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A História do Direito no Brasil - Antônio Carlos Wolkmer 
Introdução 
 
O autor demonstra, já na introdução da obra, a intensão de afastar-se da 
construção da história do direito fundada na autoridade, continuidade, 
acumulação, previsibilidade e formalismo de nossa tradição teórica-empírica. 
Intende, assim, questionar o conhecimento dogmático (colocando de lado sua 
concepção elitista), buscando uma visão sócio-político da história de caráter 
crítico-ideológica. 
Há menção pelo Autor da pouca importância dada à disciplina da História do 
Direito nos cursos jurídicos desde sua formação, resultando em uma literatura, 
até hoje, formada principalmente de “estudos descritivos e pouco sistemáticos, 
marcados por um enfoque tradicional e algumas vezes erudito, mas sem uma 
contextualização crítica maior” (p. 05). 
Nessa perspectiva, há intenção de se “reinventar brevemente a trajetória da 
historicidade jurídica nacional, quer apontando seus mitos, falácias e 
contradições, quer evidenciando seu perfil e sua natureza ideológica” (p. 07), 
lembrando-se que “a formação jurídica nacional foi sempre comprometida com 
as classes dominantes, em uma contraditória tradição legal que buscava 
conciliar práticas ‘burocráticas-patrimonialistas com a retórica do formalismo 
liberal e individualista’” (p. 07). 
Enfim, ressalta o autor que não há intenção de apresentar uma obra com uma 
história completa do Direito no Brasil, “mas uma breve introdução histórico-crítica 
acerca de determinados momentos” (fl. 09), com a finalidade precípua de se 
compreender o entrelaçamento entre os processos histórico-sociais, 
considerando seus avanços e recuos, que determinam a realidade jurídica 
brasileira contemporânea. 
 
Capítulo I – PARADIGMAS, HISTORIOGRAFIA CRÍTICA E DIREITO 
MODERNO 
Nesse capítulo, o autor procurou analisar as relações entre a História e o Direito, 
contemplando questões como mudanças de paradigmas e marcos-teóricos, em 
um contexto de busca por uma “outra historicidade das ideias e das instituições 
de Direito” (fl. 08). 
 
1.1 Questões paradigmáticas para repensar a história. 
As mencionadas relações entre a História e o Direito têm grande valor para a 
correta percepção da nossa situação presente. Por isso, o Autor busca a 
conscientização do leitor das diferenças existentes entre a História oficial e a 
História subjacente. 
A “nova” História busca “recuperar a experiência histórica das bases”, 
redefinindo suas fontes em busca de “outros tipos de evidências confiáveis”, pois 
“agora ‘tudo tem uma história’” (pp. 12/13). 
É dessa forma que o autor, com base em José Honório Rodrigues, entende que 
deve ser um objetivo político do historiador “contribuir para capacitar o povo a 
fazer história” (p. 14). Portanto, temos que rever a nossa História, partindo dessa 
visão crítica dos acontecimentos. 
 
1.2 Historiografia jurídica tradicional: natureza e função 
Tradicionalmente, a História do Direito tem sido vinculada a um saber formalista, 
abstrato e erudito. Todavia, nos últimos vinte anos, vem ocorrendo uma 
renovação no interesse pela matéria, interesse esse “de natureza crítico-
ideológica” (p. 15), de cunho renovador da cultura jurídica nacional. 
O autor, corroborando posicionamento de A. M. Hespanha, diz que aquela 
História “oficial” possui dois objetivos muito claros, em defesa dos princípios e 
valores liberal-burgueses: a) desvalorizar preconceituosamente a ordem jurídica 
pré-burguesa; b) pregar a construção de uma sociedade liberta da arbitrariedade 
e historicidade anteriores. 
A historiografia tradicional, então, “tornou-se um mecanismo de endeusamento 
da ordem jurídica, política e social do modo de produção capitalista”, 
“apresentado como uma situação natural” (p. 16). Nessa medida, sendo uma 
disciplina de justificação da ordem legal, ela foi perdendo significação. Surge daí 
a necessidade de uma nova abordagem, que tenha por características a 
problematização, a desmistificação e a transformação. Epistemologia 
 
