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FELIPE CALDEIRA - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - DO DIREITO MATERIAL AO INCIDENTE PROCESSUAL CRIADO PELA LEI 13.105/2015

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ESCOLA DE DIREITO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO 
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL 
 
 
FELIPE CALDEIRA 
 
 
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE): DO 
DIREITO MATERIAL AO INCIDENTE PROCESSUAL CRIADO PELA LEI 13.105/2015 
 
 
 
Porto Alegre 
2018 
 
FELIPE CALDEIRA 
 
 
 
 
 
 
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD 
DOCTRINE): DO DIREITO MATERIAL AO INCIDENTE PROCESSUAL CRIADO 
PELA LEI 13.105/2015 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso 
apresentado à banca examinadora da 
Pontifícia Universidade Católica do Rio 
Grande do Sul – PUCRS como requisito 
parcial para obtenção do título de Pós-
Graduado em Processo Civil. 
 
 
 
 
 
 
Orientador: Prof. Dr. Marco Félix Jobim 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PORTO ALEGRE 
2018 
 
FELIPE CALDEIRA 
 
 
 
 
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD 
DOCTRINE): DO DIREITO MATERIAL AO INCIDENTE PROCESSUAL CRIADO 
PELA LEI 13.105/2015 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso 
apresentado à banca examinadora da 
Pontifícia Universidade Católica do Rio 
Grande do Sul – PUCRS como requisito 
parcial para obtenção do título de Pós-
Graduado em Processo Civil. 
 
 
 
 
 
 
 
Porto Alegre _____ de ______________________ de 2018 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 
_____________________________ 
Orientador Prof. Dr. Marco Félix Jobim 
 
 
 
_____________________________ 
Segundo componente 
 
 
 
 
 
 
PORTO ALEGRE 
2018 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho aos meus pais, 
Marcelo e Cleunia, por todo amor e por 
terem tornado possível a realização deste 
trabalho, ao meu orientador e padrinho, 
Marco Jobim, pela amizade, e aos meus 
amigos pelo apoio incondicional. 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Torna-se fundamental lembrar e homenagear as pessoas que, nesse momento 
de aprimoramento pessoal e profissional, fizeram e fazem toda diferença. Momento 
teoricamente fatigante, que foi trilhado com a ajuda e insistência, sempre bem-vindas, 
da minha família, dos meus amigos e dos meus colegas de profissão. 
Especial gratidão a vocês, meus pais, Marcelo e Cleunia, que nunca mediram 
esforços que os meus estudos fossem concluídos e meus sonhos realizados. Não há 
adjetivo, frase ou presente capazes de representar o amor, o carinho e a admiração 
que tenho por vocês. Devo a vocês o meu generoso agradecimento por tudo. 
 Este trabalho foi criado após muita insistência e muitas discussões, com apoio 
de amigos que, mesmo de forma indireta, me ajudaram a construir o trabalho. É 
importante deixar registrado aqui o importantíssimo papel da minha grande amiga, 
maior ouvinte e colega de profissão, Cíntia Gonçalves, que – com toda a sua paciência 
inesgotável - sempre esteve disposta a me ajudar, independentemente do horário, 
com relevantes apontamentos, incentivos e que, durante todo o curso, me apoiou, 
mesmo nos momentos mais difíceis. 
 Aos meus colegas do escritório Andrade Maia, mesmo de longe, saibam que sou 
grato por todos os ensinamentos e pelas preciosas lições que sempre carregarei 
comigo. 
 Por fim, gostaria de fazer um agradecimento ao meu orientador, Marco Félix 
Jobim, que me acompanha desde a graduação até a conclusão deste trabalho, e me 
encorajou a trilhar o Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica 
do Rio Grande do Sul. Obrigado pela amizade, por todos ensinamentos acadêmicos 
e pela confiança em mim depositada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
O Código de Processo Civil de 2015, dentre as suas inovações, trouxe a 
regulamentação de normas processuais da desconsideração da personalidade 
jurídica, importante instituto já consagrado no direito material, mas que até então não 
havia recebido a devida atenção no âmbito processual. A partir disso, o presente 
trabalho analisará as normas de caráter processual relacionadas à desconsideração 
da personalidade jurídica que foram introduzidas pelo novo Código e que vêm 
preencher a lacuna legislativa até então existente quanto ao procedimento para 
aplicação do instituto. Para tanto, será feita, preliminarmente, a abordagem do instituto 
da disregard doctrine, expondo alguns conceitos que motivaram a sua existência, 
analisando os primeiros casos que se depararam com o tema nos Tribunais, bem 
como as primeiras teorias desenvolvidas. Após, passaremos ao exame da aplicação 
da desconsideração sob a ótica do direito material, com foco nas disposições legais 
do artigo 50 do Código Civil e do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. Em 
um segundo plano, voltaremos os olhos aos aspectos processuais da 
desconsideração da personalidade jurídica, explorando brevemente a aplicação do 
instituto na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Com isso, ante a ausência 
de um critério único para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no 
curso do processo sob a égide do CPC/73, ferindo, assim, por vezes as garantias 
constitucionais, demonstrar-se-á que o procedimento inserido nos artigos 133 a 137 
do atual diploma processual para aplicação da desconsideração reflete em um modelo 
de processo pautado na busca do equilíbrio entre a efetividade da tutela jurisdicional 
e a necessidade de observância ao contraditório. 
 
 
Palavras-chave: Desconsideração da Personalidade Jurídica – Lei 13.105/2015 – 
Incidente Processual – Contraditório – Devido Processo Legal 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8 
2 ASPECTOS MATERIAIS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE 
JURÍDICA ................................................................................................................. 11 
2.1 NOÇÕES GERAIS DE PESSOA JURÍDICA E PERSONALIDADE JURÍDICA ... 11 
2.2 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA .............................. 14 
2.2.1 Primeiros casos nos tribunais ...................................................................... 16 
2.2.2 Primeiras teorias desenvolvidas ................................................................... 18 
2.2.3 Introdução no direito brasileiro .................................................................... 20 
2.3 APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ...... 22 
2.4 REQUISITOS ...................................................................................................... 26 
2.4.1 Abuso de direito ............................................................................................. 27 
2.4.2 Fraude ............................................................................................................. 28 
2.4.3 Confusão patrimonial ..................................................................................... 29 
2.5 DESCONSIDERAÇÃO INVERSA ....................................................................... 30 
3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SOB A ÓTICA 
PROCESSUAL ......................................................................................................... 33 
3.1 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ANTES DA LEI 
13.105/2015 .............................................................................................................. 33 
3.2 O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ... 36 
3.2.1 Natureza jurídica ............................................................................................ 36 
3.2.2 Legitimidade ...................................................................................................38 
3.2.3 Momento para instauração do incidente ...................................................... 40 
3.2.4 Efeitos da decisão proferida no incidente ................................................... 46 
3.2.5 Recursos cabíveis sobre a decisão proferida no incidente ....................... 51 
3.2.6 Rescindibilidade da decisão via ação rescisória? ...................................... 53 
3.2.7 Fraude à execução ......................................................................................... 54 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 57 
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 62 
 
 
 
8 
 
1 INTRODUÇÃO 
Por muito tempo o direito processual era visto como um ramo totalmente 
independente do direito material. Isto é, havia um entendimento de que a concessão 
da tutela jurisdicional não precisaria se adequar às necessidades do direito material1. 
O Código de Processo Civil de 1939, apesar de sua inegável contribuição ao nosso 
ordenamento jurídico, tinha uma índole essencialmente técnica não primando pela 
interação entre os problemas processuais e os direitos sociais.2 
Nesse contexto, a partir do CPC/73 passou-se a ter uma preocupação com os 
preceitos constitucionais, sendo intensificado ainda mais com a promulgação da 
Constituição Federal em 19883. Logo, no nosso Estado Democrático de Direito o 
processo não poderia estar somente limitado à legislação processual, devendo, por 
isso, tanto as suas técnicas, como as suas garantias estarem em consonância com o 
direito material, tendo como norte os valores e os fundamentos previstos na 
Constituição Federal4. 
Entretanto, apesar desses avanços, o Código de Processo Civil de 1973 não 
conseguiu se alinhar adequadamente a todas as necessidades do direito material, 
como no caso da desconsideração da personalidade jurídica, que seria nada mais do 
que a possibilidade de responsabilizar patrimonialmente os sócios/ administradores 
da pessoa jurídica, ou a própria pessoa jurídica, quando esta for utilizada para fins 
diversos de sua função social e econômica. Por isso, afirma-se que se trata de um 
mecanismo criado para coibir o uso abusivo da personalidade da pessoa jurídica, 
praticado, em regra, pelos sócios ou administradores da pessoa jurídica. 
Apesar de a desconsideração da personalidade jurídica ser utilizada há um 
bom tempo no Brasil, a ausência de um procedimento regulado expressamente em 
nosso ordenamento ensejou, na prática, a aplicação do instituto de forma 
desregulada, sem um critério único. Isso, infelizmente, acabava gerando insegurança 
 
1MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. 3. ed. - São Paulo: RT, 2010. 
p. 21-22. 
2MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os Novos Rumos do Processo Civil Brasileiro. - Rio de Janeiro: 
Revista Acadêmica da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, v. 8, n. 6, p. 193–208, jul./dez., 1994. 
p. 195. 
3Ibidem. p. 195-196. 
4MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 22. 
9 
 
jurídica e desencadeava a violação de princípios constitucionais como, por exemplo, 
o contraditório e a ampla defesa. 
Diante do “silêncio” do diploma processual de 1973, qual deveria ser a reação 
do intérprete quanto à aplicação processual do instituto? Em razão dos diversos 
pontos de vista deixados sob a égide do CPC/73, aprofundar ainda mais a análise da 
estrutura da lei processual5, como o fez o legislador infraconstitucional com a Lei 
13.105/2015, que trouxe em seus artigos 133 a 137 o procedimento que deve ser 
observado nos casos atinentes à desconsideração da personalidade jurídica. 
Neste panorama, a presente monografia se propõe a abordar o instituto da 
desconsideração da personalidade jurídica com a entrada em vigor do atual Código 
de Processo Civil, visto que este não apenas passou a regular o procedimento para 
aplicação da desconsideração, ante a lacuna do CPC/73, mas também tenta conciliar 
a ferramenta processual com o instituto já amplamente estudado no âmbito do direito 
material, com premissas constitucionais bastante sólidas, como o direito ao 
contraditório e à ampla defesa, sem deixar de lado a efetividade jurisdicional. 
Dessa forma, o estudo se justifica, pois, na prática, a desconsideração da 
personalidade jurídica pode gerar sérias consequências para terceiros que, 
excepcionalmente, poderão ter o patrimônio pessoal atingido. Assim, 
exemplificativamente, para que o patrimônio de um sócio ou de um administrador de 
uma pessoa jurídica (“terceiro”) seja alcançado pelos efeitos de uma decisão proferida 
em um processo no qual não participou inicialmente, deve-se resguardar o efetivo 
contraditório e a ampla defesa, visando à busca pela segurança jurídica. 
Para cumprir essa tarefa, este trabalho utilizou-se da pesquisa bibliográfica e 
jurisprudencial, trazendo alguns conceitos e questões de maior relevância em cada 
tópico estudado, sendo dividido em dois grandes capítulos. 
No primeiro capítulo, buscar-se-á analisar a teoria da desconsideração da 
personalidade jurídica sob a ótica do direito material, precipuamente o Código de 
Defesa do Consumidor e Código Civil. Ainda, serão analisados alguns conceitos 
doutrinários da pessoa jurídica e da consequência gerada em decorrência da 
atribuição da personalidade jurídica a esta. Justifica-se isso, pois, descabe estudar o 
 
5COUTURE, Eduardo Juan, Interpretação das leis processuais. São Paulo: Max Limonad, 1956. p. 
55. 
10 
 
tema da desconsideração da personalidade jurídica, seja pela ótica do direito material, 
seja pela ótica do direito processual, sem que sejam conceituados elementos que 
tangenciam o tema, motivam a sua existência e são essenciais para o 
desenvolvimento deste trabalho. 
Na segunda parte do trabalho serão abordados os aspectos processuais da 
desconsideração da personalidade jurídica, dando ênfase ao procedimento do 
incidente de desconsideração da personalidade jurídica, expondo suas 
características, os momentos para instauração, os efeitos gerados pela decisão, bem 
como algumas discussões observadas na doutrina, mostrando, assim, a dificuldade 
que se estabelece quando se busca um processo apto a prestar uma tutela 
jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. 
 
 
11 
 
2 ASPECTOS MATERIAIS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE 
JURÍDICA 
Para o estudo dos aspectos materiais da teoria da desconsideração da 
personalidade jurídica, torna-se necessário analisar alguns conceitos doutrinários que 
envolvem a pessoa jurídica e a atribuição da sua personalidade da pessoa jurídica, 
definindo o que é pessoa jurídica, as consequências da personalidade jurídica, etc. 
Além disso, abordar-se-á a evolução da teoria da desconsideração da personalidade 
jurídica, e de que forma ela surge no Brasil. Será possível verificar, desta forma, a 
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em alguns ramos do direito 
material. Por fim, conceituaremos a modalidade da desconsideração na sua forma 
inversa. 
 
2.1 NOÇÕES GERAIS DE PESSOA JURÍDICA E PERSONALIDADE JURÍDICA 
 Antes de ser analisada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, 
deve-se ter em mente as lições de Rubens Requião quando diz que as pessoas 
jurídicas constituem uma criação da lei, e, como criação da vontade da lei, refletem 
uma realidade do mundo jurídico e da vida sensível.6 
 A elaboração da ideia de pessoa jurídica ocorreu com o passar do tempo e, 
conforme Caio Mário da Silva Pereira, fundada da seguinte forma: 
 
Mas a complexidade da vidacivil e a necessidade da conjugação de 
esforços de vários individuos para a consecução de objetivos comuns 
ou de interesse social, ao mesmo passo que aconselham e estimulam 
a sua agregação e polarização de suas atividades, sugerem ao direito 
equiparar à própria pessoa natural certos agrupamentos de indivíduos 
e certas destinações patrimoniais e lhe aconselham atribuir 
personalidade e capacidade de ação aos entes abstratos assim 
gerados. Surgem, então, as pessoas jurídicas, que se compõem, ora 
de um conjunto de pessoas, ora de uma destinação patrimonial, com 
aptidão para adquirir e exercer direitos e contrair obrigações.7 
 
 
6REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica: ‘disregard 
doctrine’. Revista dos Tribunais 410/12, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969. p. 12-24. 
7PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol.1. 30. ed. rev. e atual. - Rio de Janeiro: 
Forense, 2017. p. 249-250. 
12 
 
 Segundo refere Fábio Ulhoa Coelho, “pessoa jurídica é o sujeito de direito 
personificado não humano. É também chamada de pessoa moral. Como sujeito de 
direito, tem aptidão para titularizar direitos e obrigações.”8 Ela começa a existir, assim, 
em decorrência da vontade de uma ou mais pessoas, identificadas como membros, 
integrantes ou instituidores da pessoa jurídica, excetuando-se, nesse caso, os entes 
da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), que são pessoas 
jurídicas derivadas da organização política independente da sociedade brasileira.9 
A partir da criação dessa entidade, consolidada, em teoria, entre os séculos 
XVIII e XIX, permitiu-se que pessoas físicas agregadas fomentassem 
empreendimentos geradores de lucros e, por conseguinte, movimentassem a 
economia. 
Dentro da expressão pessoas jurídicas há diversas espécies de entes abstratos 
a que o direito reconhece personalidade e atribui capacidade. O que distingue cada 
pessoa jurídica é o direito de cada uma, que atende aos objetivos a que se propõem 
originariamente, à natureza de sua atuação e à órbita de seu funcionamento.10 Nessa 
linha, ensina Carlos Alberto Gonçalves: 
 
O direito reconhece personalidade também a certas entidades morais, 
denominadas pessoas jurídicas, compostas de pessoas físicas ou 
naturais, que se agrupam, com observância das condições legais, e 
se associam para melhor atingir os seus objetivos econômicos ou 
sociais, como as associações e sociedades, ou constituídas de um 
patrimônio destinado a um fim determinado, como as fundações.11 
 
Há que se ter em conta, conforme preceituava o art. 20 do Código Civil de 1916, 
que “as pessoas jurídicas têm existência distinta da de seus membros”, e que, embora 
não tenha sido repetida a regra no ordenamento vigente, encontra-se implícita no 
sistema sua principal consequência: a autonomia patrimonial. Ou seja, as pessoas 
jurídicas não se confundem com as pessoas físicas que deram origem ao seu 
nascimento.12 
 
8COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: parte geral. vol. 1. 5. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012. 
p. 532 
9Ibidem. p. 532. 
10Ibidem. p. 263. 
11GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito Civil Brasileiro: parte geral. vol. 1. 10. ed. – São Paulo: 
Saraiva, 2012. p. 92. 
12BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil. 
São Paulo: Saraiva, 2011. p. 44. 
13 
 
