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RT CLÁSSICOS Ato Jurídico. Vicente Ráo. 4. ed. anotada, rev. e atual, por Ovídio Rocha Barros Sandoval, 2. tir. São Paulo : RT, 1999. Volumes publicados Culpa e risco. Alvino Lima. 2. ed. rev. e atual, por Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo : RT, 1998. Fundamentos do direito. Miguel Reale. 3. ed. fac-símile da 2. ed. rev. São Paulo : RT, 1998. O direito e a vida dos direitos. Vicente Ráo. 5. ed. anot. e atual, por Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo : RT, 1999. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Ráo, Vicente Ato jurídico : Noção, pressupostos, elementos essenciais e acidentais O problema do conflito entre os elementos volitivos e a declaração / Vicente Ráo - 4. ed. anotada, rev. e atual, por Ovídio Rocha Barros Sandoval, 2. tir. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1999. (RT Clássicos) ISBN 85-2031489-9 1. Atos jurídicos. I. Sandoval, Ovídio Rocha Barros. II. Título. 97-0610 CDU-343.13 índices para catálogo sistemático: 1. Atos jurídicos : Direito civil 347:13 2. Fatos jurídicos Direito Civil 347.13. RT CLÁSSICOS VICENTE RÁO ATO JURÍDICO Noção, pressupostos, elementos essenciais e acidentais. O problema do conflito entre os elementos volitivos e a declaração. 4.a edição anotada, revista e atualizada por O vídio R ocha B arros S andoval 2.“ TIRAGEM EDITORA Ri? REVISTA DOS TRIBUNAIS ELEMENTOS ACIDENTAIS ---- DA CONDIÇÃO 295 Jfc- Se a condição resolutiva não se verifica, o ato, que a recebera, H á ssa a ser considerado como se, ab initio, fosse puro e simples; e, passim sendo, os atos que o adquirente houver praticado sob a pendência id a condição, definitivamente válidos se tomam.17 §|122. Retroatividade e irretroatividade das condições Não é pacificamente aceita pela doutrina a regra da retroatividade ijdas condições. Nem é admitida pela totalidade dos sistemas legislativos. De fato, o Código Civil alemão dispõe que a eficácia do ato jurídico ||süjeito a condição suspensiva começa ao ser esta realizada e a do ato H prídico subordinado a condição resolutiva cessa no momento em que a BIcondição se verifica, momento a partir do qual se restabelece o estado R d e direito anterior (art. 158); quando, porém, segundo o conteúdo do ato mjurídico, as conseqüências do implemento devem reportar-se a uma época Bjmterior, cumpre às partes, ao se realizar a condição, fornecer, umas às |i;outras, aquilo que teriam obtido se tais conseqüências se houvessem « realizado na época anterior indicada (art. 159). De conformidade com I esses preceitos, portanto, o implemento das condições, suspensivas ou 1! resolutivas, em regra não opera retroativamente, podendo, no entanto, « produzir este efeito se assim as partes houverem imposto ou ajustado I (Enneccerus, Trat., v. I, t. II, §§ 185 e 187).18 17. Do Esboço de Teixeira de Freitas constam as seguintes disposições: Art. 609. “Não cumprida a condição suspensiva, ou sendo certo que não I se cumprirá, cessa a expectativa do direito, como se o ato jurídico, ou a disposição I condicional, nunca tivesse existido”. Art. 630. “As condições positivas julgar-se-ão não cumpridas: 1.°) não havendo prazo marcado para o seu cumprimento, quando o fato ou ação, de que ; dependa a aquisição ou a resolução do direito, se tomam impossíveis; 2.°) havendo prazo marcado para o seu cumprimento, quando dentro desse prazo o fato não aconteceu, ou a ação não foi executada; ou quando, antes de terminar o prazo, o fato ou a ação se tornam impossíveis”. Art. 631. “As condições negativas julgar-se-ão não cumpridas: 1.°) não havendo prazo marcado para o seu cumprimento quando a existência do fato ou da ação se toma necessária; 2.°) havendo prazo marcado para o seu cumprimento, quando, dentro desse prazo, o fato aconteceu, ou a ação foi executada, ou quando, antes de terminar o prazo, a existência do fato ou da ação se toma necessária”. 