1.3 Novos marcos na historicidade do direito 
A renovação acima mencionada, de acordo com o autor, deve ser gerada a partir 
da “dialética da produção e das relações sociais concretas” (p. 17). Ela (a 
renovação), na América Latina, é influenciada por cinco “eventos 
epistemológicos”, que passam a ser referenciados no texto. 
1) A emergência de uma corrente progressista de cunho neomarxista, com a 
releitura da obra de Gramsci. Com o auge no movimento de 68, apresenta o 
discurso dos “novos sujeitos sociais e os novos conteúdos da revolução”. 
2) A Escola de Frankfurt, segundo a qual haveria necessidade de se reconstruir 
a racionalidade em um contexto emancipador. A filosofia assumiria, então, uma 
instrumentalidade visando a tomada de consciência dos sujeitos e a ruptura de 
sua condição de opressão. 
3) A Escola francesa dos “Annales”, que tinha como principais objetivos: a) 
ultrapassar o positivismo histórico; b) retirar barreiras para restabelecimento da 
“unidade real da vida”; c) procura de uma História social, “não só como ciência 
do passado”. A Escola visava a aderência a uma abordagem interdisciplinar que 
buscasse a transformação da realidade estudada. 
4) Pensamento libertador latino-americano, através do qual se busca a afirmação 
da alteridade emancipadora, “mediante um Direito livre da injustiça e da 
coerção”. 
5) Por último, o chamado “Direito Alternativo”, consubstanciado, na verdade, 
uma “hermenêutica jurídica alternativa”, que busca dentro do sistema existente 
encontrar falhas e lacunas que permitam recuperar “a dimensão transformadora 
do direito”. 
Os elementos acima mencionados são contribuições para criação de “novos 
referenciais metodológicos” “no estudo histórico das ideias e das instituições no 
campo do Direito” (p. 23). 
Objetiva-se, portanto, a revisão crítica de nossa história, principalmente na 
questão das “práticas de regulamentação e de controle social” (p. 24). 
 
1.4 Pressupostos da modernidade jurídica burguesa: ideias e instituições. 
A juridicidade criada no século da Revolução Burguesa e o seguinte teve sempre 
como alvo a justificação dos interesses daquela classe, armando-se uma teoria 
jurídica que sustentasse o paradigma liberal através de características e 
institutos muito típicos dessa visão ideológica. 
O indivíduo é absolutizado, havendo uma priorização jurídica da igualdade 
formal, assentada numa abstração que não leva em consideração as 
desigualdades pré-existentes. Surgem, então, juristas que vêm colaborar com 
essas construções, em uma releitura do direito romano, adaptada aos interesses 
dos burgueses-proprietários. 
O jusnaturalismo clássico contribui, então, com o moderno direito liberal na 
transposição das seguintes características: a) igualdade formal; b) normas 
gerais, abstratas e impessoais; e c) criação do Direito Público paralelo ao Direito 
privado. 
Como ressalta o autor, citando Eliseu Figueira, “tais princípios de abstração, 
generalidade e impessoalidade têm no modelo liberal-individualista ‘um 
significado ideológico, o de ocultar a desigualdade real dos agentes econômicos, 
para desse modo se conseguir a aparência de uma igualdade formal, a igualdade 
perante a lei’” (p. 27). 
Passa-se a discorrer sobre alguns institutos da juridicidade moderna, a começar 
pelo “direito de propriedade”, que “exclui do seu uso e gozo qualquer outro não-
proprietário” (p. 28). 
Outro instituto característico é o “contrato”, “símbolo máximo do poder da 
vontade individual” (p. 29) que esconde a desigualdade existente entre as 
pessoas, uma vez que pressupõe uma igualdade formal, somente existente entre 
os próprios burgueses. Citando Orlando Gomes, lembra-seque “a apregoada 
liberdade contratual” “tem sido uma ‘fonte das mais clamorosas injustiças’” (p. 
29) 
Para entender o Direito Moderno, afirma o autor, deve-se conhecer as 
“categorias nucleares” do “sujeito de direito” e do “direito subjetivo”. Aquele é o 
“ente moral”, livre e igual; enquanto esse é a faculdade moral que permite ao 
sujeito defender seus interesses materiais e morais. 
Menciona-se, ainda, como características do Direito Moderno, “princípios fins”, 
como a segurança e a certeza jurídica, diferenciando-as. Igualmente, transita-se 
por cosmovisões filosóficas hegemônicas, quais sejam, o jusnaturalismo e o 
positivismo jurídico. 
O Jusnaturalismo tem como fundamento a existência de uma ordem jurídica a 
priori, na crença de um preceito superior. Todavia, a defesa desse direito 
pretensamente eterno e universal buscava esconder, na verdade, os reais 
beneficiários de seus princípios, fundados no liberal-contratualismo e 
racionalismo do século XVIII. 
Contudo, “a expressão máxima do racionalismo moderno” foi o positivismo que, 
ao contrário do jusnaturalismo, rejeitava qualquer ordem a priori, pois “toda a sua 
validade e imputação fundamentavam-se na própria existência de uma 
organização normativa e hierarquizada” (p. 33). É fruto daquela sociedade 
burguesa fundada no progresso industrial, técnico e científico, na pretensão de 
pacificar as relações entre o capital e o trabalho através de regras de controle. 
 
