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+FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO DIREITO Unidade 1 – História e Direito 1. DIREITO E HISTÓRIA: APROXIMAÇÃO NECESSÁRIA Normas jurídicas - Emanam de uma autoridade política competente - Possuem poder coercitivo Cultura Jurídica: Representações padronizadas da (i)legalidade na produção das ideias, no comportamento prático e nas instituições de decisão judicial, transmitidas e internalizadas no âmbito de determinada formação social” Pode-se compreender direito como fenômeno sociocultural produzido e reproduzido desde um contexto histórico Dogmática x Zetética Dogmática Jurídica Delimita conceitos desde concepções indiscutíveis e estáveis Zetética Jurídica problematiza os dogmas e verdades jurídicas, questionando as premissas que definem a dogmática. O objetivo da história do direito é compreender a construção do direito atual, um estudo essencialmente crítico. A missão da história do direito é problematizar o pressuposto implícito e acrítico das disciplinas dogmáticas, ou seja, o de que o direito dos nossos dias é o racional, o necessário, o definitivo A finalidade essencial da História do Direito é a interpretação crítico-dialética da formação e da evolução das fontes, ideias norteadoras, formas técnicas e instituições jurídicas, primando pela transformação presente do conteúdo legal instituído e buscando nova compreensão historicista do Direito num sentido social e humanizador Direito Moderno Direito Moderno é compreendido desde uma nova perspectiva que permite identificar os fatores e elementos políticos, sociais, econômicos e culturais subjacentes ao processo histórico desenvolvido entre os séculos XVI a XIX na Europa que acabou por definir a cultura jurídica dominante nos dias de hoje. É resultado do contexto histórico europeu moderno organizado desde a consolidação do capitalismo liberal que foi definindo uma estrutura política e jurídica estatal centralizada, modelo este que, por conta da expansão colonizadora, foi colocado em marcha a partir do século XIV. Fundamento do Direito Moderno e Individualismo Liberal É o individualismo liberal, expressão maior do valor moral da sociedade burguesa emergente, que coloca o homem como ser individual autônomo e formalmente livre RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: • Direito é um produto histórico e social. • Apenas é possível compreender os fundamentos, valores e finalidades das normas jurídicas se houver uma contextualização histórica. • O que atualmente identificamos como direito é produto do processo histórico da modernidade, desenvolvido a partir dos séculos XVIII e XIV no mundo europeu e que acabou por tornar-se um modelo dominante. • A análise e discussão histórica acerca do direito possibilita uma revisão crítica e humanizadora do direito. 2. UBI SOCIETAS, IBI IUS Ubi Societas, Ibi Ius – Onde há sociedade, há direito O direito é um artifício social que tem sua origem relacionada a formas de organização complexas quando os conflitos não são mais entre indivíduos isolados, mas sim de ordens estruturais que colocam em risco a própria comunidade em sua totalidade OS PRIMEIROS NÚCLEOS HUMANOS Primeiras civilizações: Mesopotâmia, Egito, Palestina, Fenícia e Persa Região que ficou conhecida como Crescente Fértil, limitada entre os rios Tigre, Eufrates e Nilo Cosmogonia é especulação, idealização, sobre a origem do mundo constituída por narrativas mitológicas que se aproximam de religião Principais características do direito dos povos sem escrita: Diversidade, uma vez que cada comunidade possuía seus costumes próprios e o isolamento A transmissão das regras de convivência pela tradição oral Forte relação de justiça com religiosidade O direito antigo é bastante limitado quanto à abstração e generalidade, reproduções de casos concretos Direito = moral = religião As fontes do direito relacionadas a costumes, práticas ancestrais, preceitos verbais etc RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • O direito é um fenômeno cultural que surge na medida em que as relações humanas tornam-se mais complexas. • Nos primórdios da civilização não há separação entre direito, religião e moral, uma vez que há uma mesma fonte de produção das normas de regulação social: o sobrenatural. • Com diversidade é possível identificar elementos comuns entre as distintas formas de direito nos povos antigos 3. O DIREITO DOS POVOS DO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO (MESOPOTÂMIA, HEBREUS E EGITO) A passagem das formas arcaicas de sociedade para as primeiras grandes civilizações tá relacionada com surgimento das cidades, a invenção e domínio da escrita, o advento do comércio e uso de moeda Destacam-se: Egito: egípcios legaram fontes indiretas nos textos sagrados e narrativas literárias + primeira civilização a transmitir um sistema de normas individualistas Mesopotâmia: Redigiram “códigos” com regras de direito bastante sofisticadas e com algum nível de abstração Hebreus: Legou nos Livros Sagrados preceitos jurídicos, posteriormente perpetuados pela Bíblia cristã 3.2 - O DIREITO DIVINO DOS EGÍPCIOS Os egípcios foram mais tímidos quando consideramos seus “vizinhos” do Oriente Próximo, uma vez que o que se espera é que a condição de domínio cultural e político fosse acompanhada de sofisticação jurídica A fonte principal do direito era a vontade do faraó Maat (direito), símbolo da justiça. Maat é o objetivo a prosseguir pelos reis, ao sabor das circunstâncias Maat pode ser traduzido por Verdade e Ordem, como Justiça propriamente dita. Importantes institutos jurídicos, como Família, considerada a célula social por excelência, era restrita ao pai, mãe e filhos menores que ganhavam emancipação após certa idade; 3.3 - O DIREITO HEBRAICO: O SAGRADO ALICERCE DE UMA NAÇÃO Direito Hebraico = conjunto de regras dos antigos israelitas, povo de origem semita, marcado por sua natureza e origem divina Núcleo era a Torah = 5 livros sagrados: Gênesis, êxodo, levítico, números e deuteronômio Moisés é a figura-símbolo da nação israelita - receber a revelação do Decálogo Todo fundamento de justiça é divino e somente em Deus ela é perfeita e absoluta As leis hebraicas de caráter civilista, diziam respeito a negócios entre particulares, ao uso do penhor como garantia de débito, não permitindo a exploração de seu próximo, razão pela qual alguns bens imprescindíveis para a sobrevivência eram impenhoráveis, não podendo ser cobrada dívida no ambiente doméstico para não humilhar a família Exemplos: As filhas poderiam ser vendidas como escravas e havia a previsão de servidão por dívida As mulheres não tinham direito sucessório e apenas o primogênito tinha direito à herança Pena de Talião: Mas, se houver dano grave, então, darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe 3.4 - O CÓDIGO DE HAMURABI: UMA PRECIOSA HERANÇA DA MESOPOTÂMIA Os sumérios foram os primeiros habitantes a terem a preocupação de desenvolverem um sistema de escrita, e por esta razão é possível que eles tenham sido os criadores dos primeiros códigos. A preocupação em sistematizar e organizar as leis em códigos é um fenômeno próprio da modernidade RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • Os povos da Mesopotâmia elaboraram os primeiros códigos da humanidade de que se tem notícia. • Os hebreus criaram seu direito com base em sua profunda fé e religiosidade e legaram, através do cristianismo, princípios jurídicos relevantes à sociedade contemporânea. • Os egípcios, embora sem a mesma concepção de direito que os demais povos antigos, possuíam regras de conduta relacionadas com a crença na vida pós-morte. 4 - O MUNDO GREGO ANTIGO A concepção de vida cosmopolita grega, a vida na pólis, desenvolveu-se lentamente a partir de um processo de sedentarização com a desagregação dos primitivos clãs PERÍODOS DA HISTÓRIA GREGA Tirania: a tirania caracterizava-se pela tomada do poder por um indivíduo nobre que elaborava leis e projetos políticosDemocracia: se exercia através da eleição de seus membros sorteados ou escolhidos entre os cidadãos Aristocracia ou Oligarquia: o cargo de magistrado era hereditário e predominava a decisão dos conselhos. Os atenienses consideravam a vida pública a forma mais perfeita de convivência humana que deveria ser aprimorada pelos homens Cidadãos eram os nascidos em Atenas, homens e maiores de 20 anos, ficando excluídos os estrangeiros (metecos), as mulheres e a grande massa de escravos Para os atenienses, o homem que não era político ou não se interessava pela política era um inútil Os escravos trabalhavam ao lado de seus senhores na agricultura, no serviço doméstico e públicos, como burocratas, recebendo tratamento quase familiar, pouco se distinguindo dos homens livres, seja pela vestimenta, seja pela cultura ou modos. Nas relações familiares se conhecia o divórcio recíproco, de maneira legal o abandono de crianças. Diferenciavam-se na maneira de se vestir, tornando visível a diferença entre pobres e ricos A religiosidade grega era um tipo de religiosidade pouco dogmática e pouco doutrinária. Toda religiosidade grega era inerente ao politeísmo Arconte eram os antigos magistrados, cargo reservado somente aos cidadãos e filhos da pólis. Não havia uma uniformidade ou unidade entre os gregos antigos Esta autonomia grega e ausência de autoridade central contribuía para a preservação do modo de pensar e ser do povo grego Foi a política que permitiu florescer a civilização grega Após o longo período chamado de homérico a realeza entra em crise que se apropria progressivamente das prerrogativas de poder Nesta fase, o poder é repartido entre as elites, começa a sair das mãos da aristocracia e vai sendo transferido para a ordem pública. Clístenes democratizou os mecanismos de participação Rompiam-se as barreiras entre governantes e governados e os cidadãos tornam-se “senhores de seu destino 4.2 - A CONCEPÇÃO DE DIREITO E JUSTIÇA GREGA É comum se dizer que os gregos, ao contrário dos romanos, na tradição jurídica