18. O Código Civil alemão contém, mais, as seguintes disposições: a) quem tiver um direito sob condição suspensiva poderá, em se realizando esta condição, exigir da outra parte reparação do dano se esta, durante a pendência da condição e por sua culpa, houver destruído ou diminuído o direito que sujeito à mesma condição se achava. Igual pretensão poderá fazer valer, sob os mesmos requisitos, aquele em cujo favor se houver restabelecido o estado de direito anterior, em virtude de ato praticado sob condição resolutiva (art. 160); b) se alguém, sob a pendência de condição suspensiva, houver praticado ato de disposição, qualquer ato ulterior de disposição que vier a praticar sobre o mesmo objeto 296 ATO J U R Í D I C O Por sua vez, prescreve o Código suíço das Obrigações, em seu art. 151, que o contrato condicional (condição suspensiva) só produz seus efeitos a partir do instante em que a condição se cumpre, a não ser que as partes manifestem intenção em contrário; e, de conformidade com o art. 154 do mesmo corpo de leis, os efeitos do contrato sob condição resolutiva cessam a partir do cumprimento da condição, inexistindo, em regra, efeito retroativo. Nesses sistemas, pois, a regra é a irretroatividade; a retroatividade é a exceção que da vontade das partes resulta. Em sentido oposto, admitem a retroatividade como regra, entre outras, as seguintes disposições legais: “la condition accomplie a un effet rétroactif au jour auquel l’engagement a été contracté”; “la condition résolutoire est celle qui, lors-qu’elle s’accomplit, opère la révocation de l’obligation, et que remet les choses au même état que si l’obbligation n’avait pas existée” (Código Civil francês, arts. 1.179 e 1.183); “la condizione adempita ha effetto retroattivo al giorno in cui fu contratta l’obbligazione” (Código Civil italiano de 1865, art. 1.170). O novo Código Civil italiano (de 1942, art. 1.360), mantendo a regra consagrada pelo Código anterior, enuncia as exceções que a doutrina já admitia e dispõe: “gli effetti del-l’avveramento delia condizione retroagiscono al tempo in cui è stato concluso il contratto, salvo che, per volontà delle parti o per la natura dei rapporto, gli effetti dei contratto o delia risoluzione debbano essere riportati a un momento diverso. Se però la condizione risolutiva è apposta a un contratto ad esecuzione continuata o periódica, 1’avveramento di essa, in mancanza di patto contrario, non ha effetto riguardo alie prestazione già eseguite”.19 será ineficaz, em se realizando a condição, na medida em que houver destruído ou diminuído os efeitos jurídicos cuja vigência da condição dependiam (art. 161, primeiro inciso). Assimilam-se ao ato de disposição dessa natureza: 1) os atos, supervenientes de execução forçada, seqüestro, penhora e os praticados pelo síndico na falência (cit. art., segundo inciso); 2) no caso de condição resolutiva, os atos de disposição praticados por aquele cujo direito cessou de existir, por se haver realizado a condição (cit. art., terceiro inciso); 3) as disposições feitas em favor daquele que recebeu seu direito de quem não o tinha (cit. art., quarto inciso). 19. O art. 1.361 do vigente Código Civil italiano acrescenta: “quem tem um direito sujeito a condição suspensiva ou resolutiva pode dispor dele enquanto a condição pende; mas os efeitos de cada ato de disposição ficam subordinados à mesma condição (art. 1.357); “a verificação da condição não prejudica os atos de administração praticados pela parte à qual, pendente a condição, competia o exercício do direito. Salvo disposição diversa da lei, ou ajuste diverso, os frutos percebidos são devidos desde o dia em que a condição se verificou (art. 1.361)”. Este último artigo se reporta à disposição do art. 1.148. ELEMENTOS ACIDENTAIS ---- DA CONDIÇÃO 297 «E ntre Código outros, também admitem a regra da retroatividadeo fliargentino (art. 543), o uruguaio (art. 1.427), o português (art. 678) e p o espanhol (art. 1.120). Nosso Código contém as seguintes disposições: “subordinando- Ip e a eficácia do ato à condição suspensiva, enquanto esta não se Hprificar, não se terá adquirido o direito a que ele visa” (art. 118); Ipse for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará |j|Q ato jurídico, podendo exercer-se desde o momento deste, o direito lipor ele estabelecido; mas, verificando-se a condição, para todos os B|;éfeitos se extingue o direito a que ela se opõe” (art. 119).