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Epidemiologia - Aula 9

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Boletim informativo da Organização Mundial da Saúde | Outubro de 2005, 83 (10) 792 
Clássicos da saúde pública 
 
 
 
Associação ou causalidade: avaliando conexões entre 
"ambiente e doença" 
Robyn M. Lucas1 & Anthony J. McMichael2 
 
 
Estudos epidemiológicos geralmente examinam as associações 
entre uma variável de exposição e um resultado na saúde. Ao 
avaliar a natureza causal de uma associação observada, os "critérios 
de Bradford Hill" há muito tempo proporcionam uma estrutura de 
contexto — nas palavras de um dos colegas mais próximos de 
Bradford Hill: um "auxílio ao pensamento" (1). Publicado pela 
primeira vez há exatamente 40 anos, esses critérios também 
proporcionaram relevância biomédica para a pesquisa 
epidemiológica, e rapidamente se tornaram um pilar para os livros 
de estudos epidemiológicos e a interpretação de dados (2). A 
natureza de lista de verificação dos critérios adaptou-se 
perfeitamente aos estudos de causalidade simples e direta por 
disciplinas caracterizadas pelo treinamento científico e matemático 
clássico. 
A maioria das doenças possui uma patogênese multifatorial, 
mas a conceitualização de sua causalidade varia de acordo com a 
disciplina. Embora seja cientificamente satisfatório elucidar as 
inúmeras causas que compõem uma doença, nas pesquisas de 
saúde pública a prioridade é a descoberta de causas necessárias ou 
suficientes que sejam passíveis de intervenção. Mesmo assim, ao 
longo das quatro décadas desde o surgimento do artigo de 
Bradford Hill, a gama de questões de pesquisa multivariadas, 
multiestágios e multiníveis abordadas pelos epidemiologistas 
evoluiu, assim como seus métodos estatísticos e seu envolvimento 
em pesquisas interdisciplinares de maior alcance. Nesse contexto, 
muitas vezes não é apropriado buscar a causa ou as causas 
discretas de uma doença, mas sim identificar um complexo de 
fatores inter-relacionados e, muitas vezes, interativos que 
influenciam o risco de uma doença (1). Isso complica a avaliação 
da causalidade. 
Neste ponto, o contexto geral dentro do qual Bradford Hill 
desenvolveu suas ideias sobre inferência causal merece uma breve 
revisão. A maior parte da pesquisa epidemiológica não é 
experimental, sendo conduzida em um ambiente inerentemente 
“ruidoso”, em meio a populações de vida livre. Por exemplo, a 
qualidade da medida de exposição e do estado de saúde geralmente 
é menor do que em ensaios clínicos controlados ou em estudos 
baseados em laboratório (erro de medida); existem variáveis 
confundidoras em potencial que estão estatisticamente associadas à 
variável de exposição de interesse, ao mesmo tempo em que 
predizem o resultado da saúde por si só, e essas covariáveis devem 
ser controladas; a amostra de pessoas estudada pode não fornecer 
informações verdadeiras sobre a relação entre a exposição e o 
resultado na população de origem, tanto no que diz respeito à 
relação que a amostra realmente apresenta (viés de seleção) quanto 
à relação que a amostra aparentemente apresenta (viés de 
classificação). Portanto, os epidemiologistas buscam configurações 
de pesquisa e modelos de estudo que maximizem a razão sinal-
ruído. 
Essas fontes de ruídos, intrínsecas a muitas pesquisas 
epidemiológicas, exigem que se proceda com cautela ao realizar 
inferências causais. Uma vez realizados estudos suficientes, em 
diversas configurações, limitando-se adequadamente as taxas de 
erros aleatórios (propriedade intrínseca de um universo 
estocástico), erros sistemáticos (viés) e erros lógicos 
(confundimento), então, a natureza causal das associações 
observadas pode ser avaliada de forma razoável. 
Observe, no entanto, a expressão específica: “natureza 
causal”. A causalidade é uma interpretação, não uma entidade; ela 
não deve ser reificada. O filósofo escocês do século 18, David 
Hume, apontou que a causalidade é induzida pela lógica, não 
observada empiricamente (3). Portanto, jamais poderemos saber de 
forma exata que a exposição X causa a doença Y. Não há prova 
definitiva de causalidade: é meramente uma inferência baseada na 
conjunção observada de duas variáveis (exposição e estado de 
saúde) no tempo e no espaço. Naturalmente, esta limitação da 
lógica indutiva se aplica tanto às pesquisas experimentais quanto 
não experimentais. 
Em meados do século XX, o filósofo Karl Popper ofereceu 
uma solução para esse problema de confiança na indução. Ele 
destacou que a ciência progride rejeitando ou modificando 
hipóteses causais, e não provando, de fato, a causalidade. Embora 
tenham flertado brevemente com as ideias de Popper na década de 
1970 (4), os epidemiologistas, de modo geral, adotaram uma 
abordagem prática baseada em dados para a noção de causalidade, 
abraçando com certo conforto os critérios de causalidade de 
Bradford Hill. Em geral, eles parecem bastante adequados à 
natureza majoritariamente não experimental, com tendência ao viés 
e repleta de confundimento da pesquisa epidemiológica. Esses 
nove critérios — ou diretrizes — enfatizam em especial a 
temporalidade do relacionamento, sua força, a presença de uma 
relação plausível de dose-resposta, a consistência dos achados em 
diversos estudos e a coerência com outras descobertas disciplinares 
e teorias biomédicas. 
 
