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Tribunal Regional Federal da 2ª Região 2ª Edição - Ampliada Fevereiro de 2007 Cadernos Temáticos PROPRIEDADE INDUSTRIAL Encarte da Revista da EMARF Publicação de Monografias apresentadas no Curso de Extensão em Propriedade Industrial em Convênio com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Esta revista não pode ser reproduzida total ou parcialmente sem autorização Revista da Escola da Magistratura Regional Federal / Escola da Magistratura Regional Federal, Tribunal Regional Federal : 2ª Região. Cadernos Temáticos - Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: EMARF - TRF 2ª Região / RJ 2007 - Fevereiro 2007 Irregular. ISSN 1518-918X 1. Direito - Periódicos. I. Escola da Magistratura Regional Federal. CDD: 340.05 3 Diretoria da EMARF Diretor-Geral Desembargador Federal Benedito Gonçalves Diretor da Revista Desembargador Federal André Fontes Diretor de Estágio Desembargador Federal Raldênio Bonifácio Costa Diretor de Relações Públicas Desembargador Federal Clélio Erthal Diretor de Pesquisa Desembargador Federal Sergio Feltrin Corrêa EQUIPE DA EMARF Regina Elizabeth Tavares Marçal - Assessora Executiva Carlos José dos Santos Delgado Edith Alinda Balderrama Pinto Fay de Mello Mattos Filho Jackson de Castro Skury Leila Andrade de Souza Maria de Fátima Esteves Bandeira de Mello Reinaldo Teixeira de Medeiros Júnior 4 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO Presidente: Desembargador Federal FREDERICO GUEIROS Vice-Presidente: Desembargador Federal J. E. CARREIRA ALVIM Corregedor-Geral: Desembargador Federal CASTRO AGUIAR Membros: Desembargador Federal PAULO FREITAS BARATA Desembargadora Federal JULIETA LÍDIA LUNZ Desembargadora Federal TANIA HEINE Desembargador Federal ALBERTO NOGUEIRA Desembargador Federal PAULO ESPIRITO SANTO Desembargadora Federal MARIA HELENA CISNE Desembargadora Federal VERA LÚCIA LIMA Desembargador Federal ROGÉRIO CARVALHO Desembargador Federal ANTÔNIO CRUZ NETTO Desembargador Federal RICARDO REGUEIRA Desembargador Federal FERNANDO MARQUES Desembargador Federal RALDÊNIO BONIFÁCIO COSTA Desembargador Federal SERGIO FELTRIN CORRÊA Desembargador Federal FRANCISCO PIZZOLANTE Desembargador Federal BENEDITO GONÇALVES Desembargador Federal IVAN ATHIÉ Desembargador Federal SÉRGIO SCHWAITZER Desembargador Federal POUL ERIK DYRLUND Desembargador Federal ANDRÉ FONTES Desembargador Federal REIS FRIEDE Desembargador Federal ABEL GOMES Desembargador Federal LUIZ ANTÔNIO SOARES Desembargador Federal MESSOD AZULAY NETO Desembargadora Federal LILIANE RORIZ Juiz Federal Convocado GUILHERME CALMON Juiz Federal Convocado JOSÉ ANTONIO NEIVA Juiz Federal Convocado LUIZ PAULO ARAÚJO FILHO 5 SumárioSumárioSumárioSumárioSumário CONSTITUIÇÃO, DIREITO CIVIL, NOME DE EMPRESA E MARCA Antônio Carlos Esteves Torres .......................................................... 7 IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO DE MARCA OBTIDO DE MÁ-FÉ Liliane do Espírito Santo Roriz de Almeida ....................................... 37 O CONFLITO ENTRE MARCAS E NOMES DE DOMÍNIO Theophilo Antonio Miguel Filho ..................................................... 57 PATENTES DE MEDICAMENTOS: QUESTÕES ATUAIS Maria Alice Paim Lyard .................................................................. 73 A RETRIBUIÇÃO ECONÔMICA DEVIDA AOS EMPREGADOS PELA EXPLORAÇÃO DE INVENÇÃO MISTA Júlio Emílio Abranches Mansur ..................................................... 113 MARCA NOTORIAMENTE CONHECIDA: ESPECTRO DE PROTEÇÃO LEGAL Maria de Lourdes Coutinho Tavares .............................................. 147 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PERDA DA DISTINTIVIDADE DAS MARCAS REGISTRADAS Hudson Targino Gurgel .............................................................. 193 INTRODUÇÃO ÀS MARCAS José Carlos Zebulum ................................................................. 215 PATENTES FARMACÊUTICAS E CONTROLE DE MERCADOS Caroline Medeiros e Silva ............................................................ 249 DA COMPETÊNCIA NAS AÇÕES REFERENTES À PROPRIEDADE INDUSTRIAL Dario Ribeiro Machado Junior ....................................................... 373 CONSTITUIÇÃO, DIREITO CIVIL, NOME DE EMPRESA E MARCA ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES 9 CONSTITUIÇÃO, DIREITO CIVIL, NOME DE EMPRESA E MARCA INTRODUÇÃO A conjunção de temas constitucionais, de direito civil e direito comercial, pode parecer, numa primeira análise, esdrúxula tentativa de conjugar lápis e ovo. Estabelecer o liame entre os dados componentes da intitulação será o resultado final deste trabalho, propugnando-se pela tese de que nome de empresa e marca, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, se aproximaram significativamente através do caminho comum da proteção, agora mais nítida no seio legislativo e, portanto, mais viável no trabalho dos profissionais do direito. Muitos obstáculos se apresentaram na senda definidora das conseqüências do significado de nome comercial, título de estabelecimento e marca, designativo de produto. Os dois institutos estiveram afastados quase como sol e lua durante diversas etapas da história do direito. Em parte, este divórcio consensual se deveria aos critérios separatistas absolutos que enfrentavam o direito civil e o direito comercial, muito embora, como os grandes autores já definiram: ... diria que esta exigência de sistema de lógica coerência e portanto — vamos repetir — de ciência, se faz sentir sempre mais viva nos tempos modernos, no qual o Código Civil não é mais um depósito de regras escritas apenas para definir a relação daquela categoria de cidadãos que vive de seu patrimônio; hoje o Código é a carta da vida de todos os concidadãos, muitos dos quais vivem dia-a-dia; e isto vai dito não só para o direito das pessoas e da família mas até para as relações econômicas... 1 O autor mencionado, quase antecipando o que adotaram, a título de filosofia, os articuladores do Código Civil de 2002, é enfático: O reclamo ao espírito do Direito moderno nos servirá para acentuar o significado e o valor sempre maior que em qualquer 1 TRABUCCHI, Alberto, Istituzioni di Diritto Civile. Istituzioni di Diritto Civile. Istituzioni di Diritto Civile. Istituzioni di Diritto Civile. Istituzioni di Diritto Civile. Itália: La Carangola, 32 ed., 1991, p 33. 10 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 ramo do direito privado deva ser reconhecido, de um lado, aos princípios éticos, de boa-fé e de retidão, de outro, as exigências da certeza e da confiança que juntas formam a coluna do inteiro sistema, dominando a interpretação e aplicação do ius in civitate positum. P. XI e XII – Istituzioni di diritto civile. 2 Um velho sonho dos cientistas jurídicos sempre foi a união do direito comercial com o direito civil. De certa forma, mesmo com ceticismo de alguns inspirados juristas nacionais, o fato é que a comunidade jurídica hoje considera, ao menos, que o direito das obrigações está morando sob um mesmo teto. O Código Civil de 2002 afastou a parcela inicial do Código Comercial integrando-a no tecido de suas disposições. Animado por este fato novo, somado ao cânone constitucional do artigo 5º, inciso XXIX, em conjunção com o artigo 125, inciso IV, da Lei 9.279/ 96, e 52 do Código Civil, que casam os dois institutos, nome de empresa e marca, penso que chegou a hora de eliminar dissensões que se fazem para privilegiar a roupagem digna da marca em desfavor da denominação de empresa. Para o desenvolvimento do trabalho, é necessário transitar pelo conceito de nome comercial, hoje, nome de empresa, e do de marca. Com efeito, a singeleza unificadora dos dois institutos,num ramo dos designativos em geral, nome de empresa a distinguir estabelecimentos ou pessoas jurídicas, e marca a especificar produtos, não é suficiente para dirimir as questões que se originam do confronto entre eles. O paradoxo pantográfico, que ora equipara e ora separa, teve, ao longo de todo o transcorrer do século passado, papel de destaque a fomentar as discussões acirradas acerca da prevalência de um ou de outro. A incidência do conflito entre os dois sistemas redundou em divergências de opiniões, que, hoje, com estes aspectos legislativos e doutrinários, correspondentes à equiparação axiológica da Lei Maior e à unificação obrigacional, estão, indubitavelmente, diluídas. Em síntese, a tarefa é confirmar esta conclusão, ressaltando-se, por oportuno, que o texto é apresentado como esboço de dissertação a ser submetida em término de curso de mestrado na Universidade Estácio de Sá. 2 TRABUCCHI, A. Op. cit., p 34. 