* As disposições de nosso Código, vê-se, não consagram nem expres- ||;sa nem implicitamente, a retroatividade das condições como regra: se o Ipjart. 119 fala na extinção do direito para todos os efeitos, não repõe no ■passado o momento inicial da mesma extinção. Todavia, a regra da Jlretroatividade das condições era tradicionalmente admitida, entre nós, |j pela doutrina e pela jurisprudência (Teixeira de Freitas, Esboço, arts. l| 602, 606; Ribas, Curso, 3.a ed., p. 431; Lacerda de Almeida, Obrig., 2.a ; ‘éd., p. 139; Espínola, Sistema, 2.a ed., v. 1/581; Clóvis, notas ao texto f ‘citado; W. de Barros Monteiro, Obrig., p. 266 etc.). Clóvis, em nota ao art. 118, categoricamente afirma: “realizada a condição (suspensiva), o direito, em regra, se considera existente desde o momento da celebração do ato, que o constituiu, se o negócio 1 jurídico é inter vivos, e desde a abertura da sucessão, se é mortis causa. E a isso que se denomina efeito retroativo das condições, que o Código alemão somente admite quando estipulado (art. 159), porém, que está na tradição da sistemática de nosso direito, não como princípio, porém como orientação do intérprete”; e, em nota ao art. 119, acrescenta: §‘realizada a condição (resolutiva) desfaz-se o direito como se jamais existira”. Não nos parece acertada a qualificação de “simples orientação do intérprete” que Clóvis atribui à retroatividade das condições cumpridas, pois esta retroatividade só pode justificar-se, juridicamente, por deter minação da lei, ou por vontade das partes, ou como decorrência da natureza do ato jurídico, mas jamais como simples critério de inter pretação. Convém observar, porém, que os autores latinos, em sua generalidade, adotam-na como regra (Demolombe, XVI, n. 397; Hue, Com., VII, ns. 254 e ss.; Àubry et Rau, Cours, § 302 “y”; Planiol- Ripert et Esmein, Traité Pratique, VII, n. 1.037; Vergé et Ripert, Rép. Droit Civil, 1951, verb, condition; Giorgi, Obblig, VI, ns. 351 e ss.; * As regras dos arts. 118 e 119 do CC estão repetidas e consagradas nos arts. 125 e 127 do Projeto do Código Civil brasileiro. 298 A TO J U R Í D I C O Coviello, Manuale, 3.a ed., § 137; De Ruggiero, Istituzioni, 6.aed., v. I, § 30; Messíneo, Manuale, 8.a ed., 1952, § 44, n. 5; Torrente, Manuale, 1955, § 136 etc.), mas divergem quando pretendem justificá-la.20 Serpa Lopes, entre os nossos (Curso, 1957, v. I, n. 348), encerra o estudo da matéria com estas palavras: “os benefícios atingidos pela teoria da retroatividade são igualmente obtidos pela teoria contrária, como bem concluiu Leloutre após examinar, uma por uma, as conseqüências, quer entre as partes, quer em relação a terceiros, sendo que a teoria germânica sobrepuja a da retroatividade em razão da 20. Huc, comentando o art. 1.179 do Código Civil francês, diz que, segundo a doutrina romana pura, os direitos e obrigações resultantes do ato condicional somente nascem com o implemento da condição, mas visando a corrigir o rigor dessa doutrina, haviam os jurisconsultos admitido a retroatividade da condição para considerar os efeitos do ato condicional como iniciados no dia em que este houvesse sido constituído — isto, bem entendido, após o implemento da condição. Semelhante resultado, conforme à vontade provável das partes, foi consagrado, acrescenta o autor, pelo direito moderno. E opondo-se à opinião de Demolombe, que considera a retroatividade da condição verificada como conseqüência necessária da obrigação condicional, Huc apenas vê, na regra da retroatividade, “un simple correctif qui, d’ailleurs, n’a rien de nécessaire”. Diverso é o entendimento de Planiol-Ripert et Esmein ÇTraité Prat., VI, n. 1.037) quando dizem que os romanos conheceram o princípio da retroatividade e os antigos intérpretes franceses não se enganaram a este respeito. (Os autores se referem a Pothier, cuja doutrina foi aceita pelo Código Civil francês). Mas, embora afirmem que, ante o direito positivo de seu país, a retroatividade possua a força de um princípio, Planiol-Ripert et Esmein reconhecem e declaram