Uma das principais consequências da atribuição de personalidade jurídica a 
alguém é a separação estabelecida entre pessoa física e os membros que a integram, 
legitimando o Princípio da Autonomia Patrimonial.13 
A ideia de autonomia da pessoa jurídica quanto aos seus membros já constava 
expressamente no art. 20 do Código Civil de 1916.14 Ainda que esse dispositivo não 
tenha sido reproduzido pela atual codificação, não há dúvida de que o princípio da 
autonomia patrimonial continua em vigor e que a pessoa jurídica mantém uma vida 
distinta da dos membros que a compõe.15 
Assim, em regra, os membros que compõe a pessoa jurídica não podem ser 
considerados os titulares dos direitos ou os devedores das prestações relacionadas 
ao exercício da atividade econômica da pessoa jurídica. Soma-se a isso o fato de que 
o patrimônio da pessoa jurídica não deve ser confundido com o patrimônio dos seus 
membros, minimizando os riscos que são inerentes ao negócio.16 
Diante do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, os sócios que 
integram a pessoa jurídica somente responderão por eventuais débitos da empresa 
dentro dos limites do capital social, ficando resguardado o patrimônio individual dos 
membros. Essa limitação da responsabilidade ao patrimônio da pessoa jurídica é 
consequência lógica da atribuição da personalidade jurídica à pessoa jurídica, sendo 
uma de suas maiores vantagens.17 
O resultado dessa independência e autonomia, em alguns casos, não é 
positivo, pois, conforme elucida Maria Helena Diniz, com a exclusão da 
responsabilidade dos sócios por eventuais débitos gerados, a pessoa jurídica tem-se 
desviado de seus princípios norteadores, possibilitando a prática de fraudes e 
desonestidades, cujo resultado prático são as reações doutrinárias e jurisprudenciais 
objetivando coibir esses abusos.18 
Quanto ao ponto, importante os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira: 
 
 
13SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 
2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 72. 
14Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros. 
15SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 72. 
16Ibidem. p. 72. 
17DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil. 29. 
ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 340. 
18Ibidem. p. 341. 
14 
 
Modernamente, entretanto, o desenvolvimento da sociedade de 
consumo, a coligação de sociedades mercantis e o controle individual 
de grupos econômicos têm mostrado que a distinção entre a 
sociedade e seus integrantes, em vez de consagrar regras de justiça 
social, tem servido de cobertura para a prática de atos ilícitos, de 
comportamentos fraudulentos, de absolvição de irregularidades, de 
aproveitamentos injustificáveis, de abusos de direito. Os integrantes 
da pessoa jurídica invocam o princípio da separação, como se se 
tratasse de um véu protetor. Era preciso criar um instrumento jurídico 
hábil a ilidir os efeitos daquela cobertura.19 
 
Se por um lado temos o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica 
como uma regra importante para o desenvolvimento das atividades da sociedade 
empresária, por outro, consoante afirma Caio Mário da Silva: “tem servido de 
cobertura para a prática de atos ilícitos, de comportamentos fraudulentos, de 
absolvição de irregularidades, de aproveitamentos injustificáveis, de abusos de 
direitos.”20 
 A separação patrimonial e a limitação da responsabilidade dos sócios, apesar 
de incentivarem a captação de recursos, externalizaram grande parte dos custos dos 
empreendimentos - decorrentes dos riscos que qualquer atividade econômica 
enfrenta - evidenciando, com o passar do tempo, a crise gerada pela limitação da 
responsabilidade, por um lado, e, por outro, a crise da própria função da pessoa 
jurídica, tendo em vista o uso indevido do escudo protetor da personalidade jurídica.21 
Como verificaremos a seguir, o ingresso e o desenvolvimento da teoria da 
desconsideração da personalidade jurídica no Direito foram essenciais, pois, ao 
distinguir a responsabilidade da pessoa jurídica dos seus integrantes, estes se 
acobertavam de todas as consequências, exceto nos casosde incorrerem em atos 
ilegais individualmente. Assim, era preciso a criação de um instituto jurídico hábil a 
afastar os efeitos dessa cobertura.22 
 
2.2 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 
 
 
19PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 276. 
20Ibidem. p. 276. 
21RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Desconsideração da personalidade jurídica e processo: 
de acordo com o Código de Processo Civil de 2015. – São Paulo: Malheiros, 2016. p. 43-44. 
22Ibidem. p. 43-44. 
15 
 
A partir da sistematização doutrinária e jurisprudencial, a teoria da 
desconsideração surgiu como um importantíssimo instrumento para desmascarar 
abusos e fraudes praticados, geralmente, em prejuízo de terceiros pelos sócios ou 
pelos órgãos diretores das empresas. Ao tratar do objetivo da teoria da 
desconsideração, Fábio Ulhoa Coelho ensina: 
 
O objetivo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é 
exatamente possibilitar a coibição da fraude, sem comprometer o 
próprio instituto da pessoa jurídica, isto é, sem questionar a regra da 
separação de sua personalidade e patrimônio em relação aos de seus 
membros. Em outros termos, a teoria tem o intuito de preservar a 
pessoa jurídica e sua autonomia, enquanto instrumentos jurídicos 
indispensáveis à organização da atividade econômica, sem deixar ao 
desabrigo terceiros vítimas de fraude.23 
 
Na época, conforme narra Otávio Joaquim Rodrigues Filho: 
 
[...] em meio à crise da limitação da responsabilidade e, para muitos, 
da função da própria pessoa jurídica, surge a teoria da 
desconsideração da personalidade, para hipóteses restritas, em que o 
reconhecimento do princípio da separação de esferas levaria a 
soluções gravemente injustas e que contrariam os valores da ordem 
jurídica.24 
 
 A partir disso, emerge a teoria da desconsideração para coibir o mau uso da 
personalidade da pessoa jurídica, cujo objetivo é atingir aquele que se oculta sob o 
véu da pessoa jurídica, utilizando-a de forma indevida para fins contrários ao direito. 
O desrespeito à lei, a frustação de credores e os desvios das funções sociais 
ensejaram a formação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.25 
Portanto, analisaremos a seguir o panorama geral com o surgimento da teoria 
nos tribunais dos Estados Unidos e de Londres, os quais foram essenciais para a 
introdução da teoria no Brasil. 
 
 
23COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. 2., 16. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012. p. 51. 
24RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 44. 
25VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC: natureza, 
procedimentos e temas polêmicos. – Salvador: Juspodivm, 2016. p. 41. 
16 
 
2.2.1 Primeiros casos nos tribunais 
A teoria da disregard doctrine surgiu da prática jurídica, tanto no exterior como 
no Brasil, não se originando de disposições legislativas ou de estudos acadêmicos.26 
Originou-se, portanto, da atividade cotidiana dos tribunais, após serem suscitadas as 
primeiras questões relacionadas com distorções de determinadas sociedades. 
No brilhante artigo intitulado “Abuso de direito e fraude através da 
personalidade jurídica (disregard doctrine)”, Rubens Requião traz que essa técnica 
jurisprudencial que desconsidera a personalidade jurídica para alcançar os bens nela 
acobertados teve sucesso acentuado na América do Norte, tornando a disregard 
doctrine mais uma construção jurisprudencial norte-americana do que britânica.27 
Nos Estados Unidos, por sua vez, a doutrina da disregard of legal entity surge 
a partir da necessidade de coibir a prática de ato ilícito, ou abuso de poder, ou violação 
de norma do estatuto da empresa por parte dos órgãos dirigentes em prejuízo de 
terceiros.28 Luiz Guilherme Marinoni, ao abordar o surgimento do tema da 
desconsideração da personalidade jurídica, assim descreve: 
 
O direito norte-americano, como é sabido, consagra a prevalência da 
jurisprudência sobre as abordagens doutrinária e legal dos institutos 
jurídicos. 
Essa marca característica deita suas raízes não só na antiga tradição 
do direito inglês como também na forma federativa radical que vigora 
nos Estados Unidos. Com efeito, num país em que cada Estado tem 
autonomia suficiente para legislar de maneira quase independente, é 
de se imaginar a dificuldade de uma sistematização doutrinária capaz 
de abarcar as diversas tendências que se verificam nas diversas 
unidades da federação. 
Quando o assunto é a desconsideração da pessoa jurídica (disregard 
of legal entity, como lá é conhecida), a regra se mantém, ou seja, 
prevalece o entendimento jurisprudencial. E a jurisprudência norte-
americana há muito vem consagrando a tese da desestimação. 
Deveras, o primeiro caso de disregard de que se tem notícia se passou 
no ano de 1809, quando a Corte Suprema dos Estados Unidos julgou 
o caso Bank of the United States vs. Deveneaux, em que foi relator o 
legendário juiz Marshall. Importa ressaltar que, àquela época, a 
Europa ainda preocupava-se em estudar a natureza jurídica da pessoa 
 
26RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 45. 
27REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard 
doctrine). Revista dos Tribunais 410/12. - São Paulo: RT, 1969. p. 12-24. 
28PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 276-277. 
17 
 
jurídica, sem sequer cogitar a hipótese de desconsideração de sua 
personalidade.29 
 
Sob a ótica do surgimento da teoria na Inglaterra, Otávio Joaquim Rodrigues 
Filho considera que o precursor da disregard doctrine foi o caso “Salomon versus 
Salomon & Co.”, ocorrido no ano de 1897. Referiu o autor: 
 
[...] tendo a teoria da desconsideração origem anglo-saxônica, ela é 
fruto da jurisprudência dos tribunais ingleses e norte-americanos; e, 
nesse sentido, como proclama a doutrina, o precursor da disregard 
doctrine foi ‘Salomon versus Salomon & Co.’, ocorrido em 1897 em 
Londres, na Inglaterra, ao qual se atribui ser, verdadeiramente, o 
primeiro caso da desconsideração da personalidade jurídica.30 
 
Se para muitos doutrinadores o caso “Salomon versus Salomon & Co.” é 
considerado o marco inicial da teoria, outros, a exemplo de Suzy Elizabeth Cavalcante 
Kury, entendem que foi no âmbito do Direito norte-americano que iniciou e se 
desenvolveu, na jurisprudência, a teoria da desconsideração. Isso, pois, no ano de 
1809, a teoria já era aplicada nos Estados Unidos, conforme alude a autora: 
 
[...] no ano de 1809, no caso Bank of United States v. Deveaux, o Juiz 
Marshall, com a intenção de preservar a jurisdição das cortes federais 
sobre as corporations, já que a Constituição Federal americana, no 
seu art. 3º, seção 2ª, limita-a às controvérsias entre cidadãos de 
diferentes estados, conheceu da causa, por considerar as 
características pessoais dos sócios.31 
 
Suzy Elizabeth Cavalcante Kury discorda quando alguns autores apontam o 
caso inglês “Salomon versus Salomon & Co.” como o precursor da teoria da 
desconsideração, conforme refere a jurista paraense: 
 
Aproveitamos a referência a essa decisão, a mais antiga por nós 
conhecida, para desfazer duas inverdades acerca do famoso caso 
inglês ‘Salomon versus Salomon & Co.’. 
A primeira delas diz respeito à sua qualificação como o verdadeiro e 
próprio leading case da Disregard Doctrine por vários autores. Na 
realidade, o caso em questão foi julgado em 1897, portanto, 88 anos 
depois da primeira manifestação da jurisprudência americana, só 
 
29MARINONI, Luiz Guilherme. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Soluções Práticas de 
Direito. v. II. - SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 319-357. 
30RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 45. 
31Ibidem. p. 45. 
18 
 
sendo possível, assim, considerá-lo como leading case no Direito 
Inglês. 32 
 
Se por um lado há autores afirmando que o início da teoria da desconsideração 
ocorreu com o julgamento do caso inglês “Salomon versus Salomon & Co.”, por outro, 
há autores que consideram o caso norte-americano “Bank of United States v. 
Deveaux”. 
 
2.2.2 Primeiras teorias desenvolvidas 
A obra desenvolvida por Rolf Serick é considerada um dos trabalhos pioneiros 
sobre o tema da desconsideração da personalidade jurídica. Na tese de doutorado 
defendida na Alemanha, em 1953, Serick busca definir, a partir da análise da 
jurisprudência alemã e norte-americana, critérios que autorizam o juiz a ignorar a 
autonomia patrimonial da pessoa jurídica, em relação às pessoas que a compõe, 
sempre que ela for utilizada como instrumento na realização de fraudes ou abuso de 
direito.33 
O grande mérito da obra de Rolf Serick foi buscar a identificação de critérios 
seguros para desconsiderar a autonomia da personalidade jurídica diante de abusos 
e fraudes cometidos por meio da pessoa jurídica, sem comprometimento dela 
enquanto instituto técnico-jurídico.34 
Conforme explicado por Pedro Henrique Torres Bianchi: “Serick define sua 
teoria por meio do dualismo regra-exceção.”35 O autor expõe que a regra é a 
autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a exceção é a desconsideração dessa 
autonomia. Para que houvesse a desconsideração da personalidade jurídica, é 
necessário que haja fraude à lei ou fraude ao contrato, ou seja, é necessário que haja 
a prática de algum ato repudiado pelo sistema.36 A partir disso, Rolf Serick define 
 
32KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard 
doctrine) e os grupos de empresas. 4. ed. – São Paulo: LTr, 2018. p. 66. 
33SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed. 
– São Paulo: Saraiva, 2011, p. 64. 
34Ibidem. p. 66. 
35BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 24. 
36Ibidem. p. 24. 
19 
 
quatro princípios que sintetizariam a teoria da desconsideração da personalidade 
jurídica. 37 
O primeiro princípio é de que o abuso é a utilização da pessoa jurídica com o 
nítido intuito de furtar-se de uma obrigação. Não há questionamentos acerca do 
instituto da pessoa jurídica e tampouco da separação entre os patrimônios. Somente 
ignora-se a separação entre a pessoa jurídica e pessoa física, pois quem a utilizou 
indevidamente não mereceria esse benefício.38 O segundo princípio é no sentido de 
que é impossível desconhecer a autonomia subjetiva da pessoa jurídica somente para 
tentar atingir o escopo de uma norma ou a causa objetiva de um negócio jurídico, 
admitindo, contudo, que esse princípio pode sofrer exceções para dar eficácia ao 
sistema.39 De acordo com o terceiro princípio, como regra, todas as normas aplicáveis 
às pessoas naturais se aplicam também às pessoas jurídicas, desde que compatíveis. 
Isso porque o legislador criou as pessoas jurídicas como sujeitos de direitos 
assemelhados aos seres humanos.40 Por fim, o quarto princípio diz que pode haver a 
desconsideração da pessoa jurídica para atingir quem realmente foi parte no negócio, 
ignorando-se, assim, a formalidade apresentada por ele. Ou seja, se a pessoa jurídica 
realizar um negócio jurídico com um integrante seu, poderá haver a desconsideração 
para evitar que haja uma confusão patrimonial.41 
Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho lembra que, antes de Rolf Serick, outros 
autores já haviam se dedicado ao tema da desconsideração da personalidade jurídica, 
como, por exemplo, Maurice Wormser – nos anos 1910 e 1920.42 Contudo, o autor 
afirma que não se encontra claramente nos estudos precursores a motivação central 
de Rolf Serick de buscar definir, em especial a partir da jurisprudência norte-
americana, os critérios gerais que autorizam o afastamento da autonomia das pessoas 
jurídicas. 
Verifica-se também outra obra pioneira sobre a teoria da desconsideração da 
personalidade jurídica, conforme alude André Pagani de Souza: Trata-se, pois, do 
estudo “Il superamento della personalità giuridica dele società di capitali nella 
 
37BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 25. 
38Ibidem. p. 25. 
39Ibidem. p. 25. 
40Ibidem. p. 26. 
41Ibidem. p. 26. 
42COELHO, Fábio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito 
Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 65/2014. Jul – Set/2014. p. 21-30. 
20 
 
‘commom law’ e nella ‘civil law’, de Piero Verrucoli, professor da Universidade de Pisa, 
na Itália.”43 Conforme refere o jurista brasileiro, Verrucoli parte da premissa que a 
atribuição da personalidade jurídica a determinados grupos de indivíduos é uma 
vantagem oferecida pelo Estado e, portanto, não pode ensejar situações injustas ou 
contrárias ao Direito.44 Dado que seria um privilégio oferecido pelo Estado, ele tem de 
ser dado com restrições e limites, visto que o ordenamento repudia atos ilícitos. Dessa 
forma, a desconsideração seria cabível para buscar evitar que a pessoa jurídica 
prejudique o Estado e terceiros.45 
Como foi possível observar acima, desde o início das teorias desenvolvidas na 
doutrina acerca da desconsideração da personalidade jurídica, sempre foi necessário 
existir algum fato que autorizasse a aplicação da teoria da desconsideração. Assim, 
passaremos a analisar a introdução da teoria no Direito brasileiro, especialmente com 
a obra de Rubens Requião, tendo em vista que o jurista foi quem trouxe a teoria da 
desconsideração para o Brasil, e a sua obra é considerada pela doutrina nacional a 
pioneira no estudo da disregard doctrine.46 
 