pouco legaram ao Ocidente A filosofia grega teve papel relevante para a edificação do pensamento jurídico moderno Lei como expressão da vontade de uma coletividade e como regulação da vida comum na cidade Os Sofistas contribuíram para se pensar sobre as grandes questões humanas, a liberdade e o sentido da justiça Com os filósofos surge a política e a ideia de que os homens deveriam seguir as leis e a justiça segundo a vontade de cada um, expressa publicamente, que deveria convencer aos demais. Se acima das solidariedades familiares é possível construir uma solidariedade cívica, então é possível que haja uma solidariedade ainda mais universal, cosmopolita fontes do direito grego: são 5 • As epopeias de Homero (Ilíada e Odisseia). • Os discursos e obras literárias e filosóficas. • As inscrições jurídicas encontradas nas obras arquitetônicas. • Os fragmentos de leis. Antígona, filha de Édipo, figura masculina amaldiçoada pelos deuses por ter assassinado seu pai casado com sua mãe e ter assumido o trono do pai. Após a morte de Édipo, irrompe uma guerra civil e trava-se uma batalha nas portas da cidade de Tebas. Dois filhos comandam facções rivais e travam uma batalha e matam-se. Irmão de Édipo, Creonte, era então senhor da cidade e resolve transformar a morte de Policine, e determina que seu corpo permaneça insepulto. Antígona, perturbada, não aceitando que um fosse sepultado com honras enquanto o outro servisse de comida decide contrariar o rei. Motivada pelo dever normativo que transcende sua posição de súdita dá ao corpo de Polinice um fim honroso. Descoberta, é levada diante do rei Creonte, que oferece a oportunidade de negar que tivesse conhecimento de sua lei. A fim de salvá-la do triste fim. Antígona nega a oferta do rei. • A exigência do Direito Natural frente ao Direito Positivo. • A imperatividade da norma jurídica. • O primitivo e incipiente exemplo de desobediência civil. • O dever do indivíduo para com sua família versus seu dever para com o Estado. • A subjetividade individual frente às regras objetivas do corpo social A obra nos serve de início ao estudo do direito grego. Nos ensina que quando as instituições não oferecem possibilidade de debate e questionamentos, emergem ambiguidades e abusos de poder. As leis mais antigas que se conhece são as leis de Drácon Conhecido pela severidade, lei draconiana passou a ser sinônimo de lei dura Posteriormente, Sólon cria um novo código de leis, promovendo ampla reforma institucional, social e econômica Criou o Tribunal da Heliaia Juridicamente, Sólon instituiu a igualdade civil e suprimiu a propriedade coletiva dos clãs A democracia é uma criação de Sólon. A retórica era parte essencial para o convencimento daquilo que cada cidadão defendia e acreditava. Os gregos criaram a delação premiada Toda base do direito e da democracia ateniense era a soberania popular 4.3 - A ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E JUDICIAL DE ATENAS • A mediação e arbitragem. • A retórica e eloquência jurídica. • A transferência de propriedade somente por contrato. • O julgamento de um cidadão por seus pares, por cidadãos comuns. Prática essencial da democracia e inventada pelos atenienses. • Publicidade dos atos processuais como procedimento democrático. • Diferenciação entre homicídio voluntário, involuntário e legítima defesa 4.4 – Helenismo “Helenismo” é o nome dado ao período compreendido entre a morte de Alexandre e a anexação da península grega e ilhas por Roma. Representou a concretização do ideal de Alexandre Período áureo para as ciências Transição para o domínio e apogeu de Roma. Após os conflitos causados pela Guerra do Peloponeso, as pólis gregas sentem de perto o declínio de seu poder. Alexandria passa a ser um grande centro cosmopolita de população heterogênea com tradicionais famílias egípcias. Se transforma em um grande centro de comércio e navegação. Ao mesmo tempo em que se assiste à decadência das cidades-estados, o espírito que dali partiu se expande e se aprimora Na época helênica, os propósitos da reflexão se dirigem à busca de regras universais capazes de conduzir os homens a uma nova concepção de mundo e de vida Epicuro de Salmos e Zenão ensinavam que é necessário nos afastarmos das paixões e buscar um ponto de equilíbrio para superar o desatino das emoções e o autocontrole excessivo: RESUMO DO TÓPICO 4 Neste tópico, você aprendeu que: • Os gregos antigos, particularmente os atenienses, foram os que romperam com o pensamento mítico. • Os gregos elaboraram, desde uma cosmogonia, os grandes fundamentos éticos e filosóficos do direito ocidental. • Embora com distinções entre as pólis gregas, a relação entre direito, política e cidadania é a essência do conceito de justiça naquela sociedade TÓPICO 5 – O LEGADO ROMANO Roma maior potência política da história A expansão imperial romana trazia consigo, além da cultura, a dominação militar e econômica. No auge da conquista, mesmo com disputas e crises políticas internas, os romanos se impunham aos “bárbaros” As conquistas eram movidas por ambição, pelas recompensas para os aliados e pelo ganho financeiro O domínio era visto como necessidade de sobrevivência. A expressão direito romano é empregada ainda para designar as regras jurídicas consubstanciadas no Corpus Juris Civilis A divisão do Império Romano, e a posterior queda como resultado de uma soma de fatores, tais como o enfraquecimento militar, crise do escravismo e expansão bárbara, não foram suficientes para colocar fim à cultura e ao direito romano. Corpus Juris Civilis – 4 partes distintas • Codex: leis imperiais. • Digesto (Pandectas): compilação dos mais de 1.500 livros escritos pelos jurisconsultos, particularmente as obras de Ulpiano, Gaio, Papiniano, Paulo e Modestino, que elaboravam pareceres e conceitos jurídicos. • Institutas: espécie de manual para ensino do direito. • Novelas (Novallae): espécie de constituições imperiais feitas pelo próprio Justiniano depois da publicaçãodo Codex 5.2 - A FORMAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA: A BASE DO DIREITO ROMANO Sua formação social e política esteve ligada a vínculos entre as gentes. Famílias, constituídas por comunidades reconhecidas pela subordinação a uma única autoridade: a do pater familias. Inicialmente, em Roma havia duas formas de organização de território: A ager publicus, pertencente à comunidade ou coletividade; e a privada, que pertencia aos quirites. O pressuposto para ter terras era ser membro do patriciado. Na área pública se produzia comunitariamente e os produtos serviam de reserva para tempos de escassez A expansão imperial garantia o cativo de escravos e a tensão social ia sendo contornada Esse documento jurídico constitui um marco da história do direito e reúne de forma sistemática as práticas jurídicas da época. A Lex Licinia, de 357 a.C., foi feita para permitir o casamento entre patrícios e plebeus A rebelião liderada por Espártaco colocou literalmente Roma em colapso Pode-se afirmar que, em linhas gerais, o antigo direito romano se caracterizava por ser: • Parcialmente Plural: porque conviviam distintas fontes de regulação para os distintos indivíduos que habitavam ou circulavam no território romano. • Formalista: desde sua origem os romanos exerciam rituais para dar efetividade e/ou legitimidade aos atos judiciais. • Parcialmente não estatal: havia regulações, normas válidas, que nasciam dos costumes e tradições dos povos submetidos ao poder imperial romano. Além disso, era permitido que fossem criados acordos ou pactos entre particulares. Portanto, o direito não nascia exatamente de uma autoridade, mas entre pactos e práticas existentes que foram se justificando. • Tecnicista: ao longo do tempo, os pretores – magistrados que tratavam de questões jurídicas, divididos entre urbanos (questões jurídicas da cidade) e peregrinos (questões jurídicas em áreas rurais), exerciam o cargo por cinco anos – publicavam Éditos que expressavam princípios, regras e fórmulas processuais que utilizavam em suas decisões. Aos poucos os Éditos se transformaram em técnicas que se institucionalizavam através das práticas dos tribunais. 5.3 - OS PERÍODOS POLÍTICOS E AS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS Roma teve politicamente três períodos: monarquia, república e império Realeza • Poder exercido pelo rei: o rex comandava diretamente o exército e ainda era o juiz e sacerdote supremo. A sucessão era por indicação do Senado. • Senado: órgão político de natureza consultiva, portanto, subordinado ao rei. Era formado pelos chefes das gentes e tinha também a função de confirmar – dar validade – os comícios. • Comícios: aconteciam nas cúrias, tipo de assembleias convocadas para rejeitar ou aceitar as propostas apresentadas. • Fontes do Direito: essencialmente, a fonte do direito eram os costumes e posteriormente leis escritas. • Jurisprudência: era o exercício de práticas sacerdotais feitas nos templos pelos pontífices. Consistiam em rituais com fórmulas mágicas que simbolizavam as futuras ações judiciais República Tipos de Assembleias: • Curial: por local de origem/residência. • Centurial: formada pelos cidadãos, conforme sua riqueza ou cargo no exército. • Tribal: composta pelos plebeus Direitos Reais = “res”, que significa “coisa” Posse é derivada de uma condição jurídica, por exemplo, um contrato de arrendamento, era uma condição originada de um fato. Já a propriedade era um poder absoluto sobre a coisa, uma relação direta do proprietário com o bem. RESUMO DO TÓPICO 5 Neste tópico, você aprendeu que: • O direito romano constituiu-se desde relações sociais, políticas e econômicas da antiga Roma. • As profundas diferenças sociais entre patrícios e plebeus são as causas centrais da criação do chamado direito civil romano, que era o direito dos patrícios. • Os romanos foram “gigantes” na construção dos principais conceitos do direito civil moderno. • Há de se compreender o direito romano desde as distintas etapas históricas e reinvenções pelas quais passou até chegar à modernidade UNIDADE 2 - PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE 1 - O NAUFRÁGIO DA CIVILIZAÇÃO ANTIGA: A FORMAÇÃO DA IDADE MÉDIA A Idade Média se estendeu por cerca de mil anos Alta Idade Média (século V ao X) e Baixa Idade Média (século XI ao XV). Não foi um período somente dominado por superstições, perseguição a hereges e retrocesso civilizatório. O cristianismo criou importantes dogmas e fundamentos para o direito, como adiante veremos Se consolidam os reinos bárbaros substituindo definitivamente os antigos domínios romanos Os reinos bárbaros acabam por “personalizar” a lei e a prática da justiça Esse é um período histórico de profundas e irreversíveis transformações que trará como consequência a edificação de concepções jurídicas muito particulares. 