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Autora: Profa. Najla Mahmoud Kamel Colaboradoras: Profa. Mônica Teixeira Profa. Ronilda Ribeiro Psicologia Aplicada à Nutrição Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Professora conteudista: Najla Mahmoud Kamel Graduada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e em Psicologia pela Universidade Paulista (UNIP). Mestra e doutora em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Especialização em Avaliação do Ensino Superior pela Universidade de Brasília (UnB) e em Ensino a Distância pela UNIP. Uma das autoras do livro Da Cultura de Provas para a Cultura de Avaliação e conteudista dos livros-texto Psicologia do Consumidor e Psicologia Econômica (EaD/UNIP). Atualmente, é professora titular da UNIP/SP das disciplinas Psicologia Aplicada à Nutrição; Psicologia do Consumidor; Psicologia Aplicada à Fisioterapia; Psicologia Jurídica; Estatística Aplicada; Bioestatística; Direitos Humanos; Pesquisa de Mercado; Responsabilidade Social; e Tópicos de Atuação Profissional. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) K15p Kamel, Najla Mahmoud. Psicologia Aplicada à Nutrição / Najla Mahmoud Kamel - São Paulo: Editora Sol, 2019. 96 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-094/19, ISSN 1517-9230. 1. Distúrbios alimentares. 2. Distúrbios psicossomáticos. 3. Deficiência de nutrição. I. Título. CDU 159.9:613.2 U501.77 – 19 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Juliana Muscovick Vitor Andrade Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Sumário Psicologia Aplicada à Nutrição APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA .................................................................................................................. 11 1.1 Psicanálise ............................................................................................................................................... 16 1.2 Behaviorismo ......................................................................................................................................... 22 1.3 Gestalt ....................................................................................................................................................... 26 1.4 Psicologia cognitiva ............................................................................................................................ 29 1.5 Psicologia humanista .......................................................................................................................... 32 1.6 Psicologia do desenvolvimento ...................................................................................................... 36 1.7 Psicologia social .................................................................................................................................... 39 2 PERSONALIDADE E MOTIVAÇÃO ............................................................................................................... 41 2.1 Personalidade ......................................................................................................................................... 41 2.2 Motivação ................................................................................................................................................ 43 3 PERCEPÇÃO ....................................................................................................................................................... 46 4 COMPORTAMENTOS DIVERGENTES ......................................................................................................... 47 4.1 Neuroses ................................................................................................................................................... 47 4.2 Psicoses ..................................................................................................................................................... 49 4.3 Perversões ................................................................................................................................................ 50 Unidade II 5 DISTÚRBIOS DA ALIMENTAÇÃO ................................................................................................................. 54 5.1 Anorexia nervosa .................................................................................................................................. 56 5.2 Bulimia nervosa .................................................................................................................................... 58 5.3 Vigorexia .................................................................................................................................................. 59 5.4 Comer compulsivo ............................................................................................................................... 60 5.5 Ortorexia .................................................................................................................................................. 61 5.6 Drunkorexia ............................................................................................................................................ 61 5.7 Obesidade ................................................................................................................................................ 61 6 O ESTRESSE E AS DEFICIÊNCIAS DE NUTRIÇÃO .................................................................................. 67 6.1 Estresse ..................................................................................................................................................... 67 6.2 Burnout .................................................................................................................................................... 71 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a 6.3 Deficiências de nutrição ....................................................................................................................73 7 DISTÚRBIOS PSICOSSOMÁTICOS .............................................................................................................. 74 7.1 Sistema digestório ............................................................................................................................... 75 8 DEPRESSÃO E ALTERAÇÕES ALIMENTARES .......................................................................................... 79 7 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a APRESENTAÇÃO O objetivo geral desta disciplina é compreender o que é psicologia, seus principais conceitos e como ela se relaciona com a nutrição. Vamos entender como a percepção, personalidade e afetividade das pessoas (seres psicossociais) determinam a relação indissociável entre o comportamento e suas consequências. Nesse sentido, serão abordados temas importantes para o profissional da área de nutrição. Inicialmente, traçaremos um breve panorama de como a psicologia se desenvolveu como ciência. Em seguida, serão apresentadas as principais teorias psicológicas, seus conceitos e a importância da personalidade, motivação e percepção. Verificaremos também quais são os comportamentos divergentes, como as neuroses, psicoses e perversões. Posteriormente, vamos descrever os principais distúrbios alimentares, assim como o conceito de estresse, as deficiências nutricionais, os distúrbios psicossomáticos e, finalmente, como a depressão provoca alterações alimentares. Por fim, será possível compreender a importância do equilíbrio psicossomático na constituição do ser saudável. Bom trabalho! INTRODUÇÃO A disciplina Psicologia Aplicada à Nutrição é importante para as diversas áreas profissionais que são comprometidas com a alimentação. Entender o comportamento do outro proporciona maior segurança na tomada de decisões. Para Vivilaine Maturana (2010): “O ato de comer, muitas vezes, estava relacionado a diversas questões do âmbito social, estético e emocional, e como estas áreas se encontram quando o olhar sobre as partes dá lugar à complexidade do todo” (MATURANA, 2010, p. 219). A esse respeito, Massimo Montanari (2013) afirma que: A comida para os seres humanos é sempre cultura, lembra Montanari, nunca apenas pura natureza. A humanidade adotou como parte essencial de suas técnicas de sobrevivência os modos de produção, de preparação e de consumo dos alimentos, desde o conhecimento sobre as plantas comestíveis até o uso do fogo como principal artifício para transformar o alimento bruto em um produto cultural, ou seja, em comida. A cozinha, assim, funda a própria civilização. [...] Comida é cultura quando consumida, porque o homem, embora podendo comer de tudo, ou talvez justamente por isso, na verdade não come 8 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a qualquer coisa, mas escolhe a própria comida, com critérios ligados tanto às dimensões econômicas e nutricionais do gesto quanto aos valores simbólicos de que a própria comida se reveste. Por meio de tais percursos, a comida se apresenta como elemento decisivo da identidade humana e como um dos mais eficazes instrumentos para comunicá-la (MONTANARI, 2013, p. 10-16). Tendo como exemplo vários relatos