11 ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES CAPÍTULO 1 – ASPECTOS LEGAIS 1.1. A CONSTITUIÇÃO A Constituição tem, em virtude de seus múltiplos significados, seja no âmbito político, seja no âmbito social, papel único na organização de um país. Mesmo os sistemas que não se apóiam diretamente na materialização de um texto constitutivo, cujo exemplo didático mais notório é o da Inglaterra, acabam por se referir a um conjunto principiológico organizador, com as facetas que lhe são peculiares. As constituições, de forma ampla, ora exponenciam o desempenho político das suas finalidades, ora se entregam ao exercício substitutivo dos paradigmas do ordenamento civil. A doutrina supranacional tem citado a Constituição de Weimar, do início do século passado, como a inauguradora desta amplitude sociológica na organização de um país. Com a Constituição de Weimar, de 1919, inaugura-se, na Europa, a idade das constituições interventivas em matéria social. Para além da parte orgânica, de estruturação do poder político, esse diploma incorpora, na verdade, uma extensa regulamentação, ao longo de nada menos do que cinqüenta e sete artigos, de uma pluralidade de matérias, algumas das quais atinentes às relações jurídico-privadas. E basta atentarmos nas cinco epígrafes sob que se agrupam essas normas para nos capacitarmos da profundidade desta intervenção reguladora.3 Os doutrinadores, em geral, já vinham esboçando as funções sociais em textos de Constituição, fundamentando a tese no que se denomina o imobilismo dos Códigos: Esta noção se cristaliza na fórmula da função social que foi incluída nos textos constitucionais. Devido ao imobilismo dos códigos, a concepção social de propriedade é adotada pelo legislador constitucional em diversos países.4 Para evitar repetições cansativas, sob o risco de se considerar arrogante tentativa de demonstração erudita, vale reeditar a lição de Carvalho de Mendonça, cujo gênio antecipa a proposta de união do 3 Constitucionalização do Direito CivilConstitucionalização do Direito CivilConstitucionalização do Direito CivilConstitucionalização do Direito CivilConstitucionalização do Direito Civil, escritos, BFD 74, 1998, p. 729-735. 4 ANDRADE, Fábio Siebeneicheler de, Da Codificação: Crônica de um conceito.Da Codificação: Crônica de um conceito.Da Codificação: Crônica de um conceito.Da Codificação: Crônica de um conceito.Da Codificação: Crônica de um conceito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p.121. 12 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 direito privado que hoje, de certa forma, está em vigência, na parcela obrigacional. Vejamos a seqüência dos fatos doutrinários, nesta oportuna exposição: O direito comercial vem a ser, destarte, a disciplina jurídica reguladora dos atos de comércio e, ao mesmo tempo, dos direitos e obrigações das pessoas que os exercem profissionalmente e dos seus auxiliares. ......................................................................... A definição salienta, para tanto ela serve, que o direito comercial brasileiro se filia ao sistema misto, subjetivo e objetivo ao mesmo tempo. Ele regula, os atos de comércio praticados por profissionais ou não-profissionais, contém, igualmente, a disciplina específica dos comerciantes e dos seus auxiliares, isto é, as normas relativas à organização interna da qualidade de comerciante e ao exercício da profissão. Com a sua força naturalmente expansiva, como produto histórico, imposto pela realidade econômica, o direito comercial veio a objetivar-se sem prejuízo do seu principal escopo. As normas relativas ao exercício da profissão mercantil e aos negócios jurídicos do comércio entraram desse modo para um sistema jurídico, mais extenso do que o traçado pela ciência econômica à industria comercial. O direito comercial é o direito dos que se dedicam não somente ao comércio, mas ainda à indústria manufatureira, ao transporte e outras atividades auxiliares do comércio; todos esses industriais são juridicamente denominados comerciantes; é também o direito regulador de certas relações decorrentes de negócios jurídicos alistados sob a etiqueta de atos de comércio, já em virtude de longa tradição, exatamente por se formarem eles dentro da periferia do comércio no sentido econômico, já por serem declarados tais em virtude da intenção daquele que os realiza, já pela forma que revestem ou pelo liame que mantêm com o comércio no aludido sentido, já, finalmente, pela disposição da lei, equiparando outras relações da vida civil, sem a intervenção de comerciantes, às provenientes da indústria comercial, em virtude de motivos de utilidade prática ou de simples oportunidade, para se subordinarem todos à mesma disciplina jurídica fundamental e formal. ......................................................................... 13 ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES Qual, porém o critério para traçar a linha divisória entre a matéria comercial e a matéria civil? Eis o árduo problema inicial no estudo do direito comercial. São sempre dificílimas as questões que surgem quando se trata de fixar a aplicação do direito, não somente na sua estrutura geral, como relativamente aos institutos de cada um dos seus ramos. ......................................................................... Entram em jogo elementos arbitrários, que levam o direito comercial a invadir o direito civil, perturbando a construção de firme sistema científico. ......................................................................... As diferenças que subsistem entre o direito civil e o comercial nada têm de essencial. Bem podíamos fundir as matérias que lhes são comuns, isto é, os contratos e as obrigações e ainda a falência, estendendo-a, oportunamente (não hoje), aos não-comerciantes. ......................................................................... A influência do direito comercial sobre o direito civil foi extraordinária, mormente entre nós... O caráter dos tempos modernos é, na frase de Spencer, o mercantilismo e o industrialismo. ......................................................................... O direito comercial e o direito civil são dois sistemas de regras que tiveram o mesmo ponto de partida, seguindo, depois, cada qual, vida autônoma, sem sujeição ou dependência de um para com o outro. A verdade é que se tem dado à expressão direito civil um conteúdo amplíssimo, incluindo na sua esfera noções jurídicas fundamentais de caráter geral, aplicáveis igualmente ao direito comercial. O direito civil figura como se fosse direito privado in genere, que Van Hemmelen denominou, não sem felicidade, o direito privado econômico. No direito privado compreendem-se as duas zonas, o direito civil e o direito comercial, cada qual com seu objeto legalmente 14 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 especializado; mas, havendo aquele precedidohistoricamente a este, acumulou em si o fundo comum de todas as noções, que servem de base ou de materiais para as construções jurídicas. Veio ele, assim, a assumir nesse particular o caráter de pressuposto do direito comercial. 5 O art. 121, do Código Comercial (cuja parte geral já foi expressamente revogada pelo Código Civil de 2002) já adiantava este destino inevitável: “... as regras e as disposições do direito civil para os contratos em geral são aplicáveis aos contratos comerciais...”. A tendência unificadora era irreversível. Os anseios para que o novo Código Civil escoimasse a zona cinzenta em que o direito comercial se encontrou com relação ao direito privado podem muito bem ser resumidos na palavra de Fábio Ulhoa Coelho: Desta forma, quem pretenda responder com rigor à questão acerca da natureza do critério de identificação do campo de abrangência do direito comercial brasileiro da atualidade não poderá deixar de observar esta situação transitória e concluir pela inexistência de um critério seguro. 6 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe em seu arcabouço princípios genéricos, preceituais, como os que inauguram o texto fundamental em seu art. 1º e, via da diluição pelos diversos setores do direito positivo, aplicáveis às mais diversas relações sociais: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: I – a soberania; II – a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político; 7 5 MENDONÇA, J. X. Carvalho, TTTTTratado de Direito Comerratado de Direito Comerratado de Direito Comerratado de Direito Comerratado de Direito Comercial Brasileircial Brasileircial Brasileircial Brasileircial Brasileiro.o.o.o.o. Campinas: Bookseller, 2000, Vol. 1, p 24/25, 26/27, 28/29, 30/32, 34/35, 38/39. 