2.2.3 Introdução no direito brasileiro 
No Brasil, a teoria surgiu primeiramente nos Tribunais, visto que, antes do 
desenvolvimento da doutrina, o primeiro caso que aplicou a teoria da desconsideração 
da personalidade jurídica fora julgado pelo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo no 
ano de 1955, em Apelação n. 9.247, relatada pelo Desembargador Edgard de Moura 
Bittencourt. 47 No caso, foi reconhecida a completa confusão patrimonial havida entre 
a pessoa física (ex-sócio) e a pessoa jurídica (Hospital Coração de Jesus S/A). 48 
Quanto aos estudos doutrinários, Rubens Requião foi um dos primeiros autores 
que abordou a teoria da desconsideração com o artigo intitulado Abuso de direito e 
fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine), publicado no ano de 
 
43SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 66-67. 
44Ibidem, p. 67. 
45BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 38-39. 
46RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 63-66. 
47SÃO PAULO. Tribunal de Alçada Civil. Apelação n. 9.247. Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Edgard de 
Moura Bittencourt. Julgado em 11/04/1955. 
48BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 39. 
21 
 
1969.49 A preocupação com utilização indevida da pessoa jurídica moveu Rubens 
Requião, que buscou na teoria da desconsideração da personalidade um meio hábil 
que levantasse o véu corporativo, coibindo, por conseguinte, a fraude e o abuso de 
direito, responsabilizando aqueles que se ocultam atrás da sociedade.50 
Rubens Requião afirma que a aplicação da teoria da desconsideração da 
personalidade jurídica deve seguir as mesmas cautelas e zelos praticados pelos juízes 
norte-americanos, pois sua aplicação ocorre com extremos cuidados e apenas em 
casos excepcionais, que visem a impedir a fraude ou o abuso de direito em vias de 
consumação.51Nessa perspectiva histórica, também merece destaque a obra de José 
Lamartine Corrêa de Oliveira intitulada A Dupla Crise da Pessoa Jurídica, a qual 
aborda o quadro de pessoas jurídicas em diversos países, como, por exemplo, 
Alemanha, Itália, Portugal e outros sistemas. O autor parte da concepção de pessoa 
jurídica como realidade pré-normativa, ou seja, entende que o legislador criou a 
pessoa jurídica das realidades existentes no plano fático. Com isso, demonstra que, 
na apreciação do tema da desconsideração da personalidade, não é viável a adoção 
de uma visão unitarista, isto é, as diferentes espécies de pessoa jurídica devem ser 
consideradas, merecendo atenção especial às sociedades unipessoais e aos grupos 
de sociedades, frequentes nas hipóteses de superação da personalidade.52 
 Após a introdução da teoria da desconsideração da personalidade jurídica por 
Rubens Requião e a contribuição de José Lamartine Correa de Oliveira com a sua 
obra sobre a dupla crise da pessoa jurídica, a desconsideração da personalidade 
jurídica passou a ser objeto de discussões de vários doutrinadores, juízes e tribunais, 
que contribuíram para o desenvolvimento e o aprofundamento da teoria no Brasil.53 
 Em termos legislativos, as primeiras referências expressas à desconsideração 
da personalidade jurídica surgiram no Código de Defesa do Consumidor (art. 28, caput 
 
49CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. A Função Cautelar do Incidente de Desconsideração da 
Personalidade Jurídica na Fase de Conhecimento. Dissertação de Mestrado. Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018. p. 63. Disponível em 
<https://tede2.pucsp.br/handle/handle/21004>. Acesso em 02/09/2018. 
50Ibidem. p. 63. 
51REQUIÃO, Rubens. Op. cit. p. 12. 
52RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 64-65. 
53Ibidem, p. 64-65. 
22 
 
e §5º, da Lei 8.078/90), na Lei Antitruste (art. 18 da Lei 8.884/94), na Lei do Meio 
Ambiente (art. 4º da Lei 9.605/98) e no Código Civil (art. 50 da Lei 10.406/02). 
 Portanto, conforme será analisando no presente trabalho, os pressupostos da 
desconsideração da personalidade jurídica devem ser estabelecidos pelo Direito 
Material, cabendo ao Direito processual somente regular o procedimento necessário 
para que se possa verificar se é ou não caso de aplicar a desconsideração da 
personalidade jurídica.54 
 
2.3 APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 
 A desconsideração da personalidade jurídica, conforme visto acima, advém da 
sistematização de casos jurisprudenciais, sendo desenvolvida, posteriormente, pela 
doutrina. No Brasil, a evolução na doutrina refletiu especialmente no Código de Defesa 
do Consumidor e, posteriormente, no atual Código Civil. 
 Ocorre que, antes de ser introduzida nas legislações específicas de direito 
material, a desconsideração da personalidade jurídica já se inseria em um contexto 
de ser um instrumento aplicável somente em casos excepcionais. 
Com o passar dos anos, observou-se que a aplicação da teoria, além de ser 
medida excepcional, deve preencher alguns requisitos que se dividem, basicamente, 
em duas teorias conhecidas, conceituadas por Fábio Ulhoa Coelho como a Teoria 
Menor e a Teoria Maior.55 
A teoria menor começou a se delinear com o Código de Defesa do Consumidor 
com a previsão do §5º do art. 2856.57 Conforme estabelece esse dispositivo legal, “o 
 
54CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 
94-95. 
55BRUSCHI, Gilberto Gomes. Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica 
no Código de Processo Civil de 2015. 1. ed. – São Paulo: RT, 2016. ISBN 978-85-203-6066-8. 
56Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento 
do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação 
dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, 
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má 
administração. 
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de 
alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. 
57CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. Op. cit.. p. 57. Disponível em 
<https://tede2.pucsp.br/handle/handle/21004>. Acesso em 02/09/2018. 
23 
 
simples fato de o consumidor não receber o seu crédito da pessoa jurídica já 
autorizaria a invasão do patrimônio de seus integrantes.”58 
Para aplicação da teoria menor, bastaria a mera prova de insolvência da 
pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da 
existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, como explica Fábio 
Ulhoa Coelho: 
 
De acordo com a teoria menor da desconsideração, se a sociedade 
não possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isso basta para 
responsabilizá-lo por obrigações daquela. A formulação menor não se 
preocupa em distinguir a utilização fraudulenta da regular do instituto, 
nem indaga se houve ou não abuso de forma. 59 
 
O jurista, contudo, faz ressalvas quanto à redação do artigo 28 do Código de 
Defesa do Consumidor, pois, segundo o autor, “tais são os desacertos do dispositivo 
em questão que pouca correspondência se pode identificar entre ele e a elaboração 
doutrinária da teoria.”60 Fábio Ulhoa Coelho afirma que, entre os requisitos previstos 
na legislação em benefício dos consumidores, encontram-se, por exemplo, hipóteses 
caracterizadoras de responsabilização de administrador que não pressupõem 
nenhum superamento da forma da pessoa jurídica. Nesta senda, a discrepância entre 
o texto da lei e a doutrina não traria benefício à tutela dos consumidores, somente 
incertezas e equívocos.61 
André Pagani de Souza, ao falar sobre a teoria menor, alude que ela é 
“resultado da decretação afobada da desconsideração da personalidade jurídica”, 
visto que não há qualquer questionamento acerca da ocorrência de abuso de direito, 
fraude ou confusão patrimonial. Segundo o autor, a teoria menor, em verdade, objetiva 
proteger o hipossuficiente (no caso do consumidor), e colocar situações consideradas 
de maior relevância (ambiental e ordem econômica) acima da autonomia da pessoa 
jurídica.62 Em decorrência disto, a teoria recebeu o adjetivo de ‘menor’: pela ausência 
 
58SOUZA, André Pagani de. Op. cit. P. 71. 
59COELHO, Fábio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito 
Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 65/2014. Jul – Set/2014. p. 21-30. 
60COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 49-50. 
61Ibidem. p. 49-50. 
62CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. Op. cit. p. 59. 
24 
 
de fundamentos teóricos e doutrinários elaborados para a aplicação dessa teoria no 
caso concreto.63 
Já a teoria maior, conforme dito acima, é adotada como regra geral no sistema 
jurídico brasileiro, sendo recepcionada e consagrada na redação do artigo 50 do atual 
Código Civil64. Mesmo que este dispositivo seja o que mais se alinha à elaboração 
doutrinária da disregard doctrine, o caput do art. 28 do Código de Defesa do 
Consumidor65 também consagra, embora com algumas imprecisões técnicas, a 
adoção da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, consoante 
afirmam Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Marina Silva Fonseca.66 
Essa teoria leva em consideração, além da prova da insolvência, ou a 
demonstração do desvio de finalidade, ou a demonstração de confusão patrimonial. 
Ou seja, não pode ser aplicada com a mera demonstraçãode estar a pessoa jurídica 
insolvente para o cumprimento de suas obrigações. 67 
Alinhado a esse raciocínio, Fábio Ulhoa Coelho explica: 
 
A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica não é 
uma teoria contrária à personalização das sociedades empresárias e 
à sua autonomia em relação aos sócios. Ao contrário, seu objetivo é 
preservar o instituto, coibindo práticas fraudulentas e abusivas que 
dele se utilizam. 68 
 