carregados de certa angústia vivida por alguns pacientes insatisfeitos com o seu peso e com dietas malsucedidas, começamos a questionar o que os levava a burlarem suas próprias regras, saindo das restrições assumidas nas planilhas de redução alimentar, e como era a relação de cada um deles com a alimentação. O mais interessante foi perceber que cada um se relacionava de forma diferente, ao passo que a compensação, compulsão, escolha específica do alimento e gratificação eram algumas das relações observadas e sobre as quais foi possível refletir. A alimentação na contemporaneidade está longe de ser apenas uma forma de nutrir o corpo diante das necessidades de sobrevivência, já que está diretamente relacionada a fatores históricos, familiares, sociais e até mesmo religiosos. Ela não está vinculada apenas à nutrição, mas também à troca, ao contato com o outro e a toda relação de amor e carinho estabelecida entre mãe e filho. Esse tipo de relação com o alimento se consolida em todas as fases da vida. Durante a amamentação, por exemplo, a criança começa a estabelecer relações culturais, familiares e emocionais com a comida, o que vai muito além do simples ato de se alimentar. A relação inicial afetiva com o alimento, uma vez aprendida, será levada por toda a vida do sujeito, que será recriada de acordo com a pessoa e com o seu meio. A bióloga Suzana Herculano-Houzel (2003, p.198) explica que na adolescência a alimentação, basicamente gordurosa, ainda está muito ligada à necessidade do organismo de captação de gordura para o cérebro, “com o cérebro em franca produção de capas gordurosas para suas fibras nervosas, não é de se espantar que elas gostem tanto de frituras e manteiga em abundância”. Fazer parte de um grupo, identificar-se com alguém ou comer o que está na moda é essencial para o adolescente que está se diferenciando de seus pais e precisa buscar nos amigos e nos grupos novos exemplos de comportamento e ideias. A alimentação desse período é mais do que apenas nutrir-se, é também ter a sensação de pertencimento e de aceitação do novo grupo. Saiba mais Como afirmado por Renssen e Villela, o adolescente busca maior independência e autonomia, arriscando-se em relacionamentos fora da família. Conheça mais sobre o assunto em: RENSSEN, C.; VILLELA, N. Contribuições de um grupo terapêutico sistêmico para pais com filhos na fase da adolescência. Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria IPUB/UFRJ, 2007. 9 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a O alimento e a forma de se alimentar é uma das tradições carregadas de sentidos e emoções que são passadas pelas famílias. Ao repetir esses ensinamentos, a pessoa não apenas relembra a família, mas também tem uma ideia de pertencimento e de continuidade. O ato de comer é uma forma de sobrevivência e de prazer. O antropólogo Lévi-Strauss, por exemplo, compara o alimento ao sexo quando afirma que ambos são essenciais à vida humana e, nos dois, há uma escolha ligada ao prazer, e não apenas à finalidade de nutrir-se ou de procriar-se. O comer envolve o estar junto e o trocar com o outro. No Brasil, bem como em outros países, é muito comum amigos e familiares serem convidados para confraternizações, que costumam se dar em torno da mesa com comida. De acordo com Leonardo (2009), na Espanha é comum os amigos se encontrarem na praça e dividirem sementes de girassol; no Paraguai, se reúnem para tomarem chá; na Itália, as refeições podem durar até três horas; e na cultura árabe, as mulheres passam um longo tempo preparando a comida para o momento da confraternização. Para Suzana Herculano-Houzel (2003), o cérebro humano contém uma parte que processa sabores a partir de sinais transmitidos pela boca, nariz e olhos e outra que atribui uma valência positiva ou negativa de acordo com a quantidade de cada alimento que já tenha sido consumida, mantendo, assim, a homeostase do organismo. O cérebro identifica exatamente o alimento consumido e vai reduzindo progressivamente a satisfação durante a ingestão dele, de forma que depois de certa quantidade, que varia de pessoa para pessoa, algo que estava delicioso no início se tornará enjoativo após o consumo excessivo. É por esse motivo que, muitas vezes, não aguentamos comer mais nada do almoço, porém, ainda há espaço para a sobremesa. Em uma pesquisa feita com chocolate, a autora explica que algumas regiõesdo cérebro são ativadas somente enquanto há motivação para consumir o alimento, que inclui a região do córtex cerebral, o córtex orbitofrontal caudomedial (localizado no centro da testa e sob os olhos) e a ínsula. A partir desse estudo, vamos conhecer a psicologia, seus termos técnicos e como esses se aplicam a cada indivíduo. Assim, desenvolveremos a capacidade do aluno de perceber na prática os aspectos psicológicos que determinam, consciente ou inconscientemente, os comportamentos alimentares adequados e patológicos. 11 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO Unidade I 1 A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA Figura 1 – Psi, o símbolo da psicologia A psicologia é uma ciência reconhecida no fim do século XIX que estuda o comportamento humano e se desenvolveu principalmente após o advento do capitalismo. Nesse novo contexto, tanto a visão de mundo quanto a visão sobre o homem sofreram mudanças significativas, fatores determinantes para o surgimento das primeiras teorias psicológicas que se limitaram à análise da mente e de seus mecanismos. Inicialmente, a psicologia se interessou pelo comportamento individual e de suas respostas ao ambiente. Observação O conceito de ambiente foi entendido posteriormente pelos psicólogos como sendo constituído tanto pelo ambiente físico quanto pelo social, ou seja, incluía outras pessoas. Quando falamos em estudo do comportamento é importante lembrar não apenas dos comportamentos visíveis, mas também dos processos mentais (sentimentos, pensamentos, razão etc.) do comportamento humano. A palavra “psicologia” deriva das palavras gregas psique, que significa “alma”, e logia, que significa “estudo de”. O comportamento e a experiência do homem observado e descrito pelos filósofos gregos eram vistos como resultado das manifestações da alma. Dessa forma, inicialmente a palavra era conceituada como a ciência que estuda a alma. As primeiras escolas psicológicas foram: • Estruturalismo: estudo da estrutura consciente da mente e do comportamento, sobretudo das sensações. Edward Titchener (1867-1927) utilizou como método a introspecção, na qual o indivíduo explora seus próprios pensamentos e sensações para compreender as experiências sensoriais. 12 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I • Funcionalismo: estudo dos processos conscientes, não se limitando a estruturas, conteúdos e elementos. Aqui, a mente está em constante interação com o meio ambiente. • Associacionismo: Edward Thorndike (1874-1949) elabora a primeira teoria de aprendizagem, que se dá por meio de associação de ideias. Várias subáreas foram se desenvolvendo após o surgimento da psicologia, o que determinou outros objetos de estudo. Dentre elas, temos a psicopatologia, que investiga as personalidades desviantes com comportamentos inadaptáveis. Na medicina são estudados os processos psíquicos que originam os comportamentos físicos, utilizando-se de métodos quantitativos e qualitativos. As questões estudadas pela psicologia estão relacionadas à personalidade, à aprendizagem, à motivação, à memória, à inteligência, ao funcionamento do sistema nervoso, à comunicação interpessoal, ao desenvolvimento humano, ao comportamento sexual, à agressividade e ao comportamento grupal, dentre outras. Ao observarmos a história da psicologia como ciência, nos deparamos com diversas teorias psicológicas. Para Bock (2002): O estudo dos fenômenos psicológicos depende da concepção de ser humano, adotada por cada escola psicológica. Os fenômenos psicológicos referem-se a processos que acontecem em nosso mundo interno e que são construídos durante a nossa vida. São processos contínuos, que nos permitem pensar e sentir o mundo, nos comportarmos das mais diferentes formas, nos adaptarmos à realidade e transformá-la. Esses processos constituem a nossa subjetividade (BOCK, 2002, p. 23). A psicologia como ciência humana permite conhecermos o homem e o mundo que o cerca e, consequentemente, a vida. Ela forma profissionais aptos a utilizarem em seu trabalho o conhecimento cientifico e técnico, que possibilita diagnosticar os problemas e, com as técnicas adequadas, fazer uma interpretação e intervenção certeiras. A psicologia dispõe de instrumentos próprios para obter informações sobre a vida psíquica, como os testes psicológicos, as técnicas de entrevista e as observações com registros de dados do comportamento humano. Por meio desse levantamento de dados, o psicólogo compreende a partir de modelos teóricos psicológicos qual a indicação adequada: uma terapia, um trabalho de orientação, individual ou grupal, entre outras ações que visam a promoção da saúde mental do indivíduo. A busca pela saúde mental se dá também no sentido preventivo e, como tal, o psicólogo também pode criar estratégias que evitem o aparecimento de doenças, distúrbios de comportamento etc., vendo o homem na sua