1.2 – O Cristianismo A civilização greco-romana em um espaço de tempo de mil anos floresceu Helenismo conhecia seu ponto mais alto, se instalava uma espécie de crise alimentada pela entrada em cena de dois novos elementos: o cristianismo e o modo de vida bárbaro. A fé cristã representa uma forma de restauração da espiritualidade. Oferecia a salvação através da fé Resumindo... o cristianismo: Encontra um fértil terreno entre os empobrecidos por ser portador de ideais e formas de comportamento que uniam pessoas divididas e fragmentadas A doutrina trazia em si um ideal comunitário. Foi visto pelos indivíduos mais cultos da época como uma espécie de reavivamento Sua ideologia salvacionista acabam por tornar-se a mais importante cultura ocidental 1.3 - A BARBARIZAÇÃO DO COTIDIANO A desagregação do Império Romano também trouxe consigo uma autêntica catástrofe civilizatória, uma autêntica “regressão”. O império sucumbia a invasões de povos vindos do nordeste com uma cultura completamente distinta As comunidades se isolam e vai-se adquirindo novos hábitos, agora mais rudes. A “barbarização do cotidiano” constitui-se em paulatino abandono do modo de vida romano que já não mais se sustentava. A civilização romana ruía e com ela toda clássica antiguidade e se inicia o processo de feudalização. Não tinham o modo de vida urbano e uma individualidade como a romana. Com os bárbaros, a regressão da civilização em muitos aspectos. O refinamento e a estética mediterrânea são abandonados. A população diminui além das pestes, a fome, as guerras e os saques impediam qualquer esperança de vida. Desaparece o uso da moeda e o sistema de troca domina o tímido comércio de subsistência. Naquela época ainda não havia sido inventada a imprensa e todas as obras eram manuscritas Reis bárbaros aplicavam castigos terríveis e cruéis para punir os pecadores. A civilização regredia e o mundo se fechava em feudos. O mundo medieval era marcado por laços pessoais entre os nobres através da concessão de feudos. A mútua fidelidade entre os nobres e destes com os servos e a descentralização política é a grande característica dessa etapa histórica Um sistema de vassalagem que se define como pactos de fidelidade entre um cavaleiro (vassalo) para com um nobre Era uma sociedade estamental, ou seja, dividida em ordens (estamentos) definidas de acordo com o papel desempenhado por cada um Nessa sociedade imersa no cristianismo e relações de servidão é elaborada uma organização política e jurídica paradoxal com instituições que vão tentar garantir a estabilidade do poder, e assim, dos escombros de Roma se edifica a Idade Média 1.4 - A EMERGÊNCIA DO PLURALISMO MEDIEVAL Queda de Roma, a descentralização do poder e a conformação de novas formas de poder sociopolítico estruturada uma nova ordem jurídica. O clero vai consolidando seus interesses e concepções através de uma ordem jurídica própria. Os bárbaros começam a se deslocar de maneira pacífica, vivendo quase imperceptíveis e assimilando a cultura romana. Pouco a pouco, passaram a receber influência romana A consolidação dos reinos bárbaros e expansão do cristianismo = nova etapa civilizatória: o feudalismo. Definido comouma etapa social, política e econômica europeia Duas épocas do feudalismo: Uma primeira etapa encerrada no século XI, que corresponderia a um momento de organização rural mais estável, com pouco comércio e quase nenhum uso de moeda. Segunda circunscreve com o início do renascimento comercial e ampliação do uso de moeda O momento histórico marcado pelo renascimento comercial irá consolidar a ascensão de uma nova classe social para a qual o senhor feudal irá orientar sua produção: a burguesia. O Feudalismo possui características que permitem definir por períodos distintos Marca nuclear relações sociais e políticas estabelecidas desde laços de fidelidade entre as camadas dominantes e as dominadas Direito Medieval ou Feudal se caracteriza por um contrato – pacto – entre senhores e vassalos Com o “vazio” político, a fragmentação jurídica alimenta uma nova expressão de direito: o direito canônico. Como resultado do renascimento cultural do século XII, que trouxe consigo a criação de universidades, bem como o próprio renascimento comercial e redescoberta do direito romano através do Corpus Iuris Civilis, reestruturação urbana, entre outros fatores, construiu-se um novo cenário propício à unificação cujo mito fundador será representado pelo cristianismo. RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: • Os fatores que explicam a predominância do cristianismo na Idade Média. • A consolidação da sociedade medieval e seus elementos caracterizadores. • As características gerais do pensamento jurídico medieval. • Os fundamentos e aspectos destacados do direito canônico, bem como seu legado para o pensamento jurídico moderno 2 - O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES Direito Canônico: conjunto de normas jurídicas cujo objetivo é o de reger o modo de vida do cristãos Com a queda do Império Romano e a multiplicidade de poderes medievais, a Igreja vai assumindo relevância absoluta no exercício do poder político e jurídico O direito canônico passa a intervir prioritariamente na sociedade como um todo. Além ter adquirido grande força espiritual, ainda era o poder mais organizado, através da imensa rede de adeptos Não há dúvida de que a Igreja e a cristandade têm relevância na formação do direito medieval e com um grande legado à modernidade. O poder da Igreja se expande e se consolida também porque sua forma de administração territorial foi muito particular, e serviu de modelo para a organização dos Estados Modernos A ética cristã foi a base do pensamento jurídico de todo medievo Teve uma importância crucial na formação e consolidação das instituições políticas e jurídicas que se sucedem no mundo ocidental Dentre os fatores que colocam em relevo o direito canônico, pode-se destacar: • O caráter ecumênico da Igreja – que anuncia o cristianismo católico como universal. • A dominação do direito canônico nas diversas esferas da vida privada – como o instituto jurídico de família • O direito canônico foi objeto de doutrina e tornou-se uma ciência. • Os canonistas – estudiosos do direito canônico – formarão uma classe de intelectuais que criarão conceitos jurídicos absorvidos pelo direito leigo A interpretação da Bíblia era, a princípio, literal, mas em casos de antinomia – conflito de normas – eram usados os seguintes critérios • Ratione Significationis – sentido obtido a partir da fixação do bem jurídico em questão. • Ratione Temporis – lei posterior revoga anterior. • Racione Loci – lei local revoga a lei geral. • Rationi Dispensationis – lei especial revoga lei geral Toda base do direito canônico é o Corpus Iuris Canonici Direito canônico tem como base a Sagrada Escritura, as decisões dos concílios e dos sínodos 2.2 - A REFORMA GREGORIANA: MARCO DO DIREITO CANÔNICO O evento que marca a construção do direito canônico e o poder da Igreja foi a Reforma Gregoriana O objetivo foi promover a absoluta autonomia do poder papal A luta de Gregório será de opor-se à simonia – venda de objetos e cargos sagrados; ao nicolaísmo – casamento dos clérigos e à nomeação de leigos para altos cargos da Igreja recebendo benefícios Dictatus Papae – que pretendia garantir a liberdade e independência da Igreja 27 determinações de Gregório, das quais se destacam • A Igreja Romana foi fundada exclusivamente pelo Senhor. • Só o bispo de Roma – papa – pode possuir direito universal e pode depor ou nomear bispos • Somente o papa pode legislar de acordo com a necessidade do momento. • Somente os pés do papa podem ser beijados pelos príncipes. • Somente seu nome pode ser recitado nas igrejas. • O papa pode depor imperadores. • Não podem ser convocados concílios ou sínodos sem sua ordem. • Nenhum capítulo ou livro pode ser chamado de canônico sem sua ordem. • Nenhum de seus julgamentos pode ser revisto, mas ele pode rever julgamento de todos. • A ele compete dissolver os laços de vassalagem. Com a Reforma Gregoriana há um desmonte do modelo até então vigente do exercício de poder, razão pela qual é considerada a primeira revolução do mundo ocidental Conceito de Estado, que é um ente político que centraliza o poder de legislar e tem caráter universal. Juristas, na época os canonistas, passaram a desempenhar um papel central no exercício do poder os canonistas começaram a criar conceitos e princípios para o exercício e delimitação do poder O poder não era exercido mais de forma personalizada em um sistema baseado em lealdade ou fidelidade, mas sim em competências definidas por lei. 2.3 - OS CONCEITOS DE JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA O processo canônico legou à modernidade características muito particulares e essenciais, tais como: 1. A condução do processo por profissionais do direito; 2. A uniformização dos procedimentos; 3. A perspectiva investigativa – inquisitorial; 4. A predominância da escrita sobre a oralidade com a criação dos “autos” processuais. Os critérios de jurisdição dos tribunais canônicos eram: em razão da pessoa (ratione personarum) e em razão da matéria (ratione materiae) • Ex ratione personarum: para os