CAPÍTULO II – O Direito na Época do Brasil Colonial 
 
2.1 Primórdios da estrutura político-econômica brasileira 
Nesse capítulo, o Autor, tendo já explanado sobre os traços do Direito Moderno 
ocidental, procura explorar a questão da forma de transposição daquele modelo 
jurídico ao Brasil colônia, bem como de que forma essa transposição tem 
influência dos interesses da Metrópole e da situação social existente na Colônia. 
 
Vê-se, pelo texto, que a convivência entre um sistema patrimonialista e, ao 
mesmo tempo, de burocracia liberal-individualista, representava um paradoxo, 
explicado por elementos econômicos, sociais, ideológicos e políticos. Para 
melhor compreensão do tema é que se passa a discorrer, na sequência da obra, 
quanto àqueles elementos. 
Como é sabido, o modo de produção colonial era baseado na 
complementariedade em relação à metrópole e a constituição de monopólios, 
principalmente agrícolas, de exportação. Nos primeiros séculos após o 
descobrimento, portanto, a produção brasileira refletiu, tão-somente, os 
interesses da metrópole. 
No que concerne à formação social, é de se dizer que se baseava em uma 
derivação do sistema feudal, com lastro no latifúndio e na mão-de-obra escrava. 
Portanto, “o sistema aglutinava certas práticas de base feudal com uma 
incipiente economia de exportação centrada na produção escravista” (p. 39). 
Já quanto à estrutura política, a administração era realizada em um contraditório 
sistema de pulverização do poder entre os donatários, senhores de escravos e 
proprietários de terras e a tentativa de centralização pela Coroa, sempre distante 
dos interesses da população, gerando um “Estado” sempre defensor das elites 
sociais e com tradição de “intervencionismo estatal no âmbito das instituições 
sociais e na dinâmica do desenvolvimento econômico” (p. 41). 
Esses aspectos econômicos e políticos são essenciais para encontrar as raízes 
da formação social e política brasileira, inclusive a jurídica. Isso porque a 
ideologia propagada pela contra-reforma encontrou sua maior defesa na 
Península Ibérica, cujo desprezo pelas práticas mercantis lucrativas e 
subserviência aos dogmas católicos vieram a dificultar o aparecimento de uma 
burguesia rica e o desenvolvimento cultural, econômico e científico baseado na 
racionalidade. “Em consequência, Portugal distanciava-se do ideário 
renascentista, ... no apego à tradição estabelecida e na propagação de crenças 
religiosas pautadas na renúncia, no servilismo e na disciplina” (p. 43). 
Somente com a reconciliação de Portugal com a Europa e com as drásticas 
reformas implementadas pelo Marquês de Pombal é que se possibilitou um 
movimento renovador que ofereceu condições ao advento do liberalismo 
português. Esse fato vai ser determinante na história brasileira, porque esse 
liberalismo será transposto à colônia, encontrando um espectro econômico e 
social em princípio inconciliáveis. 
 