6 COELHO, Fábio Ulhoa, Manual de Direito Comercial. Manual de Direito Comercial. Manual de Direito Comercial. Manual de Direito Comercial. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 12.ed., 2000, p.12. 7 Constituição FederalConstituição FederalConstituição FederalConstituição FederalConstituição Federal, 1988 15 ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES Por outro lado, a Lei Fundamental desce às minúcias da proteção individualista, subjetiva, do cidadão, no artigo 5º, de cujos parágrafos importam exponenciar os da supremacia do estado de direito baseado na lei: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; ......................................................................... XXII – é garantido o direito de propriedade; ........................................................................... XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; ......................................................................... XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; 8 Nos primórdios de sua vigência, a denominada Constituição Cidadã mereceu comentos que lhe reservaram ampla parcela dos repertórios preservativos típicos do Direito Privado: O Código Civil perde, assim, definitivamente, o seu papel de Constituição de direito privado. Os textos constitucionais, paulatinamente, definem princípios relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil ao império da vontade: a função social da propriedade, os limites da atividade econômica, a organização da família, matérias típicas do direito privado, passam 8 Idem, ibidem. 16 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 a integrar uma nova ordem pública constitucional. Por outro lado, o próprio direito civil, através da legislação extracodificada, desloca sua preocupação central, que já não se volta tanto para o indivíduo, senão para as atividades por ele desenvolvidas e os riscos dela decorrentes.9 1.2. O CÓDIGO CIVIL O Código Civil, na realidade, mesmo diante de valiosas opiniões contrárias, recupera este papel condutor do comportamento social, ao tracejar, esquematicamente, o uso do direito à propriedade, a garantia da sucessão e a explicitação do moderno conceito de família. Carlos Alberto Bittar, antecipando a necessidade do projeto que se transformou no Código Civil de 2002, esclareceu: Os mandamentos constitucionais são, pois, normas hierarquicamente superiores que, uma vez lançadas, revogam as de ordem anterior, funcionando no mais como diretrizes, como limites ou como balizas para o intérprete, vinculando-os todos a seus ditames, tanto ao legislador, quanto ao hermeneuta e quanto ao juiz. Desse modo, a estruturação do Estado, os direitos fundamentais da pessoa, os direitos sociais, os direitos políticos, os direitos econômicos passaram, imediatamente, à égide da nova ordem (pois, o próprio legislador constituinte, para dirimir dúvidas, assim dispôs). As relações privadas, no entanto, somente se conduzirão pelos novos princípios uma vez adaptada a legislação interna correspondente. Entendemos, assim, que as normas sobre Direito de Família somente terão eficácia plena quando ajustado o Código próprio ou leis especiais vigentes. Daí por que consideramos se devam tomar iniciativas imediatas para a promulgação de um novo Código, eis que, quanto àquele livro, os princípios e as regras ora postas rompem toda a textura, exigindo nova regulamentação, a exemplo do que ocorreu em 9 TEPEDINO, Gustavo, TTTTTemas de Direito Civil.emas de Direito Civil.emas de Direito Civil.emas de Direito Civil.emas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 116, in FACHIN, Luiz Edson, Repensando FRepensando FRepensando FRepensando FRepensando Fundamentos do Direito Civilundamentos do Direito Civilundamentos do Direito Civilundamentos do Direito Civilundamentos do Direito Civil BrasileirBrasileirBrasileirBrasileirBrasileiro Contemporâneo. o Contemporâneo. o Contemporâneo. o Contemporâneo. o Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, Nota explicativa. 17 ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES Portugal, na Itália e em outros países e, que se procedeu a reforma constitucional 10 Com a recuperação do papel de Estatuto do Direito privado, ainda que sob forma tímida e, para alguns, canhestra (examine-se o pensamento de Cavalieri, por exemplo: O dano moral — o grande vilão atual da responsabilidade civil — recebeu singela referência no art. 186 do Código, não obstante o enorme prestígio que mereceu na Constituição ... Outra questão relevante e tormentosa ... o novo Código Civil deixou de disciplinar é a que diz respeito ao nexo causal. Limitou-se, neste ponto, a repetir, em seu art. 403, a regra do art, 1.060 do Código revogado.11, o Código Civil, com a versão 2002, passou a tratar, como um todo, do Direito Obrigacional, incluindo aí o Direito Comercial, tanto é assim que revoga (melhor se diria, trata de forma mais ampla) a parte geral do Código Comercial de 1850, focalizando o aspecto mais central de todo o setor, a empresa. Nesta linha de raciocínio, o Código Civil trata do nome comercial (do empresário), utilizando-se da seguinte definição: Art. 1.155. Considera-se nome empresarial a firma ou a denominação adotada, de conformidadecom este Capítulo, para o exercício de empresa. Parágrafo único. Equipara-se ao nome empresarial, para os efeitos da proteção da lei, a denominação das sociedades simples, associações e fundações. Art. 1.163. O nome de empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro. Parágrafo único. Se o empresário tiver nome idêntico ao de outros já inscritos, deverá acrescentar designação que o distinga. 10 BITTAR, Carlos Alberto, O Direito Civil na Constituição de 1988. O Direito Civil na Constituição de 1988. O Direito Civil na Constituição de 1988. O Direito Civil na Constituição de 1988. O Direito Civil na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2.ed., 1991, p. 11 FILHO, Sergio Cavalieri, Programa de Responsabilidade Civil, Programa de Responsabilidade Civil, Programa de Responsabilidade Civil, Programa de Responsabilidade Civil, Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 4. Ed., 2003, p. 20/21. 18 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 É preciso não deixar esmaecer a idéia de que o desdobramento da matéria parte das linhas gerais da Constituição e, agora, se lança na própria definição, genérica e abrangente, do que seja empresa. Vale transcrever o art. 966, do Código Civil: Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. O artigo 52 do Código Civil torna expresso o fundamento justificador da proteção ao nome de empresa, ao equiparar os direitos das pessoas jurídicas, nas sendas protetivas da lei, aos da personalidade. CAPÍTULO 2 – ASPECTOS DOUTRINÁRIOS 2.1. NOME COMERCIAL (NOME EMPRESARIAL NO CÓDIGO CIVIL DE 2002) Ao substituir a exigüidade conotativa do instituto do fundo de comércio, em termos de definição legal, pela largueza do conceito de empresa, a lei, neste caso, o mesmíssimo Código Civil, que aborda o nome comercial, também, abordou o assunto marca. Gama Cerqueira, de há muito esclarecia, especificando: que é o sinal designativo de produto por conseguinte da atividade. O histórico dos conflitos entre marcas e nomes comerciais está bem escandido em trabalho de Luiz Leonardos publicado na revista da ABPI, nº 41. O professor destaca, de forma incisiva o histórico da dissidência: Assim, não há dúvida que o titular de marca pode impedir a sua reprodução ou imitação para ser usada como nome comercial ou como título de estabelecimento de terceiros. Era o que dispunham expressamente os artigos 111, nº 2, e 120, nº 5, do antigo Decreto-Lei nº 7.903/45, cujos princípios forma mantidos nos artigos 94, inciso 1º, e 100, nº 5, do Decreto-Lei nº 254/67, todos proibindo o registro como nome comercial ou como título de estabelecimento às denominações suscetíveis de confusão com marcas de terceiros. Ainda que estas normas estejam, hoje, revogadas, como também o está o Decreto-Lei nº 1.005/69, que dispunha de modo semelhante quanto aos títulos de estabelecimento (artigo 91, nº 5) e abolia, pela primeira vez, os 19 ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES registros de nomes comerciais, fazendo sua proteção decorrer de simples adoção nos atos constitutivos da sociedade arquivados no Registro do Comércio (art. 