que esse princípio tomou-se o objeto de vivas críticas por parte da doutrina moderna que o considera como ficção perigosa do ponto de vista econômico, razão pela qual certos tratadistas quiseram liminar o mais possível a sua aplicação: “todas as vezes que os arts. 1.179 e 1.183 não houvessem previsto a hipótese visada, à condição se não deveria (segundo esses autores) conferir retroatividade, de modo a que seus efeitos só para o futuro e não para o passado se manifestassem. A jurisprudência introduziu notáveis derrogações ao mencionado princípio”. Depois de indicar as diversas justificações existentes da retroatividade, Planiol-Ripert et Esmein assim concluem: “parece que o fiel fundamento jurídico da retroatividade da condição deva resultar da combinação do verdadeiro conceito do direito condicional com a vontade presumida das partes. O direito condicional só existe a partir do implemento da condição. Na falta de retroatividade, o devedor condicional poderia, validamente, criar, em favor de terceiros, direitos reais puros e simples sobre a coisa sob condição devida. Mas, segundo a vontade das partes, o fim do contrato é que o devedor nada possa fazer pendente conditione que reduza a nada o direito que o credor terá ao se realizar a condição. E para alcançar este fim e atribuir uma sanção ao direito condicional, preciso é fazer prevalecer, sobre o direito concorrente nascido antes do implemento, o direito nascido por ocasião deste implemento”. RI possibilidade de adaptação do ato sob condição, mediante uma forma ioimais adequada possível às necessidades da prática moderna. Nosso ícódigo entrilhou-se na concepção germânica. Não se encontra consa- igrado em qualquer de seus textos o princípio da retroatividade”. Amédée Leloutre, em seu Etude sur la Retroativité de la Condition i(Rév. Trim. de Droit Civil, v. VI/753 e ss.), nega o valor jurídico da jíegra da retroatividade das condições. O autor inicia o seu estudo jàcentuando o uso crescente das cláusulas condicionais: “cela rentre dans Bfes habitudes modernes de prévoyance et dans le besoin de plus en plus pressant de sécurité qui paraissent éprouver ceux qui ont des 'affaires à traiter. Pour se mettre à couvert contre certains risques, on >ne s’engage que sous condition”. Refere-se, em seguida, para excluí- los do problema, a certos atos aparentemente condicionais, de que cita, entre outros, o seguinte exemplo: o acionista que quer vender ações a serem emitidas pela sociedade, não podendo realizar uma venda pura e simples por falta de objeto, celebra um ato subordinado à existência futura deste elemento que, na ocasião, lhe falta; mas, na hipótese deve- se, necessariamente, admitir a irretroatividade, não por se tratar de ato condicional, mas porque nenhum ato pode produzir efeitos sem prévia realização de todos os seus elementos essenciais. Reportando-se às fontes, o autor sustenta que os jurisconsultos romanos nunca propuseram a questão em termos precisos: no direito clássico, eles consideravam que na venda sob condição resolutiva (hipótese, esta, que preferentemente consideravam) a propriedade transmitida ao adquirente de suas mãos não desaparecia por força de resolução,pois a propriedade era havida por nitidamente distinta do contrato que lhe desse causa. O contrato, sim, podia resolver-se, mas a propriedade, uma vez transmitida por mancipatio, in jure cessio, permanecia com o comprador, ou com os terceiros que, em seguida, a houvessem adquirido, só restando ao vendedor a ação pessoal resultante do contrato. O direito clássico, conclui Leloutre, não admitia a retroatividade das condições, cujo conceito surgiu no antigo direito francês com fundamento em um texto de Paulo (D. XVIII, VI, 8, IV.) onde se diz: “heredes obligatos esse quasi jam contracta emptione 111 praeteritum”. Teria sido fácil, no entanto, explicar esse texto, diz ulildn o autor, desde que, sem necessidade de se recorrer à retroutivldnclc, se considerasse que o direito condicional, mesmo antes de 80 voiiflcuir a condição, já possui certa existência e pode, mesmo, ser traniinltldo ativa e passivamente: o jurisconsulto romano emprega