Como explica Antônio Pereira Gaio Júnior, a teoria maior fulcra-se na ideia de 
que o juiz tem autorização para estabelecer o afastamento temporário da autonomia 
patrimonial da pessoa jurídica, com vistas à coibir fraudes e abusos praticados sob o 
 
63SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 71. 
64Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela 
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe 
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam 
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 
65Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento 
do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação 
dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, 
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má 
administração. 
66DE PINHO, Humberto Dalla Bernardina; FONSECA, Marina Silva. O incidente de desconsideração 
da personalidade jurídica do Novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JR, Fredie. Coord. Novo CPC 
doutrina selecionada. v. 1: parte geral. - Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1141. 
67BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP. Terceira Turma, Relatora 
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/12/2003, DJe 29/03/2004. 
68COELHO, Fábio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito 
Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 65/2014. Jul – Set/2014. p. 21-30. 
25 
 
manto dela.69 Com efeito, a formulação da teoria maior da desconsideração se 
desdobra em subjetiva e objetiva. De acordo com a subjetiva, os elementos 
autorizadores da aplicação da teoria ao caso concreto são o abuso de direito e a 
fraude. Para a objetiva é a demonstração da confusão patrimonial.70 
 Insta pontuar, nessa linha, que o atual Código Civil trouxe um dispositivo em 
maior sintonia com a evolução doutrinária e jurisprudencial no que tange à 
desconsideração da personalidade jurídica. Isso porque, quando faz referência ao 
abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela 
confusão patrimonial como pressuposto da desconsideração, o diploma legal deixa 
clara a ideia que se pretende coibir o mau uso da pessoa jurídica com a aplicação da 
disregard doctrine.71 
Ademais, em termos jurisprudenciais, o Superior Tribunal de Justiça já abordou 
as questões pertinentes à teoria menor da desconsideração, porém deixando de 
aplicá-la, tendo em vista que a regra geral adotada pelo ordenamento jurídico 
brasileiro é a teoria maior, conforme ementa abaixo transcrita: 
 
Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. 
Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos 
materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa 
jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de 
responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. 
Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos 
consumidores. Art. 28, § 5o. 
- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem 
econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem 
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais 
indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em 
defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, 
decorrentes de origem comum. 
- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico 
brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar 
a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. 
Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração 
de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a 
demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da 
desconsideração). 
- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento 
jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito 
Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica 
 
69GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. In: DIDIER JR, Fredie. Coord. Novo CPC doutrina selecionada. v. 
1: parte geral. - Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1132. 
70COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2. - São Paulo: Saraiva, 2006. p. 44. 
71SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 102. 
26 
 
para o pagamento de suas obrigações, independentemente da 
existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. 
- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades 
econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com 
a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda 
que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo 
que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou 
dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. 
- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de 
consumo está calcada na exegese autônoma do § 5o do art. 28, do 
CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à 
demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, 
mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, 
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. 
- Recursos especiais não conhecidos.72 
 
 Visto isso, passaremos a analisar os pressupostos para aplicação da 
desconsideração da personalidade jurídica, em especial aqueles que guardam 
relação com a regra geral adotada pelo direito brasileiro, estabelecidos pelo Código 
Civil. 
 
2.4 REQUISITOS 
 A teoria da desconsideração da personalidade jurídica somente deve ser 
aplicada nas hipóteses em que a autonomia da pessoa jurídica se apresenta como 
um obstáculo para a composição dos diversos interesses envolvidos no caso 
concreto. Isto é, se a autonomia da pessoa jurídica não impede a responsabilização 
do sócio, do acionista ou do administrador, não haverá qualquer desconsideração da 
personalidade jurídica, pois inexistirá obstáculo para a identificação dos responsáveis 
pela conduta ilícita.73 
 A regra geral adotada em nosso ordenamento é aquela prevista no art. 50 do 
Código Civil de 2002, que recepcionou e consagrou a teoria maior da 
desconsideração, tanto na sua vertente objetiva quanto na subjetiva. Assim, 
utilizando-se da teoria maior, abordaremos os requisitos previstos pelo Código Civil, 
quais sejam, o (i) abuso de direito, a (ii) fraude, e a (iii) confusão patrimonial. 
 
 
 
72BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP, Terceira Turma, Relatora 
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/12/2003, DJ 29/03/2004. 
73Ibidem. p. 77. 
27 
 
2.4.1 Abuso de direito 
O abuso de direito e a fraude são os casos mais tratados acerca da aplicação 
da teoria da desconsideração, pois, segundo Pedro Henrique Torres Bianchi, essas 
foram as hipóteses que os tribunais mais se dedicaram a decidir e que as legislações 
mais se preocuparamem positivar.74 
Com o advento do Código Civil de 2002, o abuso de direito foi qualificado na 
conceituação genérica do ato ilícito, o qual está consagrado no artigo 187.75 Caio 
Mário da Silva Pereira explica que essa previsão atende à necessidade de conter o 
sujeito da relação jurídica nos lindes morais de seu exercício.76 O autor refere que a 
figura do abuso de direito encontra fundamento na regra da relatividade dos direitos, 
admitindo que se o titular excede o limite do exercício regular de seu direito, age sem 
direito. Assim, estabelece que é de se reprimir o exercício do direito, quando há 
intenção de causar mal a outrem.77 
Ao tratar do conceito de abuso de direito, Pedro Henrique Torres Bianchi 
explica a diferença entre ato ilícito e ato abusivo: 
 
O ato ilícito viola de forma frontal a lei e pressupõe a inexistência de 
direito do agente. Já o ato abusivo significa que, apesar de o condutor 
ter o direito subjetivo, ele pratica algum ato anormal na sua conduta e, 
portanto, um desvio de finalidade. Pois, ‘a irregularidade do ato 
abusivo está no exercício do direito ou da situação subjetiva. Ademais, 
reveste-se o ato abusivo da chamada aparência de legalidade, que 
não está no ato ilícito’. 78 
 
O ato abusivo, portanto, é o mau uso do direito, é um ato legal, porém contrário 
ao fim do instituto da pessoa jurídica, ou seja, é o ato constituído no exercício irregular 
de um direito causando danos a outrem. 79 
 
 
74BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 57. 
75Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente 
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 
76PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 537. 
77Ibidem. p. 535-536. 
78Ibidem. p. 535-536. 
79SILVA, Alexandre Couto. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito 
brasileiro. 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 82. 
28 
 
2.4.2 Fraude 
Embora a fraude não conste expressamente no texto do art. 50 do Código Civil, 
a jurisprudência mostra-se favorável quanto à possibilidade de se desconsiderar a 
personalidade jurídica de uma empresa, se comprovada a ocorrência de fraude. David 
Massara Joanes assevera que não há uma explicação correta que justifique a não 
inserção da fraude, pelo legislador pátrio, na redação do art. 50 do Código Civil.80 De 
qualquer forma, há três aspectos que podem ter influenciado a não inserção da fraude 
no texto legal, segundo observa o autor: 
 
Com efeito, talvez o legislador tenha propositadamente deixado a 
fraude fora da redação do dispositivo legal em comento, por considerar 
que as diferenças conceituais existentes entre os diferentes 
ordenamentos jurídicos não permitia a simples importação do 
vocábulo; ou por entender que a fraude perpetrada com uso da 
personalidade jurídica pode ser caracterizada como abuso de direito; 
ou, ainda, por considerar que nosso sistema jurídico já possui os 
remédios legais adequados para solucionar os casos de fraude. 81 
 
Enquanto no abuso de direito ocorre uma conduta de ir além do próprio direito 
subjetivo e atinge a esfera de outrem, na fraude a conduta, aparentemente lícita, 
resulta em uma violação ao espírito da lei, à sua vontade ou à vontade das partes 
expressa em um contrato. Ambas as figuras, abuso de direito e fraude à lei ou ao 
contrato, na visão de Otávio Joaquim Rodrigues Filho, desaguam no desvio de 
finalidade da pessoa jurídica.82 
Neste sentido, Pedro Henrique Torres Bianchi aponta que a fraude é o requisito 
mais presente na aplicação da teoria da desconsideração para fins de 
responsabilidade e grande parte da doutrina e jurisprudência desenvolveu a teoria 
pensando em um meio de combater esse elemento.83 
 Com efeito, o autor explica que a fraude pode ocorrer de duas formas: 
 
A primeira é a fraude à lei, que ocorre ‘com a utilização de uma pessoa 
jurídica sempre que os destinatários de determinada forma jurídica se 
ocultassem por trás da pessoa jurídica já existente ou criada para tal 
 
80JOANES, David Massara. Aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica ao 
inverso. Dissertação de Mestrado. - Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2010. p. 42. 
81Ibidem. p. 42. 
82RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 90. 
83BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 57. 
29 
 
finalidade específica, subtraindo-se assim à incidência da norma’, 
como afirma Lamartine. Também há a fraude a disposições 
contratuais, que se dá quando o sócio visa utilizar a pessoa jurídica 
para driblar determinada vedação a algum contrato.84 
 
Em que pese a fraude - em todas as suas modalidades – possa justificar o 
emprego de outras técnicas sancionatórias, dependendo do caso concreto também 
constitui fundamento para o afastamento da autonomia subjetiva da pessoa jurídica.85 
Ao fim e ao cabo, o importante é a existência do requisito subjetivo da intenção de 
prejudicar terceiros com a fraude, circunstância em que a personalidade da pessoa 
jurídica será utilizada para fim diverso daquele para a qual foi concebida. 
 