 
 
1 (Centro nacional de epidemiologia e saúde da população (Austrália)) National Centre for Epidemiology and Population Health, The Australian National 
University, Canberra, ACT 0200, Australia. () Correspondências devem ser enviadas para este autor (e-mail: robyn.lucas@anu.edu.au). 
2 (Centro nacional de epidemiologia e saúde da população (Austrália)) National Centre for Epidemiology and 
Population Health, The Australian National University, Canberra, Australia. Nº ref.: 04-016048 
Esta seção analisa algumas contribuições inovadoras para a saúde pública, reproduzindo-as em sua forma original e 
adicionando um comentário sobre sua relevância a partir de uma perspectiva mais atual. Robyn M. Lucas e Anthony J. 
McMichael analisam O ambiente e as doenças: associação ou causalidade? de Sir Austin Bradford Hill, que estabelece relações 
entre doenças e condições de trabalho ou de vida. O artigo original é reproduzido com permissão da The Royal Society of 
Medicine Press Limited (http://www.jrsm.org). 
Boletim informativo da Organização Mundial da Saúde | Outubro 
 
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Clássicos da saúde pública 
Associação ou causalidade: avaliando conexões entre "ambiente e doença" Robyn M. Lucas e Anthony J. McMichael. 
 
 
Ao invés de propor critérios absolutos, Bradford Hill considerou 
seus critérios como aspectos da associação entre uma exposição e 
um resultado que "consideramos de modo especial antes de decidir 
que sua interpretação mais provável é a causalidade". 
As ideias de Bradford Hill sobre inferência causal foram 
formuladas nos anos de início da ascensão da epidemiologia de 
doenças não transmissíveis, que foi essencialmente um fenômeno 
pós-Segunda Guerra Mundial. Sua própria experiência incluiu, em 
particular, o primeiro ensaio clínico controlado definitivo — de 
estreptomicina, no tratamento da tuberculose, no final da década 
de 1940 — e os estudos iniciais de tabagismo e câncer de pulmão, 
principalmente o estudo de coorte de médicos britânicos (6). 
Outros sucessos iniciais em estudos epidemiológicos não 
experimentais de doenças não transmissíveis incluíram aqueles 
envolvendo exposições ocupacionais substanciais e quantificáveis, 
por exemplo, a radiação ionizante (7), amianto (8) e níquel (9). Não 
é de se espantar que, nesse contexto, o desafio não fosse tanto o 
de elucidar e separar a causalidade complexa, mas sim, mais 
fundamentalmente, de inferir a causalidade relativamente simples e 
de ação direta. 
Bradford Hill reconheceu a importância de passar da 
associação para a causalidade como uma etapa necessária para 
adotar medidas preventivascontra as causas ambientais de 
doenças. Mas há dúvidas a respeito da aplicabilidade universal de 
seus critérios clássicos. Quão válidos são eles na avaliação da 
causalidade multifatorial? Será que são úteis em uma agenda de 
pesquisa cada vez mais ampla, na qual, por exemplo, tentamos 
identificar e quantificar os efeitos de determinantes de saúde mais 
distais e, muitas vezes, indiretamente atuantes, tais como fatores 
relacionados ao status socioeconômico, os efeitos do design 
urbano nos níveis de atividade física, a incidência da obesidade ou 
os efeitos das mudanças climáticas em curso sobre o risco de 
morte por inundações? De modo mais sutil, será que nossa 
dependência de critérios causais como estrutura intelectual molda e 
direciona nossas questões de pesquisa e oportunidades de 
financiamento? 
Dez anos após o artigo clássico de Bradford Hill, Rothman 
apresentou um modelo de causalidade que enfatizava a patogênese 
multifatorial das doenças, com causas ou fatores de múltiplos 
componentes que aumentavam o risco e diversificavam as vias 
causais (10). Ele identificou os elementos necessários e as 
combinações de exposição suficientes para resultar no 
desenvolvimento de doenças. A inferência causal, portanto, se 
concentraria mais em quão bem os resultados dos estudos 
epidemiológicos se enquadrariam nesse modelo. Rothman e 
Greenland observam que nenhum dos critérios de Bradford Hill é 
suficiente para estabelecer a causalidade sozinho — para cada 
critério existem situações em que a falta de satisfação do critério 
pode ser causal e a satisfação do critério pode não ser causal. A 
temporalidade — requisito de que a exposição deve preceder o 