umu nIhi|jUW imagem para melhor manifestar o seu pensamento« qufttulü dá tt aparência de fazer remontar o contrato ao pusHudo. ELEMENTOS ACIDENTAIS ---- DA CONDIÇÃO 299 300 A TO J U R Í D I C O Do mau entendimento do citado texto resultou, segundo Leloutre, que “ce qui n’était que métaphore a été interprété comme la formule claire d’un principe juridique certain et la plupart des auteurs ont décidé que si le droit du créancier était transmissible tant au point de vue passif qu’au point de actif, ce n’était que par aplication d’une règle plus générale aux termes de laquelle, une fois la condition accomplie, ce droit est réputé avoir toujours été pur et simple”. Leloutre enumera e longamente rebate os argumentos dos que sustentam a regra da retroatividade das condições. O autor não desconhece que, mesmo do ponto de vista prático, diferenças sensíveis parecem existir entre as conseqüências da retroati vidade e as da irretroatividade das condições verificadas. Assim é que ele diz: “na realidade, a diferença prática mais saliente que parece apresentar- se, quando se examinam as duas teorias, diz respeito, sobretudo, aos efeitos da retroatividade sobre os atos de disposição ou oneração de bens praticados por quem dele é proprietário sob condição resolutiva. Admite- se, desta feita sem contestação, na teoria da retroatividade, que a resolução destrói, de modo absoluto, todos esses atos. Se os efeitos da condição se produzissem somente no futuro, não poderiam atingir as alienações ou constituições de direitos reais anteriormente constituídas e tudo quanto se fizesse no passado, adquiriria caráter definitivo. Haveria, pois, um interesse prático em se escolher entre as duas teorias”. Leloutre procura, em seguida, explicar a destruição desses aos praticados pendente conditione com regras outras que não as da retroatividade. Admite, apenas em parte, a aplicabilidade, à espécie, da regra segundo a qual ninguém pode transferir a outrem mais direito do que possui. Debate, em seguida, esta solução: quem se compromete a dar ou restituir certa coisa à outra parte se determinada condição se realizar, implicitamente se obriga a nada fazer (além dos atos de administração ordinária) que possa criar obstáculo à entrega ou restituição eventual da mesma coisa; assim sendo, estamos em presença de uma verdadeira cláusula implícita de inalienabilidade em relação à qual se deve indagar se há de prevalecer apenas entre as partes, ou erga omnes\ decidindo-se contra os terceiros, seria justo dizer-se que os antigos efeitos da resolução (segundo a teoria da retroatividade) deveriam admitir-se mesmo sob a adoção da nova teoria (da irretroatividade). Mas o autor prefere, adotando esta última doutrina, socorrer-se da solução que decorre da admissibilidade, na hipótese, de uma cláusula implícita de inalienabilidade: “à moins donc d’enlever aux parties la ressource précieuse de l’acte conditionnel, il convient de décider que la clause d’inalienabilité qu’il renferme implicitement aura effet à l’égard des tiers quoique la condition ne rétroagisse pas”. K - IK.rj, Todo o debate, vê-se, resulta do propósito de se admitir como Ijegra um efeito com exclusão do outro (tolerando-se, quando muito, jgque a esta regra ou àquela se abram exceções). Na realidade, porém, jpenhum desses efeitos possui a força de uma regra geral, menos ainda â de exclusividade, pois ora se faz preciso admitir o efeito retroativo, ora o irretroativo, segundo a espécie da condição e segundo a natureza Rda relação considerada, E aceitando-se esse critério dualístico, inútil gpe afigura o recurso a sutilezas dificilmente justificáveis como, p. ex., pà da pressuposição de uma cláusula implícita da inalienabilidade. Fundamentos vários invocam os autores para justificar a retroati- jVidade das condições. Entendem alguns que de uma ficção se trata, pois, ijbontra a realidade dos fatos, a retroatividade, ao se verificar a condição, gfüefine a situação das partes como se elas houvessem constituído uma Ij óbrigação, não condicional, mas pura e simples, ou como se a obrigação ■[jamais houvesse existido. Julgam outros que o recurso