166), permanecem em pleno vigor os princípios expostos, que decorrem da proteção outorgada às marcas, garantindo sua propriedade e exclusividade e pelo que dispõe o artigo 124, V, da atual Lei da Propriedade Industrial Lei 9.279/96). Pelo artigo 119, do Código da Propriedade Industrial anterior (Lei nº 5.772/71) o nome comercial e o título de estabelecimento continuariam a gozar de proteção através de legislação própria, a qual se encontra na própria Constituição, no art. 3º, § 2º, da Lei de Sociedades Anônimas, no artigo 35, V, da Lei 8.934/94 (dispõe sobre o registro público de empresas mercantis), mantendo o que se encontrava no art. 38, IX, da Lei de Registro do Comércio anterior (Lei nº 4.726/65) e no art. 195, V, da lei 9.279/96, além da regra de proteção aos nomes comerciais independentemente de qualquer registro, contido no art. 8º da Convenção de Paris, aplicável internamente por força do artigo 4º, da Lei 9.279/96. Não tem razão, portanto, Rubens Requião e aqueles que seguem sua opinião (Constituição Federal. Curso de Direito Comercial, pg. 132) de que teria havido, a respeito, vacatio legis, acarretando a falta de proteção aos nomes comerciais e títulos de estabelecimento pois, mesmo à falta de qualquer outra legislação, encontrariam guarida no âmbito da repressão geral à concorrência desleal. ......................................................................... É claro, então, que a lei contemplava expressamente a possibilidade de conflito entre a marca e o nome comercial, regra esta que tem sua origem no artigo 110 do antigo Decreto-Lei nº 7.903/45, que mandava sustar o arquivamento dos atos constitutivos de sociedades cujas denominações contivessem expressão de fantasia até que se comprovasse o respectivo registro, ou pedido de registro, como marca. Outra coisa não se buscava, com esta norma, senão impedir a confusão entre os negócios de sociedades que adotem nomes comerciais ou marcas idênticas ou semelhantes. Hoje, os artigos 124, V, e 195, V, da Lei 9.279/96 afastaram qualquer dúvida, garantindo a proteção da marca contra o seu uso não autorizado em nomes comerciais e a proteção destes face a seu uso indevido por terceiros. 12 12 LEONARDOS, Luiz, Apreciação do conflito entre marcas e nomes comerciais.Apreciação do conflito entre marcas e nomes comerciais.Apreciação do conflito entre marcas e nomes comerciais.Apreciação do conflito entre marcas e nomes comerciais.Apreciação do conflito entre marcas e nomes comerciais. 20 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 2.2. MARCA O consenso geral admite que marca tenha um sentido individualizador, com reflexos econômicos e, hoje, ninguém mais duvida, de interesse público, porque é através desses sinais que o consumidor pondera e se decide. Generalizando, marca é um sinal que permite distinguir produtos industriais, artigos comerciais e serviços profissionais de outros do mesmo gênero, da mesma atividade, semelhantes ou afins, de origem diversa. É para o seu titular o meio eficaz para a constituição de uma clientela. Para o consumidor representa a orientação para a compra de um bem, levando em conta fatores de proveniência ou notórias condições de boa qualidade e desempenho. Além disso, a marca atua como um veículo de divulgação, formando nas pessoas o hábito de consumir um determinado bem material, induzindo preferências através do estímulo ocasionado por uma denominação, palavra, emblema, figura, símbolo ou outro sinal distintivo. É, efetivamente, o agente individualizador de um produto, de uma mercadoria ou de um serviço, proporcionando à clientela uma garantia de identificação do produto ou serviço de sua preferência. A marca pode exercer múltiplas funções. Entre outras, proporcionar ao seu titular o direito, através de medidas administrativas e judiciais, de agir contra o seu uso indevido, ou não autorizado, por parte de concorrentes desleais. Auxilia o adquirente (comprador) na operação de compra impelindo-o a reclamar o produto identificado pela marca e não o sucedâneo apresentado pelo vendedor. Em seu amplo sentido, a marca pretende diferenciar e divulgar um bem material, informando e persuadindo as pessoas a comprá-lo.13 A Constituição, como regra maior, fonte dos preceitos e princípios explicitados pelo Código Civil e pela legislação infraconstitucional, tornando os institutos nome comercial e marca abrangidos num mesmo universo protetivo, dispõe, como já se adiantou, no início da exposição: Art. 5º, inciso XXIX. A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégiotemporário para sua utilização, bem como 13 BLASI, Gabriel di, et al, A Propriedade Industrial. A Propriedade Industrial. A Propriedade Industrial. A Propriedade Industrial. A Propriedade Industrial. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 162. 21 ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes das empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; Através da via indireta da exclusão, a Lei 9.279/96 destina atenção protetiva contra a usurpação do nome comercial: Art. 124. Não são registráveis como marca: ......................................................................... V – reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresas de terceiros, suscetível de causa, confusão ou associação com estes sinais distintivos; A finalidade, em termos preservadores, do registro da marca e da do nome comercial é a mesma: excluir os concorrentes ou outros quaisquer da possibilidade de uso inautorizado. Gama Cerqueira, indispensável no cenário, tem seu pensamento lembrado por Celso Oliveira: Gama Cerqueira traçou o conceito, asseverando que o “direito sobre o nome comercial constitui uma propriedade em tudo idêntica à das marcas de fábrica e de comércio, que se exerce sobre uma coisa incorpórea, imaterial, exterior à pessoa do comerciante ou industrial, e encontra seu fundamento no direito natural do homem aos resultados de seu trabalho. Essa propriedade abrange não só o nome do comerciante singular, como, também, a firma das sociedades em nome coletivo, as denominações das sociedades anônimas e por quotas, a insígnia dos estabelecimentos e os demais elementos que entram no conceito do nome comercial (n. 780, supra), considerados como objetos autônomos de direito.”14 A realidade do campo doutrinário jamais deixou de observar que o conceito de nome comercial esteve andando lado a lado com o conceito de marca. É irrefutável a lição de João da Gama Cerqueira: 14 OLIVEIRA, Celso Marcelo de, Direito Empresarial – À Luz do NovoDireito Empresarial – À Luz do NovoDireito Empresarial – À Luz do NovoDireito Empresarial – À Luz do NovoDireito Empresarial – À Luz do Novo Código CivilCódigo CivilCódigo CivilCódigo CivilCódigo Civil . Campinas/SP, LZN, 2003, p 379 e 384. 22 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 Fica, assim, dependendo de prévio registro ou depósito da marca a constituição definitiva das sociedades anônimas e das sociedades por quotas, cujas denominações geralmente se caracterizam por expressões de fantasia, o que constitui injustificado estôrvo à liberdade de comércio. Mas, cumprida que seja a formalidade do depósito da marca, ainda assim a organização da sociedade não se poderá considerar definitiva, pois se a expressão de fantasia colidir com marca anteriormente registrada, a denominação social terá de ser modificada (art. 117, parág. único), o que importará na modificação dos atos constitutivos da sociedade para alterar-se a denominação que nêles figura. Acresce que um registro de marca não se obtém em menos de 10 ou 12 meses, quando não há oposição ou recursos, não sendo raros os casos em que êsse prazo se dilata por dois ou três anos. Durante êsse tempo a sociedade terá de funcionar sob denominação provisória, sujeita a modificações que se refletirão prejudicialmente sôbre a sua vida comercial, como facilmente se compreende. E todos êsses embaraços podem repetir-se, se a nova expressão adotada em substituição da primeira colidir também com outra marca registrada. 15 2.2.1. LITÍGIOS NO JUDICIÁRIO Os conflitos sobre a matéria se multiplicam no Judiciário e a tendência, mesmo antes da vinda à lume do Código Civil de 2002, era de preservar, seja a marca, seja o nome comercial, congraçando, reunindo, estes dois institutos na seara da proteção igual, para ambos. Vale repetir: PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PEDIDO DE REGISTRO DE MARCA. AÇÃO DE NULIDADE. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. LEI 9.279/DE 1996. 