 
2.4.3 Confusão patrimonial 
Como observamos nos tópicos anteriores, as sociedades têm personalidade 
jurídica própria, isto é, em regra, respondem pelas obrigações com seu próprio 
patrimônio, e não com o dos seus sócios.86 
Há, contudo, exceções a essa regra. Interessa ao tema deste trabalho aquela 
que diz respeito às sociedades que são regularmente constituídas, mas a 
personalidade jurídica e o patrimônio autônomo são utilizados, de forma abusiva ou 
fraudulenta, pelos seus sócios para satisfazer interesses próprios ou para obter 
vantagens particulares. Assim, ao se beneficiarem à custa de terceiros, justifica-se a 
utilização de uma das hipóteses de desconsideração da pessoa jurídica para 
responsabilizar pessoalmente o sócio que obteve o benefício indevido.87 
Assim como a fraude e o abuso de direito, o abuso da personalidade jurídica 
também é caracterizado pela confusão patrimonial, hipótese positivada pelo art. 50 do 
Código Civil. 
A confusão patrimonial ocorre quando não é possível distinguir se determinado 
bem é do sócio ou da pessoa jurídica.88 Em outras palavras, conforme afirmado pelo 
Superior Tribunal de Justiça no acórdão relatado pela Ministra Nancy Andrighi, “a 
confusão patrimonial caracteriza-se pela inexistência, no campo dos fatos, de 
 
84BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 57-58. 
85RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 91. 
86DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil: execução. v. 5. Salvador: Jus Podivm, 
2017, p. 358. 
87Ibidem. p. 359. 
88BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 55. 
30 
 
separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e de seus sócios, ou, ainda, dos 
haveres de diversas pessoas jurídicas.” 89 
Segundo André Pagani de Souza, a personalidade jurídica deve ser 
desconsiderada se for detectada a confusão patrimonial entre sociedade e sócios, 
independentemente da existência de abuso de direito ou fraude (elementos 
subjetivos). Por isso, diferentemente da fraude e do abuso de direito, a confusão 
patrimonial é considerada um critério objetivo.90 
 Para Fábio Ulhoa Coelho, a confusão patrimonial deve auxiliar na facilitação da 
prova pela parte que pretende utilizar o instituto da desconsideração da personalidade 
jurídica. Como refere o jurista, deve-se presumir a fraude na manipulação da 
autonomia patrimonial da pessoa jurídica se demonstrada a confusão entre o 
patrimônio dela e de um ou mais de seus integrantes, mas não se deve deixar de 
desconsiderara personalidade jurídica da sociedade, somente porque o demandado 
demonstrou ser inexistente qualquer tipo de confusão patrimonial, se caracterizada, 
por outro modo, a fraude.91 
 Assim, de modo a exemplificar as situações que caracterizam a confusão 
patrimonial, explica o autor: 
 
Se, a partir da escrituração contábil, ou da movimentação de contas 
de depósito bancário, percebe-se que a sociedade paga dívidas do 
sócio, ou este recebe créditos dela, ou o inverso, então não há 
suficiente distinção, no plano patrimonial, entre as pessoas. Outro 
indicativo eloquente de confusão, a ensejar a desconsideração da 
personalidade jurídica da sociedade, é a existência de bens de sócio 
registrados em nome da sociedade, e vice-versa.92 
 
2.5 DESCONSIDERAÇÃO INVERSA 
Questão também relevante é a possibilidade de aplicação da desconsideração 
personalidade jurídica em sua forma inversa. A desconsideração da personalidade 
jurídica na sua forma tradicional, conforme analisado acima, é um mecanismo criado 
para coibir a utilização indevida da sociedade por seus sócios, com a extensão da 
responsabilidade patrimonial aos bens pessoais dos responsáveis. 
 
89BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP. Terceira Turma, Relatora 
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/12/2003, DJe 29/03/2004. 
90SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 93. 
91COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 42. 
92Ibidem. p. 43-44. 
31 
 
Por sua vez, na chamada desconsideração inversa, contrariamente do que 
ocorre na desconsideração da personalidade jurídica na sua forma tradicional, há a 
suspensão temporária da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, para buscar 
bens do patrimônio da pessoa jurídica em razão de dívidas pessoais contraídas pelo 
sócio.93 Fábio Ulhoa Coelho didaticamente explica a aplicação da teoria da 
desconsideração na sua forma inversa: 
 
A fraude que a desconsideração invertida coíbe é, basicamente, 
o desvio de bens. O devedor transfere seus bens para a pessoa 
jurídica sobre a qual detém absoluto controle. Desse modo, 
continua a usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade, 
mas de pessoa jurídica controlada. Os seus credores, em 
princípio, não podem responsabilizá-lo executando tais bens. É 
certo que, em se tratando a pessoa jurídica de uma sociedade, 
ao sócio é atribuída a participação societária, isto é, quotas ou 
ações representativas de parcelas do capital social. Essas são, 
em regra, penhoráveis para a garantia do cumprimento das 
obrigações do seu titular. Quando, porém, a pessoa jurídica 
reveste forma associativa ou fundacional, ao seu integrante ou 
instituidor não é atribuído nenhum bem correspondente à 
respectiva participação na constituição do novo sujeito de direito. 
Quer dizer, o sócio da associação ou o instituidor da fundação, 
desde que mantenham controle total sobre os seus órgãos 
administrativos, podem concretizar com maior eficácia a fraude 
do desvio de bens. 94 
 
Marlon Tomazette adverte que é possível que o sócio use uma pessoa jurídica 
para esconder o seu patrimônio pessoal dos credores, transferindo-o por inteiro à 
pessoa jurídica e evitando, assim, o acesso dos credores a seus bens.95 O autor critica 
a utilização da desconsideração inversa para esse fim, pois, no seu entendimento, 
“qualquer que seja a sociedade, o sócio terá quotas ou ações em seu nome, que 
integram seu patrimônio e, por isso, são passíveis de penhora para pagamento das 
obrigações pessoais do sócio”.96 
O jurista complementa dizendo: “se a desconsideração não quer extinguir a 
pessoa jurídica, mas sim protegê-la de abusos por parte dos sócios, não é razoável 
 
93DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, 
parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. – Salvador: Jus Podivm, 2017. p. 584. 
94COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 73. 
95TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário. v.1. 8ª ed. 
rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 290 
96Ibidem. p. 290. 
32 
 
admitir a desconsideração inversa, com ônus para a sociedade, sendo possível 
satisfazer os credores dos sócios sem esses ônus.”97 
 O Superior Tribunal de Justiça, por sinal, reconhece a possibilidade de aplicação 
da desconsideração inversa, com fundamento em uma interpretação finalística do art. 
50 do Código Civil, ainda que o CPC/73 não regulamentasse essa figura, conforme 
trechos do acórdão relatado pela Ministra Nancy Andrighi: 
 
Conquanto a consequência de sua aplicação seja inversa, sua razão 
de ser é a mesma da desconsideração da personalidade jurídica 
propriamente dita: combater a utilização indevida do ente societário 
por seus sócios. Em sua forma inversa, mostra-se como um 
instrumento hábil para combater a prática de transferência de bens 
para a pessoa jurídica sobre o qual o devedor detém controle, evitando 
com isso a excussão de seu patrimônio pessoal. 
[...] 
Ademais, ainda que não se considere o teor do art. 50 do CC/02 sob 
a ótica de uma interpretação teleológica, entendo que a aplicação da 
teoria da desconsideração da personalidade jurídica em sua 
modalidade inversa encontra justificativa nos princípios éticos e 
jurídicos intrínsecos a própria disregard doctrine, que vedam o abuso 
de direito e a fraude contra credores.98 
 