totalidade, como ser biológico, sociológico, psicológico e, ao mesmo tempo, inserido em um contexto educacional, urbano, social e econômico. Dessa forma, quando o aspecto social se torna importante, surge a psicologia social na década de 1930, momento em que o interesse dos psicólogos passa a ser a investigação das interações de 13 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO indivíduos dentro de grupos e da sociedade. A partir de então, vários aspectos foram examinados, como o efeito das organizações sobre os indivíduos; a relação dos indivíduos dentro de um mesmo grupo e de grupos diferentes; os diferentes tipos de papéis que assumimos quando em ambientes diferentes e funções sociais diferenciadas; a dinâmica de grupos; as atitudes e preconceitos de grupos; conflitos grupais; obediência; e transformações sociais. Um estudo muito interessante foi o de Kurt Lewin (1890-1947), cujo modelo descreve que para haver uma mudança pessoal ou organizacional é necessário passar por três etapas. A primeira etapa é o descongelamento: [...] envolve a preparação, em que se reconhece a necessidade de mudança e abre-se mão das velhas crenças e atitudes. A mudança ocorre na segunda etapa, geralmente acompanhada de confusão e agonia motivadas pelo desmantelamento da antiga mentalidade ou sistema. O terceiro e último estágio, o “congelamento”, ocorre quando a nova mentalidade se cristaliza e há uma sensação de conforto e estabilidade ocasionada por essa nova condição (O LIVRO..., 2012, p. 221). Para Lewin, essa etapa é a mais difícil, uma vez que geralmente resistimos a mudanças e a alterações em nossa rotina. Para ele, é importante “criar um ambiente de segurança psicológica durante a etapa de descongelamento”(O LIVRO..., 2012, p. 221). Lembrete Para Kurt Lewin, o indivíduo inserido em uma sociedade não era um ser passivo, diferentemente do behaviorismo, que considerava que a influência dos outros era que moldava o indivíduo. Para ele, havia uma interação do indivíduo com o seu entorno. Um outro estudo foi o de Solomon Asch (1907-1996). Após suas pesquisas, chegou à conclusão que as pessoas tinham tendência a se conformar com as coisas. Para o psicólogo: • O grupo exerce efeitos sociais profundos em seus membros. • Um certo grau de conformidade colabora para funções sociais importantes. • As pessoas sentem-se obrigadas a se adequar para pertencer ao grupo. • São capazes de fingir ou até convencer a si mesmas que concordam com a maioria. • A tendência à conformidade pode ser mais forte do que os valores ou percepções básicas das pessoas. 14 Re vi são: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Já Erving Goffman (1922-1982) desenvolveu a teoria do gerenciamento de impressões. Segundo ele, a vida é uma interpretação dramática construída a partir da interação social, que pode ser comparada a uma peça de teatro. Nesse sentido, ele explica como mantemos e intensificamos nossas identidades sociais: Tal qual os atores, as pessoas tentam criar uma impressão favorável de si mesmas, definindo roteiro, cenário, figurino, habilidades e adereços. [...] há o “palco” onde atuam nossas personas públicas e os bastidores, onde se desenrola nossa vida privada. [...] existe uma plateia que assiste ao espetáculo (O LIVRO..., 2012, p. 228). Por sua vez, Robert Zajonc (1923-2008) desenvolve a teoria da familiaridade, que se resume na máxima “Quanto mais se vê, mais se gosta”. Para ele, as preferências que demonstramos não são racionais: A exposição repetida a um estímulo gera familiaridade em relação a ele. A familiaridade produz uma mudança de atitude em relação ao estímulo, transformando-a em preferência ou afeição. Essa preferência é emocional e forma-se em nível subconsciente antes que o indivíduo se dê conta (O LIVRO..., 2012, p. 232). No âmbito da psicologia social, percebe-se, igualmente, que a subjetividade é uma dimensão importante. Isso significa que o modelo capitalista de produção transcende as variáveis competição e controle: A subjetividade hoje permanece massivamente controlada pelos dispositivos de poder e de saber que colocam as inovações técnicas, científicas e artísticas a serviço das figuras mais retrógradas da socialidade. E, contudo, outras modalidades de produção subjetiva - processuais e singularizantes - são concebíveis. Estas formas alternativas de reapropriação existencial e de autovalorização podem tornar-se amanhã a razão de vida das coletividades humanas e dos indivíduos que recusam abandonar-se à entropia mortífera, característica do período que nós atravessamos (JACQUES, 1998, p. 26). O vocábulo groppo, ou grupo, surgiu no século XVII para referir-se ao ato de retratar, artisticamente, um conjunto de pessoas, somente no século XVIII foi que o termo passou a significar reunião de pessoas (JACQUES, 1998). O termo pode estar ligado tanto a ideia de laço, coesão ou círculo. Tanto a sociologia quanto a psicologia têm demonstrado interesse no estudo dos pequenos grupos sociais, pensando o grupo como uma intermediação entre o indivíduo e massa. Os estudos dos pequenos grupos sociais, embora sejam realizados por várias áreas de conhecimentos humano-sociais, são em geral associados com a sociologia e a psicologia. Na psicologia, o estudo sistemático dos pequenos grupos sociais, buscando compreender a dinâmica dos mesmos, tem início na década de 1930 e 1940, com Kurt Lewin. Moreno [Jacob Levy] inicia com o teatro da espontaneidade que vai levar ao psicodrama. Na área de pesquisa cria a sociometria para o estudo de relações de aproximação e afastamento entre 15 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO as redes de preferência e rejeição, tanto nos grupos quanto na comunidade como um todo. Lewin cria o termo “dinâmica de grupo”, que foi utilizado pela primeira vez em 1944. Não podemos esquecer que a preocupação com grupos, tanto de Moreno quanto de Lewin aparece em seguida às inovações tayloristas e fordistas que levam à elevação dos lucros, mas também à deteriorização das relações tanto dos operários entre si quanto em relação a chefias e patrões (JACQUES, 1998, p. 200). Ainda, para Pedrinho Guareschi: Mais que identificar cosmovisões gerais de pessoas ou grupos, o que na verdade cremos ser importante e necessário é revelar como as pessoas sofrem e são prejudicadas, na sua vida cotidiana, devido a relações que são estabelecidas de maneira desigual e injusta. Com isso nosso trabalho poderá contribuir, de maneira iluminadora e emancipatória, na construção de uma sociedade economicamente justa, politicamente democrática, culturalmente plural, eticamente solidária (JACQUES, 1998, p. 101). Nesse sentido, a psicologia percorreu vários caminhos e podemos até afirmar que atualmente existem várias psicologias. No entanto, a maioria dos teóricos é unânime ao afirmar que o objeto de estudo dessa ciência é a subjetividade, que, de acordo com o nosso e o entendimento de Bock (2011): Nossa matéria-prima, portanto, é o humano em todas as suas expressões, as visíveis (o comportamento) e as invisíveis (os sentimentos), as singulares (porque somos o que somos) e as genéricas (porque somos todos assim) – é o ser humano-corpo, ser humano-pensamento, ser humano-afeto, ser humano-ação e tudo isso está sintetizado no termo subjetividade (BOCK, 2011, p. 8). Ainda a esse respeito, Bock nos chama a atenção para duas questões importantes: [...] os sujeitos são os responsáveis pela sua subjetividade, mas não o fariam se não fosse a vida coletiva, as construções coletivas simbólicas que permitem que toda atividade sobre o mundo exterior tenha seu correspondente subjetivo. [...] A subjetividade não cessará de se modificar, pois as experiências cotidianas sempre trarão novos elementos para renová-la (BOCK, 2011, p. 10). Observação Kurt Lewin é considerado o pai da psicologia social e da psicologia das organizações. Estudou a interação social e os efeitos da pressão social no comportamento e as dinâmicas de trabalho nas organizações. Dentre suas obras podemos destacar: Teoria Dinâmica da Personalidade (1935) e Princípios da Psicologia Topológica (1936). 16 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Figura 2 – Psicologia e nutrição, ciências multidisciplinares Como visto anteriormente, a psicologia é uma ciência que abrange o estudo dos processos e comportamentos mentais humanos no geral, não apenas dos comportamentos anormais. Assim, o relacionamento entre o nutricionista e seu paciente torna-se importante, pois não basta apenas o profissional ter a técnica. Faz-se necessário conhecer a realidade socioeconômica e cultural do paciente, levando-se em consideração seus valores, suas crenças, o lugar que ele ocupa na família, entre outros aspectos. Portanto, o sucesso no tratamento necessita desse conhecimento, que, se positivo, será importante para o diálogo e a confiança, uma vez que o paciente procura o nutricionista porque algo não está bem com ele. O desafio para o profissional de saúde é de ter uma relação terapêutica com os pacientes, tentar localizar e esclarecer o problema e ajudar a resolvê-lo, com a finalidade de cura. A comunicação entre nutricionista e paciente deve ser efetiva e útil, ao passo que se deve evitar responder impulsivamente ou dar conselhos sem pensar. É importante que o profissional mantenha um certo distanciamento do paciente, ação essa que advém de uma maturidade, experiência e prática, o que demonstra autoconfiança. 