1. O uso da mesma marca por duas empresas concorrentes acarreta não apenas prejuízos àquela que seja legítima titular do direito de PROPRIEDADE INDUSTRIAL, como também aos consumidores, que ficam sujeitos à natural e inevitável confusão decorrente da identidade de marca para atividades comerciais semelhantes desenvolvidas na mesma região por pessoas jurídicas distintas. 15 CERQUEIRA, João da Gama, TTTTTratado da Prratado da Prratado da Prratado da Prratado da Propriedade Industrial. opriedade Industrial. opriedade Industrial. opriedade Industrial. opriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense, 1946, Vol I, p 515/516. 23 ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES 2. É cabível, em situações dessa natureza, a outorga de tutela jurisdicional, ainda que provisoriamente, em favor daquela demandante cuja posição jurídica guarda grau mais elevado de verossimilhança. Trata-se de providência cabível genericamente no procedimento comum (CPC, art. 273) e que tem igualmente previsão específica para a proteção do direito de PROPRIEDADE INDUSTRIAL, inclusive nas ações de nulidade de registro de marca(Lei nº 9.279, de 1996, art. 173, parágrafo único). 3. No caso, é a autora quem ostenta posição jurídica mais verossímil. A expressão “via porto” integra a sua denominação social (Via Porto Veículos Ltda.). Razão pela qual, à primeira vista, não pode ser registrada como marca por outra pessoa, ainda mais por empresa concorrente, conforme prevê o artigo 124, V, da Lei 9.279, de 1996 16. O art. 65, 5, DO CPI, veda o registro como marca do título do estabelecimento, ou de seu nome comercial, complementando, o art. 119, que ambos gozam de proteção através de legislação própria, e não do CPI, independentemente de obrigatoriedade de depósito ou de registro no órgão marcário, o que, aliás, atende ao acordado pelos países unionistas, através da Convenção da União de Paris, em seu art. 8º. 17 Marca e nome comercial são coisas distintas ... Entretanto, a relação existente entre eles reflete-se, indubitavelmente, no universo mercantil. O emprego de nomes e expressões marcárias semelhantes deve ser de imediato afastado para que não produza dúvidas a influir na vontade do consumidor. No ordenamento jurídico nacional, tanto a marca, pelo código de Propriedade Industrial, quanto o nome comercial, pela Convenção de Paris, do qual o Brasil é signatário, são protegidos juridicamente, conferindo ao respectivo titular o direito de sua utilização. O direito decorrente do registro de marca exclui seu emprego por todos os demais no mesmo ramo de atividade. No que tange ao nome comercial, sua proteção não se restringe ao ramo de atividade. Desse modo, não deve ser permitida a 16 Agravo de Instrumento nº 65.771, Tribunal da Quarta Região, RS, Terceira Turma, Decisão de 15.05.2001. 17 Trecho da sentença proferida no Juízo Federal da 21ª Vara, Processo nº 94.0067136- 9, pela Juíza Liliane do Espírito Santo Roriz de Almeida. 24 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 coexistência de nomes comerciais idênticos ou muito semelhantes, ainda que para ramos de indústria e comércio diversos. 18 São inúmeros os julgados na mesma direção. Não fora pelos temas genéricos de abrangente proteção, indistintamente, destinados pela Constituição a marcas e nomes comerciais, a Convenção de Paris, a que o Brasil aderiu, dispensa até mesmo a necessidade de registro como requisito desta prerrogativa. Seja qual for a situação de desrespeito a qualquer dos institutos, a possibilidade de defesa é ampla e irrecusável. Agora mesmo, ratificando a amplitude do espectro preservativo, diante do fenômeno da informática, a imprimir veloz caracterização dasmodernas fórmulas das relações humanas, a iniciativa registral, levada a efeito perante a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, sofre as restrições ditadas pelos princípios atinentes ao ramo, como se extrai do julgado da Terceira Câmara Cível, do TJRJ: INTERNET. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. NOME COMERCIAL. DIREITO À EXCLUSIVIDADE. SEMELHANÇA CAPAZ DE GERAR CONFUSÃO. USO INDEVIDO. AÇÃO ORDINÁRIA DE ABSTENÇÃO DE ATO. CONCESSÃO DE LIMINAR. LEI Nº 9.279, DE 1996. Propriedade industrial. Ação ordinária objetivando a cessação do uso de nome de domínio na internet. Confronto entre nome de domínio registrado na FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e, de outro lado, outros nomes de domínio registrados na mesma entidade e marcas nominativas e mistas de indústria e comércio depositadas no INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial, todos possuindo como sinal distintivo e característico a expressão “IG”. Pedido de liminar específica prevista na Lei 9.279/96, art. 209, 1º, da Lei de Propriedade Industrial, inicialmente denegado pelo Juízo monocrático, seguindo-se indeferimento do efeito suspensivo ativo. Sentença de procedência do pedido, determinando, após o trânsito em julgado, expedição de ofício à FAPESP para cancelamento do registro do nome de domínio 18 Trecho do voto proferido em recurso de apelação interposto contra sentença citada anteriormente. 25 ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES “ignoticias.com.br” . Interposição de apelo pela agravada, recebido no duplo efeito. Persistência do interesse processual no julgamento do agravo, diante da possibilidade de deferimento da liminar inicialmente denegada. Verificação, pelos elementos contidos nos autos do recurso e pelo exame da sentença proferida na ação ordinária da presença dos requisitos para a concessão da liminar pleiteada. Presença da aparência do bom direito e do perigo na demora quanto à prática de atos de concorrência desleal passíveis de prejudicar a reputação ou os negócios da agravante, pelo estabelecimento de confusão entre produtos e serviços. Provimento do agravo com a concessão de liminar para abstenção pela agravada, até o julgamento da apelação em curso, de utilização do nome de domínio “ignoticias.com.br”, sob pena de multa diária no valor de vinte salários mínimos, oficiando- se à FAPESP para as medidas pertinentes.19 2.3. CONCORRÊNCIA DESLEAL A concorrência desleal, como reconhecem os mais destacados tratadistas, dadas as correlações de ordem moral, ainda não tem uma definição absolutamente satisfatória, esclarecendo Thomas Leonardos que a razão deste óbice é “a multiplicidade de forma que a malícia humana pode engendrar”. 20 Sempre tendo em vista o andar comum das marcas e do nome comercial, é preciso que se ressalte, ainda, que a concorrência, fator das relações comerciais, em algumas situações, atinge ao grau do ilícito, sob forma civil ou penal. Retorna-se, daqui, ao ponto inicial do trabalho em que se exponenciaram os valores constitucionais e infraconstitucionais preservadores da dignidade da pessoa humana e de seus interesses no mar social. A concorrência, quando é deslealmente operada sob suas multifacetadas formas, em especial, nas hipóteses em que o infrator aproveita-se do prestígio de um nome ou de uma marca de reputação reconhecida, para comerciar produtos que estejam fortalecidos pela 19 AGRAVO DE INSTRUMENTO 12.221/2001 – Reg. em 01.10.2002. Niterói. Terceira Câmara Cível – Unânime – Des. LUIZ FERNANDO DE CARVALHO – Julg. 13.08.2002. 20 Concorrência Desleal, Rio, 1936, p. 11, depois ampliado na Revista Forense, p. 88 e 351. 26 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 nomenclatura do designativo, torna-se viciada e consubstancia ato ilícito produtor do direito punitivo estatal e de indenização. Os critérios de definição sobre concorrência desleal são vários, mas a palavra de Gama Cerqueira, mais uma vez, nos ajuda a compor este trabalho: A evolução das doutrinas que têm por objeto a concorrência desleal processa-se de modo contínuo, mas lento. O problema da concorrência desleal e de sua repressão só se impôs à consideração dos juristas, de modo mais agudo, nos tempos modernos, depois que o crescente progresso das indústrias e do comércio, aliado a outros múltiplos fatôres que aqui não poderíamos examinar, deu lugar ao aparecimento de uma competição sem regras e sem limites, entre comerciantes e industriais empenhados em obter vantagens 21cada vez maiores sobre os seus concorrentes, A livre concorrência econômica é conseqüência da liberdade de comércio e indústria e age como elemento do progresso econômico de cada país. Mas degenera, transformando-se em agente perturbador desse progresso, quando os comerciantes e industriais, no afã de vencerem seus competidores, lançam mão de práticas e métodos ilícitos ou desleais.22 Uma vez mais, deve-se reforçar a noção de que a marca bem conhecida, o nome comercial de reputação ilibada interessam ao comerciante para divulgação de seus produtos ou serviços, mas interessam também ao consumidor, que ao procurar um estabelecimento ou produto, já estará certo de que as suas possibilidades de engano ou risco de prejuízo são vastamente diminuídas. Para que não se venha a produzir um inconveniente comercial nesta exposição sobre o alcance do universo dos distintivos da espécie, basta lembrar o forte apelo popular de obras cinematográficas que se tornaram cults e, hoje, parcela integrante dos expoentes da sétima arte: Breakfast at Tiffany’s ( a famosa loja de jóias em New York); Moulin Rouge, das lembranças Lautrequianas. Some-se a isto a presença constante de Dior, Saint Laurent ou Chanel, das elegantes indumentárias, até mesmo da perfumosa e metafórica roupagem noturna da senhora Norma Jean (ficou célebre a frase de Marilyn Monroe, indagada sobre o que usava para dormir: “duas gotas de Chanel”); não há quem não conheça 21 CERQUEIRA, J. Op. cit. 22 CERQUEIRA, J.Op. cit. P.81. 