à ficção não basta Ijlpara justificar a retroatividade, que melhor se qualifica como preceito legal a vigorar na falta de acordo em contrário, ou melhor, como confirmação do direito, feita por lei, à vista da condição realizada, ponfirmação, esta, decorrente da própria natureza do direito condicional, que ao implemento da condição preexiste. Pensam outros que a retroatividade da condição se origina da vontade presumida das partes, as quais, verossimilmente, se obrigam confiando na realização ou não- realização das condições, conforme sejam positivas ou negativas, e, pois, como se celebrassem, desde logo, um contrato puro e simples. Também há quem combine o critério extraído da natureza do direito condicional com o da vontade presumida das partes.21 E, finalmente, mais juristas 21. Entende Coviello (Manuale, 3.a ed., § 137) que a retroatividade da condição verificada tem por fim fazer desaparecer a incerteza que durante a pendência da condição existia. A retroatividade não é, portanto, uma ficção absurda, “ma una conseguenza giustificata dairindole stessa delia condizione, (...) conforme alia volontà delle parti”. Mas, acrescenta, por não ser um efeito necessário e essencial, as partes podem excluí-la ou limitá-la. O autor não vê motivos para não se aplicar a retroatividade às condiyõo* potestativas: “das condições meramente potestativas suspensivas não se pode dizer que sejam retroativas ou irretroativas, porque o negócio não existe antes de flCtl implemento; mas, quanto às demais condições potestativas, não há razão para trutá* las de modo diverso das casuais, pois, contendo em si elementos que nBo NÍIo voluntários, antes de seu implemento o negócio já existe”. Não se baseiam apenas no texto, citado, de Paulo (D. XVlll, VI, 8 I V . ) 0* autores que pretendem encontrar no direito romano a justificaçHo ilti regra iltf retroatividade, pois outros textos também costumam invocar, entro o i cjunU 0 tio « Gaio (D. XX, IV, 11, § l.°,“qui potiores in pignus, vel hipoteca hftbfttUtttlY*') l|M li assim reza: “... quum enim semel conditio existit, peride habetur, p l! Mo tílfipèfV tquo stipulatio interposita est, sine conditione facta esset", ELEMENTOS ACIDENTAIS — DA CONDIÇÃO 301 302 A TO J U R Í D I C O (assim Espínola em seus comentários e Serpa Lopes em seu citado Curso) opinam no sentido da irrelevância do debate travado em tomo da aceitação ou rejeição da regra da retroatividade, pois, a seu ver, os sistemas que esta regra consagram tais e tantas exceções lhe abrem que, em última análise, o problema perde sua razão de ser. Não subscrevemos esta última opinião porque a retroatividade e a irretroatividade, assim pensamos, resultam de dois elementos conjugados, isto é, da espécieda condição (se suspensiva ou resolutiva) e da natureza da relação de que se trate: e, em razão desses elementos, ora se atribui à condição realizada um efeito retroativo, ora um efeito irretroativo, sem necessidade de se erigir em regra geral um efeito ou outro, sendo certo, ainda, que por ser a condição um elemento acidental e não essencial dos atos jurídicos, as disposições legais concernentes à retroatividade ou irretroatividade não são imperativas, mas supletivas, assim permitindo disposições ou esti pulações em sentido diverso do adotado por lei. Em síntese, as conclusões que passamos a indicar são admissíveis. A) Vontade das partes A liberdade das partes na imposição ou estipulação dos efeitos retroativos ou irretroativos das condições decorre da própria natureza destas, que são elementos acidentais e não essenciais dos atos jurídicos. Facultado também é, a quem dispõe ou contrata, estabelecer o momento a partir do qual a condição verificada deve começar a produzir os seus efeitos. B) Efeitos retroativos Prescreve o art. 122 do Código Civil que “se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto \quela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, ;e com ela forem incompatíveis”.* No mesmo sentido, mutatis 'lutandis, dispõem o Código Civil alemão (art. 161) e o Código suíço as Obrigações (art. 152, 3.° inciso).22 * Regra repetida no art. 126 do Projeto do Código Civil brasileiro. 