1.1 Psicanálise Figura 3 – Freud, o fundador da psicanálise 17 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO A psicanálise foi formulada pelo médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939), que publicou uma extensa obra durante toda a sua vida, relatando suas descobertas e formulando leis gerais sobre a estrutura e funcionamento da psique humana. Freud foi defensor da existência de processos mentais inconscientes. Para ele, o inconsciente é uma instância psíquica de emoções e sentimentos reprimidos da consciência, que ocorre devido ao conteúdoinsuportável para ficar registrado na consciência. Os atos falhos, sonhos e lapsos de linguagem são mecanismos do psiquismo responsáveis pela passagem de conteúdos inconscientes à consciência. Essa passagem é favorecida pelo estado emocional de forma disfarçada. O termo psicanálise é usado para se referir a uma teoria, a um método de investigação e a uma prática profissional. Ela caracteriza-se por ser um conjunto de conhecimentos sistematizados sobre o funcionamento da vida psíquica. Já o método de investigação caracteriza-se pelo método interpretativo, que busca significados ocultos do que é manifesto por meio de ações e palavras ou pelas proibições imaginárias, como sonhos, delírios e associações livres. A prática profissional da psicanálise refere-se a uma forma de tratamento psicológico – a análise –, que visa a cura ou o autoconhecimento. A função primordial da análise é buscar a origem do sintoma no comportamento manifesto ou no conteúdo que é verbalizado, objetivando integrar os conteúdos inconscientes na consciência na busca da cura ou do autoconhecimento. O método para atingir esses objetivos é o da interpretação dos sonhos, dos atos falhos (esquecimentos, substituições de palavras etc.) e associações livres. Seu interesse centra-se tanto no funcionamento mental normal como no patológico. As teorias psicanalíticas se referem tanto ao normal quanto ao anormal, ainda que derivadas essencialmente do estudo do tratamento da anormalidade. A psicanálise apresenta como principal pressuposto o princípio do determinismo psíquico, segundo o qual, na mente, assim como na natureza física que nos cerca, nada acontece por acaso ou de modo inexplicável. Cada evento psíquico é determinado por aqueles que o precederam. Assim, em nossas vidas mentais eles podem parecer desconexos ou não relacionados com os que o precederam, mas isso só na aparência. Na realidade, esses fenômenos mentais são incapazes de tal falta de conexão causal. Outro pressuposto fundamental da teoria psicanalítica é que o corpo é a fonte básica de toda a experiência mental. Freud esperava que com o tempo todos os fenômenos fossem explicados por meio da fisiologia do cérebro. Em relação a tal crença, ele se declarou um paralelista psicofísico e sustentou que os processos psíquicos não podem ocorrer na ausência de processos fisiológicos e que esses últimos precedem os primeiros. Outra hipótese importante dessa teoria é que o impulso sexual tem seus alicerces na biologia do organismo. A manifestação dessa energia biológica primordial é vista nos diversos instintos. Segundo Freud, os instintos são forças propulsoras que incitam as pessoas à ação, ou melhor, são pressões que dirigem o organismo para fins particulares. Em geral, os instintos são como uma espécie de elasticidade das coisas vivas, um impulso no sentido da restauração de uma situação que outrora existiu, mas que foi conduzida a um fim por alguma perturbação externa. Tais instintos, afirma, são a suprema causa de toda atividade. 18 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Para Freud, todo instinto tem quatro componentes: uma fonte, uma finalidade, uma pressão e um objeto. A fonte é onde surge uma necessidade, que pode ser em uma parte do corpo ou em todo ele. A finalidade disso é reduzir a necessidade até que mais nenhuma ação seja necessária, é dar ao organismo a satisfação que ele necessita no momento busca. A pressão é a quantidade de energia ou força que é investida para satisfazer ou gratificar o instinto, determinada pela intensidade ou emergência de satisfação da necessidade subjacente. O objeto de um instinto é qualquer alternativa de ação ou expressão que permita a satisfação da finalidade original. Para ilustrar os componentes dos instintos podemos usar o exemplo de uma pessoa com fome. Considere o modo como esses componentes a princípio surgem. O corpo consome energia na realização de atividades até o momento que precisa de mais alimento (energia), e a fonte é a necessidade crescente de alimento. À medida que a necessidade cresce, ela pode tornar-se consciente, manifestada pela fome. Enquanto a fome não for satisfeita, ela torna-se mais pronunciada, ao mesmo tempo em que aumenta a intensidade, aumenta também a pressão ou a energia disponível para fazer algo no sentido de aliviar a fome. A finalidade é reduzir a tensão, e o objeto não é simplesmente um alimento, mas toda a ação que procure diminuir a tensão. Isso pode incluir levantar-se, ir até a cozinha ou a um restaurante escolher várias opções e comê-las. Assim, segundo esse pressuposto, o comportamento resultante, ou melhor, o número de alternativas e soluções possíveis para que um indivíduo alcance o objetivo, é a soma de sua necessidade biológica inicial, o desejo mental (que pode ou não ser consciente) e uma variedade de ideias anteriores, hábitos e opções disponíveis. Freud assume que o modelo mental e comportamental normal e saudável tem a finalidade de reduzir essa tensão a níveis aceitáveis. Assim, um indivíduo com uma necessidade procurará realizar atividades que possam reduzir a tensão original. As tensões são resolvidas pela volta do corpo ao nível de equilíbrio que havia antes da necessidade de emergir. Esse ciclo completo de comportamento que parte do repouso para a tensão e à atividade, e volta para o repouso, é denominado por Freud modelo de tensão-redução. Um instinto, segundo ele, é uma capacidade ou necessidade inata de reagir a um determinado conjunto de estímulos de um modo estereotipado ou constante. Um impulso é um constituinte psíquico, geneticamente determinado, que, quando em ação, produz um estado de excitação psíquica ou, como se diz frequentemente, de tensão. Embora seja possível catalogar uma série ampla de instintos, Freud tentou reduzir essa diversidade a dois grupos específicos: instintos de vida e instintos de morte. Fazem parte dos instintos de vida aqueles que objetivam a autopreservação da pessoa e os instintos sexuais, e a preservação da espécie. Contudo, os instintos mais conhecidos são os sexuais cuja característica principal é o seu surgimento em diferentes regiões do corpo. Os instintos sexuais são flexíveis e podem mudar facilmente seus objetivos e objetos. Por outro lado, os instintos de morte são os instintos cuja energia é dirigida em um sentido destrutivo, em que a finalidade é reduzir o complexo molecular vivo a complexos inorgânicos mais simples. Freud afirma também que o inconsciente exerce um papel preponderante na determinação do comportamento do indivíduo. A psicanálise diz-nos que não somos donos de nossas mentes, somos dominados e até mesmo dirigidos por processos mentais inconscientes, por desejos, medos, conflitos e fantasias. 19 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO A teoria do aparelho psíquico foi reformulada por volta de 1923, ocasião em que Freud apresenta os conceitos de Id, ego e superego para se referir a três sistemas de personalidade. Segundo tal teoria, o Id constitui o reservatório de energia psíquica onde se localizam as pulsões de vida e de morte. É uma parte biológica, hereditária e irracional que constitui todos os indivíduos e procura satisfazer a libido e os impulsos sexuais. Ele é um núcleo primitivo da personalidade, sem lógica de organização ou juízo de valor. Constitui-se de conteúdos inconscientes, inatos ou adquiridos que buscam contínua gratificação sob a predominância do princípio do prazer. O ego é a parte do aparelho psíquico que está em contato com a realidade externa, em consequência da conexão pré-estabelecida entre a percepção sensorial e a ação muscular. Ele tem sob seu comandoo controle voluntário, contendo elementos conscientes e inconscientes. O ego tem a tarefa de autopreservação, atuando sobre o princípio da realidade. Ele também faz a conciliação das reivindicações do Id e do superego com o mundo externo, harmonizando tais exigências. Com referência aos acontecimentos externos desempenha essa missão dando conta dos estímulos externos, armazenando experiência sob eles na memória, evitando estímulos excessivamente internos mediante a fuga, lidando com estímulos moderados por meio da adaptação e, finalmente, aprendendo a produzir modificações convenientes no mundo externo, em seu próprio benefício por meio da atividade. Com referência aos acontecimentos internos, em relação ao Id o ego desempenha essa missão mantendo controle sobre as exigências dos instintos, decidindo se devem ou não ser satisfeitas, adiando essa satisfação para ocasiões e circunstâncias