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ESCOLA DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL FELIPE CALDEIRA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE): DO DIREITO MATERIAL AO INCIDENTE PROCESSUAL CRIADO PELA LEI 13.105/2015 Porto Alegre 2018 FELIPE CALDEIRA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE): DO DIREITO MATERIAL AO INCIDENTE PROCESSUAL CRIADO PELA LEI 13.105/2015 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS como requisito parcial para obtenção do título de Pós- Graduado em Processo Civil. Orientador: Prof. Dr. Marco Félix Jobim PORTO ALEGRE 2018 FELIPE CALDEIRA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE): DO DIREITO MATERIAL AO INCIDENTE PROCESSUAL CRIADO PELA LEI 13.105/2015 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS como requisito parcial para obtenção do título de Pós- Graduado em Processo Civil. Porto Alegre _____ de ______________________ de 2018 BANCA EXAMINADORA _____________________________ Orientador Prof. Dr. Marco Félix Jobim _____________________________ Segundo componente PORTO ALEGRE 2018 Dedico este trabalho aos meus pais, Marcelo e Cleunia, por todo amor e por terem tornado possível a realização deste trabalho, ao meu orientador e padrinho, Marco Jobim, pela amizade, e aos meus amigos pelo apoio incondicional. AGRADECIMENTOS Torna-se fundamental lembrar e homenagear as pessoas que, nesse momento de aprimoramento pessoal e profissional, fizeram e fazem toda diferença. Momento teoricamente fatigante, que foi trilhado com a ajuda e insistência, sempre bem-vindas, da minha família, dos meus amigos e dos meus colegas de profissão. Especial gratidão a vocês, meus pais, Marcelo e Cleunia, que nunca mediram esforços que os meus estudos fossem concluídos e meus sonhos realizados. Não há adjetivo, frase ou presente capazes de representar o amor, o carinho e a admiração que tenho por vocês. Devo a vocês o meu generoso agradecimento por tudo. Este trabalho foi criado após muita insistência e muitas discussões, com apoio de amigos que, mesmo de forma indireta, me ajudaram a construir o trabalho. É importante deixar registrado aqui o importantíssimo papel da minha grande amiga, maior ouvinte e colega de profissão, Cíntia Gonçalves, que – com toda a sua paciência inesgotável - sempre esteve disposta a me ajudar, independentemente do horário, com relevantes apontamentos, incentivos e que, durante todo o curso, me apoiou, mesmo nos momentos mais difíceis. Aos meus colegas do escritório Andrade Maia, mesmo de longe, saibam que sou grato por todos os ensinamentos e pelas preciosas lições que sempre carregarei comigo. Por fim, gostaria de fazer um agradecimento ao meu orientador, Marco Félix Jobim, que me acompanha desde a graduação até a conclusão deste trabalho, e me encorajou a trilhar o Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Obrigado pela amizade, por todos ensinamentos acadêmicos e pela confiança em mim depositada. RESUMO O Código de Processo Civil de 2015, dentre as suas inovações, trouxe a regulamentação de normas processuais da desconsideração da personalidade jurídica, importante instituto já consagrado no direito material, mas que até então não havia recebido a devida atenção no âmbito processual. A partir disso, o presente trabalho analisará as normas de caráter processual relacionadas à desconsideração da personalidade jurídica que foram introduzidas pelo novo Código e que vêm preencher a lacuna legislativa até então existente quanto ao procedimento para aplicação do instituto. Para tanto, será feita, preliminarmente, a abordagem do instituto da disregard doctrine, expondo alguns conceitos que motivaram a sua existência, analisando os primeiros casos que se depararam com o tema nos Tribunais, bem como as primeiras teorias desenvolvidas. Após, passaremos ao exame da aplicação da desconsideração sob a ótica do direito material, com foco nas disposições legais do artigo 50 do Código Civil e do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. Em um segundo plano, voltaremos os olhos aos aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, explorando brevemente a aplicação do instituto na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Com isso, ante a ausência de um critério único para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no curso do processo sob a égide do CPC/73, ferindo, assim, por vezes as garantias constitucionais, demonstrar-se-á que o procedimento inserido nos artigos 133 a 137 do atual diploma processual para aplicação da desconsideração reflete em um modelo de processo pautado na busca do equilíbrio entre a efetividade da tutela jurisdicional e a necessidade de observância ao contraditório. Palavras-chave: Desconsideração da Personalidade Jurídica – Lei 13.105/2015 – Incidente Processual – Contraditório – Devido Processo Legal SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8 2 ASPECTOS MATERIAIS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ................................................................................................................. 11 2.1 NOÇÕES GERAIS DE PESSOA JURÍDICA E PERSONALIDADE JURÍDICA ... 11 2.2 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA .............................. 14 2.2.1 Primeiros casos nos tribunais ...................................................................... 16 2.2.2 Primeiras teorias desenvolvidas ................................................................... 18 2.2.3 Introdução no direito brasileiro .................................................................... 20 2.3 APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ...... 22 2.4 REQUISITOS ...................................................................................................... 26 2.4.1 Abuso de direito ............................................................................................. 27 2.4.2 Fraude ............................................................................................................. 28 2.4.3 Confusão patrimonial ..................................................................................... 29 2.5 DESCONSIDERAÇÃO INVERSA ....................................................................... 30 3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SOB A ÓTICA PROCESSUAL ......................................................................................................... 33 3.1 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ANTES DA LEI 13.105/2015 .............................................................................................................. 33 3.2 O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ... 36 3.2.1 Natureza jurídica ............................................................................................ 36 3.2.2 Legitimidade ...................................................................................................38 3.2.3 Momento para instauração do incidente ...................................................... 40 3.2.4 Efeitos da decisão proferida no incidente ................................................... 46 3.2.5 Recursos cabíveis sobre a decisão proferida no incidente ....................... 51 3.2.6 Rescindibilidade da decisão via ação rescisória? ...................................... 53 3.2.7 Fraude à execução ......................................................................................... 54 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 57 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 62 8 1 INTRODUÇÃO Por muito tempo o direito processual era visto como um ramo totalmente independente do direito material. Isto é, havia um entendimento de que a concessão da tutela jurisdicional não precisaria se adequar às necessidades do direito material1. O Código de Processo Civil de 1939, apesar de sua inegável contribuição ao nosso ordenamento jurídico, tinha uma índole essencialmente técnica não primando pela interação entre os problemas processuais e os direitos sociais.2 Nesse contexto, a partir do CPC/73 passou-se a ter uma preocupação com os preceitos constitucionais, sendo intensificado ainda mais com a promulgação da Constituição Federal em 19883. Logo, no nosso Estado Democrático de Direito o processo não poderia estar somente limitado à legislação processual, devendo, por isso, tanto as suas técnicas, como as suas garantias estarem em consonância com o direito material, tendo como norte os valores e os fundamentos previstos na Constituição Federal4. Entretanto, apesar desses avanços, o Código de Processo Civil de 1973 não conseguiu se alinhar adequadamente a todas as necessidades do direito material, como no caso da desconsideração da personalidade jurídica, que seria nada mais do que a possibilidade de responsabilizar patrimonialmente os sócios/ administradores da pessoa jurídica, ou a própria pessoa jurídica, quando esta for utilizada para fins diversos de sua função social e econômica. Por isso, afirma-se que se trata de um mecanismo criado para coibir o uso abusivo da personalidade da pessoa jurídica, praticado, em regra, pelos sócios ou administradores da pessoa jurídica. Apesar de a desconsideração da personalidade jurídica ser utilizada há um bom tempo no Brasil, a ausência de um procedimento regulado expressamente em nosso ordenamento ensejou, na prática, a aplicação do instituto de forma desregulada, sem um critério único. Isso, infelizmente, acabava gerando insegurança 1MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. 