22. Lembra Torrente {Man. di Dir. Priv., nota 1 ao § 136) que a doutrina tlifica essa retroatividade como retroatividade real (Messineo), ou externa, ou oluta (Santo Passarelli), para distingui-la da retroatividade obrigatória, ou interna, *elativa: “a retroatividade real significa que os efeitos do negócio se verificam aducam, mesmo perante os terceiros, a partir da conclusão do negócio. Se Tício 'eu a Caio sob condição resolutiva e Caio, por sua vez, durante a pendência da ição, vendeu a Semprônio, quando a condição se verifica, tanto Caio quanto rônio não se podem considerar adquirentes da coisa. A retroatividade obrigatória »tra aplicação em se tratando de resolução por inadimplemento”. ELEMENTOS ACIDENTAIS ---- DA CONDIÇÃO 303 O Código alemão limita os efeitos da resolução das novas disposições até onde estas inutilizem ou diminuam os efeitos jurídicos da condição, enquanto o Código suíço as considera nulas naquilo que comprometam os efeitos da condição, preferindo nosso Código falar | em “incompatibilidade”, limites, todos esses, a serem apurados e fixados I na apreciação de cada caso concreto. O implemento das condições resolutivas também alcança, para I invalidá-los, os atos anteriores de disposição por força da regra I “resolutur jure dantis resolvitur et jus accipientis” (D. XXX, fr. 69, I; § 1.°, e XXXV, fr. 105; Ord. n, 35, 25; Dec. 370 de 1890, art. 226, I § 2.°; Carlos de Carvalho, Nova Consolidação, art. 242, parágrafo único; Código Civil, art. 119; Clóvis, comentários ao texto). Certos autores alemães contestam haja o respectivo Código feito I qualquer concessão à teoria da retroatividade através da citada dispo- 1 sição de seu art. 161; mas é certo, em que pesem essas opiniões, que | o Código alemão, assim dispondo, quando menos abriu uma exceção i à regra da irretroatividade que em outros textos adotou. ; C) Efeitos irretroativos São irretroativos os efeitos das condições suspensivas verificadas, § nos seguintes casos: a) quanto aos atos de administração ordinária praticados (mesmo durante a execução provisória) pendente conditione\ ij b) quanto ao direito de conservação dos frutos, naturais ou civis, colhidos ou percebidos, antes do implemento da condição (Código Civil, art. 868, parágrafo único);* c) quanto ao direito de ressarcimento das benfeitorias, necessárias ou úteis, salvo se o valor dos frutos colhidos, ou percebidos, com elas se compensarem. Em regra, a condição resolutiva verificada opera ex nunc nos atos de execução sucessiva, com prestações contínuas ou periódicas, como ocorre, v.g>, com os contratos de locação, sociedade, mandato, fiança, ou com os atos constitutivos de uso, usufruto, habitação, enfiteuse, penhor, hipoteca, anticrese (Giorgi, Obblig., v. IV, n. 377). ff D) Irretroatividade em relação a terceiros A verificação das condições não alcança, retroativamente, o* terceiros, em se tratando: a) de coisas fungíveis que, por serem tttl*. podem ser substituídas por outras da mesma espécie, qualidade e * A norma do art. 868 e seu parágrafo único, do CC, tncoiWWI*## ffpÉÉÉ m no art. 237 do Projeto do Çódigo Civil b ^ ila k cL ..... 304 ATO J U R Í D I C O quantidade (Código Civil, art. 50);* b) de bens móveis, estando o terceiro de boa-fé, ressalvado o direito do credor de haver do alienante o equivalente e as perdas e danos; c) de bens imóveis, quando o título do direito condicional não houver sido transcrito, ou inscrito, antes do ato praticado com os terceiros, em registro público, na forma da lei (Espínola, com. aos textos, in Manual). Com relação à propriedade resolúvel, nosso Código assim, expres samente, dispõe: “resolvido o domínio pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a detenha” (art. 647). Mas, de conformidade com o que dispõe o art. 648, “se, porém, o domínio se resolver por outra causa superveniente, o possuidor que o tiver adquirido por título anterior à resolução, será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cujo domínio se resolveu para haver a própria coisa, ou o seu valor”.