eclesiásticos havia o foro de privilégio absoluto, que não eram somente os padres, mas todo aquele que exercia uma função eclesiástica. Os professores e estudantes também eram considerados clérigos. Ainda aqueles que estavam sob a “proteção da cruz” – os cruzados –, que eram os que lutavam sob a proteção de Deus. Possuíam também privilégio de foro eclesiástico os miseráveis, que pediam proteção da Igreja, atendidos por profissionais nomeados pelos bispos. • Para alguns, o foro de privilégio absoluto – como era o caso dos eclesiásticos – e para outros, relativo, podendo estes renunciar ao eclesiástico e pedir proteção à jurisdição secular. • Ex ratione materiae: algumas matérias deveriam ser tratadas somente em tribunais eclesiásticos, como era o caso de casamento, por ser um sacramento da Igreja. As matérias de testamento, ou últimas vontades, porque se acreditava que havia algo relacionado à salvação da alma. Ainda, os benefícios patrimoniais da Igreja e os pecados públicos como usura, heresia, adultério etc. 2.4 – O PROCESSO INQUISITORIAL Além de ter introduzido o processo escrito a escrita processual exige termos e fórmulas específicas Fases Processuais • Libellus: queixa apresentada pelo autor a uma autoridade oficial que lê na presença do réu a acusação ou pedido. • Exceções: na fase seguinte apresenta-se o que hoje chamamos de preliminares – qualquer defesa que não seja o mérito propriamente dito – que seriam dilatatórias ou peremptórias, que poderiam impedir o andamento do processo ou atingir o próprio direito. • Litis contestatio: contestação. • Decisão: feita pelo magistrado resolvendo o mérito. A nova racionalidade jurídica tinha como objetivo o combate ao sistema irracional de provas que predominavam no direito medieval: os ordálios. Ordálio, ou juízo de Deus, eram meios de provas em que se invocava a intervenção divina para provar inocência A partir do século XII ocorre um abandono progressivo dos ordálios, mesmo pelo direito comum, e a predominância do modeloinquisitorial. Aceitabilidade das Provas: probabilidade, relevância e materialidade, descartando as provas supérfluas (que já estavam provadas no processo), as impertinentes (que não interessavam), obscuras (que não poderiam ser usadas com segurança), as inacreditáveis ou antinaturais (absurdas e impossíveis de serem aceitas). Hereges: convencidos de erro contra a fé, intimados a confessar e abjurar, mesmo assim não querem aceitar e preferem se agarrar obstinadamente aos seus erros. Hereges Relapsos os que, abjurando da heresia e tornando-se por isso penitentes, reincidem na heresia. É herege quem disser coisas que se oponham às verdades essenciais da fé. Também é herege: a) Quem pratica ações que justifiquem uma forte suspeita (circuncidarse, passar para o islamismo…); b) Quem for citado pelo inquisidor para comparecer, e não comparecer, recebendo a excomunhão por um ano inteiro; c) Quem não cumprir a pena canônica, se foi condenado pelo inquisidor; d) Quem recair numa determinada heresia da qual abjurou ou em qualquer outra, desde que tenha abjurado; e) Quem, doente mental ou saudável – pouco importa –, tiver solicitado o “consolamento” Herege é aquele que se opõe às “verdades” da fé, cuja pena imposta varia de acordo com o grau de heresia Como terminava o processo / Soluções Possíveis 1. Abjuração (renúncia à fé cristã através de palavras, atos ou mesmo pensamentos contrários ao autorizado pela Igreja): a) suspeita leve – encontram-se leves indícios de heresia. O abjurante pronuncia determinada fórmula, em língua vulgar, na casa episcopal ou no convento. b) suspeita grave – não se provou nada, mas há fortes indícios que levam a uma grave suspeita. Normalmente cumprem alguma penitência ou são levados à prisão, nunca perpétua. c) suspeita violenta – também não há provas, nem documentais, nem pela análise dos fatos, mas há indícios gravíssimos que levam a uma violenta suspeita (algo como heresia presumida). Cumprem alguma penitência e podem ser levados à prisão perpétua 2. Absolvição: Depois de responder ao processo e ouvidos os especialistas, o réu é declarado livre do crime. Não há completa absolvição, apenas se declara que não há provas suficientes para a condenação. 3. Expiação ou Purgação Canônica: Quando alguém tem fama pela prática de heresia, mas não se prova nem com testemunhas, nem provas materiais, nem pela confissão. Considera-se isso uma difamação. O acusado deverá comparecer em determinada hora, em determinado local, acompanhado de coexpiadores que atestarão sua boa conduta cristã. Se o difamado não puder cumprir a obrigação, será excomungado, e poderá cumpri-la no prazo de um ano. Se não conseguir número suficiente de coexpiadores, será considerado herege e condenado como tal A origem mais aceita da Inquisição tem suas raízes no Império Romano Cognitio extra ordinem / Inquisitivo Representava a formulação de uma acusação pela autoridade judicial, quando não havia denúncias ou acusações sustentadas por testemunhas. Em síntese, tratava-se de um movimento político-religioso, em que a Igreja Cristã arquitetou uma forma de reação à difusão de movimentos heréticos Heresia significa escolha, tornou-se um termo genérico e depreciativo que inclui aleatoriamente qualquer conduta considerada contrária, nova ou simplesmente diferente do estabelecido pelo poder. Qualquer pessoa ou grupo que levasse uma vida religiosa fora da estrutura eclesiástica estabelecida era por definição um herege e sujeito à disciplina punitiva das autoridades seculares à qual a Igreja recorria. A Inquisição medieval na Espanha deixou as maiores cicatrizes, foi “obra” dos reis católicos Isabela de Castilha e Fernando d’Aragão e teve como efeito a unificação dos reinos. Iniciam a expulsão dos judeus e, em seguida, os mulçumanos, a fim de ser estabelecida a unidade nacional do jovem Estado espanhol. Intuíram um Tribunal do Santo Ofício. Para a Igreja, a solução foi a nomeação do frei dominicano Tomás de Torquemada como inquisidor-geral dos reinos deCastilha e Aragão, em outubro de 1483. Toquemada foi o mais implacável e terrível dos inquisidores e sua nomeação marca o início de uma nova fase da Inquisição. 2.5 – A CRENÇA NA VERDADE REAL A busca da verdade real era a finalidade do processo inquisitório e se constitui em um dos pilares dogmáticos centrais Justifica-se a violação de direitos em prol da verdade. Com a certeza da infalibilidade do processo e da verdade é possível compreender a razão do uso de meios condenáveis para “revelar” o “oculto”, o “não dito”. Integridade física, liberdade, dignidade, segurança jurídica etc., eram sem importância ou bens menores quando comparados à necessidade de busca da verdade A tortura ocupa um papel central no processo, pois a tortura era o meio privilegiado de obtenção da verdade através da confissão, a rainha das provas A expansão da tortura como método de apuração da verdade acompanhou o movimento político de combate aos hereges. O inquisidor não poderia ser negligente na aferição da verdade! Em síntese, a Inquisição foi e até certo ponto é uma mentalidade que permanece viva, consistiu em um movimento político-religioso que em nome do combate ao demônio promoveu a perseguição indiscriminada e intolerante à diversidade, seja de crença ou opiniões. 2.6 – O DIREITO COMUM MEDIEVAL A criação das universidades, a rearticulação do comércio, entre outros fatores, permitem uma nova expressão da cultura jurídica permite o surgimento do jus commune Com características comuns no uso do direito que vai chegar até os três primeiros séculos da modernidade. Portanto, é mais uma forma homogênea de se construir o conhecimento jurídico do que semelhanças normativas e procedimentais. O incipiente capitalismo mercantil nos séculos XIV e XV produziu a necessidade de regulação dos interesses dos particulares e as leis vão ganhando reconhecimento como direito em si e a definição de direito comum vai sendo referenciada como jus proprium. O direito canônico era estudado a partir do Decreto de Graciano, das Decretais de Gregório IX, as Clementinas e as Extravagantes. Já no direito civil se estudava essencialmente o Digesto, as Institutas e as Novelas do Código de Justiniano. A concepção moderna de Direito, portanto, é resultado de sua desvinculação do sagrado e do divino, que tratava de fundamentar a verdade. Em meio ao ambiente cultural e filosófico da Baixa Idade Média, o ensino jurídico sofre um novo redimensionamento. O objetivo passa a ser a demonstração da validade e autoridade implícita nos textos jurídicos RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • As características e elementos que edificaram o Direito Canônico Medieval. • O legado do Direito Canônico para o pensamento jurídico moderno. • As origens políticas e ideológicas dos Tribunais Canônicos e o Processo Inquisitorial. • A formação do direito comum canônico. • A importância do ensino medieval e a formação dos canonistas. 3 - A MODERNIDADE: UM CENÁRIO DE TRANSFORMAÇÕES “Modernidade” é a designação genérica de um complexo conjunto de transformações cujos efeitos acabaram colocando a Europa como centro de um projeto civilizatório hegemônico. a modernidade pode ser interpretada como construção do mito criado a partir do século XV acerca da existência de um centro histórico mundial portador de uma concepção política de ordem econômica, política e social civilizadora 3.2 – AS COSMOVISÕES JURÍDICAS MODERNAS A expansão colonizadora da Europa é uma das faces da modernidade, trata-se de um processo de dominação cultural e política que edificou uma universalização do direito europeu O “mundo moderno” é produto da aproximação entre a burguesia secularizada europeia e as necessidades do capitalismo que acabou por oferecer os contornos do padrão mundial de poder que construiu o modelo civilizatório hegemônico O sentido de moderno medieval era daquilo que se opunha ao mundo antigo pagão imerso em trevas e em uma concepção naturalista segundo a qual o tempo era cíclico e reprodutivo. 