3. ed. - São Paulo: RT, 2010. p. 21-22. 2MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os Novos Rumos do Processo Civil Brasileiro. - Rio de Janeiro: Revista Acadêmica da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, v. 8, n. 6, p. 193–208, jul./dez., 1994. p. 195. 3Ibidem. p. 195-196. 4MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 22. 9 jurídica e desencadeava a violação de princípios constitucionais como, por exemplo, o contraditório e a ampla defesa. Diante do “silêncio” do diploma processual de 1973, qual deveria ser a reação do intérprete quanto à aplicação processual do instituto? Em razão dos diversos pontos de vista deixados sob a égide do CPC/73, aprofundar ainda mais a análise da estrutura da lei processual5, como o fez o legislador infraconstitucional com a Lei 13.105/2015, que trouxe em seus artigos 133 a 137 o procedimento que deve ser observado nos casos atinentes à desconsideração da personalidade jurídica. Neste panorama, a presente monografia se propõe a abordar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica com a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, visto que este não apenas passou a regular o procedimento para aplicação da desconsideração, ante a lacuna do CPC/73, mas também tenta conciliar a ferramenta processual com o instituto já amplamente estudado no âmbito do direito material, com premissas constitucionais bastante sólidas, como o direito ao contraditório e à ampla defesa, sem deixar de lado a efetividade jurisdicional. Dessa forma, o estudo se justifica, pois, na prática, a desconsideração da personalidade jurídica pode gerar sérias consequências para terceiros que, excepcionalmente, poderão ter o patrimônio pessoal atingido. Assim, exemplificativamente, para que o patrimônio de um sócio ou de um administrador de uma pessoa jurídica (“terceiro”) seja alcançado pelos efeitos de uma decisão proferida em um processo no qual não participou inicialmente, deve-se resguardar o efetivo contraditório e a ampla defesa, visando à busca pela segurança jurídica. Para cumprir essa tarefa, este trabalho utilizou-se da pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, trazendo alguns conceitos e questões de maior relevância em cada tópico estudado, sendo dividido em dois grandes capítulos. No primeiro capítulo, buscar-se-á analisar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica sob a ótica do direito material, precipuamente o Código de Defesa do Consumidor e Código Civil. Ainda, serão analisados alguns conceitos doutrinários da pessoa jurídica e da consequência gerada em decorrência da atribuição da personalidade jurídica a esta. Justifica-se isso, pois, descabe estudar o 5COUTURE, Eduardo Juan, Interpretação das leis processuais. São Paulo: Max Limonad, 1956. p. 55. 10 tema da desconsideração da personalidade jurídica, seja pela ótica do direito material, seja pela ótica do direito processual, sem que sejam conceituados elementos que tangenciam o tema, motivam a sua existência e são essenciais para o desenvolvimento deste trabalho. Na segunda parte do trabalho serão abordados os aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, dando ênfase ao procedimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, expondo suas características, os momentos para instauração, os efeitos gerados pela decisão, bem como algumas discussões observadas na doutrina, mostrando, assim, a dificuldade que se estabelece quando se busca um processo apto a prestar uma tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. 11 2 ASPECTOS MATERIAIS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Para o estudo dos aspectos materiais da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, torna-se necessário analisar alguns conceitos doutrinários que envolvem a pessoa jurídica e a atribuição da sua personalidade da pessoa jurídica, definindo o que é pessoa jurídica, as consequências da personalidade jurídica, etc. Além disso, abordar-se-á a evolução da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, e de que forma ela surge no Brasil. Será possível verificar, desta forma, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em alguns ramos do direito material. Por fim, conceituaremos a modalidade da desconsideração na sua forma inversa. 2.1 NOÇÕES GERAIS DE PESSOA JURÍDICA E PERSONALIDADE JURÍDICA Antes de ser analisada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, deve-se ter em mente as lições de Rubens Requião quando diz que as pessoas jurídicas constituem uma criação da lei, e, como criação da vontade da lei, refletem uma realidade do mundo jurídico e da vida sensível.6 A elaboração da ideia de pessoa jurídica ocorreu com o passar do tempo e, conforme Caio Mário da Silva Pereira, fundada da seguinte forma: Mas a complexidade da vidacivil e a necessidade da conjugação de esforços de vários individuos para a consecução de objetivos comuns ou de interesse social, ao mesmo passo que aconselham e estimulam a sua agregação e polarização de suas atividades, sugerem ao direito equiparar à própria pessoa natural certos agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais e lhe aconselham atribuir personalidade e capacidade de ação aos entes abstratos assim gerados. Surgem, então, as pessoas jurídicas, que se compõem, ora de um conjunto de pessoas, ora de uma destinação patrimonial, com aptidão para adquirir e exercer direitos e contrair obrigações.7 6REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica: ‘disregard doctrine’. Revista dos Tribunais 410/12, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969. p. 12-24. 7PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol.1. 30. ed. rev. e atual. - Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 249-250. 12 Segundo refere Fábio Ulhoa Coelho, “pessoa jurídica é o sujeito de direito personificado não humano. É também chamada de pessoa moral. Como sujeito de direito, tem aptidão para titularizar direitos e obrigações.”8 Ela começa a existir, assim, em decorrência da vontade de uma ou mais pessoas, identificadas como membros, integrantes ou instituidores da pessoa jurídica, excetuando-se, nesse caso, os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), que são pessoas jurídicas derivadas da organização política independente da sociedade brasileira.9 A partir da criação dessa entidade, consolidada, em teoria, entre os séculos XVIII e XIX, permitiu-se que pessoas físicas agregadas fomentassem empreendimentos geradores de lucros e, por conseguinte, movimentassem a economia. Dentro da expressão pessoas jurídicas há diversas espécies de entes abstratos a que o direito reconhece personalidade e atribui capacidade. O que distingue cada pessoa jurídica é o direito de cada uma, que atende aos objetivos a que se propõem originariamente, à natureza de sua atuação e à órbita de seu funcionamento.10 Nessa linha, ensina Carlos Alberto Gonçalves: O direito reconhece personalidade também a certas entidades morais, denominadas pessoas jurídicas, compostas de pessoas físicas ou naturais, que se agrupam, com observância das condições legais, e se associam para melhor atingir os seus objetivos econômicos ou sociais, como as associações e sociedades, ou constituídas de um patrimônio destinado a um fim determinado, como as fundações.11 Há que se ter em conta, conforme preceituava o art. 20 do Código Civil de 1916, que “as pessoas jurídicas têm existência distinta da de seus membros”, e que, embora não tenha sido repetida a regra no ordenamento vigente, encontra-se implícita no sistema sua principal consequência: a autonomia patrimonial. Ou seja, as pessoas jurídicas não se confundem com as pessoas físicas que deram origem ao seu nascimento.12 8COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: parte geral. vol. 1. 5. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012. p. 532 9Ibidem. p. 532. 10Ibidem. p. 263. 11GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito Civil Brasileiro: parte geral. vol. 1. 10. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 92. 12BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 44. 13 Uma das principais consequências da atribuição de personalidade jurídica a alguém é a separação estabelecida entre pessoa física e os membros que a integram, legitimando o Princípio da Autonomia Patrimonial.13 A ideia de autonomia da pessoa jurídica quanto aos seus membros já constava expressamente no art. 20 do Código Civil de 1916.14 Ainda que esse dispositivo não tenha sido reproduzido pela atual codificação, não há dúvida de que o princípio da autonomia patrimonial continua em vigor e que a pessoa jurídica mantém uma vida distinta da dos membros que a compõe.15 Assim, em regra, os membros que compõe a pessoa jurídica não podem ser considerados os titulares dos direitos ou os devedores das prestações relacionadas ao exercício da atividade econômica da pessoa jurídica. Soma-se a isso o fato de que o patrimônio da pessoa jurídica não deve ser confundido com o patrimônio dos seus membros, minimizando os riscos que são inerentes ao negócio.16 Diante do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, os sócios que integram a pessoa jurídica somente responderão por eventuais débitos da empresa dentro dos limites do capital social, ficando resguardado o patrimônio individual dos membros. Essa limitação da responsabilidade ao patrimônio da pessoa jurídica é consequência lógica da atribuição da personalidade jurídica à pessoa jurídica, sendo uma de suas maiores vantagens.17 O resultado dessa independência e autonomia, em alguns casos, não é positivo, pois, conforme elucida Maria Helena Diniz, com a exclusão da responsabilidade dos sócios por eventuais débitos gerados, a pessoa jurídica tem-se desviado de seus princípios norteadores, possibilitando a prática de fraudes e desonestidades, cujo resultado prático são as reações doutrinárias e jurisprudenciais objetivando coibir esses abusos.18 Quanto ao ponto, importante os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira: 13SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 72. 14Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros. 15SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 72. 16Ibidem. p. 72. 17DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil. 29. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 340. 18Ibidem. p. 341. 14 Modernamente, entretanto, o desenvolvimento da sociedade de consumo, a coligação de sociedades mercantis e o controle individual de grupos econômicos têm mostrado que a distinção entre a sociedade e seus integrantes, em vez de consagrar regras de justiça social, tem servido de cobertura para a prática de atos ilícitos, de comportamentos fraudulentos, de absolvição de irregularidades, de aproveitamentos injustificáveis, de abusos de direito. Os integrantes da pessoa jurídica invocam o princípio da separação, como se se tratasse de um véu protetor. Era preciso criar um instrumento jurídico hábil a ilidir os efeitos daquela cobertura.19 Se por um lado temos o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica como uma regra importante para o desenvolvimento das atividades da sociedade empresária, por outro, consoante afirma Caio Mário da Silva: “tem servido de cobertura para a prática de atos ilícitos, de comportamentos fraudulentos, de absolvição de irregularidades, de aproveitamentos injustificáveis, de abusos de direitos.”20 A separação patrimonial e a limitação da responsabilidade dos sócios, apesar de incentivarem a captação de recursos, externalizaram grande parte dos custos dos empreendimentos - decorrentes dos riscos que qualquer atividade econômica enfrenta - evidenciando, com o passar do tempo, a crise gerada pela limitação da responsabilidade, por um lado, e, por outro, a crise da própria função da pessoa jurídica, tendo em vista o uso indevido do escudo protetor da personalidade jurídica.21 Como verificaremos a seguir, o ingresso e o desenvolvimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no Direito foram essenciais, pois, ao distinguir a responsabilidade da pessoa jurídica dos seus integrantes, estes se acobertavam de todas as consequências, exceto nos casosde incorrerem em atos ilegais individualmente. Assim, era preciso a criação de um instituto jurídico hábil a afastar os efeitos dessa cobertura.22 2.2 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 19PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 276. 20Ibidem. p. 276. 21RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Desconsideração da personalidade jurídica e processo: de acordo com o Código de Processo Civil de 2015. – São Paulo: Malheiros, 2016. p. 43-44. 22Ibidem. p. 43-44. 15 A partir da sistematização doutrinária e jurisprudencial, a teoria da desconsideração surgiu como um importantíssimo instrumento para desmascarar abusos e fraudes praticados, geralmente, em prejuízo de terceiros pelos sócios ou pelos órgãos diretores das empresas. Ao tratar do objetivo da teoria da desconsideração, Fábio Ulhoa Coelho ensina: O objetivo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é exatamente possibilitar a coibição da fraude, sem comprometer o próprio instituto da pessoa jurídica, isto é, sem questionar a regra da separação de sua personalidade e patrimônio em relação aos de seus membros. Em outros termos, a teoria tem o intuito de preservar a pessoa jurídica e sua autonomia, enquanto instrumentos jurídicos indispensáveis à organização da atividade econômica, sem deixar ao desabrigo terceiros vítimas de fraude.23 Na época, conforme narra Otávio Joaquim Rodrigues Filho: [...] em meio à crise da limitação da responsabilidade e, para muitos, da função da própria pessoa jurídica, surge a teoria da desconsideração da personalidade, para hipóteses restritas, em que o reconhecimento do princípio da separação de esferas levaria a soluções gravemente injustas e que contrariam os valores da ordem jurídica.24 A partir disso, emerge a teoria da desconsideração para coibir o mau uso da personalidade da pessoa jurídica, cujo objetivo é atingir aquele que se oculta sob o véu da pessoa jurídica, utilizando-a de forma indevida para fins contrários ao direito. O desrespeito à lei, a frustação de credores e os desvios das funções sociais ensejaram a formação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.25 Portanto, analisaremos a seguir o panorama geral com o surgimento da teoria nos tribunais dos Estados Unidos e de Londres, os quais foram essenciais para a introdução da teoria no Brasil. 23COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. 2., 16. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012. p. 51. 24RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 44. 25VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC: natureza, procedimentos e temas polêmicos. – Salvador: Juspodivm, 2016. p. 41. 16 2.2.1 Primeiros casos nos tribunais A teoria da disregard doctrine surgiu da prática jurídica, tanto no exterior como no Brasil, não se originando de disposições legislativas ou de estudos acadêmicos.26 Originou-se, portanto, da atividade cotidiana dos tribunais, após serem suscitadas as primeiras questões relacionadas com distorções de determinadas sociedades. No brilhante artigo intitulado “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine)”, Rubens Requião traz que essa técnica jurisprudencial que desconsidera a personalidade jurídica para alcançar os bens nela acobertados teve sucesso acentuado na América do Norte, tornando a disregard doctrine mais uma construção jurisprudencial norte-americana do que britânica.27 Nos Estados Unidos, por sua vez, a doutrina da disregard of legal entity surge a partir da necessidade de coibir a prática de ato ilícito, ou abuso de poder, ou violação de norma do estatuto da empresa por parte dos órgãos dirigentes em prejuízo de terceiros.28 Luiz Guilherme Marinoni, ao abordar o surgimento do tema da desconsideração da personalidade jurídica, assim descreve: O direito norte-americano, como é sabido, consagra a prevalência da jurisprudência sobre as abordagens doutrinária e legal dos institutos jurídicos. Essa marca característica deita suas raízes não só na antiga tradição do direito inglês como também na forma federativa radical que vigora nos Estados Unidos. Com efeito, num país em que cada Estado tem autonomia suficiente para legislar de maneira quase independente, é de se imaginar a dificuldade de uma sistematização doutrinária capaz de abarcar as diversas tendências que se verificam nas diversas unidades da federação. Quando o assunto é a desconsideração da pessoa jurídica (disregard of legal entity, como lá é conhecida), a regra se mantém, ou seja, prevalece o entendimento jurisprudencial. E a jurisprudência norte- americana há muito vem consagrando a tese da desestimação. Deveras, o primeiro caso de disregard de que se tem notícia se passou no ano de 1809, quando a Corte Suprema dos Estados Unidos julgou o caso Bank of the United States vs. Deveneaux, em que foi relator o legendário juiz Marshall. Importa ressaltar que, àquela época, a Europa ainda preocupava-se em estudar a natureza jurídica da pessoa 26RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 45. 27REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine). Revista dos Tribunais 410/12. - São Paulo: RT, 1969. p. 12-24. 28PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 276-277. 17 jurídica, sem sequer cogitar a hipótese de desconsideração de sua personalidade.29 Sob a ótica do surgimento da teoria na Inglaterra, Otávio Joaquim Rodrigues Filho considera que o precursor da disregard doctrine foi o caso “Salomon versus Salomon & Co.”, ocorrido no ano de 1897. Referiu o autor: [...] tendo a teoria da desconsideração origem anglo-saxônica, ela é fruto da jurisprudência dos tribunais ingleses e norte-americanos; e, nesse sentido, como proclama a doutrina, o precursor da disregard doctrine foi ‘Salomon versus Salomon & Co.’, ocorrido em 1897 em Londres, na Inglaterra, ao qual se atribui ser, verdadeiramente, o primeiro caso da desconsideração da personalidade jurídica.30 Se para muitos doutrinadores o caso “Salomon versus Salomon & Co.” é considerado o marco inicial da teoria, outros, a exemplo de Suzy Elizabeth Cavalcante Kury, entendem que foi no âmbito do Direito norte-americano que iniciou e se desenvolveu, na jurisprudência, a teoria da desconsideração. Isso, pois, no ano de 1809, a teoria já era aplicada nos Estados Unidos, conforme alude a autora: [...] no ano de 1809, no caso Bank of United States v. Deveaux, o Juiz Marshall, com a intenção de preservar a jurisdição das cortes federais sobre as corporations, já que a Constituição Federal americana, no seu art. 3º, seção 2ª, limita-a às controvérsias entre cidadãos de diferentes estados, conheceu da causa, por considerar as características pessoais dos sócios.31 Suzy Elizabeth Cavalcante Kury discorda quando alguns autores apontam o caso inglês “Salomon versus Salomon & Co.” como o precursor da teoria da desconsideração, conforme refere a jurista paraense: Aproveitamos a referência a essa decisão, a mais antiga por nós conhecida, para desfazer duas inverdades acerca do famoso caso inglês ‘Salomon versus Salomon & Co.’. A primeira delas diz respeito à sua qualificação como o verdadeiro e próprio leading case da Disregard Doctrine por vários autores. Na realidade, o caso em questão foi julgado em 1897, portanto, 88 anos depois da primeira manifestação da jurisprudência americana, só 29MARINONI, Luiz Guilherme. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Soluções Práticas de Direito. v. II. - SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 319-357. 30RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 45. 31Ibidem. p. 45. 18 sendo possível, assim, considerá-lo como leading case no Direito Inglês. 32 Se por um lado há autores afirmando que o início da teoria da desconsideração ocorreu com o julgamento do caso inglês “Salomon versus Salomon & Co.”, por outro, há autores que consideram o caso norte-americano “Bank of United States v. Deveaux”. 2.2.2 Primeiras teorias desenvolvidas A obra desenvolvida por Rolf Serick é considerada um dos trabalhos pioneiros sobre o tema da desconsideração da personalidade jurídica. Na tese de doutorado defendida na Alemanha, em 1953, Serick busca definir, a partir da análise da jurisprudência alemã e norte-americana, critérios que autorizam o juiz a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, em relação às pessoas que a compõe, sempre que ela for utilizada como instrumento na realização de fraudes ou abuso de direito.33 O grande mérito da obra de Rolf Serick foi buscar a identificação de critérios seguros para desconsiderar a autonomia da personalidade jurídica diante de abusos e fraudes cometidos por meio da pessoa jurídica, sem comprometimento dela enquanto instituto técnico-jurídico.34 Conforme explicado por Pedro Henrique Torres Bianchi: “Serick define sua teoria por meio do dualismo regra-exceção.”35 O autor expõe que a regra é a autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a exceção é a desconsideração dessa autonomia. Para que houvesse a desconsideração da personalidade jurídica, é necessário que haja fraude à lei ou fraude ao contrato, ou seja, é necessário que haja a prática de algum ato repudiado pelo sistema.36 A partir disso, Rolf Serick define 32KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. 4. ed. – São Paulo: LTr, 2018. p. 66. 33SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011, p. 64. 34Ibidem. p. 66. 35BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 24. 36Ibidem. p. 24. 19 quatro princípios que sintetizariam a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. 37 O primeiro princípio é de que o abuso é a utilização da pessoa jurídica com o nítido intuito de furtar-se de uma obrigação. Não há questionamentos acerca do instituto da pessoa jurídica e tampouco da separação entre os patrimônios. Somente ignora-se a separação entre a pessoa jurídica e pessoa física, pois quem a utilizou indevidamente não mereceria esse benefício.38 O segundo princípio é no sentido de que é impossível desconhecer a autonomia subjetiva da pessoa jurídica somente para tentar atingir o escopo de uma norma ou a causa objetiva de um negócio jurídico, admitindo, contudo, que esse princípio pode sofrer exceções para dar eficácia ao sistema.39 De acordo com o terceiro princípio, como regra, todas as normas aplicáveis às pessoas naturais se aplicam também às pessoas jurídicas, desde que compatíveis. Isso porque o legislador criou as pessoas jurídicas como sujeitos de direitos assemelhados aos seres humanos.40 Por fim, o quarto princípio diz que pode haver a desconsideração da pessoa jurídica para atingir quem realmente foi parte no negócio, ignorando-se, assim, a formalidade apresentada por ele. Ou seja, se a pessoa jurídica realizar um negócio jurídico com um integrante seu, poderá haver a desconsideração para evitar que haja uma confusão patrimonial.41 Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho lembra que, antes de Rolf Serick, outros autores já haviam se dedicado ao tema da desconsideração da personalidade jurídica, como, por exemplo, Maurice Wormser – nos anos 1910 e 1920.42 Contudo, o autor afirma que não se encontra claramente nos estudos precursores a motivação central de Rolf Serick de buscar definir, em especial a partir da jurisprudência norte- americana, os critérios gerais que autorizam o afastamento da autonomia das pessoas jurídicas. Verifica-se também outra obra pioneira sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, conforme alude André Pagani de Souza: Trata-se, pois, do estudo “Il superamento della personalità giuridica dele società di capitali nella 37BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 25. 38Ibidem. p. 25. 39Ibidem. p. 25. 40Ibidem. p. 26. 41Ibidem. p. 26. 42COELHO, Fábio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 65/2014. Jul – Set/2014. p. 21-30. 20 ‘commom law’ e nella ‘civil law’, de Piero Verrucoli, professor da Universidade de Pisa, na Itália.”43 Conforme refere o jurista brasileiro, Verrucoli parte da premissa que a atribuição da personalidade jurídica a determinados grupos de indivíduos é uma vantagem oferecida pelo Estado e, portanto, não pode ensejar situações injustas ou contrárias ao Direito.44 Dado que seria um privilégio oferecido pelo Estado, ele tem de ser dado com restrições e limites, visto que o ordenamento repudia atos ilícitos. Dessa forma, a desconsideração seria cabível para buscar evitar que a pessoa jurídica prejudique o Estado e terceiros.45 Como foi possível observar acima, desde o início das teorias desenvolvidas na doutrina acerca da desconsideração da personalidade jurídica, sempre foi necessário existir algum fato que autorizasse a aplicação da teoria da desconsideração. Assim, passaremos a analisar a introdução da teoria no Direito brasileiro, especialmente com a obra de Rubens Requião, tendo em vista que o jurista foi quem trouxe a teoria da desconsideração para o Brasil, e a sua obra é considerada pela doutrina nacional a pioneira no estudo da disregard doctrine.46 2.2.3 Introdução no direito brasileiro No Brasil, a teoria surgiu primeiramente nos Tribunais, visto que, antes do desenvolvimento da doutrina, o primeiro caso que aplicou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica fora julgado pelo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo no ano de 1955, em Apelação n. 9.247, relatada pelo Desembargador Edgard de Moura Bittencourt. 