efeito — é o único critério obrigatório para uma relação causal 
entre uma exposição e um resultado (11). 
Na seção a seguir, analisamos brevemente os critérios de 
Bradford Hill e seu uso contemporâneo na epidemiologia. 
Força. Bradford Hill sugeriu que associações fortes 
eram mais prováveis de serem causais do que associações fracas. 
As associações fortes que ele cita (um aumento de 200 vezes no 
índice de mortalidade por câncer testicular em limpadores de 
chaminés expostos a alcatrão ou óleos minerais, e um risco 20 
vezes maior de câncer de pulmão em fumantes em comparação a 
não fumantes) têm mais credibilidade, com menos propensão de 
serem atribuídas unicamente ao confundimento residual 
descontrolado. Associações relativamente fracas são comuns na 
epidemiologia contemporânea, de modo que dependemos de 
modelos e metodologias de estudo robustos, com minimização do 
viés, avaliação da função do acaso e ampla medição de possíveis 
fatores confundidores para uma medida de associação válida. Isso 
geralmente é difícil no estudo de influências ambientais complexas 
na saúde humana. 
Consistência. Bradford Hill também sentia mais confiança 
na explicação causal de uma associação se a mesma resposta fosse 
obtida em uma série de situações distintas — prospectiva e 
retrospectivamente e em diferentes populações. Por outro lado, os 
resultados dos estudos do mesmo fenômeno podem apresentar 
variações por diferença de método, interação com uma terceira 
variável (inclusive interação gene-ambiente (12)) ou o acaso (11). 
Embora resultados semelhantes obtidos por diferentes métodos e 
em diferentes populações aumentem a confiança em uma 
interpretação causal, a consistência não é um critério necessário 
para uma interpretação causal. De fato, a falta de consistência pode 
fornecer insights valiosos sobre as causas componentes de um 
resultado (se houver interação com um terceiro fator que esteja 
variavelmente presente) e justificar mais investigação em vez de 
gerar uma conclusão de não causalidade. 
Especificidade. Este critério, muitas vezes, é considerado 
como indicativo de que toda exposição pode originar apenas um 
único resultado (13). Embora isso possa ser verdade para algumas 
doenças infecciosas (por exemplo, apenas o vírus da rubéola causa a 
rubéola), é claramente improvável em relação a muitas exposições 
ambientais. Bradford Hill reconheceu que as doenças podem ter 
mais de uma causa e que os relacionamentos um para um não são 
frequentes. No entanto, se uma associação é limitada a grupos 
específicos, com uma exposição ambiental específica, ou se é 
amplamente aumentada nesses grupos, então a chance de uma 
associação causal é fortalecida. Weiss sugere a ressurreição da 
especificidade como um conceito útil no modelo de estudo, 
particularmente valioso para desvendar problemas complexos na 
atribuição causal (14). Ele cita como aspectos valiosos do modelo de 
estudo e da inferência causal a análise da especificidade de um 
resultado (por exemplo, ciclistas usuários de capacete experimentam 
uma redução em todos os tipos de lesões ou apenas nas lesões na 
cabeça?), especificidade de exposição (o câncer de ovário é causado 
por qualquer tipo de endometriose, ou apenas pela endometriose de 
ovário?) ou especificidade relativa à susceptibilidade (a associação 
entre um genótipo específico e um resultado manifesta-se apenas em 
condições ambientais específicas, para as quais a susceptibilidade 
genética é importante (15)). 
Temporalidade. A temporalidade é um critério obrigatório 
para uma associação causal entre uma exposição e um resultado, ou 
seja, a exposição deve preceder o resultado (embora a medida da 
exposição não precise necessariamente preceder a medida do 
resultado). 
Gradiente biológico. Parece lógico que a probabilidade 
de uma associação causal aumente quando um gradiente biológico 
ou uma curva de dose-resposta puder ser demonstrado. No 
entanto, essas relações quantitativas podem ser difíceis de 
demonstrar, ou podem ser atribuídas a confundimento residual, 
onde o próprio confundidor apresenta um gradiente biológico em 
relação ao resultado (11). Além disso, está claro que, para muitas 
exposições ambientais, há um limite ou associação não linear, por 
exemplo, a associação entre temperatura ambiente e uma doença 
(16, 17), exposição à radiação ultravioleta e uma doença (18) e 