3.3 – O PROCESSODE DOMINAÇÃO COLONIAL Nesta lógica de mercantilização, sem limites ou obstáculos que não sejam profanáveis pela acumulação, o sagrado se reifica, se coisifica, se aliena e todo universo humano adquire valor de troca. O sentimento do individualismo, a potencialização da extroversão criativa e sua monetarização tornam-se correntes. Uma das questões essenciais desse período é o da formação do indivíduo como um dos elementos vitais para a compreensão do homem fragmentado nas relações sociais controladas pelo capital Rompeu-se com a concepção do indivíduo visto de forma pejorativa ou desnecessária em sociedades do passado Na Europa, vai sendo desenhado o cenário de um novo modo de vida no qual a dimensão humana se descobre e, desafiando a ordem medieval, redefine seu significado existencial, abandonando definitivamente a posição secundária em relação ao poder divino e à natureza. O prodigioso esforço de superar a tradição medieval até então dominante conduziu a uma nova concepção e valoração do humano, inaugurando um novo momento histórico. Se, de um lado, a coragem para divergir dos preconceitos dominantes ia emancipando o espírito humano, de outro, o cotidiano parecia avassalador 3.4 – O DIREITO DA CONQUISTA A Igreja, pedra angular do modelo social, para muitos era mais um centro de corrupção e decadência do que um exemplo de integridade moral. O cenário era visto mais como apocalíptico do que inovador Neste contexto, a recuperação do conhecimento e a revolução da cultura começam a ser considerados ponto de partida para a construção do novo espírito humano Simultaneamente, se construía um novo ethos cultural para uma sociedade que começa a conceber-se como definitivamente civilizada. o individualismo assume relevância A figura do herói santificado paulatinamente é trocada pela do aventureiro rebelde capaz de pensar como gênio numa vida de serviço ao Estado, comércio e conhecimento. O desejo de prosperidade econômica e social deixava de ser pecado, tornando-se virtude Copérnico, no século XVI, com a teoria heliocêntrica e a órbita planetária, havia iniciado um movimento antidogmático seguido por Tycho Brahe, Kepler e Galileu Isaac Newton, no século XVII, dá um passo definitivo para a criação de uma teoria geral da dinâmica. Giordano Bruno, em 1660, é queimado na fogueira por divulgar a teoria heliocêntrica e por suas convicções teológicas serem consideradas heréticas. A revolução da ciência abria possibilidade para a certeza epistemológica e consenso objetivo e, ao mesmo tempo, a lógica da previsão experimental e metodológica científica ia assumindo como redentora social. Francis Bacon proclama a necessidade de um novo método capaz de substituir o antigo silogismo, encontrando na indução uma resposta. Defende o postulado de que um método adequado, o empírico, permitiria a compreensão dos princípios e mecanismos que regem os fenômenos naturais, e finalmente, a natureza poderia ser dominada. René Descartes, em meio à crise do ceticismo filosófico francês e como fruto do racionalismo crítico, busca criar critérios irrefutáveis para a certeza do conhecimento / acreditava que apenas o rigor metodológico da geometria e aritmética poderia conduzir a um conhecimento absoluto e verdadeiro no campo filosófico. Conclui que a única certeza é a certeza da dúvida. Com a teoria darwiniana demonstrava-se que a transformação era o estado permanente da natureza em luta para o desenvolvimento e supremacia dos mais fortes e não fruto benevolente de um plano transcendental. De forma definitiva eram rompidos os vínculos com o passado medieval e inaugurada uma era em moldes absolutamente novos, anunciando o alvorecer de um progresso humano infinito. O modelo de racionalidade sob o qual se edificou a ciência moderna Acabou por constituir-se num modelo totalitário, universal, já que: “nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas”. Esta é a característica essencial e diferenciadora do modelo paradigmático de conhecimento que vem a substituir hegemonicamente todos os que o antecederam. A explosão que estilhaçou a imagem medieval teológica e geocêntrica de mundo, igualmente modificou o ideal de vida teórica, tornando a ciência uma grandeza autônoma A partir de então, a tarefa dos diversos campos do conhecimento é colocar-se nessa “trilha segura”, na qual o saber tornase produto de uma teoria fundada em rígidos critérios metodológicos. O agir, enquanto produto compreensivo, passa a pressupor o uso adequado de uma operação técnica. O pilar da regulação, construído pela concepção de Estado – que encontra sua justificativa nas concepções contratualistas –, o princípio de mercado – formulado sobretudo pelas concepções capitalistas liberais, e o princípio da comunidade – tal como concebido teoricamente por Rousseau. O pilar da emancipação assentado nas lógicas de racionalidade tal como expressas por Max Weber: a estéticoexpressiva das artes e literatura, a cognitiva instrumental da ciência e tecnologia e a racionalidade moral-prática da ética e direito O grande esforço, sobretudo ocidental, em edificar uma civilização institucionalmente racionalizada e objetivamente avaliada transmuta-se num imenso e ambicioso projeto social global que carregava consigo a promessa de um desenvolvimento harmônico e recíproco entre os pilares da regulação e emancipação, capaz de racionalizar completa e simultaneamente a vida coletiva e individual. RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • A Modernidade como um contexto político, histórico e cultural no qual irá se edificar uma nova racionalidade jurídica. • O rompimento com o poder político papal e a emergência dos Estados Modernos. • A secularização do conhecimento e a concepção de ciência substituindo a ideologia cristã. • A contribuição dos distintos pensadores para a edificação do saber moderno e a redefinição do Direito. 4 - O DIREITO MODERNO E O POSITIVISMO JURÍDICO Com a apropriação do poder político e econômico pela elite burguesa, os ideais revolucionários são mantidos unicamente no plano formal, excluindo-se da prática qualquer ação comprometida com a distribuição da riqueza e a democratização política. Das expressões valorativas, a que mais se encontra integrada ao liberalismo é o individualismo. O individualismo assume caráter diferenciado de outras experiências históricas Por estabelecê-lo não como um “valor em si”, mas como “valor absoluto”, que concebe e prioriza o homem em sua absoluta autonomia não apenas frente ao poder estatal, mas a qualquer forma de organização institucional. 4.2 – O MODELO POLÍTICO LIBERAL MODERNO O modelo político liberal moderno é resultado histórico da formação de um tipo de poder estruturado na Europa durante os séculos XV, XVI e XVII, que veio a suceder o político-jurídico medieval. Moldada dentro de um processo de centralização e concentração ocorrido nesses séculos O modelo de poder político da Idade Média é entendido como “estamental” Sendo os reinos e territórios da Idade Média Unidades de poder político apenas excepcionalmente, já que o poder estava limitado em seu interior pelos inúmeros depositários de poder feudal, e no exterior pela Igreja e Imperador Portanto o Estado «moderno» se origina em um processo de alterações que incluem a exaustão do sistema socioeconômico feudal e o advento do capitalismo; A ordem política e social medieval, por sua descentralização e fragmentação, permitiu a coexistência de distintas e complexas ordens jurídicas legítimas num mesmo espaço social, o que será definitivamente abolido pelo Estado Moderno, que irá impor uma ordem jurídica monista, considerando o Estado como a fonte monopolizadora de produção do Direito Com o avanço da ordem mercantilista e a necessidade de proteger juridicamente os interesses da burguesia comercial, associam-se as ideias individualistas e capitalistas Assim, começa a entrar em colapso a antiga estrutura jurídica descentralizada, passandoa ser sucedida pela consolidação mais genérica, sistemática e unitária de um Direito Mercantil No plano político, o Estado Moderno, de forma oposta ao do poder medieval, constitui-se de dois processos paralelos que paulatinamente o vão consolidando: O processo de centralização; e a formação de uma nova concepção política de que o poder deve ter legitimidade e representatividade. O adjetivo liberal, tomado em sua concepção política, que vem a caracterizar o modelo que sucede ao absolutista, deve ser compreendido a partir dos movimentos político-sociais pré-napoleônicos do século XIX Para o jusnaturalismo predominou uma concepção objetiva – existência de leis eternas, correlatas de uma racionalidade inerente às coisas e oriundas do domínio do nous e de sua obra, o cosmos Com o pensamento moderno emerge a noção de direito subjetivo (que sobreveio já com o cristianismo), emergindo uma concepção plural e individual de direitos naturais. Na versão liberal, o contratualismo representa um “legado”, um ponto de partida para a ideia de necessário acordo de vontades para a legitimação de poder. Para a burguesia em ascensão, a defesa de seus interesses passava pela necessidade de impor ao Estado o primado da lei como garantia a violações a tais direitos. O paradigma da legalidade, ao ser transformado em ideologia jurídica, se converte num princípio hermenêutico moderno, pois cria a ficção da possibilidade de vincular o abstrato ao concreto, o geral ao particular, reforçando a ideia de coerência da ordem jurídica. Paradigma é legitimado pela crença positivista encontra na observação científica dos fenômenos a explicação da realidade, excluindo toda especulação metafísica. Esta observação é uma experiência da realidade a partir da qual será dada a explicação (empirismo vem da experiência) No plano jurídico, este movimento vinha ao encontro da pretensão de colocar fim tanto à incerteza e ao casuísmo do modelo jurídico tradicional Ou seja, dirigia-se tanto contra a vinculação do direito à religião e à moral, como contra a sua identificação com especulações de tipo