47 No caso, foi reconhecida a completa confusão patrimonial havida entre a pessoa física (ex-sócio) e a pessoa jurídica (Hospital Coração de Jesus S/A). 48 Quanto aos estudos doutrinários, Rubens Requião foi um dos primeiros autores que abordou a teoria da desconsideração com o artigo intitulado Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine), publicado no ano de 43SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 66-67. 44Ibidem, p. 67. 45BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 38-39. 46RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 63-66. 47SÃO PAULO. Tribunal de Alçada Civil. Apelação n. 9.247. Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Edgard de Moura Bittencourt. Julgado em 11/04/1955. 48BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 39. 21 1969.49 A preocupação com utilização indevida da pessoa jurídica moveu Rubens Requião, que buscou na teoria da desconsideração da personalidade um meio hábil que levantasse o véu corporativo, coibindo, por conseguinte, a fraude e o abuso de direito, responsabilizando aqueles que se ocultam atrás da sociedade.50 Rubens Requião afirma que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica deve seguir as mesmas cautelas e zelos praticados pelos juízes norte-americanos, pois sua aplicação ocorre com extremos cuidados e apenas em casos excepcionais, que visem a impedir a fraude ou o abuso de direito em vias de consumação.51Nessa perspectiva histórica, também merece destaque a obra de José Lamartine Corrêa de Oliveira intitulada A Dupla Crise da Pessoa Jurídica, a qual aborda o quadro de pessoas jurídicas em diversos países, como, por exemplo, Alemanha, Itália, Portugal e outros sistemas. O autor parte da concepção de pessoa jurídica como realidade pré-normativa, ou seja, entende que o legislador criou a pessoa jurídica das realidades existentes no plano fático. Com isso, demonstra que, na apreciação do tema da desconsideração da personalidade, não é viável a adoção de uma visão unitarista, isto é, as diferentes espécies de pessoa jurídica devem ser consideradas, merecendo atenção especial às sociedades unipessoais e aos grupos de sociedades, frequentes nas hipóteses de superação da personalidade.52 Após a introdução da teoria da desconsideração da personalidade jurídica por Rubens Requião e a contribuição de José Lamartine Correa de Oliveira com a sua obra sobre a dupla crise da pessoa jurídica, a desconsideração da personalidade jurídica passou a ser objeto de discussões de vários doutrinadores, juízes e tribunais, que contribuíram para o desenvolvimento e o aprofundamento da teoria no Brasil.53 Em termos legislativos, as primeiras referências expressas à desconsideração da personalidade jurídica surgiram no Código de Defesa do Consumidor (art. 28, caput 49CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. A Função Cautelar do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica na Fase de Conhecimento. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018. p. 63. Disponível em <https://tede2.pucsp.br/handle/handle/21004>. Acesso em 02/09/2018. 50Ibidem. p. 63. 51REQUIÃO, Rubens. Op. cit. p. 12. 52RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 64-65. 53Ibidem, p. 64-65. 22 e §5º, da Lei 8.078/90), na Lei Antitruste (art. 18 da Lei 8.884/94), na Lei do Meio Ambiente (art. 4º da Lei 9.605/98) e no Código Civil (art. 50 da Lei 10.406/02). Portanto, conforme será analisando no presente trabalho, os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica devem ser estabelecidos pelo Direito Material, cabendo ao Direito processual somente regular o procedimento necessário para que se possa verificar se é ou não caso de aplicar a desconsideração da personalidade jurídica.54 2.3 APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA A desconsideração da personalidade jurídica, conforme visto acima, advém da sistematização de casos jurisprudenciais, sendo desenvolvida, posteriormente, pela doutrina. No Brasil, a evolução na doutrina refletiu especialmente no Código de Defesa do Consumidor e, posteriormente, no atual Código Civil. Ocorre que, antes de ser introduzida nas legislações específicas de direito material, a desconsideração da personalidade jurídica já se inseria em um contexto de ser um instrumento aplicável somente em casos excepcionais. Com o passar dos anos, observou-se que a aplicação da teoria, além de ser medida excepcional, deve preencher alguns requisitos que se dividem, basicamente, em duas teorias conhecidas, conceituadas por Fábio Ulhoa Coelho como a Teoria Menor e a Teoria Maior.55 A teoria menor começou a se delinear com o Código de Defesa do Consumidor com a previsão do §5º do art. 2856.57 Conforme estabelece esse dispositivo legal, “o 54CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 94-95. 55BRUSCHI, Gilberto Gomes. Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015. 1. ed. – São Paulo: RT, 2016. ISBN 978-85-203-6066-8. 56Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. 57CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. Op. cit.. p. 57. Disponível em <https://tede2.pucsp.br/handle/handle/21004>. Acesso em 02/09/2018. 23 simples fato de o consumidor não receber o seu crédito da pessoa jurídica já autorizaria a invasão do patrimônio de seus integrantes.”58 Para aplicação da teoria menor, bastaria a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, como explica Fábio Ulhoa Coelho: De acordo com a teoria menor da desconsideração, se a sociedade não possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isso basta para responsabilizá-lo por obrigações daquela. A formulação menor não se preocupa em distinguir a utilização fraudulenta da regular do instituto, nem indaga se houve ou não abuso de forma. 59 O jurista, contudo, faz ressalvas quanto à redação do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, pois, segundo o autor, “tais são os desacertos do dispositivo em questão que pouca correspondência se pode identificar entre ele e a elaboração doutrinária da teoria.”60 Fábio Ulhoa Coelho afirma que, entre os requisitos previstos na legislação em benefício dos consumidores, encontram-se, por exemplo, hipóteses caracterizadoras de responsabilização de administrador que não pressupõem nenhum superamento da forma da pessoa jurídica. Nesta senda, a discrepância entre o texto da lei e a doutrina não traria benefício à tutela dos consumidores, somente incertezas e equívocos.61 André Pagani de Souza, ao falar sobre a teoria menor, alude que ela é “resultado da decretação afobada da desconsideração da personalidade jurídica”, visto que não há qualquer questionamento acerca da ocorrência de abuso de direito, fraude ou confusão patrimonial. Segundo o autor, a teoria menor, em verdade, objetiva proteger o hipossuficiente (no caso do consumidor), e colocar situações consideradas de maior relevância (ambiental e ordem econômica) acima da autonomia da pessoa jurídica.62 Em decorrência disto, a teoria recebeu o adjetivo de ‘menor’: pela ausência 58SOUZA, André Pagani de. Op. cit. P. 71. 59COELHO, Fábio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 65/2014. Jul – Set/2014. p. 21-30. 60COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 49-50. 61Ibidem. p. 49-50. 62CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. Op. cit. p. 59. 24 de fundamentos teóricos e doutrinários elaborados para a aplicação dessa teoria no caso concreto.63 Já a teoria maior, conforme dito acima, é adotada como regra geral no sistema jurídico brasileiro, sendo recepcionada e consagrada na redação do artigo 50 do atual Código Civil64. Mesmo que este dispositivo seja o que mais se alinha à elaboração doutrinária da disregard doctrine, o caput do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor65 também consagra, embora com algumas imprecisões técnicas, a adoção da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, consoante afirmam Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Marina Silva Fonseca.66 Essa teoria leva em consideração, além da prova da insolvência, ou a demonstração do desvio de finalidade, ou a demonstração de confusão patrimonial. Ou seja, não pode ser aplicada com a mera demonstraçãode estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. 67 Alinhado a esse raciocínio, Fábio Ulhoa Coelho explica: A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica não é uma teoria contrária à personalização das sociedades empresárias e à sua autonomia em relação aos sócios. Ao contrário, seu objetivo é preservar o instituto, coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dele se utilizam. 