27 ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES o Champanhe ou se incline, respeitosamente, quando conhecedor, perante um Château Mouton Rothschild, das inalcançáveis delícias vinículas, que habitam a dieta cotidiana dos consumidores abastados e os sonhos dos que até mesmo para as necessidades básicas encontram obstáculos dificultosos. Exemplos como esses são legião no mundo da propriedade intelectual e do comércio em geral, demonstrando a amplitude dos efeitos análogos dos dois institutos no universo das relações da espécie. Para que se reforce a idéia do trabalho, cumpre relembrar que marca e nome comercial são espécies de gênero designativo identificador. Colhe-se em Pierangeli, citando Justino Cruz: A marca se distingue da insígnia e do nome comercial. O nome comercial é a designação pela qual é o estabelecimento referido ou conhecido. “Assim como a firma individualiza o comerciante e a marca os produtos, o nome identifica o estabelecimento”.23 e para complemento: Conseqüentemente, o nome representa para o estabelecimento o mesmoo mesmoo mesmoo mesmoo mesmo (grifei) que a marca significa para o produto ou serviço.24 Em termos doutrinários analógicos, locação, compra e venda e mandato materializam acordo de vontades sob o manto comum da teoria dos contratos; homicídio, infanticídio e induzimento ao suicídio são figuras típicas penais diferentes mas integrantes do sistema protetivo da vida contra o evento morte. CAPÍTULO 3. PROTEÇÃO DA MARCA E DO NOME DA EMPRESA O próprio teor do art. 1.116, do Código Civil de 2002, refere-se à exclusividade do uso — deveria ser do direito ao uso — nos limites 23 PIERANGELI, José Henrique. Crimes Contra a Propriedade Industrial eCrimes Contra a Propriedade Industrial eCrimes Contra a Propriedade Industrial eCrimes Contra a Propriedade Industrial eCrimes Contra a Propriedade Industrial e Crimes de ConcorCrimesde ConcorCrimes de ConcorCrimes de ConcorCrimes de Concorrência Desleal. rência Desleal. rência Desleal. rência Desleal. rência Desleal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 74..... 24 Idem, ibdem. P. 75. 28 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 do Estado, como decorrência da impropriamente chamada inscrição no registro próprio. É evidente que o legislador descreve, embora sem merecer aplausos, a principal conseqüência do registro. Mas o que se procura definir neste trabalho é o confronto entre marca e nome da empresa, partindo- se do entendimento de que os dois institutos pertencem à mesma natureza identificadora, equiparando-se, em termos de proteção. Não há prevalência de um sobre o outro. Se, como se extrai da Constituição (art, 5º, XXIX), da Lei nº 9.279/96 (art. 124, V) e do Código Civil/ 2002 (art. 1.166), o uso de marca ou de nome é objeto de proteção, não importa a diferença ontológica entre eles, que têm a mesma finalidade designativa. Em termos de sistema, como observam os doutos estudiosos da matéria, pelo art. 33, da Lei 8.934/94, as disposições da Convenção de Paris, cujo art. 8 protegia marcas de indústria e comércio, estariam revogadas. O conteúdo do art. 1.166, do Código Civil de 2002, apenas ratificaria a tendência, inspirado no entendimento de que os tratados são internalizados sob a égide analógica de lei ordinária, aplicando-se ao art. 2º da Lei de Introdução do Código Civil. No entanto, as nossas observações transitam em área que independeria deste movimento temporal das leis. A uma, porque o próprio art. 1.166 prevê forma especial para salvaguarda do nome das empresas em todo o território nacional e, a duas, porque o fato de se restringir o uso exclusivo do nome ao respectivo Estado, não significa expungi-lo do caráter protetivo incidente na Constituição e no próprio artigo 124, V, da Lei 9.279/96. O conflito se reduz ao caminho da mera aparência. Não exclui o pensamento de que, em termos protetivos, marca e nome de empresa se aproximaram com a incidência dos princípios obrigacionais do Código Civil de 2002. CONCLUSÃO Embora ousando expor fórmula contraditória da maneira de pensar de ilustres juristas nacionais e até estrangeiros (Canotilho e Jorge Miranda, por exemplo, ilustres professores das universidades portuguesas, talvez não concordem integralmente com o pensamento 29 ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES que se esposa), o fato é que o Código Civil, ao se firmar em estacas conotativas de valores humanos, sociabilidade, eticidade, operabilidade, obedece aos ditames principiológicos da Lei Fundamental. Valemo-nos do magistério de Judith Martins-Costa, mais uma vez, para ressaltar do trabalho publicado na Revista da Universidade de Direito do Rio Grande do Sul, o excerto resumidor do fundamento deste projeto monográfico: Como exemplo da possibilidade de reconstrução sistemática ensejada pelo novo Código tomo o caso de danos à pessoa, espécie do gênero danos extrapatrimoniais, pois aí é nítida a conexão intersistemática (entre diversos sistemas ou subsistemas integrantes de um mesmo ordenamento) e intrassistemática (entre normas integrantes de um mesmo sistema, ou subsistema). 25 O Código Civil, abrangendo, em termos de princípios doutrinários intrassistemáticos comuns, a integralidade do direito obrigacional, há de servir de anteparo e fundamento para a solução dos conflitos existentes entre marca e nome de empresa, os quais, como já se viu, n’hurlent pas de se trouver ensembles. Para o fundamento de que esta tese, sobre nome comercial e marca, já tinha a proteção legal e hoje, com a reunião do direito obrigacional, se estreita nas sendas da preservação, está o acoplamento interdisciplinar, que não dispensa a sociologia, a filosofia, os demais ramos do direito (direito penal, crime de concorrência desleal, por exemplo), não havendo como se apartarem deste corpo monolítico as agressões que venham a sofrer tanto a marca quanto o nome comercial, igualados no sistema protetivo pelos princípios constitucionais, esmiuçados e esclarecidos no Código Civil, e especificados nas legislações infraconstitucionais extravagantes. Extrai-se de Silveira Bueno, Relator em julgado do Tribunal Regional Federal: A questão sub judice resume-se em saber se o nome do estabelecimento comercial estrangeiro merece proteção da legislação nacional ou se, ao contrário, essa proteção inexiste, de 25 COSTA, Judith Martins-, O Novo Código Civil BrasileirO Novo Código Civil BrasileirO Novo Código Civil BrasileirO Novo Código Civil BrasileirO Novo Código Civil Brasileiro: em busca dao: em busca dao: em busca dao: em busca dao: em busca da “Ética da Situação”. “Ética da Situação”. “Ética da Situação”. “Ética da Situação”. “Ética da Situação”. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS., v. 20, out/2001. 30 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 tal sorte que é perfeitamente válido o registro pela apelante da expressão “Timberland” para designar os seus produtos. O nome comercial será protegido em todos os países da União sem obrigação de depósito ou registro, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio (Decreto legislativo nº 78, de 31.10.74). Vê-se, portanto, que a lei protege o nome do estabelecimento comercial, tornando ilícita a apropriação dos esforços do comerciante em proveito de terceiro. Em outras palavras, a lei proíbe a concorrência desleal. A concorrência, de outro lado, pode se caracterizar, dentre outras possibilidades, pela aproximação entre produtos e estabelecimentos. (Constituição Federal. José Tinoco Soares, “Crimes contra a Propriedade Industrial e Concorrência Desleal”, p. 7, Revista dos Tribunais, 1980). 