consumo de álcool e taxa de mortalidade (19). 
Plausibilidade. Embora seja reconfortante quando uma 
associação causal é biologicamente plausível, Bradford Hill observa 
que “essa é uma característica que, estou convencido, não podemos 
exigir. O fato de algo ser biologicamente plausível depende dos 
conhecimentos biológicos correntes”. Além disso, “muitas vezes não 
é baseado na lógica ou em dados, mas apenas em crenças anteriores” 
(11). 
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Clássicos da saúde pública 
Associação ou causalidade: avaliando conexões entre "ambiente e doença" Robyn M. Lucas e Anthony J. McMichael. 
Coerência. A coerência e a plausibilidade biológica 
compartilham um requisito de que a interpretação da causa e efeito 
de uma associação deve corresponder aos fatos conhecidos da 
história natural e da biologia da doença. Os padrões temporais de 
exposição e os efeitos biológicos conhecidos da exposição 
encaixam-se nos padrões de doença observados? Por exemplo, a 
"hipótese de higiene" como causa de algumas doenças autoimunes 
e alérgicas é coerente com as tendências em países desenvolvidos 
de menos infecções infantis e uma crescente incidência de 
distúrbios alérgicos e autoimunes (20). 
Experimento. As ações preventivas tomadas com base em 
uma associação comprovada de causa e efeito alteram a frequência 
do resultado? Com os toques dos postulados de Koch, este critério 
ofereceu, no ponto de vista de Bradford Hill, o apoio mais forte 
para uma interpretação causal. A experimentação laboratorial e os 
ensaios clínicos humanos permitem a manipulação de exposições 
em um ambiente controlado, ao contrário dos estudos 
epidemiológicos observacionais humanos. Animais de laboratório 
são criados para simular a sensibilidadea exposições ambientais 
específicas, expostos de forma controlada, monitorados quanto ao 
desenvolvimento de doenças e depois sacrificados para exame de 
alterações patológicas. O projeto de ensaios clínicos randomizados 
visa controlar o viés e o confundimento em estudos humanos, de 
modo a permitir a estimação da verdadeira associação entre 
exposição e resultado. Na prática, no entanto, o controle do 
confundimento e do viés pode ser alcançado apenas à custa de 
força de representatividade ou estudo. 
Analogia. Bradford Hill e outros epidemiologistas 
reconheceram que a noção de analogia pode ser levada a extremos 
impraticáveis e pode depender da imaginação dos cientistas para 
enxergar analogias. Analogias claras, no entanto, podem aumentar 
o peso da evidência de associações que, de outra forma, seriam 
consideradas fracas. Considere o estudo da associação do 
tabagismo passivo ao câncer de pulmão. A quantificação da 
exposição e a medida precisa de todos os fatores confundidores 
podem ser difíceis. No entanto, por analogia aos riscos conhecidos 
do câncer de pulmão em fumantes ativos, as pessoas expostas ao 
fumo passivo têm, de forma plausível, um aumento no risco de 
câncer do pulmão mediado pelos mesmos caminhos biológicos. 
Bradford Hill não prescreveu esses critérios como regras 
que devem ser cumpridas antes que uma associação possa ser 
julgada como causal, mas como formas de examinar se a causa e o 
efeito são uma inferência razoável. A dificuldade de fazer 
inferência causal em relação a exposições mais distais é centrada na 
dificuldade de enxergar a pura associação entre exposição e efeito 
na saúde — sem viés, confundimento e interação com outras 
exposições. As situações de pesquisa em que isso pode ocorrer são 
limitadas principalmente a ensaios clínicos e, talvez, grandes 
estudos observacionais com modelo e execução impecáveis. A 
epidemiologia ambiental contemporânea confronta resultados na 
saúde não homogêneos, como asma, esclerose múltipla e suicídio, 
que são agrupamentos de sinais ou sintomas com múltiplas 
etiologias possíveis. As exposições podem ser difíceis de 
quantificar e até mesmo de definir (por exemplo, status 
socioeconômico e modelo urbano), bem como de relacionar 
temporal e espacialmente aos resultados da doença (por exemplo, 
poluição do ar e mudanças climáticas). 
Como Bradford Hill teria lidado com alguns dos problemas 
da epidemiologia social contemporânea? Para tomar o que talvez 
seja um exemplo extremo, em seu World Health Report (Relatório 
da Saúde Mundial) de 1998 (21), a OMS concluiu que o maior 