2.2 A legislação colonizadora e o Direito Nativo 
Há menção, na obra, da imensa primazia do Direito português como influência 
para a formação jurídica no Brasil, a despeito das práticas informais negras e 
índias. 
A primeira fase colonial (1520-1549) caracterizou-se “por uma prática político-
administrativa tipicamente feudal” (p. 47), sendo o direito vigente uma 
transferência completa da legislação portuguesa. Contudo, as características da 
Colônia fizeram necessárias algumas “Leis Extravagantes”, como a “Lei da Boa 
Razão”, que minimizava a autoridade do Direito Romano e visava beneficiar e 
favorecer a Metrópole, em um modelo que viria a ser repetido por toda história 
brasileira de “dissociação entre a elite governante e a imensa massa da 
população” (p. 49). 
O modelo jurídico então existente, portanto, buscava garantir a defesa dos 
interesses da estrutura elitista de poder, fundado, inicialmente, no idealismo 
jusnaturalista e, posteriormente, na exegese positivista, mas sempre com um 
descaso “pelas práticas costumeiras de um Direito nativo e informal” (p. 49). 
“Desde o século XVII, a elite dominante e seus letrados servis buscaram 
justificar, sob o aspecto religioso, moral e jurídico, um projeto cristão-colonialista, 
colocando em relevo a legitimidade da escravidão e a fundamentação de normas 
que institucionalizassem o controle” (p. 55). 
Para que esse modelo elitista e patrimonialista funcionasse, era necessária a 
sua institucionalização por meio de preparados atores profissionais e regulares 
instâncias processuais. É o que passamos a ver: 
 
2.3 Os operadores jurídicos e a administração da justiça 
A princípio, durante o período das capitanias hereditárias, eram os donatários os 
responsáveis pela administração da justiça, situação que veio a modificar-se 
com o advento dos governadores-gerais, evoluindo para criação de uma justiça 
colônia, que visava tornar mais fácil impor um sistema de jurisdição 
centralizadora, de interesse da Coroa. 
Uma estrutura inicial teve que ser dilatada diante do crescimento das cidades, 
surgindo um sistema composta de juízes singulares e os chamados “Tribunais 
de Relação”, órgãos colegiados a quem se dirigiam os recursos de agravo e 
apelação, mas que também tinha uma competência originária determinada, 
enquanto a terceira instância era representada pela “Casa da Suplicação”, na 
Metrópole. 
Foram criados Tribunais de Relação no Brasil, primeiramente na Bahia e 
posteriormente no Rio de Janeiro, cuja composição era formada, quase na 
totalidade, por portugueses, ou ainda por brasileiros formados na Metrópole. “Os 
magistrados revelavam lealdade e obediência, ... resultando em benefícios nas 
futuras promoções e recompensas” (p. 63). Em geral, a escolha de magistrados 
era feita com base em um recrutamento que garantisse um padrão mínimo, mas 
vinculado a apadrinhamentos. Esses juristas deveriam ser formados na 
Universidade de Coimbra e ter exercido a profissão por pelo menos dois anos. 
Tais operadores do direito (geralmente de classe média), cujos padrões eram 
rigidamente formais, encontraram um sistema baseado em laços de parentesco, 
dinheiro e poder. Esses contatos pessoais favoreciam a corrupção e, como 
consequência, era natural que os magistrados que faziam fortuna e alcançavam 
podersocial aspirassem permanecer na Colônia, mesmo com a possibilidade de 
retorno à Metrópole. 
Assim, “no Brasil-Colônia, a administração da justiça atuou sempre como 
instrumento de dominação”, em “atitudes e relações não-profissionais de 
‘dominação tradicional’ com práticas administrativas profissionais marcadas pela 
especialização, hierarquia e carreira burocrática” (p. 68). 
Todavia, também houve a presença da justiça eclesiástica e, não obstante nunca 
ter ocorrido um Tribunal de Inquisição em solo brasileiro, casos mais graves 
eram julgados em Portugal. Nesse sistema de dominação “não havia lugar para 
os judeus, cristãos-novos, muçulmanos, negros, mulatos, ciganos, heterodoxos 
ou contestadores de qualquer” (p. 70). 
Portanto, tanto na administração convencional da justiça quanto nos tribunais 
eclesiásticos, o padrão políticos-administrativo era caracterizado por um perfil de 
teor predominantemente excludente. 
 