favoráveis no mundo externo ou suprimindo inteiramente as suas excitações. É dirigido, em sua atividade, pela consideração das tensões produzidas pelos estímulos. O conteúdo do superego refere-se às exigências sociais e culturais adquiridas no meio, visto que o indivíduo pertence sempre a um grupo social do qual recebe influências constantes. Desse grupo vai absorvendo aos poucos ideias morais, religiosas, regras de conduta, entre outras, que vão constituir uma parte de sua personalidade. Dessa forma, o superego é visto como o responsável pela formação dos ideais. Ele representa a força moral em decorrência da internalização de regras sociais, de valores, de crenças e dos mecanismos de contenção. Em suas investigações na prática clínica sobre as causas e o funcionamento das neuroses, Freud percebeu que a maior parte dos pensamentos e desejos reprimidos estavam relacionados a conflitos de ordem sexual, originados nos primeiros anos de vida dos indivíduos. Ou seja, é na infância que estão as experiências de caráter traumático reprimidas, mas que se mostram como origem dos sintomas atuais. Dessa forma, afirma que as experiências ocorridas nesse período da vida deixam marcas profundas na estruturação da personalidade. Com essas descobertas, Freud postula a existência da sexualidade infantil e coloca a sexualidade no centro da vida psíquica. Os principais aspectos dessas descobertas em relação à sexualidade infantil são: • A função sexual existe desde o princípio da vida, logo após o nascimento, e não só a partir da puberdade, como afirmavam as ideias dominantes da época. 20 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I • O período de desenvolvimento da sexualidade é longo e complexo até chegar à sexualidade adulta, em que as funções de reprodução e de obtenção do prazer podem estar associadas tanto no homem quanto na mulher. A libido, que significa desejo ou anseio, é a energia dos instintos sexuais, pois cada um dos instintos gerais tem uma fonte de energia em separado. O uso desse termo por Freud é descrito como algo mensurável, sua produção, aumento ou diminuição, distribuição e deslocamento devem propiciar-nos possibilidades de explicar os fenômenos psicossociais observados. Em síntese, a psicanálise pode ser caracterizada como um estudo da história de vida de um indivíduo, trata-se da procura dos principais acontecimentos daquela vida, de suas conexões, causas e consequências psicológicas. Sua principal preocupação é, sobretudo, com as partes da vida que o ser humano mantém escondida não só dos que o rodeiam, mas também de si mesmo. Para a psicanálise, cada pensamento e ação são determinados de modo bem mais complexo do que se podia imaginar antes que Freud delineasse o método psicanalítico de investigação. Assim, seguindo esse pressuposto, tudo o que se faz ou se pensa está centrado, em parte, nas forças do Id, isto é, na herança de desejos instintivos da infância, em parte pelas defesas contra esses desejos (ego), em parte pelas exigências morais (superego) e em parte pelas exigências impostas por circunstâncias externas em um dado momento, bem como nas oportunidades de gratificação que são oferecidas. Desse modo, pode-se constatar o quão relevante é o papel exercido na motivação humana pelos impulsos e pelos conflitos que o originam. Outra contribuição importante de Freud diz respeito ao conceito dos chamados mecanismos de defesa, responsáveis por diminuir a angústia provocada pelos conflitos internos. Há também a distorção da realidade para a adaptação às situações estressantes, de utilização normal e não patológica. A seguir apresentamos os principais tipos de mecanismos de defesa: • Deslocamento: os sentimentos relacionados a uma memória são deslocados a um conteúdo psíquico substituto. Exemplo: uma pessoa, ao lidar com uma situação estressante, pode comer excessivamente para aliviar a tensão. • Distração: a atenção é desfocada. Exemplo: assistir a uma aula focando a atenção em outros pensamentos. • Fantasia: criação de um mundo próprio, imaginário. Exemplo: a pessoa que fantasia o par perfeito. • Identificação: essencial no processo de desenvolvimento psicossexual, garante a internalização de comportamentos e o estabelecimento do juízo crítico. Exemplo: o adolescente que se comporta de acordo com o grupo de amigos. • Negação da realidade: o indivíduo passa momentaneamente a negar um fato real. Exemplo: a pessoa que se recusa a acreditar na morte de um amigo. 21 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO • Racionalização: a pessoa busca apresentar uma explicação coerente, lógica e moralmente aceita para um comportamento, uma ideia ou um sentimento. Exemplo: uma pessoa que explica que não consegue seguir uma dieta devido a sua família. • Regressão: comum em pessoas que não assumem a responsabilidade ou consequência por seus atos. Exemplo: o adolescente que se comporta como uma criança quando deseja algo. • Projeção: qualidades, sentimentos e desejos que são expulsos de si e localizados em outra coisa ou pessoa. Exemplo: quando uma pessoa se queixa a respeito do comportamento de alguém ou quando a própria pessoa gostaria de ter tal comportamento. • Idealização: o objeto é engrandecido e exaltado psiquicamente. Exemplo: a pessoa que idealiza a dieta perfeita. • Sublimação: mecanismo mais evoluído, implica no desempenho de uma atividade humana que requer sua energia de pulsão sexual para a realização. Pode ocorrer em criações literárias, artísticas ou intelectuais. De acordo com o estudo de Viviliane Maturana (2010), para entender mais sobre a relação estabelecida pelo indivíduo com a alimentação, é importante conhecer mais sobre algumas teorias psicológicas que nos levam a pensar sobre a problemática que envolve o sujeito, sua subjetividade e a alimentação. A psicanálise de Freud e seu estudo sobre a fase oral, período que dura de 0 a 2 anos, em que a zona de erotização do bebê é a boca e o prazer ainda está ligado à ingestão de alimentos e à excitação da mucosa dos lábios e da cavidade bucal. Para ele, na fase oral existe uma necessidade intensa de gratificação e satisfação. Assim, desde o nascimento, tais necessidades estão concentradas, predominantemente, em volta dos lábios, na língua e, um pouco mais tarde, nos dentes. Já para Fadigman e Frager, segundo Maturana (2010), a pulsão primária do bebê não é social ou interpessoal, mas funciona apenas para receber alimento para atenuar as tensões de fome e sede. Enquanto é alimentada, a criança é também confortada, aninhada, acalentada e acariciada. Então, num primeiro momento, ela associa o prazer à redução da tensão no processo da alimentação. Dessa forma, a boca seria a primeira área do corpo que o bebêpode controlar. Para Freud, nessa fase, a maior parte da energia libidinal disponível é direcionada ou focalizada justamente nessa área. Então, ao longo do crescimento da criança, outras áreas do corpo desenvolvem-se e tornam-se importantes regiões de gratificação. Ainda segundo Freud, alguma energia é permanentemente fixada nos meios de gratificação oral também durante a fase adulta, pois existem muitos hábitos orais bem desenvolvidos e um interesse contínuo em manter prazeres orais. Comer, chupar, morder, lamber ou beijar com estalo, por exemplo, são expressões físicas desses interesses. Pessoas que mordicam constantemente, fumantes e os que costumam comer demais, para Freud, são indivíduos parcialmente fixados na fase oral, e cuja maturação psicológica pode não ter se completado. 22 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Na mesma linha, Fadigman e Frager salientam que a fase oral tardia, depois do aparecimento dos dentes, inclui a gratificação dos instintos agressivos, como morder o seio, causando dor à mãe e levando-a à inibição do ato de amamentar e gerando consequências no futuro: Essa agressividade do ato de morder, somada à privação do seio, pode, mais tarde, na fase adulta, desenvolver problemas ligados a essa fase, como por exemplo, o sarcasmo, o arrancar o alimento de alguém, a fofoca e alguns outros. Para eles [Fadigman e Frager], a transformação dos interesses em prazeres orais não foge à normalidade, porém, o que a torna patológica seria uma sistematização da gratificação nessa área, isto é, se uma pessoa for excessivamente dependente de hábitos orais para aliviar a ansiedade (MATURANA, 2010, p. 219). Se a gratificação sistemática ligada à oralidade pode ser apresentada como uma patologia, a compulsão alimentar, os parâmetros de saciedade e de satisfação também podem ser estudados por esse viés. 1.2 Behaviorismo Figura 4 – Skinner e suas experiências com ratos O behaviorismo, ou teoria comportamental, se desenvolveu no século XIX influenciado pelas ciências biológicas. Esse conjunto de abordagens mostrou que o comportamento é moldado por reforços positivos e negativos, como afirma Burrhus F. Skinner (1904-1990), psicólogo norte-americano: “O objetivo do behaviorismo é eliminar todo tipo de coerção, transformando o ambiente e ajustando o que nos controla” (O LIVRO..., 2012, p. 80). Skinner trouxe um conceito importante para a área denominado condicionamento operante. Para o autor, o condicionamento demonstra que a partir de estímulos e respostas é possível determinar duas categorias de comportamento. A primeira delas é o condicionamento operante, ou incondicionado, em que estariam todos os comportamentos reflexos e involuntários, que independe de uma aprendizagem anterior. A segunda é o que chama de condicionamento clássico, que ocorre quando um estímulo neutro passa a ser um estímulo condicionado, pois implica no aprendizado de uma resposta condicionada que passa a ser controlada por suas consequências. 