fator de risco do mundo 
para doenças era a pobreza. Mais ou menos ao mesmo tempo, três 
importantes epidemiologistas ortodoxos do mundo argumentaram 
que não era tarefa da epidemiologia se concentrar na pobreza 
como a causa de doenças (22). Esta divergência de pontos de vista 
traz a questão de até que ponto na linha de sucessão deve-se 
rastrear a causa — e, portanto, a possível intervenção. 
Na Austrália, a expectativa de vida assustadoramente baixa 
dos aborígenes pode ser atribuída à elevada prevalência de 
comportamentos de alto risco para a saúde em nível individual, 
incluindo dietas não equilibradas, consumo excessivo de álcool, 
tabagismo, comportamento sedentário, falta de higiene e condução 
perigosa? Pode ser atribuída a fatores de nível populacional, como 
baixa escolaridade, falta de cuidados primários com a saúde, níveis 
de acesso a alimentos processados e álcool, e assim por diante? Ou 
seria causada pelo contexto social de desintegração cultural, baixa 
autoestima e pobreza? Seja qual for a resposta (e, de fato, todos os 
níveis de causalidade são relevantes), está claro que as relações 
causais se tornam mais complexas, menos quantificáveis e menos 
suscetíveis à inferência causal formal quando o indivíduo passa de 
determinantes proximais a distais dos resultados na saúde (23). 
A existência de critérios formais para a inferência causal 
pode orientar as pesquisas atuais em direção a questões de pesquisa 
confortáveis e bem especificadas, dissuadindo-nos, assim, da 
consideração do "panorama geral", onde os dados são muitas vezes 
confusos, com grande probabilidade de confundimento residual. 
De fato, os órgãos de financiamento podem preferir conceder 
financiamentos de pesquisa para estudos com delimitação clara da 
exposição e dos resultados na saúde e modelo de estudo que 
conduza à inferência causal. 
Em conclusão, os estudos epidemiológicos procuram a 
compreensão das ligações entre o meio ambiente e a saúde e, 
portanto, fornecem suporte a práticas baseadas em evidências. Se 
essas conexões podem — ou não — ser consideradas causais é 
algo que só pode ser avaliado com confiança após a consideração 
total de eventuais ruídos epidemiológicos — acaso, viés e 
confundimento. Considerações práticas e éticas fazem com que a 
causalidade não possa, em geral, ser comprovada em estudos 
humanos. Em vez disso, ela deve ser induzida por associações 
demonstradas entre uma exposição e um resultado na saúde. As 
características da associação, julgadas em relação a uma estrutura 
específica, podem então nos ajudar a avaliar se tal associação é ou 
não causal. 
Nos tempos modernos, os epidemiologistas ampliaram seus 
horizontes de pesquisa para abranger os domínios da 
epidemiologia social, das relações em âmbito populacional não 
redutíveis ao estudo em âmbito individual e das consequências na 
saúde de processos complexos de mudanças ambientais e sociais. 
A noção de causa tornou-se mais complexa, com a maior parte dos 
resultados na saúde tendo múltiplas causas componentes. 
Distinguir quais deles são necessários ou suficientes é fundamental 
para os esforços preventivos. Os critérios de Bradford Hill 
fornecem uma estrutura contra a qual as exposições podem ser 
testadas como causas componentes, mas eles não são absolutos. 
Tal como acontece com os testes P estatísticos, os critérios de 
causalidade devem ser vistos como auxílios ao julgamento, não 
como árbitros da realidade. O 
 
Agradecimentos 
Agradecemos a Alistair Woodward, da Universidade de Auckland, 
por fornecer sugestões úteis durante a elaboração deste artigo. 
 
Interesses concorrentes: nenhum declarado. 
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Associação ou causalidade: avaliando conexões entre "ambiente e doença" Robyn M. Lucas e Anthony J. McMichael. 
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Translated into Portuguese by Laureate Education, Inc. 
from Association or Causation: evaluating links between 
"environment and disease", 2005, Robyn M. Lucas & 
Anthony J. McMichael. WHO is not responsible for the 
content or accuracy of this translation. In the event of any 
inconsistency between the English and the Portuguese, 
the original English version shall be the binding and 
authentic version.
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