CAPÍTULO III – ESTADO, ELITES E CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL 
O texto busca refletir sobra a formação da cultura jurídica nacional e de que 
maneira o ideal liberal influenciou na criação das instituições e nos operadores 
do direito em nosso território. Vejamos: 
 
3.1 O liberalismo pátrio: natureza e especificidade 
São princípios do liberalismo a liberdade pessoal, o individualismo, a tolerância, 
dignidade e crença na vida. Outras características suas são: no plano 
econômico, a propriedade privada, economia de mercado, ausência ou 
minimização do controle estatal, a livre empresa e a iniciativa privada; no plano 
político-jurídico, consentimento individual, representação política, divisão dos 
poderes, descentralização administrativa, soberania popular, direitos e garantias 
individuais, supremação constitucional e estado de direito. 
Como se verá, a adaptação do liberalismo iluminista europeu foi amplamente 
limitado por interesses locais, resultando em uma estrutura político-
administrativa patrimonialista e conservadora, criado para servir de suporte aos 
interesses das oligarquias. Tal situação denunciava a “ambiguidade da junção 
de ‘formas liberais sobre estruturas de conteúdo oligárquico’”, com aparência de 
formas democráticas (p. 76). 
No início dos movimentos pela independência, houve uma compatibilização de 
interesses da população com as elites locais. Estes visavam a eliminação dos 
vínculos coloniais e aqueles a busca da igualdade econômicas e sociais. 
Conseguido o intento libertário, as formas liberais de poder determinaram a 
manutenção do status quo ante, em uma formação pseudo-democrática de 
dominação. Assim, “o Estado brasileiro nasce ‘em virtude da vontade do próprio 
governo (da elite dominante)” (p 77), acabando por prevalecer um liberalismo 
conservador praticado por minorias hegemônicas e antidemocráticas. A retórica 
conservadora sobre o liberalismo fundava-se numa concepção de democracia 
que negava às massas incultas a capacidade de participação (p. 78). 
 
3.2 O liberalismo e a cultura jurídica no século XIX 
O liberalismo, após o processo de desvinculação da Metrópole, representava a 
modernização do Estado. No início, houve um embate entre liberais radicais e 
conservadores, com a vitória desses, o que resultou em um sistema dissociado 
de práticas democráticas, conciliação com a estrutura patrimonialista colonial, 
introduzindo “uma cultura jurídico-institucional marcadamente formalista, retórica 
e ornamental” (p. 79). 
Após a independência, dois fatores foram fundamentais para edificação de uma 
cultura jurídica nacional: a criação dos cursos de direito (Recife e São Paulo) e 
a criação de uma Constituição e leis próprias brasileiras. 
Quanto às faculdades de direito, sua finalidade primeira era atender as 
necessidades burocráticas do Estado. A faculdade de Recife se constituiu na 
vanguarda científica do Brasil, enquanto a Academia de São Paulo aderiu ao 
periodismo e à militância política, sendo um centro privilegiado de formação de 
intelectuais destinados à cooptação pela burocracia estatal. 
O segundo grande fator para emancipação da cultura jurídica brasileira foi a 
elaboração própria do sistema legal, a partir de uma constituição. Diga-se que a 
fachada liberal desse sistema, apoiado pela monarquia, ocultava o escravismo 
e excluía a maior parte da população do país. Destacam-se, ainda, o Código 
Criminal de 1830 e Código de Processo Criminal de 1832, que extinguiu a 
estrutura colonial portuguesa, que era apoiada sobre os ouvidores e juízes de 
forma, na tentativa de criação de uma burocracia profissionalizada de 
administração da Justiça. Reforçava-se, dessa forma, a dominação 
patrimonialista, com exercício da Justiça apoiada no “mais ‘absoluto policialismo 
judiciário’” (p. 88). 
É de se ressaltar, ainda, o Código Comercial, de 1850 e Código Civil que, não 
obstante projetos existentes desde de 1860, somente foi aprovado em 1916, 
tendo-se em conta que “para a burguesia, a ordenação do comércio e da 
produção da riqueza era mais imperiosa do que a proteção e a garantia dos 
direitos” civis (p. 88). Isso não impediu, contudo, que o projeto de Clóvis 
Beviláqua tivesse uma “mentalidade patriarcal, individualista e machista de uma 
sociedade agrária e preconceituosa” (p. 89) e que traduzisse “intentos de uma 
classe média consciente e receptiva aos ideais liberais mas igualmente 
comprometida com o poder oligárquico familiar” (p. 90). 
 
