela: restaurante muito bom na categoria à qual pertence, vale a ida duas estrelas: cozinha excelente, vale um desvio da rota para visitá-lo três estrelas: cozinha excepcional, vale viajar especificamente para conhecer O caso mais recente de rejeição da cotação dada pelo Michelin é o do fechamento da casa estrelada do chef André Chiang, o Restaurant Andre, em Cingapura. Chiang anunciou que irá fechar as portas em fevereiro de 2018. Em uma carta publicada no site do restaurante, o chef diz que “gostaria de devolver gentilmente” as estrelas Michelin e “também de pedir para não ser incluído na edição de 2018 do Guia Michelin Cingapura”. Mais adiante, ele solicita, ainda, que seu outro restaurante, “RAW”, localizado na capital de Taiwan, não seja incluído na avaliação do guia conforme ele expande sua atuação na Ásia, por esperar “que o RAW seja um lugar puro onde eu possa focar em educar, no desenvolvimento dos outros e em cozinhar depois da minha aposentadoria do Restaurant Andre”. Muita pressão Na primeira semana de janeiro de 2017, a chef belga Karen Keygnaert do restaurante A'Qi, localizado na região de Flandres, no norte da Bélgica, solicitou não ter mais a estrela concedida ao restaurante em 2011. Ela era a única chef da região a ter uma estrela. Para ela, a atribuição traz consigo um “circo ultrapassado” e se tornou mais uma maldição do que uma bênção, segundo disse em entrevista ao Munchies, canal de notícias sobre comida da Vice. Ela fez, ainda, críticas ao Guia Michelin, dizendo que é uma instituição fechada, nada transparente e intocável. Keygnaert abriu um novo restaurante, chamado Cantine Copine, cuja equipe é formada por mulheres e onde ela não quer ter que lidar com as estrelas. Em setembro, Sébastien Bras, um dos chefs mais elogiados da França, requisitou que suas três estrelas fossem retiradas. Seu restaurante, Le Suquet, conseguiu mantê-las durante quase 20 anos e foi fundado pelo pai de Sébastien, Michel Bras, em 1992. Segundo o guia, foi a primeira vez que um chef francês solicitou não ter as estrelas, sem ter planos de fazer uma grande mudança no negócio. Ele declarou que as estrelas submetem os restaurantes a um belo desafio, mas, ao mesmo tempo, a uma grande pressão. “Hoje, desejamos ter o espírito livre para continuar serenamente, sem tensão, a manter viva nossa casa com uma cozinha, uma recepção e um atendimento que sejam a expressão de nosso estado de espírito, do nosso território”. Mas, apesar da renúncia às estrelas continuar causando espanto no meio gastronômico, a decisão foi tomada pela primeira vez por um chef há quase 20 anos, em 1999. Naquele ano, o inglês Marco Pierre White abriu mão da honraria. Em uma entrevista de 2015 ao jornal The Guardian, ele falou com desdém dos inspetores responsáveis por avaliar restaurantes pelo Michelin, afirmando que eles tinham menos conhecimento do que ele e que foi fácil abandonar as estrelas, às quais não dava valor. Em 2005, um dos pais da nova cozinha francesa, Lucas Carton, fez o mesmo e disse ao jornal americano The New York Times que, após 30 anos de trabalho, queria se divertir, e não mais alimentar seu ego. O espanhol Julio Biosca, desapegou da classificação em 2014 por considerar que as estrelas são uma camisa de força para a criatividade dos chefs. Uma opção dos já consagrados “Podemos viver sem as estrelas, mas vivemos bem melhor com elas”, diz o chef francês Alain Ducasse. A frase sugere a enorme mudança que a presença no guia vermelho provoca na vida de um restaurante. Profissionais da gastronomia afirmam que o simples fato de um restaurante constar no guia aumenta em 30% o movimento. “A estrela para nós foi importantíssima, um marco, há um antes e depois dela”, disse ao Nexo Gabriel Matteuzzi, chef do restaurante paulistano Tête-à-Tête, que conta com uma estrela do guia na edição nacional da publicação. O Michelin avalia restaurantes do Rio e de São Paulo, anualmente, desde 2015. Matteuzzi trabalhou no restaurante de Michel e Sébastien Bras, na França. “Acho abdicar da estrela uma atitude bem corajosa, mas restaurantes como o de Sébastien Bras já cumpriram seu papel, [ele] conseguiu manter as estrelas por quase 20 anos. A decisão é de seguir fazendo o trabalho, mas sem a pressão de que possa aparecer um inspetor”, disse. No Tête-à-Tête, segundo ele, abdicar da estrela não passa pela cabeça em nenhum momento. “Nosso restaurante é muito jovem, tem três anos, ganhamos nossa estrela no primeiro ano de vida, e conseguimos mantê-la. Ainda tem muito chão pela frente antes de poder tomar uma decisão desse tipo”. Matteuzzi conta de um chef francês, não identificado, que recusou a estrela antes mesmo de recebê-la. “Ele disse ‘ganhar, a gente já sabe tudo que comporta. Perder é complicado’. Ele não queria viver com esse peso nas costas, com a tensão de ganhar ou perder”. Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/10/12/Por-que-chefs-de-cozinha- est%C3%A3o-abrindo-m%C3%A3o-de-suas-estrelas-Michelin