23 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO Por conseguinte, podemos dizer que existem comportamentos que podem ser aprendidos e outros não. A aprendizagem é definida pelas consequências comportamentais motivadas pelas condições ambientais facilitadoras ou dificultoras da aprendizagem, a partir da estrutura estímulo-resposta. Outros conceitos importantes também são desenvolvidos por essa teoria. O primeiro deles diz respeito ao reforço positivo, que pode determinar comportamentos e, com isso, fazer com que as pessoas aprendam e repitam tais ações a partir desse reforço. Assim, o reforço positivo aumenta a probabilidade de ocorrência dos comportamentos e é definido pelo resultado que produz no comportamento. De forma similar ocorre o reforço negativo, porém nele o aumento da ocorrência do comportamento aparece para que o estímulo aversivo desapareça ou seja prevenido. Ele pode acontecer por duas vias: por meio da fuga em que a pessoa realiza um comportamento com o objetivo de terminar com o evento aversivo; e pela prevenção, na qual a pessoa emite um comportamento para evitar a ocorrência de um evento aversivo. Por exemplo, uma pessoa que tem muito medo de trovões (evento aversivo). Aqui há duas possibilidades de minimizar esse medo: por meio da fuga: a pessoa quando observa um relâmpago, que normalmente vem antes do trovão, pode se esconder em um lugar seguro dentro de casa (fuga); ou após ver o relâmpago ela pode tampar os ouvidos para não ouvir o trovão (prevenção). O behaviorismo é uma abordagem psicológica que vislumbra o comportamento animal e humano apenas como reações observáveis de forma direta, enfatizando a aplicação rigorosa do método científico ao estudo dos fenômenos psicológicos. Essa teoria teve com marco inicial um artigo publicado pelo americano John B. Watson (1878-1958) em 1913, intitulado Psychology as the Behaviorist Views it. Nesse trabalho inicial, Watson afirma que a psicologia da maneira como é vista pelos behavioristas constitui um ramo puramente objetivo da ciência natural. Seu objetivo teórico é a predição e o controle do comportamento, enquanto a introspecção não é parte essencial de seus métodos. O behaviorista, em seus esforços para conseguir um esquema unitário da resposta animal, não reconhece uma linha divisória entre o homem e “besta”. Segundo Watson, não existe algo chamado de consciência, toda aprendizagem depende do meio externo. Sendo assim, toda atividade humana é condicionada e condicionável em decorrência da variação na constituição genética, ao passo que não há necessidade de mencionar a vida psíquica ou a consciência do sujeito. À medida que Watson postulava o comportamento como objeto da psicologia, dava a essa ciência a consistência que os psicólogos da época vinham buscando. Para o behaviorismo, um objeto observável e mensurável, que podia ser reproduzido em diferentes condições e em diferentes sujeitos, eram as características fundamentais para que a psicologia alcançasse status de ciência, rompendo definitivamente com a tradição filosófica de antes. Os mais importantes pressupostos de John B. Watson podem ser relacionados da seguinte maneira: • O comportamento compõe-se de elementos de resposta que podem ser cuidadosamente analisados por métodos científicos, naturais e objetivos. • O comportamento compõe-se inteiramente de secreções glandulares e movimentos musculares, portanto, é basicamente redutível a processos físico-químicos. 24 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I • Existe uma resposta imediata, de alguma espécie, a todo e qualquer estímulo eficaz. Assim, existe no comportamento um rigoroso determinismo de causa e efeito. • Os processos conscientes, se é que existem, não podem ser cientificamente estudados; as alegações sobre a consciência representam tendências sobrenaturais e como remanescentes das fases teológicas e pré-científicas da psicologia devem ser ignoradas. O behaviorismo dedicou-se ao estudo do comportamento do indivíduo e da relação que esse mantém com o meio ambiente. Porém, como comportamento e meio são termos amplos demais para serem úteis a uma análise descritiva nessa ciência, os psicólogos dessa tendência formularam dois importantes conceitos: estímulo e resposta, unidades básicas da descrição e ponto de partida para a ciência do comportamento. O behaviorismo de Watson distingue duas classes de comportamento: o comportamento respondente (reflexo) e o comportamento operante (voluntário). O respondente é efetuado pelo organismoem resposta a um estímulo. Por exemplo, a salivação diante do cheiro de comida. Já o operante é efetuado em decorrência de sua relação com o meio externo, sem que se possa identificar estímulos específicos que o teriam provocado. Por exemplo, os movimentos de braço e pernas de uma criança. O processo de condicionamento respondente é uma forma simples de aprendizagem adotada pelos behavioristas na explicação da formação dos comportamentos. Nesse tipo de condicionamento o processo é organizado de forma que ocorra: • um estímulo neutro; • um estímulo incondicionado, ou seja, um estímulo que em circunstâncias normais provocaria uma resposta específica; • a resposta específica. A repetição constante do processo condiciona o estímulo neutro, isto é, faz com que esse passe a ser um estímulo condicionado, o que provoca resposta semelhante àquela que o estímulo incondicionado já provocava. Um exemplo desse processo é a experiência de Ivan Pavlov, que, ao fazer uma campainha soar sistematicamente antes de apresentar comida a um cão, condicionou o estímulo neutro (som da campainha), provocando a salivação do cão como resposta, antes provocada só pela própria apresentação da comida. Para que o condicionamento ocorra com rapidez é preciso obedecer à ordem dos estímulos (primeiro, o neutro; depois, o incondicionado) e serem realizados em um curto o período de tempo entre a ocorrência dos dois. No condicionamento operante, a aprendizagem acontece por um processo de maturação natural (a criança, por exemplo, aprende a falar naturalmente). No entanto, é possível aplicar reforços ao processo de aprendizagem, que devem ser dados imediatamente após a resposta, por exemplo, gratificando a criança quando pronuncia uma nova palavra. Eles, ainda, podem ser negativos e positivos. Os negativos fortalecem a resposta por meio da remoção do próprio estímulo; já os positivos os comportamentos que os precedem. 25 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO Diversos dispositivos experimentais são usados para investigar o condicionamento instrumental ou operante e seus efeitos. Segundo os behavioristas, os mecanismos usados para identificar as consequências das mudanças de comportamento são o feedback de informação e o feedback afetivo. No primeiro, o indivíduo toma conhecimento do tipo de efeito que sua resposta ocasionou no ambiente. No segundo, distingue quando a situação modificada lhe trará prazer ou desprazer. A natureza do reforço é uma questão problemática para o behaviorismo. Os reforços primários (alimentos, recompensas etc.) parecem não explicar todo fenômeno. Fatores como o intervalo entre os estímulos, sua frequência, entre outras variantes, modificam os resultados do condicionamento. No caso particular do reforço condicionado, o mesmo reforço (por exemplo, dinheiro) pode ser associado a diferentes estímulos (alimento, diversão etc.) e condicionar diferentes respostas. Assim, a partir dos pressupostos do behaviorismo o homem começa a ser estudado como produto do processo de aprendizagem pelo qual passa desde a infância, ou seja, como produto de associações estabelecidas durante sua vida, entre estímulos (do meio) e respostas (manifestações comportamentais) a tais estímulos. Em decorrência disso, o behaviorismo propõe-se a utilizar o processo de condicionamento para planejar e formar seres humanos. Segundo os behavioristas, a sociedade poderia atingir, na tecnologia do comportamento, um grau de sofisticação em que o planejamento da pessoa humana se tornaria possível. Em relação à motivação, eles a excluem de seus estudos, pois afirmam que sua natureza é eminentemente psicológica, não sendo suscetível a um tratamento pela metodologia behaviorista. O mais importante behaviorista que sucedeu John B. Watson foi Skinner, conhecido pela análise experimental do comportamento, que tem como fundamento a formulação do condicionamento operante. Skinner centraliza seu trabalho nos comportamentos observáveis das pessoas e dos animais. Por ter uma certa aversão e desconfiança em relação às explicações mentais subjetivas e intervenientes, propôs formas distintas de entendimento e compreensão da personalidade. Em seus estudos, trabalhou diretamente com animais devido à pesquisa de Darwin e do subsequente desenvolvimento das teorias da