3.3 Magistrados e Judiciário no tempo do Império 
Esses profissionais, formados em Coimbra, tinham um “procedimento pautado 
na superioridade e na prepotência magisterial”, “preparados e treinados para 
servir aos interesses da administração colonial” (p. 91). Como ressalta o Autor, 
os juízes foram pilares de sustentação na criação de uma organização política 
nacional e um dos principais agentes de articulação da unidade nacional. 
Estavam, dessa forma, identificados com o poder político, bem como eram 
controlados através de remoções, promoções, suspensões e aposentadorias do 
governo central, em uma transplantação dos vícios crônicos da Metrópole. 
Em 1871 foi realizada a maior reforma do sistema jurídico no império, com o 
objetivo principal de separar as funções policiais e judiciárias misturadas em 
1841 (e aumentando as restrições ao exercício de cargos políticos), em uma 
“tênue estratégia legal de transição do escravismo para a produção livre” (p. 95). 
As competências dos Juízes de Paz foram alargadas e, juntamente com os 
Tribunais do Júri, constituía um ataque frontal à elite judicial, no dizer de FLORY. 
Enquanto os magistrados foram formados, em sua maioria, em Coimbra, os 
advogados tiveram sua educação no Brasil, sendo que a relação de cada um 
com o Poder Público era distinta. Todavia, “foi no cenário instituído por uma 
cultura marcada pelo individualismo político e pelo formalismo legalista que se 
projetou a singularidade de uma magistratura incumbida de edificar os quadros 
político-burocráticos do Império” (p. 98). 
 
3.4 O perfil ideológico dos atores jurídicos: o bacharelismo liberal 
De acordo com o Autor, o bacharel dos séculos XIX e XX não exerceram papel 
muito distinto do magistrado português no período colonial. O bacharelismo, na 
verdade, favorecia uma formação liberal-conservadora. Foi, contudo, o 
periodismo na universidade, principalmente no largo do São Francisco, que 
determinou a forma de atuação e a formação intelectual do acadêmico das leis. 
Assim, este adere ao conhecimento ornamental e ao cultivo da erudição 
linguística, buscando sempre a primazia da segurança, ordem e liberdades 
individuais, criando, determinando, como já dito, um profissional essencialmente 
moderado e conservador. Foi o liberalismo, dessaforma, a grande bandeira 
ideológica defendida e ensinada nas academias jurídicas, sendo que o bacharel 
assimilou e viveu projeções liberais dissociadas de práticas democráticas. O 
Liberalismo, nesse contexto conservador, não estava necessariamente 
acompanhado de democracia, nem sequer a despatrimonialização do Estado 
Brasileiro. 
A cultura jurídica brasileira foi conduzida, então, “a um estranho e conveniente 
ecletismo: à tradição de um patrimonialismo sócio-político autoritário (de 
inspiração lusitana) com uma cultura jurídica liberal-burguesa (de matiz francês, 
inglês e norte-americano)” (p. 102). 
Rui Barbosa foi quem melhor sintetizou essa cultura jurídica tradicional, 
individualizante e formalista, cujo imaginário social era distante do Direito vivo e 
comunitário bem como da população, em uma atividade advocatícia 
descomprometida com a vida cotidiana. 
De acordo com o Autor, contudo, “nada impede de se redefinir, 
contemporaneamente, o papel do advogado enquanto profissional e cidadão” (p. 
104). 
 
CAPÍTULO IV – HORIZONTES IDEOLÓGICOS DA CULTURA JURÍDICA 
BRASILEIRA 
O processo de colonização portuguesa no Brasil reproduziu uma juridicidade 
patrimonialista e conservadora, que gerou, posteriormente uma contraditória 
conciliação com práticas liberais e formalistas, em um contexto antidemocrático 
e elitista. 
 