26 Complementa-se o pensamento com as conjecturas estimuladas pelo Código Civil de 2002 no sentido da confirmação de que o sistema protetivo de marcas e nomes de empresas tem a mesma natureza e se mantém dentro dos critérios da Constituição e das disposições infraconstitucionais. Gabriel Leonardos, em exposição realizada na EMERJ, aos 13.06.2003, teve ocasião de lembrar trabalho seu, referente ao assunto, do qual se extrai a confirmação da tese extensiva do alcance protetivo ao nome comercial, nos mesmos moldes da que se destina às marcas. Assim, parece-nos que, segundo o melhor direito, nada impede que terceiro interessado apresente recurso contra o arquivamento de ato de empresa que adote nome semelhante ao seu, ainda que este terceiro esteja sob a jurisdição de outra Junta Comercial. E, a fortiori, tal alegação de colidência deverá ser examinada pelo Judiciário, pois o regime legal, sob o ponto de vista de direito material, em nada foi alterado com a Lei 8.934/94. O sistema de requerimentos voluntários às demais Juntas para o fim de assegurar administrativamente a proteção ao nome comercial pode e deve continuar existindo, possibilitando às Juntas a negativa ex-officio ao arquivamento de atos de empresas com nomes semelhantes. Não obstante, as Juntas não devem se 26 Apelação Cível nº 90.03.03499-0, Tribunal Federal da Terceira Região, 1ª Turma. 31 ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES furtar a cumprir as nobres tarefas que lhes foram cometidas por lei com relação à proteção dos nomes de empresas estabelecidas em outros Estados ou até mesmo em outros países — independentemente de ter havido o requerimento prévio para a extensão da proteção — sempre que um terceiro interessado apresentar recurso administrativo, chamando a atenção da Junta para a infração dos direitos sobre seu nome comercial. 27 Em conclusão, o professor afirma, com a experiência acadêmica e profissional de que dispõe: A importância do nome comercial da empresa rivaliza com a das marcas de indústria, comércio ou serviços por ela utilizadas. A marca é a assinatura do fabricante ou comerciante no produto,enquanto o nome comercial é a assinatura da empresa sobre todos os negócios por ela realizados. A proteção firme e rápida do nome comercial é um imperativo da lealdade no comércio. 28 A evolução do direito, como ciência, mais a mais, se conjumina com ramificações interdisciplinares, a ponto de já haver alguma necessidade de esclarecimentos suplementares das lições kelsenianas, na obra Teoria Pura do Direito: Isto parece-nos algo de per si evidente. Porém, um relance de olhos sobre a ciência jurídica tradicional, tal como se desenvolveu no decurso dos sécs. XIX e XX, mostra claramente quão inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se confundido com a psicologia e a sociologia, com a ética e a teoria política. Esta confusão pode porventura explicar-se pelo fato de estas ciências se referirem a objetos que indubitavelmente têm uma estreita conexão com o Direito. Quando a Teoria Pura empreende delimitar o conhecimento do Direito em face destas disciplinas, fá-lo não por ignorar ou, muito menos, por negar essa conexão, mas porque intenta evitar um sincretismo metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os limites que lhe são impostos pela própria natureza do seu objeto. 29 , ao menos para os desprovidos de ciência, como os de minha estirpe, 27 LEONARDOS, Gabriel F., A PrA PrA PrA PrA Proteção Jurídica ao Nome Comeroteção Jurídica ao Nome Comeroteção Jurídica ao Nome Comeroteção Jurídica ao Nome Comeroteção Jurídica ao Nome Comercial, aocial, aocial, aocial, aocial, ao Título de Estabelecimento e à Insígnia no BrasilTítulo de Estabelecimento e à Insígnia no BrasilTítulo de Estabelecimento e à Insígnia no BrasilTítulo de Estabelecimento e à Insígnia no BrasilTítulo de Estabelecimento e à Insígnia no Brasil. In Revista da ABPI, Nº 13. 28 Idem, ibidem. 29 KELSEN, Hans, TTTTTeoria Pura do Direito. eoria Pura do Direito. eoria Pura do Direito. eoria Pura do Direito. eoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 6.ed., 2000, p. 1/2. 32 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 até porque separar ética, sociologia e economia do conceito de matéria jurídica, diante da letra expressa dos artigos 187, 422, 927, do Código Civil de 2002, não será tarefa das mais confortáveis, o que já não era para ele, Kelsen, mesmo, como se extrai da leitura atenta do texto reproduzido. O que se acaba de demonstrar é que, proveniente do campo doutrinário dos princípios, tomando-se princípio como causa, no entender de Aristóteles, ponto de partida e fundamento de um processo qualquer30, o fenômeno do sinal designativo de um estabelecimento e o de um produto, ontologicamente reunidos num mesmo significado, vêm há muito sendo assimilados através da evolução sistemática do direito, na totalidade dedutiva do discurso31, obstando a que as noções, antes divorciadas, dos compartimentos cíveis e comerciais, impedissem a visão lógica desta igualdade indissociável. Esta assimilação, no campo doutrinário e legal, hoje, com a reunião obrigacional do Código Civil de 2002, não significa que, em termos de apreciação jurídica, num possível litígio entre os detentores dos direitos relativos àqueles institutos, não possam tê-lo dimensionado geograficamente, a ponto de garantir o exercício do uso de um nome comercial restrito a um pequeno município da vastidão brasileira, sem prejuízo das operações de uma marca, mais ampla, que passaria a subsistir, com as limitações regionais, em concomitância com o nome comercial. Vale lembrar que, em recente julgado, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o ponto revelador da emergência de ilicitude e da conseqüente indenização pela utilização da marca registrada no INPI foi o fato de o uso indevido estar sendo veiculado no mesmo ambiente de mercado: 30ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de Filosofia.Dicionário de Filosofia.Dicionário de Filosofia.Dicionário de Filosofia.Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 792. “Princípio. (...lat. Principium; in. Principle; fr. Principe; al. Prinzip, Grundsatz; it. Princípio) – Ponto de partida e fundamento de um processo qualquer.” Os dois significados, “ponto de partida “ e “fundamento” ou “causa”, estão estreitamente ligados na noção desse tema.” “Sistema – (in System; fr. Système; al. System; it. Sistema) 1. Uma totalidade dedutiva de discurso. Essa palavra, desconhecida neste sentido no período clássico, foi empregada por Sexto Empírico para indicar o conjunto formado por premissas e conclusão ou o conjunto de premissas, ... e passou a ser usada em filosofia para indicar principalmente um discurso organizado dedutivamente...” 31 ABBAGNANO, N. Op. Cit. P. 908. 33 ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA REGISTRADA. VIOLAÇÃO DO DIREITO DE MARCA. RESSARCIMENTO DOS DANOS. Propriedade industrial. Marca Mista. Uso indevido da mesma no mesmo ambiente de mercado. Ato ilícito configurado. Indenização devida. Comprovada a utilização indevida da marca registrada pela autora no INPI, para o lançamento de empreendimento imobiliário, atuando a ré no mesmo ambiente de mercado, o dano resulta do próprio ato ofensivo ao direito de propriedade, sendo devida a indenização, nos termos do art. 210, inciso III, da Lei nº 9.279/96, apurando-se, em liquidação de sentença, a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse utilizar a referida marca, pelo período em que a mesma foi empregada. Recurso ao qual se nega provimento.32 Este ponto, embora ainda sujeito a dúvidas, não opõe obstáculos à presente conclusão equiparadora, para efeitos protetivos, de nome comercial e marca, até porque os que operam o direito, sejam advogados ou juízes, estão comprometidos com a contribuição evolutiva da sociedade. Neste passo, os conflitos entre marca e nome de empresas desafiam a inteligência julgadora no sentido de estabelecer diferenças entre institutos dessa mesma natureza e que têm vida em locais recônditos, contrapondo-se aos que se desenvolvem em regiões de maior grandeza geográfica. A decisão que viesse a fixar a possibilidade de coexistência entre marca e nome de empresa semelhantes mas de alcances diversificados quanto ao seu uso, local, nacional ou até mesmo internacional, poderia preservar a existência de ambas, impondo-lhes os limites tópicos. Em caso concreto, uma borracharia da cidade de Rio Branco, no Acre, cujo nome era Borrachil (altera-se a denominação por falta de possibilidade de angariar manifestação autorizativa para o uso do caso meramente conjectural), defrontou-se com uma marca registrada no INPI, idêntica, mas com largueza internacional. Para casos como esses, nada obstaria a que a possibilidade do uso simultâneo do identificador pudesse estar limitada, no caso do nome 32 APELAÇÃO CÍVEL 4.453/2002 – Reg. em 16/12/2002. CAPITAL. QUINTA CÂMARA CÍVEL. Unânime. Des. FERNANDO CABRAL. Julg.:20.08.2002. 