Após o advento do Código de Processo Civil de 2015, essa modalidade de 
desconsideração foi inserida da redação do art. 133, §2º99, suprindo a lacuna deixada 
pelo legislador. Ao reconhecer a existência da desconsideração da personalidade 
jurídica na sua forma inversa, também reafirmou a posição já adotada na doutrina e 
na jurisprudência quanto à possibilidade de aplicação dessa modalidade para atingir 
o patrimônio da sociedade, para responsabilizar patrimonialmente os sócios por 
dívidas pessoais destes.100 
Portanto, a partir do estudo de alguns aspectos materiais da teoria da 
desconsideração da personalidade jurídica, passaremos à análise da 
desconsideração da personalidade jurídica sob a ótica 
 
 
97TOMAZETTE, Marlon. Op. cit. p. 290. 
98BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 948.117/MS. Terceira Turma, Relatora 
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2010, DJe 03/08/2010. 
99Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte 
ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. § 2o Aplica-se o disposto neste 
Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica. 
100THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito 
processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. vol. 1. 56. ed. rev., atual. e 
ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 523. 
33 
 
3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SOB A ÓTICA 
PROCESSUAL 
Amplas discussões e apuro técnico focados na teoria da desconsideração 
ensejaram premissas bastante sólidas quanto aos requisitos estabelecidos por cada 
ramo do direito material para superar episodicamente a personalidade jurídica da 
pessoa jurídica. 
Por outro lado, verifica-se que os estudos relacionados com o direito processual 
para buscar alcançar a desconsideração da personalidade jurídica não resultaram em 
um posicionamento solidificado. tendo em vista a existência de diversos 
entendimentos.101 
Neste capítulo, a desconsideração da personalidade jurídica será analisada 
sob a ótica processual, com o estudo da aplicação do instituto na vigência do Código 
de Processo Civil de 1973 até a sua expressa previsão com as normas processuais 
instituídas pelo Códigode Processo Civil de 2015. Tal análise comparativa se faz 
necessária para elucidar a importância de ter sido criada uma ferramenta processual 
única para aplicação do instituto da desconsideração. 
 
3.1 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ANTES DA LEI 
13.105/2015 
 Antes de abordar o tema da desconsideração com a entrada em vigor do 
CPC/15, é pertinente que sejam expostos, mesmo que em apertadas linhas, os 
principais entendimentos, tanto da doutrina como da jurisprudência, relacionados com 
a aplicação da disregard doctrine antes da Lei 13.105/2015. 
Em primeiro lugar, uma das dificuldades enfrentadas na aplicação prática da 
teoria da desconsideração anteriormente ao CPC/15, é de que havia, na doutrina e na 
jurisprudência, de forma indesejável, entendimentos e critérios distintos quanto ao 
procedimento a ser adotado, o que ensejava em muitos casos o desrespeito às 
garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa ao sócio ou à pessoa 
 
101VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no Novo CPC: natureza, 
procedimentos e temas polêmicos. – Salvador: Juspodivm, 2016. p. 46. 
34 
 
jurídica que poderá ter seu patrimônio atingido mediante decisão que supera 
transitoriamente a personalidade jurídica da pessoa jurídica.102 
Fábio Ulhoa Coelho, por exemplo, opinava pela necessidade de uma ação 
autônoma para se verificarem os requisitos da desconsideração. Para o jurista, em 
razão da necessidade de dilação probatória, torna-se imperiosa o ajuizamento de uma 
ação autônoma, em que o credor deveria demonstrar a existência dos pressupostos 
para a desconsideração. Sendo assim, o magistrado não poderia decidir a 
desconsideração mediante mero despacho em processo de execução.103 
Diferentemente, Pedro Henrique Torres Bianchi entende pelo reconhecimento 
da desconsideração nos próprios autos de forma incidental, pois, segundo o autor, 
mesmo no curso de uma execução se percebe a existência de contraditório, por 
exemplo, com o instituto da objeção de não executividade.104 
Importante referir que, assim como Fábio Ulhoa Coelho, aqueles que 
defendiam a necessidade de uma ação autônoma tinham como principal fundamento 
o fato de que somente um processo autônomo seria adequado para preservar as 
garantias constitucionais do processo e, concomitantemente, formar o título executivo 
relacionado com quem se pretendia atingir com a desconsideração da personalidade 
jurídica da parte devedora.105 
Os que entendiam pela possibilidade de a desconsideração da personalidade 
jurídica ser incidentalmente, isto é, sem a criação de uma ação autônoma ou incidente 
para haver contraditório efetivo entre as partes, sustentavam a possibilidade de o 
pedido ser formulado mediante simples petição, podendo o juiz decidir sem a 
manifestação da parte contrária.106 
Quando o processo estava em andamento e surgiam indícios de abuso da 
personalidade, não havia um único critério. Isto é, dependendo do processo, utiliza-
se de dois lados extremos: (i) após simples petição do credor, aplicava-se diretamente 
a desconsideração, postergando-se o contraditório para eventuais embargos de 
devedor, exceção de pré-executividade, impugnação à execução ou recurso do 
 
102VIEIRA, Christian Garcia. Op. cit. p. 50. 
103COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 77. 
104BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 119-121. 
105RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 178. 
106BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da Desconsideração da Personalidade Jurídica, 
2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2009. p. 100. 
35 
 
terceiro afetado pela desconsideração; ou (ii) negava-se a desconsideração, cabendo 
à parte interessada ajuizar uma ação autônoma específica para esse fim.107 Conforme 
observa Eduardo Talamini, nenhuma dessas soluções são adequadas, porque a 
primeira viola as garantias do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e 
acesso à justiça e a segunda tende a inviabilizar o sucesso prático da 
desconsideração.108 
Pela inexistência de um procedimento específico para atingir a superação da 
personalidade jurídica sob a égide do CPC/73, utilizava-se a teoria da 
desconsideração indevidamente, geralmente por credores que, ao perceberem a 
inexistência de ativos de titularidade da pessoa jurídica, utilizavam o instituto da 
desconsideração para atingir o patrimônio dos sócios ou dos administradores, sem 
comprovar a existência dos requisitos previstos na legislação específica aplicável ao 
caso. 
Em termos jurisprudenciais, não havia entendimento pacificado no que se 
refere ao procedimento para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. 
Para ilustrar esse antagonismo, citamos abaixo dois julgados do STJ, da Quarta 
Turma, em que é possível verificar uma nítida divergência de entendimento. 
No julgamento do Recurso Especial n.º 476.452/GO, o STJ firmou 
entendimento de que era possível “haver a desconsideração da personalidade jurídica 
independente de ação autônoma para tanto.” Além disso, a citação prévia do sócio ou 
da pessoa jurídica era considerada prescindível.109 
De modo diverso, no julgamento do Recurso Especial n.º 991.218/MS, 
entendeu-se que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica por 
presunção, sem contraditório, sem ampla defesa e sem motivação concreta 
caracterizaria violação ao Princípio do Devido Processo Legal. Nada obstante, o 
relator fundamentou o seu voto no sentido de que “a celeridade processual não pode 
ser alcançada com o sacrifício dos consectários inerentes ao processo justo”.110 
 
107TALAMINI, Eduardo. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Disponível em 
<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234997,11049-
Incidente+de+desconsideracao+de+personalidade+juridica> Acesso em 16/08/2018. 
108Ibidem. 
109 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 476.452/GO. Quarta Turma, Rel. Min. 
Raul Araújo, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 05/12/2013. DJe: 11/02/2014. 
110 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 991.218/MS. Quarta Turma. Rel. Min. 
Antônio Carlos Ferreira, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo. Julgado em 16/04/2015. DJe: 13/08/2015. 
36 
 
Por isso, o uso indiscriminado da teoria da desconsideração ensejou a busca 
por um mecanismo que restringisse a aplicação incorreta do instituto, estabelecendo 
limites para utilização da desconsideração da personalidade jurídica no processo, 
mediante critérios simplificados e objetivos, agora positivados na legislação 
processual civil. 
Em síntese, essas são algumas das “razões de ser” do atual incidente de 
desconsideração da personalidade jurídica, estabelecido no Código de Processo Civil 
de 2015, que trouxe alguns avanços relevantes quanto ao meio processual para 
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Assim, nos próximos tópicos 
serão analisadas as principais características do Incidente de Desconsideração 
estabelecidas pela Lei n. 13.105/2015. 
 
3.2 O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 
 Conforme verificado acima, um dos problemas enfrentados sob a égide do 
CPC/73 era a ausência de um critério único para aplicação da desconsideração da 
personalidade jurídica no curso do processo. Suprindo a lacuna deixada pelo diploma 
processual anterior, o Código de Processo Civil de 2015 incumbiu-se e cuidou da 
matéria, traçando um mecanismo processual a ser adotado com a criação do incidente 
de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no rol das modalidades de 
intervenção de terceiros.111 
A inclusão do incidente

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