4.1 Trajetória sócio-política do Direito Público 
Os principais elementos impulsionadores de uma juridicidade pública no Brasil 
foram as revoluções francesa e norte-americana, a vinda da Família Real bem 
como um exacerbado nacionalismo. 
Diante de uma situação de exploração de povos periféricos, como o Brasil, 
propiciou-se a formação de um Direito Público que visava a limitação do poder 
absolutista, no que se chamou de Constitucionalismo, que é uma “concepção 
técnico-formal do liberalismo político na esfera do Direito” (p. 106). 
Todavia, após a independência, resultado de uma união entre o povo e a elite, 
foi outorgada uma Constituição Monárquica que representou apenas os intentos 
do absolutismo real e os interesses dos grandes proprietários. Assim, os direitos 
políticos eram cometidos à grupos hegemônicos, em uma estrutura social pouco 
propícia a novas ideias, revolucionárias ou liberais. 
Ocorre que a perda de poder da elite agrária, a crise militar e o estremecimento 
das relações entre Igreja e Estado proporcionou o surgimento de movimentos 
antimonarquistas, em um ambiente liberal-conservador que, apesar de alterar a 
correlação de forças, não teve a capacidade de alterar a estrutura dominante. 
Durante o período Imperial, o Brasil possuía sua base econômica na exploração 
da cana de açúcar, principalmente na Bahia e em Pernambuco, situação que se 
modificou com o surgimento de um novo produto exportador, o café, que moveu 
o eixo econômico para Minas Gerais e São Paulo, permitindo o aparecimento de 
uma oligarquia cafeeira. 
Assim é que aparece a primeira república, cujo texto constitucional de 1891 
“expressava valores assentados na filosofia política republicano-positivista” 
sendo que “a retórica do legalismo federalista ... beneficiava somente 
seguimentos oligárquicos regionais” e, diante da nova estrutura social, com o 
aparecimento de uma burguesia urbana, “o liberalismo político antidemocrático 
não só beneficiava os intentos dos grupos oligárquicos hegemônicos, como, 
sobretudo, asseguraria que a facção dominante da burguesia agrária detivesse 
poder exclusivo até fins da década de 20” (pp. 109/110). 
Como se vê, tanto a constituição monárquica de 1824 quanto a republicana de 
1891 deixaram de levar em consideração os interesses das grandes massas 
rurais e urbanas, consubstanciando-se em instrumentos de controle político-
econômico baseados em procedimentos burocráticos-patrimonialistas, que 
permitiam a corrupção, o favorecimento e o nepotismo. 
Foi com o colapso da economia agroexportadora e a falência das instituições da 
República Velha que se digladiaram pelo poder forças sociais antagônicas que 
não conseguiram sobrepor-se umas às outras, resultando na projeção do próprio 
Estado para ocupar o vazio, gerando uma ainda mais dissociada produção 
jurídica em relação aos interesses populares. 
Já a Constituição de 1934, tida por alguns como avanço pela previsão de direitos 
sociais (sob influência das constituições do México e de Weimer), na verdade 
igualmente expressava mais o interesse de regulamentação das elites agrárias 
locais, sendo utilizada como instrumento para aparar os choques entre as 
classes. 
Na sequência, a Carta de 1937, inspirada no Fascismo europeu, instituiu o 
autoritarismo corporativista e a ditadura do executivo, além de criar obstáculos à 
garantia dos direitos do cidadão. A Constituição de 1947, não obstante restabeler 
a representatividade formal, tratou-se “de um arranjo burguês nacionalista entre 
forças conservadoras e grupos liberais reformistas” (p. 114). 
Em 67 e 69, houve uma reprodução da aliança conservadora da burguesia 
agrária/industrial, sendo as constituições daqueles anos claramente 
antidemocráticas, tendo por características a centralização e a arbitrariedade. 
Quanto à Constituição de 1988, há de se reconhecer avanços, podendo, 
contudo, tanto servir “‘à legitimação da vontade das elites e à preservação do 
status quo’, quanto ‘poderá representar um instrumento de efetiva modernização 
da sociedade”’ (p. 114). Ressalte-se que ela vem sendo profundamente atacada, 
com restrições à área social. 
Como se vê, o nosso Constitucionalismo jamais refletiu as aspirações e 
necessidades da sociedade, servindo de legitimação das elites hegemônicas e 
seus privilégios, sendo “marcado ideologicamente por uma doutrina de nítido 
perfil liberal-conservador. ... [Assim,] as instâncias do Direito Público jamais 
foram resultantes de uma sociedade democrática e de uma cidadania 
participativa ... [o que] fez com que inexistisse ... a consolidação de um 
Constitucionalismo de base popular-burguesa ... [configurando uma] 
‘conciliação-compromisso’ entre o patrimonialismo autoritário modernizante e o 
liberalismo burguês conservador” (p. 116). 
 