evolução na época. Alguns psicólogos, e o próprio Skinner, pressupunham que os seres humanos não eram essencialmente diferentes de outros animais, o comportamento daqueles, embora muito complexo, podia ser investigado como qualquer fenômeno observável. O psicólogo defendia que o comportamento é um processo, e não uma coisa, por isso pode ser facilmente imobilizado para a observação, ao passo que é mutável, fluído e evanescente e, por essa razão, faz grandes exigências técnicas da engenhosidade e da energia do cientista. Contudo, não há nada essencialmente insolúvel nos problemas que surgem de fato. Assim, Skinner adotou uma posição extrema, afirmando que o comportamento pode ser estudado e totalmente descrito, visto que é mensurável, observável e perceptível por meio de instrumentos de medida. Segundo ele, o estudo da análise científica do comportamento começaria pelo isolamento das partes simples de um evento complexo, de modo que cada uma seja mais bem compreendida. A pesquisa experimental de Skinner seguiu tal procedimento analítico, restringindo-se a situações suscetíveis de uma análise científica rigorosa. Ele afirma também que descrições precisas 26 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I do comportamento favorecem as previsões exatas de comportamentos futuros e melhoram a análise dos reforçamentos anteriores que levaram ao comportamento. Para compreendermos os indivíduos, segundo os behavioristas, temos que acreditar que o comportamento não é casual nem arbitrário, mas um contínuo que pode ser descrito considerando o ambiente no qual o comportamento está inserido. Skinner não nega o uso de termos tais como vontade, imaginação, inteligência e liberdade, mas afirma que as explicações que dependem desses termos não são funcionais porque não descrevem verdadeiramente o que está ocorrendo; ao contrário, encobrem ao invés de esclarecerem as causas do comportamento. Skinner considera o indivíduo como uma caixa fechada, mas certamente não vazia. Ele e os behavioristas enfatizam os inputs e os outputs, que constituem aquilo que é observável. Ainda, ao invés de levantar hipóteses sobre as necessidades que podem impelir para uma atividade particular, tentam descobrir os eventos que fortalecem sua probabilidade futura e que a mantém ou a modificam. Assim, buscam as condições que regulam o comportamento em vez de levantar hipóteses sobre estados de necessidades dentro da pessoa. Lembrete O princípio de condicionamento e estímulo-resposta da teoria behaviorista pode ser bastante útil para o nutricionista, uma vez que pode fazer uso de vários reforços positivos para, de alguma forma, mudar o comportamento alimentar de seu paciente. 1.3 Gestalt Figura 5 – Gestalt: relação figura e fundo Outra teoria psicológica importante é a da gestalt, que explica como percebemos o mundo, a nós mesmos e os outros. Nesse sentido, os estudiosos dessa linha preocuparam-se em compreender os processos psicológicos que estavam envolvidos no que denominaram ilusão de ótica. Esse fenômeno, que ocorre com todos, surge quando o estímulo físico é percebido diferentemente do que uma pessoa tem dele na realidade. Por exemplo, a percepção dos fotogramas estáticos do cinema. O movimento que 27 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D iagr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO vemos na tela é uma ilusão de ótica causada pela pós-imagem retiniana (a imagem demora um pouco para se apagar em nossa retina). E como as imagens vão se sobrepondo na retina, temos a sensação de movimento, mas o que de fato está na tela é uma fotografia estática (BOCK, 2011). A gestalt também explica a relação entre figura e fundo. A figura é constituída dos aspectos da experiência, eleitos como dominantes e que se sobressaem em relação ao fundo. Já o fundo é composto pelas experiências anteriores. Observação Figura e fundo podem oscilar de acordo com o que é salientado como relevante pelo psiquismo na situação. Diferentemente dos behavioristas, os gestaltistas, quando explicam a relação existente entre estímulo e resposta, trazem uma informação complementar, a de que entre o estímulo e a resposta existe a percepção. Essa teoria nos trouxe contribuições importantes para que possamos compreender o que significa uma boa percepção derivada de uma boa forma. De acordo com a gestalt, a percepção busca o fechamento, a simetria e a regularidade dos pontos que compõem qualquer figura. Um outro aspecto importante dela é a relação parte-todo: “[...] o todo não pode ser entendido simplesmente como um conjunto das partes, mas sempre quando vemos uma parte, ocorre uma tendência à restauração do equilíbrio da forma” (BOCK, 2011, p. 18). Na gestalt, acredita-se que a pessoa é mais do que um número definido por uma normatização. Estamos lidando com um sujeito singular, dotado de emoções e percepções bem particularidades, permitindo-lhe ligações e vivências, as mais complexas e variadas. Ao se pensar na relação estabelecida pelo homem com a alimentação dentro desse princípio, é importante lembrar de Frederick Perls (1893-1970), fundador da abordagem e autor do livro Ego, Fome e Agressão, publicado em 1942. Embora seja bastante lembrado pela psicoterapia, sua teoria pode ser aplicada em diversos contextos da atividade humana. Em 1947, Perls encontrava-se insatisfeito com a atenção exagerada da psicanálise em torno do inconsciente, dos instintos sexuais e da função da repressão. Assim, inicia os primórdios da gestalt-terapia, em que ele propõe novos elementos da personalidade humana como o instinto de fome, a agressão biológica e a necessidade da gratificação. O objetivo inicial de Perls era o dar contribuições à psicanálise da época, com seus questionamentos e considerações, porém depois de seu primeiro livro abandona completamente essa linha. O médico berlinense atribui estágios no desenvolvimento do instinto de fome: pré-natal (antes do nascimento), pré-dental (amamentação), incisivo (morder) e molar (morder e mastigar). Esses estágios estariam constituindo um sistema complexo, envolvendo a alimentação como nutrição e como relação com o mundo. Perls exemplifica isso citando a impaciência de um comportamento produzido pela má relação do indivíduo com a alimentação, combinada com a gula e a incapacidade para obter satisfação. 28 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Segundo o psicólogo, muitos adultos se relacionam com o alimento sólido como se ele fosse líquido, a ser engolido em goles. Geralmente essas pessoas são impacientes, pois exigem a satisfação imediata de sua fome e não desenvolveram o interesse em destruir o alimento sólido. Saiba mais Conheça mais sobre Frederick Perls e como a gestalt-terapia foi criada: MATURANA, V. Reflexões acerca da relação entre a alimentação e o homem. Revista IGT, v. 7, n. 12, p. 219, 2010. Disponível em: <https:// www.igt.psc.br/ojs/include/getdoc.php?id=1573&article=292&mode= pd>. Acesso em: 11 fev. 2019. Podemos definir a gestalt como uma síntese de abordagens que visa a compreensão da psicologia e dos comportamentos humanos. Sua ênfase repousa na natureza do todo, e não na derivação das partes, tendo um pressuposto humanista orientado para o crescimento da pessoa. É influenciada pela psicologia existencial, psicanalítica, pelo behaviorismo (comportamento observável), pelo psicodrama (representação de conflitos), pela psicoterapia de grupos (trabalho com grupos) e até pelo zen budismo (mínimo de intelectualização e enfoque na consciência do presente). A gestalt pressupõe que a análise das partes nunca pode proporcionar uma compreensão do todo, uma vez que o todo é constituído pelas interações e interdependências das partes. As partes de uma gestalt não mantêm sua identidade quando estão separadas de uma função no lugar do todo. Uma gestalt é um fenômeno irredutível, uma essência que desaparece se o todo se fragmenta em componentes. Ela se propõe a estudar a vida psíquica sob o aspecto da combinação de elementos (sensações e imagens) que a constituem, sendo a percepção o ponto de partida e também um dos temas centrais dessa teoria. O estudo centrado na percepção levou os teóricos da gestalt a questionarem a teoria behaviorista, afirmando que há relação de causa e efeito entre o estímulo e a resposta. Já para os gestaltistas, entre o estímulo que o meio fornece e a resposta do indivíduo encontra-se o processo de percepção do indivíduo. O que o indivíduo percebe e como percebe são dados importantes para a compreensão do comportamento humano. Assim, a gestalt sugere que é a maneira como é percebido um determinado estímulo que vai desencadear o comportamento. Para seus teóricos, o comportamento deve ser estudado nos seus aspectos mais globais, levando em consideração as condições que alteram a percepção do evento como um estímulo. Dessa forma, o comportamento surge como função da pessoa e de seu ambiente. Levando-se em conta esse pressuposto, a percepção do evento como um estímulo em certas condições ambientais dadas é mediatizada pela forma como se interpreta o conteúdo percebido, ou seja, como se interpreta o evento. Para uma pessoa com fome, o campo de percepção se organiza diferentemente do campo de percepção de um indivíduo saciado. Aqui, leva-se em consideração o organismo como um todo, os indivíduos são organismos unificados e não há diferença entre o tipo de atividade física e mental. Sendo assim, qualquer aspecto do comportamento deve ser considerado como uma manifestação de todo o ser da pessoa. 