filosófico como as que eram correntes nas escolas jus racionalistas. Contra uma coisa e contra a outra proclamava-se a necessidade de um saber dirigido para coisas positivas No pensamento jurídico fixaram-se duas correntes doutrinárias de matriz positivista a partir do século XIX: o positivismo legalista, representado pela Escola Exegética, e o positivismo formalista científico, cuja precursora foi a Escola Histórica. Em sua vertente legalista , reduz o direito à lei e admite como única fonte de direito o criado por um legislador estatal A segunda: “[...] deduzia as normas jurídicas e sua aplicação a partir do sistema, dos conceitos e dos princípios doutrinais da ciência jurídica, sem conceder a valores ou objetivos extrajurídicos (por exemplo, religiosos, sociais ou científicos) a possibilidade de confirmar ou infirmar as soluções jurídicas” Embora não possam as duas concepções ser confundidas por possuírem diferentes matrizes filosóficas e políticas, ambas rejeitam qualquer fundamentação metafísica do direito A codificação representou a consolidação do positivismo jurídico como discurso predominante no período de formação da ciência jurídica moderna. O princípio básico desse novo paradigma jurídico consiste em identificar e reconhecer apenas como Direito o produzido pelo Estado, o único com existência objetiva – jus positum – que, com segurança, pode ser instrumento de planificação e manutenção da sociedade. De alguma forma, o novo direito natural, fundado na razão, é o correspondente do antigo direito natural, fundado na teologia. A concepção individualista de homem, apesar de remontar ao nominalismo, teve no cartesianismo e no empirismo um novo impulso, onde os direitos individuais, imutáveis e necessários são definidos pela própria natureza humana Do cartesianismo é absorvida a ideia de o homem como ser que busca a verdade através da razão, detentor de dois direitos naturais inerentes: usar livremente a razão na produção do conhecimento e de pautar sua ação em princípios ditados pela razão. O divórcio definitivo entre Direito Natural e Direito Positivo, vindo este último a ser considerado como o único Direito 4.3 – O DIREITO E A ORIENTAÇÃO EXEGÉTICA Ao criar uma nova mentalidade que identifica Direito com os códigos, os juristas desenvolvem um instrumental técnico de interpretação e aplicação do Direito, seguindo uma orientação exegética A técnica exegética consiste em: “[...] assumir pelo tratamento científico o mesmo sistema de distribuição da matéria seguido pelo legislador e, sem mais, em reduzir tal tratamento a um comentário, artigo por artigo, do próprio Código” Os códigos napoleônicos consumaram definitivamente a doutrina jus racionalista ao “positivar a própria razão” e a concretização legislativa da volonté Générale A lei sistematizada nos códigos adquire o monopólio de manifestação do direito. O direito doutrinal havia sido incorporado nos códigos. A EXEGÉTICA TEM COMO CARACTERÍSTICAS: 1. A inversão das relações tradicionais entre Direito Natural e Direito Positivo. 2. O monismo jurídico. 3. A interpretação e aplicação da lei fundada na intenção do legislador. 4. O culto à lei e o princípio da autoridade O Direito Natural e o Direito Positivo, diferenciados quanto à gradação de superioridade ao longo da formação histórica do pensamento jurídico. Direito Natural era considerado hierarquicamente inferior ao Positivo, concebido como Direito comum (koinós nómos), enquanto o Direito Positivo era o particular. Já na Idade Média, o Direito Natural é visto como “a lei escrita por Deus presente no coração dos homens”, como afirma São Paulo na Sagrada Escritura Com o pensamento exegético, embora sem a coragem de negar completamente, o Direito Natural passa a ser de menor importância e sem significado prático RESUMO DO TÓPICO 4 Neste tópico, você aprendeu que: • O Direito Moderno vai construir-se também como um saber técnico-científico acerca da norma. • Positivismo Jurídico é a expressão que designa a concepção moderna de direito segundo a qual o único direito válido é o direito estatal. • O positivismo jurídico vai encontrar na codificação moderna a maior expressão de racionalidade e previsibilidade. • Para o Direito moderno há uma aproximação entre: Direito e Lei UNIDADE 3 - A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO 1. AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA “Decolonial” refere-se a uma corrente de pensamento crítico que nasceu em fins do século XX e tem como característica central a busca de novos paradigmas políticos e jurídicos construídos desde a realidade de interesses locais, objetivando a construção de uma autonomia política e intelectual. A origem da cultura jurídica brasileira é produto de um processo histórico inicial de colonização que acabou por construir um modelo, um “padrão” de poder político e jurídico que marcou profundamente a cultura e as relações de poderes nacionais. 1.2 – O DIREITO INDÍGENA “Brasil” é uma invenção histórica e cultural da metrópole portuguesa e parte do projeto do capitalismo mercantil europeu, que simultaneamente alargavam as fronteiras do visível, trazendo novas mercadorias, e as do invisível, com novos semióforos, “Semióforo” é utilizado por Marilena Chauí para designar uma imagem que vincula o visível ao invisível – ao imaginado – que permanece e é reproduzido pelas elites intelectuais para dar sentido e vínculo entre o real e o imaginário. No caso do Brasil, o mito, o invisível, sempre foi o da “missão civilizadora dos europeus”!!! Portanto, não foi a “vontade de Deus” que conduziu os súditos de Dom Manuel até as terras brasileiras, mas sim os interesses econômicos da classe de comerciantes europeus da época. 1.3 – O DIREITO COLONIAL BRASILEIRO Modernidade pode ser interpretada como construção do mito criado a partir do século XV acerca da existência de um centro histórico mundial portador de uma concepção políticade ordem econômica, política e social civilizadora: A Europa. Portanto, o projeto civilizador da modernidade trouxe consigo relações de dominação desenvolvidas mundialmente desde o século XV, alimentadas por um falso discurso legitimador de “progresso” linear e universal, que para os povos colonizados significou dominação e extermínio. A expansão colonialista europeia do século XV não resultou da necessidade de ocupação de novos espaços por excesso populacional, mas foi propositalmente provocada por uma burguesia comercial, “sedenta de lucros, e que não encontrava em seu espaço pátrio satisfação à sua desmedida ambição” 1.4 – AS ORDENAÇÕES DO REINO Os diversos fatores políticos que culminaram com a ascensão ao trono português da Casa de Aviz no século XIV favoreceram o fortalecimento da burguesia comercial lusitana, que posteriormente financiaria as navegações portuguesas. Alfredo Bosi analisa a colonização brasileira distinguindo dois processos colonizadores: 1. Aquele relacionado com o mero povoamento e o que conduz à exploração do solo, relacionado à expansão populacional, entendido como “ato de habitar e o ato de cultivar”. 2. E o processo iniciado a partir do século XVI no qual havia o acréscimo de algo: um traço de dominação, de aventura, de conquista. Em 1556, a Espanha proibia o uso das palavras conquista ou conquistadores, impondo a substituição por descobrimento ou colonizadores. O processo de ocupação, ironicamente chamado de descobrimento, não ocorreu por expansão demográfica como na antiguidade havia ocorrido com os gregos pelo Mediterrâneo A produção da cultura colonialista exigiu o domínio de outros humanos, de sujeitá-los a padrões de dominação. Talvez essa seja uma possibilidade de se compreender por que a partir do século XVIII as noções de cultura e progresso se confundem e se misturam. Assim, colonizar era cultivar a terra e os seres humanos. O processo de expansão comercial europeu, chamado de “colonização”, se insere no momento de superação do modo de vida medieval, quando um grupo ascendente e enriquecido – burguesia mercantil – orquestra as transformações econômicas, sociais e políticas que culminam com a formação dos Estados Modernos e consolidação do capitalismo. Os elementos essenciais para a compreensão da relação colônia-metrópole, com a consequente criação de um aparato jurídico, são, entre outros: • A expansão da economia europeia mercantil. • O esforço dos Estados Modernos metropolitanos em transformar as colônias em instrumentos de expansão desse poder. Na transformação dos antigos reinos medievais em Estados modernos, unificados e centralizados, abrem-se os caminhos ultramarinos que permitem a inserção desses Estados no processo de exploração, viabilizando a construção de seus impérios coloniais A “moldura do sistema” que explica a organização produtiva colonial e suas implicações na vida social não se limita à atividade colonizadora, mas de ajustar a colônia de forma especializada, “concentrando os fatores na produção de alguns poucos produtos comerciáveis na Europa, as áreas coloniais se constituem ao mesmo tempo em outros tantos centros consumidores dos produtos europeus” A grande lavoura açucareira “é de natureza perdulária e caracteriza o objetivo metropolitano: servirem-se da terra ao máximo, mas sem muitos sacrifícios, como usufrutuários”. A subordinação colonial constitui-se no elemento central de construção da identidade cultural brasileira, reproduzindo as relações de poder de uma metrópole periférica e subalterna. O colonialismo português foi diferenciando e se caracteriza por ter sido manipulado segundo os desejos e necessidades de outras metrópoles, sobretudo a inglesa. Características fundamentais da formação econômica-social do Brasil-Colônia 1. A predominância de uma camada de latifundiários com interesses atrelados a grupos mercantis europeus, o que permitia dependência estrutural, impedindo a dinamização de um capitalismo mais avançado internamente, reproduzindo-se um modelo capitalista colonial específico, limitado a uma esfera mercantil dependente. 