68 Como explica Antônio Pereira Gaio Júnior, a teoria maior fulcra-se na ideia de que o juiz tem autorização para estabelecer o afastamento temporário da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, com vistas à coibir fraudes e abusos praticados sob o 63SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 71. 64Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 65Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. 66DE PINHO, Humberto Dalla Bernardina; FONSECA, Marina Silva. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica do Novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JR, Fredie. Coord. Novo CPC doutrina selecionada. v. 1: parte geral. - Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1141. 67BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP. Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/12/2003, DJe 29/03/2004. 68COELHO, Fábio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 65/2014. Jul – Set/2014. p. 21-30. 25 manto dela.69 Com efeito, a formulação da teoria maior da desconsideração se desdobra em subjetiva e objetiva. De acordo com a subjetiva, os elementos autorizadores da aplicação da teoria ao caso concreto são o abuso de direito e a fraude. Para a objetiva é a demonstração da confusão patrimonial.70 Insta pontuar, nessa linha, que o atual Código Civil trouxe um dispositivo em maior sintonia com a evolução doutrinária e jurisprudencial no que tange à desconsideração da personalidade jurídica. Isso porque, quando faz referência ao abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial como pressuposto da desconsideração, o diploma legal deixa clara a ideia que se pretende coibir o mau uso da pessoa jurídica com a aplicação da disregard doctrine.71 Ademais, em termos jurisprudenciais, o Superior Tribunal de Justiça já abordou as questões pertinentes à teoria menor da desconsideração, porém deixando de aplicá-la, tendo em vista que a regra geral adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro é a teoria maior, conforme ementa abaixo transcrita: Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5o. - Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. - A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). - A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica 69GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. In: DIDIER JR, Fredie. Coord. Novo CPC doutrina selecionada. v. 1: parte geral. - Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1132. 70COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2. - São Paulo: Saraiva, 2006. p. 44. 71SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 102. 26 para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. - Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. - A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5o do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. - Recursos especiais não conhecidos.72 Visto isso, passaremos a analisar os pressupostos para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, em especial aqueles que guardam relação com a regra geral adotada pelo direito brasileiro, estabelecidos pelo Código Civil. 2.4 REQUISITOS A teoria da desconsideração da personalidade jurídica somente deve ser aplicada nas hipóteses em que a autonomia da pessoa jurídica se apresenta como um obstáculo para a composição dos diversos interesses envolvidos no caso concreto. Isto é, se a autonomia da pessoa jurídica não impede a responsabilização do sócio, do acionista ou do administrador, não haverá qualquer desconsideração da personalidade jurídica, pois inexistirá obstáculo para a identificação dos responsáveis pela conduta ilícita.73 A regra geral adotada em nosso ordenamento é aquela prevista no art. 50 do Código Civil de 2002, que recepcionou e consagrou a teoria maior da desconsideração, tanto na sua vertente objetiva quanto na subjetiva. Assim, utilizando-se da teoria maior, abordaremos os requisitos previstos pelo Código Civil, quais sejam, o (i) abuso de direito, a (ii) fraude, e a (iii) confusão patrimonial. 72BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP, Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/12/2003, DJ 29/03/2004. 73Ibidem. p. 77. 27 2.4.1 Abuso de direito O abuso de direito e a fraude são os casos mais tratados acerca da aplicação da teoria da desconsideração, pois, segundo Pedro Henrique Torres Bianchi, essas foram as hipóteses que os tribunais mais se dedicaram a decidir e que as legislações mais se preocuparamem positivar.74 Com o advento do Código Civil de 2002, o abuso de direito foi qualificado na conceituação genérica do ato ilícito, o qual está consagrado no artigo 187.75 Caio Mário da Silva Pereira explica que essa previsão atende à necessidade de conter o sujeito da relação jurídica nos lindes morais de seu exercício.76 O autor refere que a figura do abuso de direito encontra fundamento na regra da relatividade dos direitos, admitindo que se o titular excede o limite do exercício regular de seu direito, age sem direito. Assim, estabelece que é de se reprimir o exercício do direito, quando há intenção de causar mal a outrem.77 Ao tratar do conceito de abuso de direito, Pedro Henrique Torres Bianchi explica a diferença entre ato ilícito e ato abusivo: O ato ilícito viola de forma frontal a lei e pressupõe a inexistência de direito do agente. Já o ato abusivo significa que, apesar de o condutor ter o direito subjetivo, ele pratica algum ato anormal na sua conduta e, portanto, um desvio de finalidade. Pois, ‘a irregularidade do ato abusivo está no exercício do direito ou da situação subjetiva. Ademais, reveste-se o ato abusivo da chamada aparência de legalidade, que não está no ato ilícito’. 78 O ato abusivo, portanto, é o mau uso do direito, é um ato legal, porém contrário ao fim do instituto da pessoa jurídica, ou seja, é o ato constituído no exercício irregular de um direito causando danos a outrem. 79 74BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 57. 75Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 76PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 537. 77Ibidem. p. 535-536. 78Ibidem. p. 535-536. 79SILVA, Alexandre Couto. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 82. 28 2.4.2 Fraude Embora a fraude não conste expressamente no texto do art. 50 do Código Civil, a jurisprudência mostra-se favorável quanto à possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa, se comprovada a ocorrência de fraude. David Massara Joanes assevera que não há uma explicação correta que justifique a não inserção da fraude, pelo legislador pátrio, na redação do art. 50 do Código Civil.80 De qualquer forma, há três aspectos que podem ter influenciado a não inserção da fraude no texto legal, segundo observa o autor: Com efeito, talvez o legislador tenha propositadamente deixado a fraude fora da redação do dispositivo legal em comento, por considerar que as diferenças conceituais existentes entre os diferentes ordenamentos jurídicos não permitia a simples importação do vocábulo; ou por entender que a fraude perpetrada com uso da personalidade jurídica pode ser caracterizada como abuso de direito; ou, ainda, por considerar que nosso sistema jurídico já possui os remédios legais adequados para solucionar os casos de fraude. 81 Enquanto no abuso de direito ocorre uma conduta de ir além do próprio direito subjetivo e atinge a esfera de outrem, na fraude a conduta, aparentemente lícita, resulta em uma violação ao espírito da lei, à sua vontade ou à vontade das partes expressa em um contrato. Ambas as figuras, abuso de direito e fraude à lei ou ao contrato, na visão de Otávio Joaquim Rodrigues Filho, desaguam no desvio de finalidade da pessoa jurídica.82 Neste sentido, Pedro Henrique Torres Bianchi aponta que a fraude é o requisito mais presente na aplicação da teoria da desconsideração para fins de responsabilidade e grande parte da doutrina e jurisprudência desenvolveu a teoria pensando em um meio de combater esse elemento.83 Com efeito, o autor explica que a fraude pode ocorrer de duas formas: A primeira é a fraude à lei, que ocorre ‘com a utilização de uma pessoa jurídica sempre que os destinatários de determinada forma jurídica se ocultassem por trás da pessoa jurídica já existente ou criada para tal 80JOANES, David Massara. Aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica ao inverso. Dissertação de Mestrado. - Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2010. p. 42. 81Ibidem. p. 42. 82RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 90. 83BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 57. 