29 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO Também fundamental é a noção de que há uma hierarquia de necessidades em constante funcionamento. A ação da pessoa visa a satisfação de uma necessidade dominante em um dado momento, sendo que as mais urgentes de serem satisfeitas emergem como primeiro plano ou figura contra o fundo da personalidade total. Assim, à medida em que a necessidade é satisfeita ela deixa de ser figura em um fundo e passa a ser fundo de uma outra necessidade emergente, que passa então a ser figura. Ou seja, a necessidade mais urgente, a situação inacabada mais importante, sempre emerge se a pessoa estiver consciente da experiência de si mesma a todo momento. Segundo Perls (1947), esse princípio da hierarquia das necessidades está sempre operando no indivíduo para que o organismo se torne criativo, a fim de restabelecer o equilíbrio procurando vias e meios para isso. Essa seria a lei básica da autorregulação organísmica sob o controle da configuração figura-fundo, que assume temporariamente o controle de todo o organismo. Em relação às emoções, a gestalt as considera como a força que fornece energia a toda a ação. Segundo Perls, as emoções são a nossa própria vida, a própria linguagem do organismo, as vias e os modos de expressar nossas escolhas, assim como de satisfazer nossas necessidades, e modificama excitação básica de acordo com a situação que é encontrada. Além disso, considera a cisão mente-corpo, postulada pela maioria das psicologias, como arbitrária, visto que a atividade mental é simplesmente uma atividade que funciona em nível menos intenso que a atividade física. Assim, nossos corpos são manifestações direta de quem somos. Pela simples observação de nossos mais aparentes comportamentos físicos (postura, respiração, movimentos) podemos aprender muito sobre nós mesmos. A gestalt considera o indivíduo como participante de um campo do qual ele é diferenciado, porém inseparável. As funções de contato e fuga são cruciais na determinação da existência de um indivíduo. A ênfase no aqui e agora postulada por Perls (1947) acentua muito a importância de estar consciente das preferências pessoais e ser capaz de agir sobre elas, porque, segundo ele, o conhecimento das preferências leva ao conhecimento das necessidades. Por fim, as proposições básicas da gestalt-terapia ressaltam que todos os organismos possuem a capacidade de realizar um equilíbrio ótimo consigo e com o meio em que está inserido. Porém, as condições para realizar esse equilíbrio requerem uma conscientização envolvendo todo o organismo, uma vez que as necessidades são experienciadas por cada parte do organismo e sua hierarquia é estabelecida por meio de sua coordenação. O equilíbrio organísmico supõe uma constante interação com o meio. Assim, os indivíduos saudáveis caracterizam-se pelo livre fluxo e pela clara delimitação da formação figura-fundo nas expressões das necessidades. Tais pessoas têm consciência de sua capacidade de escolher os meios para satisfazer suas necessidades à medida que essas emergem. 1.4 Psicologia cognitiva A psicologia cognitiva estuda a cognição e os processos mentais que estão por detrás do comportamento. Ela se estruturou a partir do desenvolvimento da tecnologia, que impulsionou as áreas de comunicação e da inteligência artificial com o advento dos computadores. Para Bock (2011, p. 18), “hoje, o que temos são teorias derivadas dessa vertente pioneira, e ela inspirou, em parte, os estudos do campo cognitivista, que é de muita importância para a psicologia social”. 30 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Para a psicologia cognitiva a aprendizagem ocorre por meio da educação, pressuposto baseado em como as pessoas estabelecem associações entre conceitos, memorizam sequências de conceitos, resolvem problemas e têm ideias. Aqui, a aprendizagem ocorre a partir da relação entre o indivíduo e o mundo que o cerca. Essa abordagem diferencia dois tipos de aprendizagem: a mecânica, que diz respeito às novas informações na estrutura cognitiva; e a significativa, em que é processada quando um novo conteúdo se relaciona com conceitos relevantes, claros e disponíveis. Para os teóricos dessa linha, uma aprendizagem é válida quando possibilita formas eficazes de comunicação para facilitar as associações entre produtos e serviços. Por exemplo, em uma lista com diversas palavras apresentada a uma pessoa. Se fosse pedido para que ela se lembrasse das palavras, observaríamos que as mais lembradas seriam as primeiras e as últimas da lista. Esse fenômeno é chamado de efeito de posicionamento em série. Um outro aspecto importante dessa teoria é a aprendizagem por associação em par. Por exemplo, a criação de marcas que sugerem o uso de determinado produto ou serviço. Vale lembrar, contudo, que a memória só é atingida se houver antecipadamente a percepção e o envolvimento de quem desejamos atingir. Os estudos dessa linha teórica da psicologia ocasionaram novos olhares para o entendimento do cérebro. Os psicólogos passaram a estudar os processos mentais, cognitivos, principalmente os que estavam relacionados com a memória, a percepção e as emoções: No começo do século XXI, a psicologia cognitiva continua a ser a abordagem predominante, com grande impacto nos campos da neurociência, educação e economia. Sua influência estendeu-se ao debate natureza versus criação, já que, diante das recentes descobertas nas áreas de genética e neurociência, psicólogos evolucionistas, como Steven Pinker, defendem que nossos pensamentos e ações são determinados pela constituição do nosso cérebro e que, a exemplo de outras características herdadas, estão sujeitos às leis de seleção natural (O LIVRO..., 2012, p. 159). Um estudo importante nessa área foi o entendimento da estrutura da memória. Após várias pesquisas, criou-se o modelo de memória de armazenamento múltiplo, que compreende três sistemas: • Memória sensorial: compreende os cinco sentidos (visão, audição, paladar, tato e olfato). Nela ocorre a atenção preliminar em que o estímulo é analisado. • Memória temporária: em que a informação fica temporariamente armazenada. Estudos mostraram que ela consegue processar de cinco a sete porções de informações, ou seja, se receber muita informação parte dela será perdida. • Memória permanente: em que as informações são armazenadas definitivamente. 31 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO Esses e outros estudos na área da psicologia cognitiva foram tão importantes que transformaram o conceito de inteligência. Anteriormente, éramos avaliados quanto à inteligência por meio do chamado Quociente de Inteligência (QI). Então, a partir dos estudos do psicólogo Daniel Goleman (1946) no livro Inteligência Emocional (1995), reacende-se a discussão sobre o conceito de inteligência. Para ele, a obtenção de nosso sucesso é decorrente da chamada inteligência emocional, que está dividida em cinco áreas de habilidades: autoconhecimento emocional; controle emocional; automotivação; reconhecimento de emoções em outras pessoas; e habilidade em relacionamentos interpessoais. Dessa forma, podemos entender que para uma pessoa ser classificada como emocionalmente inteligente ela deve ter uma habilidade tanto de entender outras pessoas (inteligência interpessoal) quanto entender a si mesmo (inteligência intrapessoal). Posteriormente, outro psicólogo, Howard Gardner (1943), propôs uma divisão da inteligência em sete competências: inteligência verbal ou linguística; lógico-matemática; cinestésica-corporal (capacidade de usar o próprio corpo); espacial; musical; interpessoal; e intrapessoal. A inteligência, portanto, é afetada pelo estado emocional do indivíduo. Outro estudo importante está relacionado às atitudes. Segundo Daniel Katz (1903-1998), as atitudes teriam quatro funções básicas: • função instrumental ajustativa ou utilitária: é a função que tem como premissa o reforço e a punição. O indivíduo forma sua atitude em torno da recompensa que poderá obter e da forma pela qual poderá reduzir a insatisfação. São atitudes que procuram maximizar os ganhos e minimizar os custos; • função ego-defensiva: esta função atende a uma necessidade básica do psiquismo em termos de proteção do eu. Protege o indivíduo distorcendo a realidade se esta se apresentar incongruente com sua autoimagem e com seus valores; • função de expressão de valores: esta função faz o indivíduo expressar atitudes apropriadas a seus valores pessoais e seu autoconceito. Desta expressão o indivíduo obteria uma satisfação em termos de experimentar um estado de congruência. Uma dona de casa que recusa enlatados, por exemplo, elogiará um restaurante de comida caseira; e, • função de conhecimento: esta função seria necessária para construir seu universo de forma organizada, procurando dar significado e organização às percepções. Para tanto, elementos que são percebidos como inconscientes ou incompletos são reorganizados ou modificados
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