2. Como parte da lógica latifundiária vinculada aos interesses dos traficantes negreiros africanos, a força de trabalho foi constituída essencialmente por escravos cuja única alternativa não era a passagem para o trabalho assalariado, mas a fuga e resistência nos quilombos, ou ainda, como parte de uma lógica perversa, a alforria, alternativa para a resistência, representava o ingresso numa vida marginal ou de condição de submissão como agregado. A condição foi sempre da dependência eExplor 3. A estrutura política-jurídica vai sempre representar os interesses dos proprietários locais, os homens bons, mas com poder limitado aos interesses reais. A competência de nomear o governador geral com mandato de quatro anos era da coroa portuguesa, sendo incluído no poder do governador a competência militar e administrativa segundo critérios determinados pelos regimentos, cartas e ordens régias. O corpo burocrático de funcionários reais – provedores, ouvidores, procuradores, intendentes... – tem a ação controlada diretamente por Lisboa (a partir de 1642 pelo Conselho Ultramarino). Com o avanço da estrutura colonial, vão sendo transferidos magistrados metropolitanos, juízes de fora, que se sobrepunham aos eleitos nas vilas. A permanente tensão entre os interesses locais e metropolitanos será o fator de crise instalada a partir do século XVIII, que com a independência como tentativa de sua superação, servirá de fortalecimento do mandonismo local legitimado pelos bacharéis que servirão de representantes dos donos do poder. 4. O exercício de cidadania é limitado tanto pelo Estado Absolutista Metropolitano como pelo poder interno, inexistindo qualquer representação ou mecanismo de garantia para o conjunto da população, situação que pouco se altera com a independência, pois o que se instala é um modelo político censitário e indireto. 5. A cultura eclesiástica, sobretudo a jesuíta empenhada numa prática missionária supranacional, ganha espaço no início do processo de colonização, quando a moeda corrente era a ideia do papel evangelizador da expansão metropolitana. Posteriormente, de uma atividade marginal irá sucumbir sob a pressão do avanço bandeirante e do exército metropolitano, restando, assim, a função educacional junto aos filhos das elites locais. 6. A formação de uma cultura letrada estamental que não permitia a mobilidade vertical, com raros casos de apadrinhamento, predominando, assim, uma massa analfabeta caracterizando uma rígida linha divisória entre uma cultura oficial e uma cultura popular. As raízes da cultura brasileira como resultado de uma lógica agrária, latifundiária e escravista A ilimitada exploração interna como regra necessária para a submissão externa Portanto, como parte integrante do universo colonial brasileiro formou-se um tipo de poder político e jurídico destituído de qualquer identidade com os interesses internos, já que se formou com a incorporação do aparato burocrático e profissional lusitano RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: • As bases históricas do direito brasileiro foram definidas a partir do processo moderno de colonização. • A colonização brasileira teve como sentido promover a acumulação de lucros na metrópole portuguesa, e por esta razão, a ordem política e jurídica nacional foi elaborada a partir desse interesse externo. • A implantação de um modelo de produção na colônia brasileira a partir do século XVI foi sustentada por um modelo político e jurídico específico, inicialmente chamado “direito brasileiro”. 2. A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA Tratados entre tais países mesmo antes da “chegada” de Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500: 1. Tratado de Toledo: celebrado em 6 de março de 1480, que dava a Portugal a exclusividade sobre as terras e águas ao sul das Ilhas Canárias. 2. Bula Inter Coetera: de 4 de maio de 1493, expedida pelo Papa Alexandre VI que conferia à Espanha o direito exclusivosobre todas as terras que estivessem a oeste de uma linha imaginária a 100 léguas de Açores e Cabo Verde 3. Tratado de Tordesilhas: de 7 de junho de 1494, que estabeleceu um meridiano divisório a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde, sendo a leste pertencente a Portugal e oeste a Espanha. Portanto, a “descoberta” do Brasil não foi “mero acaso”, mas parte de um projeto de conquista. Os indígenas eram gentis, não viviam movidos pela cobiça e foram facilmente atraídos pelos facões, espelhos e bugigangas com que eram enganados Sem o menor pudor, os nativos foram considerados objetos desprovidos de qualquer direito. As imensas massas de nações indígenas tiveram exterminadas suas organizações sociais e os invasores impuseram seu sistema jurídico, pouco ou nada restando, no caso do Brasil, dos costumes ancestrais de gestão de conflitos. A enorme distância da metrópole, a falta de acesso e a absoluta falta de estrutura administrativa eram fatores que iam fortalecendo o poder dos donos do poder local. 2.2 – A ESTRUTURA JURÍDICA DO BRASIL COLÔNIA No primeiro período da colonização a preocupação central era a de garantir a posse da terra: Capitanias Hereditárias. O sistema era feudal e toda administração jurídica e política ficava sob a responsabilidade do donatário. A “gestão da justiça” era marcada por abusos e arbitrariedades sem qualquer burocratização de procedimentos, uma vez que, na prática, era o dono da terra que legislava, julgava e aplicava as penas que bem entendesse. Esse ilimitado arbítrio e ausência de controle é um dos fatores que explica o fracasso do sistema de capitanias, com exceção das de São Vicente e Pernambuco Em 1549, Governo Geral: assume amplas responsabilidades burocráticas e fiscais A instituição do sistema de Governo-Geral, como forma de centralizar o poder e solucionar o problema do fracasso do sistema de capitanias e a invasão estrangeira, aumenta a possibilidade de criação de um corpo burocrático, destacando-se o Ouvidor-Geral como símbolo da justiça local Durante todo o período colonial vigorava o sistema jurídico metropolitano, composta pelas seguintes ordenações: 1. Ordenações Afonsinas: concluídas em 1446, foram elaboradas por ordem de D. João I da Dinastia de Avis e eram divididas em cinco livros: o Livro I: relativo aos regimentos dos cargos públicos (régios e municipais), compreendendo governo, fazenda, justiça e exército. o Livro II: Direito eclesiástico, jurisdição e privilégio dos donatários, prerrogativa da nobreza e estatuto dos mouros e judeus. o Livro III: Processo civil. o Livro IV: Direito Civil. o Livro V: Direito e Processo Penal. 2. Ordenações Manuelinas: concluídas em 1521, trataram de incorporar as modificações advindas do processo de expansão colonial e as novas leis que continuaram a ser editadas. Também eram compostas por cinco Livros, tratando mais diretamente de direito marítimo, contratos e mercadores, sem mudanças no direito e sistema penal, que permanecia um sistema de torturas e horrores medievais, com aplicação de tortura e penas corporais como a pena de morte. 3. Ordenações Filipinas: de 1603, representa a unificação das Ordenações anteriores com pequenas inclusões de leis extravagantes. Mudança significativa apenas ocorre na fase colonial em 1769, com as reformas feitas por Marquês de Pombal – reformas pombalinas –, cujo objetivo era o de estabelecer regras gerais para uniformizar a interpretação e aplicação das leis em casos de omissão, lacunas ou imprecisão nas leis reais. Chamada também de Lei da Boa Razão, a finalidade era manter as diferenças entre Portugal e suas colônias. Ao contrário de criar uma administração centralizada, teve sua função sobreposta à estrutura existente de magistrados e ouvidores designados pelos donatários. Há de se lembrar que, por orientação das Cartas de Doação, o cargo de ouvidor, primeira autoridade da justiça colonial, era designado pelos donatários das capitanias por um prazo renovável de três anos, constituindo-se a administração da justiça como representação dos donatários nas questões cíveis e criminais. A incompetência e inoperância judicial colonial brasileira que contribuiu para a prática de excessos e ilegalidades de toda espécie pode ser compreendida não apenas pela permissividade metropolitana e local, mas também pela dificuldade de acesso às áreas remotas, o que foi contribuindo para um mandonismo local, situação que preocupava os missionários jesuítas, sobretudo a exploração das comunidades indígenas Já por volta de 1580 havia um sistema mais centralizado, o que pode ser compreendido como reflexo do avanço da indústria açucareira em Pernambuco e Bahia Na medida em que se expandia a lavoura monocultora açucareira, cresciam a população e os conflitos, o que vinha a exigir maior intervenção jurídica para a manutenção da prosperidade local. Na lógica metropolitana, legislar era garantir a justiça através de prêmios ou castigos, como atitude paternal do monarca em relação a seus súditos. A lei emanada do pai – do Rei – é justa porque, mesmo dura, pretende corrigi-los e salvá-los. Na distante colônia o “poder paternal” do monarca era exercido como força aliada à autoridade delegada. A estrutura jurídica inicia no Brasil nas mãos dos capitães-donatários, que recebiam amplos poderes para administrar a economia e organizar a vida civil na terra. O ouvidor recebia recursos vindos de ouvidores das comarcas, mais conhecida por ação nova, como jurisdição originária, conflitos que se dessem a uma distância de dez léguas de sua sede ou estrada. De suas decisões era possível recorrer à Casa de Suplicação em Lisboa. Os burocratas que iriam constituir a magistratura brasileira eram um grupo muito bem particularizado que representava a espinha dorsal do governo real”. A prova de conhecimento jurídico para a inscrição no quadro de magistrado era precedida de inúmeras declarações testemunhais sobre a vida pregressa, atividades e reputação do candidato, mais especificamente, buscava-se a garantia de que não havia “contaminação de sangue de mouro, mulato, judeu ou