** Causa superveniente é, no dizer de Clóvis, a que não está no próprio título, mas procede de fato posterior à transmissão, como sucede, exemplificando, com a revogação das doações por ingratidão, que não prejudica os direitos adquiridos por terceiros. Nessas hipóteses, a revogação opera ex nunc. E) Efeitos que se reconduzem ao momento de constituição do ato condicional Na falta de norma legal que, em nosso direito, estabeleça a retroatividade como regra, respeitados os casos específicos acima indicados e atendendo-se à natureza dos atos jurídicos condicionais de que se trate, nas hipóteses seguintes, se reconhece que os efeitos do implemento das condições se reconduzem ao instante em que o ato condicional foi constituído: a) para que a condição verificada possa, validamente, produzir os seus efeitos, preciso é que os requisitos e elementos essenciais do ato condicional se tenham realizado ao ser este ato praticado e não ao se verificar a condição; b) realizada a condição (suspensiva) considera-se que o crédito, antes condicional, como crédito * Dispõe o art. 85 do Projeto: “São fungíveis os móveis que podem substituir- se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade”. ** Os arts. 647 e 648 do CC encontram-se reproduzidos nos arts. 1.358 e 1.359 do Projeto do Código Civil brasileiro apenas com a substituição do termo “domínio”, constante do art. 647 do CC, por “propriedade” (art. 1.358). ELEMENTOS ACIDENTAIS ---- DA CONDIÇÃO 305 perfeito prevalece desde a constituição do ato, incorporado, a este título, no patrimônio de seu titular; e, em conseqüência se pendente conditione ocorrer a falência do devedor e a condição se verificar após a decretação da falência, nela o credor concorrerá em igualdade de condições com | os demais credores (lei de falências, art. 25, § 2.°); c) se o devedor, | pendente conditione, houver exigido de outrem indenizações das perdas e danos por destruição ou deterioração das coisas ou bens, cumprir- : lhe-á ceder o respectivo benefício ao credor, ao se verificar a condição| (Giorgi, Obblig., v. IV, n. 356); d) quanto aos riscos, prevalecem as 1', disposições dos arts. 865, 866 e 867 do Código Civil;* e) todos os |l acessórios que pendente conditione se incorporem à coisa ou prestação devida passarão ao credor quando a condição se verifique. Em rigor, li nas hipóteses supramencionadas o que ocorre não é uma retroatividade I verdadeira e própria, senão um efeito necessariamente produzido pela natureza do ato condicional, ou melhor, pela preexistência do ato constitutivo do direito condicional. H j fifijH ç. E í | 123. Átos condicionais de direito público interno e externo A teoria geral das condições, embora originária do direito privado, alcança, ora explícita ora implicitamente, os atos jurídicos, de direito público interno constitucional ou administrativo e penetra no conteúdo | dos atos normativos, executivos e jurisdicionais. Mas, como bem || observa Cino Vitta (Dir. Amnu, 1954, v. I, n. 87), se no direito privado K são poucos os atos jurídicos que, por terem seu conteúdo prefixado | pela lei não podem ser submetidos a condições, outro tanto não sucede I com o direito público, no qual é bastante ampla a categoria dos actus I legitimi vinculados. Quanto aos atos discricionários, dividem-se os I autores em duas correntes, uma no sentido da aplicação das mesmas I normas do direito privado concernentes às condições e outra no sentido | da sujeição dos atos jurídicos às condições, apenas quando a lei ou j: a natureza do ato permitirem. Cino Vitta, que se filia à primeira l corrente, adota a opinião de Lucifredi (VAtto Amministrativo nei suoi |: Elementi Accidentali, Milão, 1947), lembrando serem comuns os caos I nos quais a própria lei submete o ato administrativo a alguma condição, H'tal qual ocorre com os atos sujeitos à aprovação de outra autoridade, ou quando a própria aprovação é condicional, além de ser usual a |5 inclusão de cláusulas condicionais nos contratos administrativos (os | contratos de concessão de serviços públicos são, comumente, subme- * Os arts. 865, 866 e 867 do CC encontram-se repetidos nos arts. 234, 235 e 236 do Projeto.
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