29 finalidade específica, subtraindo-se assim à incidência da norma’, como afirma Lamartine. Também há a fraude a disposições contratuais, que se dá quando o sócio visa utilizar a pessoa jurídica para driblar determinada vedação a algum contrato.84 Em que pese a fraude - em todas as suas modalidades – possa justificar o emprego de outras técnicas sancionatórias, dependendo do caso concreto também constitui fundamento para o afastamento da autonomia subjetiva da pessoa jurídica.85 Ao fim e ao cabo, o importante é a existência do requisito subjetivo da intenção de prejudicar terceiros com a fraude, circunstância em que a personalidade da pessoa jurídica será utilizada para fim diverso daquele para a qual foi concebida. 2.4.3 Confusão patrimonial Como observamos nos tópicos anteriores, as sociedades têm personalidade jurídica própria, isto é, em regra, respondem pelas obrigações com seu próprio patrimônio, e não com o dos seus sócios.86 Há, contudo, exceções a essa regra. Interessa ao tema deste trabalho aquela que diz respeito às sociedades que são regularmente constituídas, mas a personalidade jurídica e o patrimônio autônomo são utilizados, de forma abusiva ou fraudulenta, pelos seus sócios para satisfazer interesses próprios ou para obter vantagens particulares. Assim, ao se beneficiarem à custa de terceiros, justifica-se a utilização de uma das hipóteses de desconsideração da pessoa jurídica para responsabilizar pessoalmente o sócio que obteve o benefício indevido.87 Assim como a fraude e o abuso de direito, o abuso da personalidade jurídica também é caracterizado pela confusão patrimonial, hipótese positivada pelo art. 50 do Código Civil. A confusão patrimonial ocorre quando não é possível distinguir se determinado bem é do sócio ou da pessoa jurídica.88 Em outras palavras, conforme afirmado pelo Superior Tribunal de Justiça no acórdão relatado pela Ministra Nancy Andrighi, “a confusão patrimonial caracteriza-se pela inexistência, no campo dos fatos, de 84BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 57-58. 85RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 91. 86DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil: execução. v. 5. Salvador: Jus Podivm, 2017, p. 358. 87Ibidem. p. 359. 88BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 55. 30 separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e de seus sócios, ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas.” 89 Segundo André Pagani de Souza, a personalidade jurídica deve ser desconsiderada se for detectada a confusão patrimonial entre sociedade e sócios, independentemente da existência de abuso de direito ou fraude (elementos subjetivos). Por isso, diferentemente da fraude e do abuso de direito, a confusão patrimonial é considerada um critério objetivo.90 Para Fábio Ulhoa Coelho, a confusão patrimonial deve auxiliar na facilitação da prova pela parte que pretende utilizar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Como refere o jurista, deve-se presumir a fraude na manipulação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica se demonstrada a confusão entre o patrimônio dela e de um ou mais de seus integrantes, mas não se deve deixar de desconsiderara personalidade jurídica da sociedade, somente porque o demandado demonstrou ser inexistente qualquer tipo de confusão patrimonial, se caracterizada, por outro modo, a fraude.91 Assim, de modo a exemplificar as situações que caracterizam a confusão patrimonial, explica o autor: Se, a partir da escrituração contábil, ou da movimentação de contas de depósito bancário, percebe-se que a sociedade paga dívidas do sócio, ou este recebe créditos dela, ou o inverso, então não há suficiente distinção, no plano patrimonial, entre as pessoas. Outro indicativo eloquente de confusão, a ensejar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, é a existência de bens de sócio registrados em nome da sociedade, e vice-versa.92 2.5 DESCONSIDERAÇÃO INVERSA Questão também relevante é a possibilidade de aplicação da desconsideração personalidade jurídica em sua forma inversa. A desconsideração da personalidade jurídica na sua forma tradicional, conforme analisado acima, é um mecanismo criado para coibir a utilização indevida da sociedade por seus sócios, com a extensão da responsabilidade patrimonial aos bens pessoais dos responsáveis. 89BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP. Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/12/2003, DJe 29/03/2004. 90SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 93. 91COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 42. 92Ibidem. p. 43-44. 31 Por sua vez, na chamada desconsideração inversa, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade jurídica na sua forma tradicional, há a suspensão temporária da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, para buscar bens do patrimônio da pessoa jurídica em razão de dívidas pessoais contraídas pelo sócio.93 Fábio Ulhoa Coelho didaticamente explica a aplicação da teoria da desconsideração na sua forma inversa: A fraude que a desconsideração invertida coíbe é, basicamente, o desvio de bens. O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle. Desse modo, continua a usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade, mas de pessoa jurídica controlada. Os seus credores, em princípio, não podem responsabilizá-lo executando tais bens. É certo que, em se tratando a pessoa jurídica de uma sociedade, ao sócio é atribuída a participação societária, isto é, quotas ou ações representativas de parcelas do capital social. Essas são, em regra, penhoráveis para a garantia do cumprimento das obrigações do seu titular. Quando, porém, a pessoa jurídica reveste forma associativa ou fundacional, ao seu integrante ou instituidor não é atribuído nenhum bem correspondente à respectiva participação na constituição do novo sujeito de direito. Quer dizer, o sócio da associação ou o instituidor da fundação, desde que mantenham controle total sobre os seus órgãos administrativos, podem concretizar com maior eficácia a fraude do desvio de bens. 94 Marlon Tomazette adverte que é possível que o sócio use uma pessoa jurídica para esconder o seu patrimônio pessoal dos credores, transferindo-o por inteiro à pessoa jurídica e evitando, assim, o acesso dos credores a seus bens.95 O autor critica a utilização da desconsideração inversa para esse fim, pois, no seu entendimento, “qualquer que seja a sociedade, o sócio terá quotas ou ações em seu nome, que integram seu patrimônio e, por isso, são passíveis de penhora para pagamento das obrigações pessoais do sócio”.96 O jurista complementa dizendo: “se a desconsideração não quer extinguir a pessoa jurídica, mas sim protegê-la de abusos por parte dos sócios, não é razoável 93DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. – Salvador: Jus Podivm, 2017. p. 584. 94COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 73. 95TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário. v.1. 8ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 290 96Ibidem. p. 290. 32 admitir a desconsideração inversa, com ônus para a sociedade, sendo possível satisfazer os credores dos sócios sem esses ônus.”97 O Superior Tribunal de Justiça, por sinal, reconhece a possibilidade de aplicação da desconsideração inversa, com fundamento em uma interpretação finalística do art. 50 do Código Civil, ainda que o CPC/73 não regulamentasse essa figura, conforme trechos do acórdão relatado pela Ministra Nancy Andrighi: Conquanto a consequência de sua aplicação seja inversa, sua razão de ser é a mesma da desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita: combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. Em sua forma inversa, mostra-se como um instrumento hábil para combater a prática de transferência de bens para a pessoa jurídica sobre o qual o devedor detém controle, evitando com isso a excussão de seu patrimônio pessoal. [...] Ademais, ainda que não se considere o teor do art. 50 do CC/02 sob a ótica de uma interpretação teleológica, entendo que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica em sua modalidade inversa encontra justificativa nos princípios éticos e jurídicos intrínsecos a própria disregard doctrine, que vedam o abuso de direito e a fraude contra credores.98 Após o advento do Código de Processo Civil de 2015, essa modalidade de desconsideração foi inserida da redação do art. 133, §2º99, suprindo a lacuna deixada pelo legislador. Ao reconhecer a existência da desconsideração da personalidade jurídica na sua forma inversa, também reafirmou a posição já adotada na doutrina e na jurisprudência quanto à possibilidade de aplicação dessa modalidade para atingir o patrimônio da sociedade, para responsabilizar patrimonialmente os sócios por dívidas pessoais destes.100 Portanto, a partir do estudo de alguns aspectos materiais da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, passaremos à análise da desconsideração da personalidade jurídica sob a ótica 97TOMAZETTE, Marlon. Op. cit. p. 290. 98BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 948.117/MS. Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2010, DJe 03/08/2010. 99Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. § 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica. 100THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. vol. 1. 56. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 523. 33 3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SOB A ÓTICA PROCESSUAL Amplas discussões e apuro técnico focados na teoria da desconsideração ensejaram premissas bastante sólidas quanto aos requisitos estabelecidos por cada ramo do direito material para superar episodicamente a personalidade jurídica da pessoa jurídica. Por outro lado, verifica-se que os estudos relacionados com o direito processual para buscar alcançar a desconsideração da personalidade jurídica não resultaram em um posicionamento solidificado. tendo em vista a existência de diversos entendimentos.101 Neste capítulo, a desconsideração da personalidade jurídica será analisada sob a ótica processual, com o estudo da aplicação do instituto na vigência do Código de Processo Civil de 1973 até a sua expressa previsão com as normas processuais instituídas pelo Códigode Processo Civil de 2015. Tal análise comparativa se faz necessária para elucidar a importância de ter sido criada uma ferramenta processual única para aplicação do instituto da desconsideração. 3.1 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ANTES DA LEI 13.105/2015 Antes de abordar o tema da desconsideração com a entrada em vigor do CPC/15, é pertinente que sejam expostos, mesmo que em apertadas linhas, os principais entendimentos, tanto da doutrina como da jurisprudência, relacionados com a aplicação da disregard doctrine antes da Lei 13.105/2015. Em primeiro lugar, uma das dificuldades enfrentadas na aplicação prática da teoria da desconsideração anteriormente ao CPC/15, é de que havia, na doutrina e na jurisprudência, de forma indesejável, entendimentos e critérios distintos quanto ao procedimento a ser adotado, o que ensejava em muitos casos o desrespeito às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa ao sócio ou à pessoa 101VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no Novo CPC: natureza, procedimentos e temas polêmicos. – Salvador: Juspodivm, 2016. p. 46. 34 jurídica que poderá ter seu patrimônio atingido mediante decisão que supera transitoriamente a personalidade jurídica da pessoa jurídica.102 Fábio Ulhoa Coelho, por exemplo, opinava pela necessidade de uma ação autônoma para se verificarem os requisitos da desconsideração. Para o jurista, em razão da necessidade de dilação probatória, torna-se imperiosa o ajuizamento de uma ação autônoma, em que o credor deveria demonstrar a existência dos pressupostos para a desconsideração. Sendo assim, o magistrado não poderia decidir a desconsideração mediante mero despacho em processo de execução.103 Diferentemente, Pedro Henrique Torres Bianchi entende pelo reconhecimento da desconsideração nos próprios autos de forma incidental, pois, segundo o autor, mesmo no curso de uma execução se percebe a existência de contraditório, por exemplo, com o instituto da objeção de não executividade.104 Importante referir que, assim como Fábio Ulhoa Coelho, aqueles que defendiam a necessidade de uma ação autônoma tinham como principal fundamento o fato de que somente um processo autônomo seria adequado para preservar as garantias constitucionais do processo e, concomitantemente, formar o título executivo relacionado com quem se pretendia atingir com a desconsideração da personalidade jurídica da parte devedora.105 Os que entendiam pela possibilidade de a desconsideração da personalidade jurídica ser incidentalmente, isto é, sem a criação de uma ação autônoma ou incidente para haver contraditório efetivo entre as partes, sustentavam a possibilidade de o pedido ser formulado mediante simples petição, podendo o juiz decidir sem a manifestação da parte contrária.106 Quando o processo estava em andamento e surgiam indícios de abuso da personalidade, não havia um único critério. Isto é, dependendo do processo, utiliza- se de dois lados extremos: (i) após simples petição do credor, aplicava-se diretamente a desconsideração, postergando-se o contraditório para eventuais embargos de devedor, exceção de pré-executividade, impugnação à execução ou recurso do 102VIEIRA, Christian Garcia. Op. cit. p. 50. 103COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 77. 104BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 119-121. 105RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 178. 106BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da Desconsideração da Personalidade Jurídica, 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2009. p. 100. 35 terceiro afetado pela desconsideração; ou (ii) negava-se a desconsideração, cabendo à parte interessada ajuizar uma ação autônoma específica para esse fim.107 Conforme observa Eduardo Talamini, nenhuma dessas soluções são adequadas, porque a primeira viola as garantias do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e acesso à justiça e a segunda tende a inviabilizar o sucesso prático da desconsideração.108 Pela inexistência de um procedimento específico para atingir a superação da personalidade jurídica sob a égide do CPC/73, utilizava-se a teoria da desconsideração indevidamente, geralmente por credores que, ao perceberem a inexistência de ativos de titularidade da pessoa jurídica, utilizavam o instituto da desconsideração para atingir o patrimônio dos sócios ou dos administradores, sem comprovar a existência dos requisitos previstos na legislação específica aplicável ao caso. Em termos jurisprudenciais, não havia entendimento pacificado no que se refere ao procedimento para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Para ilustrar esse antagonismo, citamos abaixo dois julgados do STJ, da Quarta Turma, em que é possível verificar uma nítida divergência de entendimento. No julgamento do Recurso Especial n.º 476.452/GO, o STJ firmou entendimento de que era possível “haver a desconsideração da personalidade jurídica independente de ação autônoma para tanto.” Além disso, a citação prévia do sócio ou da pessoa jurídica era considerada prescindível.109 De modo diverso, no julgamento do Recurso Especial n.º 991.218/MS, entendeu-se que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica por presunção, sem contraditório, sem ampla defesa e sem motivação concreta caracterizaria violação ao Princípio do Devido Processo Legal. Nada obstante, o relator fundamentou o seu voto no sentido de que “a celeridade processual não pode ser alcançada com o sacrifício dos consectários inerentes ao processo justo”.110 107TALAMINI, Eduardo. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Disponível em <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234997,11049- Incidente+de+desconsideracao+de+personalidade+juridica> Acesso em 16/08/2018. 108Ibidem. 109 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 476.452/GO. Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 05/12/2013. DJe: 11/02/2014. 110 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 991.218/MS. Quarta Turma. Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo. Julgado em 16/04/2015. DJe: 13/08/2015. 36 Por isso, o uso indiscriminado da teoria da desconsideração ensejou a busca por um mecanismo que restringisse a aplicação incorreta do instituto, estabelecendo limites para utilização da desconsideração da personalidade jurídica no processo, mediante critérios simplificados e objetivos, agora positivados na legislação processual civil. Em síntese, essas são algumas das “razões de ser” do atual incidente de desconsideração da personalidade jurídica, estabelecido no Código de Processo Civil de 2015, que trouxe alguns avanços relevantes quanto ao meio processual para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Assim, nos próximos tópicos serão analisadas as principais características do Incidente de Desconsideração estabelecidas pela Lei n. 13.105/2015. 3.2 O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Conforme verificado acima, um dos problemas enfrentados sob a égide do CPC/73 era a ausência de um critério único para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no curso do processo. Suprindo a lacuna deixada pelo diploma processual anterior, o Código de Processo Civil de 2015 incumbiu-se e cuidou da matéria, traçando um mecanismo processual a ser adotado com a criação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no rol das modalidades de intervenção de terceiros.111 A inclusão do incidente
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