qualquer outra raça infecta” Os magistrados coloniais, graças à política da coroa portuguesa, formavam no século XVII um grupo de burocratas elitizado – fiéis servidores reais – movidos por generosas promoções e interesses pessoais. O cargo representava prestígio, dinheiro e status, o que acaba por construir a magistratura como um ramo da burocracia real e ao mesmo tempo um grupo social específico. O magistrado poderia ascender à nobreza pelo casamento ou por título conferido pela coroa, mas não chegando a competir com a aristocracia, porque seus interesses eram ditados pelo rei, no entanto isso não impediu que na colônia brasileira se formasse um grupo característico de burocratas da justiça que souberam aliar as funções e fórmulas burocráticas às relações pessoais de parentesco. Rapidamente os juristas brasileiros perdiam interesse intelectual, apesar de sua formação universitária. Não há entre os magistrados brasileiros da época colonial autores cujos trabalhos são lembrados, apesar de estarem sempre presentes em reuniões intelectuais. Seu interesse particular pela administração da justiça no Brasil é por ter sido letrado em Coimbra e magistrado real em Portugal. Pelo relato da época, o exercício da justiça brasileira era venal e facilmente subvertido. Os critérios de análise processual eram pessoais, econômicos e sociais, sem que isso, entretanto, comprometesse os interesses reais, funcionando como uma certa flexibilização frente à dureza da estrutura metropolitana. Quanto mais se expandia a colônia, mais cresciam a burocratização e as oportunidades de corrupção As formas jurídicas vão servindo de freio à emancipação colonial. Os juristas, como uma espécie de “aristocracia” local, comandavam a vida na colônia, fazendo de seus procedimentos instrumentos eficientes de dominação e perpetuação da ordem exploradora. O aparato jurídico-político colonial significou a transposição da estrutura metropolitana paraa colônia, porém, com traços muito peculiares Apesar de não ter havido um Tribunal Inquisitorial no Brasil, ele existia como presença possível, pois sempre que necessário, os acusados brasileiros eram julgados pelo Tribunal Inquisitorial em Lisboa. As chamadas “Visitação do Santo Ofício” ocorreram na colônia brasileira, sobretudo na fase de mineração de ouro, apesar do poder delegado ao Bispo da Bahia pelo Santo Ofício em 1580, quando foram registradas inúmeras heresias, sadomias, feitiçarias, bigamias, blasfêmias etc “A especificidade da estrutura jurídica da colônia brasileira não permitiu o exercício da cidadania e as práticas políticas descentralizadas”. Forjada em meio a um passado latifundiário, patrimonialista, senhorial e escravista, cuja dinâmica fez surgir uma cultura jurídica singular marcada por ideias e práticas paradoxais. Legítima herdeira de um pensamento condicionado pelo mercantilismo e administração burocrática centralizada, construída sob uma mentalidade escolástico-tomista e elitista Longe do ideário iluminista moderno que veio a representar a possibilidade de construção de uma lógica racional crítica ao obscurantismo medieval, a cultura jurídica colonial brasileira definiu-se sacralizando a tradição e o servilismo, o que permitiu a consolidação e reprodução das ideias e valores da elite mercantilista portuguesa Tal panorama é alterado com a Reforma do Marquês de Pombal, como já considerado, na segunda metade do século XVII, quando os jesuítas são expulsos da metrópole e da colônia, e seus reflexos na tentativa de emergência de uma cultura moderna, o que irá marcar a transição para o século XIX e a busca de superação da herança colonial. Em síntese, compreender o direito e a gestão da justiça no Brasil Colônia é a possibilidade de compreender as origens de nossa profunda desigualdade social e negação de cidadania que até os dias atuais procuramos nos livrar. RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A estrutura administrativa do Brasil Colônia teve como característica a criação de um aparato político e jurídico capaz de garantir os interesses metropolitanos. • As bases das instituições jurídicas brasileiras estão intimamente ligadas: a um passado escravocrata e patrimonialista, marcado pela dominação de uma elite agrária local e submissa aos interesses econômicos metropolitanos. • O Direito brasileiro, em sua origem colonial, mais se aproxima de arbítrio e favoritismo do que propriamente a realização de justiça 3. O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL Mudanças sensíveis ocorrem na cultura jurídica brasileira no século XIX, que se inicia sob o signo da modernidade. As revoluções burguesas e o absolutismo ilustrado, que na Europa abriam as portas para compreender o humano como valor fundamental da sociedade, encontravam um forte contraste com o sistema colonial brasileiro, cuja marca era a violência imposta aos trabalhadores escravizados e a dinâmica contraditória da relação metrópole-colônia, que acabou por definir um espaço subjugado Tal processo tornou necessária a construção de uma cultura jurídica nacional, que encontra no liberalismo uma proposta doutrinária a partir da qual foram edificados os primeiros cursos jurídicos, uma elite jurídica e o edifício legal. A face “cabocla” do liberalismo brasileiro é muito bem conhecida: Eram profundamente contraditórias as aspirações de liberdade entre diferentes setores da sociedade brasileira. Para a população mestiça, negra, marginalizada e despossuída, o liberalismo, simbolizado na Independência do país, significava a abolição dos preconceitos de cor, bem como a efetivação da igualdade econômica e a transformação da ordem social. Já para os estratos sociais que participaram diretamente ao movimento de 1822, o liberalismo representava instrumento de luta visando à eliminação dos vínculos coloniais. Tais grupos, objetivando manter intactos seus interesses e as relações de dominação interna, não chegaram a reformar a estrutura de produção nem a estrutura da sociedade. Representou o ideário de cunho individualista sustentado pela burguesia europeia contra o absolutismo monarquista, capaz de reproduzir novas condições materiais, sociais e políticas que permitiam sua ascensão e justificativa de poder. Entretanto, no Brasil, essa doutrina era conhecida por uma pequena parcela de letrados inovadores, e até revolucionários, já que a maioria da população era de analfabetos, escravos e uns poucos trabalhadores livres para os quais os “novos ventos da liberdade europeia” não sopravam nem como “leve brisa”. O liberalismo brasileiro serviu tão bem aos interesses das oligarquias locais que pôde conviver com a institucionalização da escravidão, tornando-se uma aparente ambiguidade, porém a marca da política brasileira: uma retórica liberal e uma prática oligárquica, um conteúdo conservador e reacionário sob a aparência da democracia. Liberalismo brasileiro como uma “ideologia de tantas caras” que serviu em “momentos distintos diferentes grupos com intenções diversas”: • A face heroica: própria dos movimentos que antecederam a independência, a antidemocrática – dos revolucionários da primeira Constituinte. • A face moderada: dos adeptos da monarquia constitucional, a radical – dos reformistas da fase regencial. • A face conservadora: que acabou por impor-se e defendida pela minoria antidemocrática apegada às práticas do clientelismo e da patronagem. O liberalismo no Brasil foi singular, pois apesar de defender a democracia representativa, negava a participação popular, atribuindo aos poucos letrados a tarefa de conduzir as instituições políticas e jurídicas. Enfim, um liberalismo conservador, elitista, antidemocrático que nega na prática suas próprias convicções. A independência se constituiu numa revolução social por ter produzido simultaneamente o fim da era colonial e o advento da sociedade nacional. As relações de poder modificam-se na medida em que deixam de manifestar-se. O novo momento brasileiro irá se caracterizar como uma inovação aliada ao poder por parte das oligarquias e a enorme marginalização da população livre. A independência pode ser compreendida como mudança de status político-jurídico sem mudança material e social, o que justifica a perpetuação das relações sociais de dominação internas ao longo da construção da sociedade nacional. É evidente que o liberalismo, ao construir a base ideológica e política para a transição colonial, tornou-se, ao mesmo tempo, o elemento mais destacado da cultura brasileira durante a fase imperial e o ideário para a edificação do Estado nacional, para a “ideia de Brasil”. O projeto liberal no Brasil, que norteou o processo de independência, não significou uma única aspiração, mas sim o resultado de distintos segmentos, radicais e moderados conservadores, que concordavam num aspecto: o processo de independência e construção nacional se operaria com a ausência de participação popular 3.2 - A CULTURA JURÍDICA NACIONAL: O BACHARELISMO Com a independência política, a grande tarefa será a de construir autonomia jurídica. Serão usadas duas grandes estratégias: a elaboração de uma legislação própria e a criação dos cursos de Direito A Carta de Lei de 11 de agosto de 1827, que implanta os primeiros cursos jurídicos do Brasil de São Paulo e Recife, reflete, “a exigência da elite que veio a suceder a dominação colonial preocupada com a estrutura de poder e a preparação de uma camada burocrática administrativa capaz de assumir o gerenciamento nacional”. Tais centros servirão como reprodutores da legalidade oficial positiva, ou seja, legitimadores dos interesses do poder, distantes de qualquer compromisso com expectativas sociais Assim, os cursos de Direito assumiram as funções de serem simultaneamente defensores do ideário liberal e formadores da elite burocrática devidamente adestrada para o exercício do poder O ensino jurídico brasileiro reproduzia um modelo alienígena, cosmopolita, ilustrado e literário, divorciado do quadro agrário rural
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