4.2 As instituições privadas e a tradição jurídica individualista 
O regime econômico brasileiro baseado na escravatura tinha grande receio na 
instituição de direitos civis, que poderiam minar as bases produtivas. Assim, 
enquanto o país criava a constituição e legislações penal, processual e mercantil, 
a regulamentação civil permanece vinculada à previsões portuguesas. A 
legislação comercial exorbitou, cobrindo atos da vida civil, visando suprir com 
certa segurança algumas lacunas. 
Dessa forma, somente com a abolição do sistema escravocrata é que se 
concretizou a extinção das ordenações, ocorrendo, contudo, que o projeto de 
normatização Civil de Clóvis Beviláqua, elaborado em 1899, somente foi 
promulgado em 1916. Esse Código oferecia mais ênfase ao patrimônio privado 
do que às pessoas, em um perfil tipicamente conservador e pouco inovador. É 
certo, portanto, que “a ordem jurídica positiva republicana, por demais 
individualista, ritualizada e dogmática em suas diretrizes ordenadoras, quase 
nunca traduziu as profundas aspirações e intentos do todo social. ... Temos 
assim toda uma legislação positivo-dogmática, marcada pela tradição 
individualista de proteção e de conservação do Direito de Propriedade” (pp. 
123/124). 
 
4.3 Historicidade e natureza do pensamento jusfilosófico nacional 
Em princípio, durante a colonização, não se pode falar em uma “teoria jurídica”, 
uma vez que a concepção de lei, direito e justiça estava vinculada unicamente 
às diretrizes da Igreja. Os primeiros trabalhos de cunho jusfilosófico, aocontrário 
do que se poderia imaginar, preocupavam-se em não desagradar a metrópole. 
Resulta disso foi um “ecletismo”, que foi a principal sistematização do 
pensamento brasileiro no século XIX. Ecletismo é “uma reunião de teses 
conciliáveis tomadas de diferentes sistemas de Filosofia, e que são justapostas, 
deixando de lado, pura e simplesmente, as partes não-conciliáveis destes 
sistemas”. Esse “ecletismo”, no dizer de Roberto Gomes, representa o “mito 
brasileiro da imparcialidade”. 
No final do século XIX, inicia-se a influência do Positivismo, cujo apelo 
cientificista apresentava-se como discurso hegemônico e uniforme, impondo 
uma série de implicações negativas à cultura jurídica brasileira, como vinculação 
à mentalidade legal dogmática e a manutenção da ordem vigente. 
O autor passa, então, a comentar sobre expoentes de diversas “Escolas” 
jurídicas, mencionando seus principais atores e suas características. Refere-se 
ao surgimento, durante a crise sócio-econômica que sacudiu a Velha República, 
de novas teses como o Culturalismo, a Conciliação, o Nacionalismo de esquerda 
e o Desenvolvimentismo. 
A corrente Culturalista fundou o Instituto Brasileiro de Filosofia. Como exemplo 
dessa corrente temos a obra “Fundamentos do Direito”, de Miguel Reale, 
apresentando pela primeira vez a teoria tridimensional do direito, que buscava 
superar as limitações das epistemologias idealistas e empírico-formais. Tal 
pensamento, a princípio inovador, acabou não tendo alcance transformador, por 
continuar a ser um saber ligado à normatividade. 
A verdade é que nossa cultura jurídica é marcada por uma visão formalista do 
direito, reproduzindo, em regra, um saber jurídico retórico, apenas como um 
instrumento de poder. Dessa forma, essa cultura não têm ligação com as reais 
reivindicações e necessidades da sociedade periférica brasileira. 
Deve-se, assim, “articular e operacionalizar um projeto de cunho crítico-
interdisciplinar no Direito, ... implementadores de avanços e soluções para a 
presente historicidade” (p. 140). “As novas tendências paradigmáticas que 
compõe o que se convencionou chamar de ‘pensamento crítico’ ou de ‘crítica 
jurídica’ rompem e desmitificam as dimensões político-ideológicas que 
sustentam a racionalidade do dogmatismo juspositivista contemporâneo” (p. 
141). 
De acordo com o autor deve-se, portanto, abrir uma ampla frente de “crítica 
jurídica”, denunciando as intenções “político-ideológicas do normativismo 
estatal, quando apontam as falácias e as abstrações técnico-formalistas dos 
discursos legais, ... dessacralizando as ‘crenças teóricas dos juristas em torno 
da problemática da verdade e da objetividade’” (p. 141).

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