34 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 comercial (de empresa), à cidade do Rio Branco, mormente se se tratasse de um negócio diminuto, que operava com artigos de látex, estendendo-se os lindes da marca aos seus efeitos nacionais e internacionais, excluindo-se apenas aquela cidade do norte brasileiro em que a pequena organização praticaria as suas atividades. A hipótese de crescimento da organização de menor escala provocaria, não se podendo impedir o progresso, a obrigatória alteração de seu nome, quando menos, com a inclusão de parcela diferenciadora do nome comum, Borrachil do Acre, por exemplo. Nada impediria, até porque o universo da espécie prevê na Lei nº 9.279/96 cessões (art. 134) e licenças (art. 139). Não está longe desta sugestão o decidido pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região no caso da Livraria Leonardo Da Vinci Ltda., que encontrouuma competidora chamada Nova Livraria Leonardo da Vinci Ltda., uma mais antiga, mas sem registro, no Rio de Janeiro, e outra na cidade de São Paulo. A conclusão do julgado especificou: Deve, portanto, ser mantida a r. sentença a quo, que declarou a nulidade dos registros nº 816.851.980 e 816.851.999 a fim de que a 2ª ré se abstenha de utilizar tal marca. No que concerne à modificação da denominação social da 2ª ré, por envolver as Juntas Comerciais Estaduais, a competência é da Justiça Estadual e não da Justiça Federal. Ante o exposto, nego provimento à remessa necessária.33 Como se vê, embora preservando o nome comercial notoriamente conhecido, não se afastou a possibilidade de a disputa continuar em termos de registro na Junta Comercial, o que, virtualmente, provoca a manutenção de ambos os designativos. Para conclusão do trabalho, vale lembrar a palavra de Orlando Gomes: Se a função judiciária é também contribuir para o progresso do Direito, tirando da flexibilidade das leis todo o partido para adaptá-las às novas realidades que vão surgindo, então, os magistrados podem e devem concorrer, sob a inspiração das leis polêmicas de caráter 33 Julgado proferido aos 25.06.2002, tendo como relatora a Desembargadora TANIA HEINE, da 16ª Vara Federal da 2ª Região; Processo nº 2000.01.01.059115-8; 3ª Turma. 35 ANTÔNIO CARLOS ESTEVES TORRES social, não só para a humanização do Direito, mas, igualmente, para a “estabilização das transformações sociais.” 34 E o renomado e saudoso jurista conterrâneo de Rui, corroborando premonitoriamente a tese de que “... a justiça é o verdadeiro tema do direito...” 35lembra a todos que, numa evolução social sempre infinita, é tarefa dos juízes rejuvenescer as leis, fazendo-as viver segundo a exigência do presente: “Numa sociedade em transformação, eles não devem ser a viva vox legis. Impõe-se que sejam a viva vox júris.” 36 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. SARTRE, Jean Paul, Qu’Qu’Qu’Qu’Qu’est-cest-cest-cest-cest-ce que la littérature?e que la littérature?e que la littérature?e que la littérature?e que la littérature? Paris: Gallimard, 1970. 2. TRABUCCHI, Alberto, Istituzioni di Diritto Civile. Istituzioni di Diritto Civile. Istituzioni di Diritto Civile. Istituzioni di Diritto Civile. Istituzioni di Diritto Civile. Itália: La Carangola, 32 ed., 1991. 3. TEPEDINO, Gustavo, Del Rey, nº1, Dezembro, 1997. 4. 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OLIVEIRA, Celso Marcelo de, Direito Empresarial – À Luz do NovoDireito Empresarial – À Luz do NovoDireito Empresarial – À Luz do NovoDireito Empresarial – À Luz do NovoDireito Empresarial – À Luz do Novo Código CivilCódigo CivilCódigo CivilCódigo CivilCódigo Civil . Campinas/SP, LZN, 2003. 15. CERQUEIRA, João da Gama, TTTTTratado da Prratado da Prratado da Prratado da Prratado da Propriedade Industrial. opriedade Industrial. opriedade Industrial. opriedade Industrial. opriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense, 1946. 16. Concorrência DeslealConcorrência DeslealConcorrência DeslealConcorrência DeslealConcorrência Desleal, Rio, 1936, p. 11, depois ampliado na Revista Forense. 17. 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Título de Estabelecimento e à Insígnia no Brasil. Título de Estabelecimento e à Insígnia no Brasil. Título de Estabelecimento e à Insígnia no Brasil. Título de Estabelecimento e à Insígnia no Brasil. In Revista da ABPI, Nº 13. 20. KELSEN, Hans, TTTTTeoria Pura do Direito. eoria Pura do Direito. eoria Pura do Direito. eoria Pura do Direito. eoriaPura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 6.ed., 2000. 21. ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de Filosofia.Dicionário de Filosofia.Dicionário de Filosofia.Dicionário de Filosofia.Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 22. GOMES, Orlando. Raízes Históricas e Sociológicas do Código CivilRaízes Históricas e Sociológicas do Código CivilRaízes Históricas e Sociológicas do Código CivilRaízes Históricas e Sociológicas do Código CivilRaízes Históricas e Sociológicas do Código Civil BrasileiroBrasileiroBrasileiroBrasileiroBrasileiro. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 23. KOLM, Serge-Christophe. 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LILIANE DO ESPÍRITO SANTO RORIZ DE ALMEIDA Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO DE MARCA OBTIDO DE MÁ-FÉ LILIANE DO ESPÍRITO SANTO RORIZ DE ALMEIDA 39 IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO DE MARCA OBTIDO DE MÁ-FÉ SUMÁRIO 1 - Introdução. 2 - O acesso à proteção. 2.1 - A distintividade do signo. 2.2 - A disponibilidade do signo. 3 - A aquisição do direito. 4 - A defesa da marca. 4.1 - Observações gerais. 4.2 - A ação de nulidade. 5 - Os registros obtidos de má-fé. 5.1 - Observações gerais . 5.2 - Conflito aparente entre a CUP e a LPI. 5.3 - Imprescritibilidade da ação de nulidade. 6 - Um caso concreto. 7 - Conclusão. Bibliografia 1. INTRODUÇÃO O presente estudo é uma monografia e tem por tema central a imprescritibilidade da ação anulatória de registro de marca obtido de má-fé. Sua natureza monográfica implica na exclusão da discussão de outros aspectos interessantes do Direito da Propriedade Industrial, mas que ampliariam, de forma indevida, o âmbito da pesquisa, dispersando os esforços investigativos. A redução do tema, por sua vez, viabiliza um conhecimento mais detalhado da matéria. O interesse pelo tema foi despertado pela própria formação profissional da autora, ex-servidora do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, pretendendo, assim, prosseguir nos estudos da área, e por voto que proferiu, como Juíza Convocada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, cujo acórdão se encontra transcrito no final do trabalho, sem que com isso se pretenda uma auto-citação, mas sim uma divulgação da jurisprudência, que é rara nesse campo. A monografia está dividida em itens ou capítulos e sub-itens, para melhor sistematização da exposição. 40 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 O primeiro deles se destina aos antecedentes do tema. O segundo, por sua vez, descreve como ter acesso à proteção do Estado garantida ao signo marcário, desde a sua escolha, passando pelos requisitos, enquanto o terceiro indica o sistema vigente no Brasil para aquisição do respectivo direito. Já o quarto ressalta os meios para se defender essa marca, com destaque especial para a ação de nulidade do registro, com suas características próprias, principalmente o prazo prescricional. No quinto capítulo, enfim, aborda-se a questão dos registros obtidos de má-fé, destacando-se a questão do aparente conflito havido entre a CUP e a LPI e a imprescritibilidade das respectivas ações de nulidade. No sexto capítulo é exposto um caso concreto de acórdão que aborda a questão. O encerramento recolherá, afinal, as conclusões a que se chegou com a investigação. 2. O ACESSO À PROTEÇÃO Marca é um sinal distintivo, visualmente perceptível, que distingue produtos e serviços, indicando que foram produzidos ou fornecidos por determinada empresa ou pessoa e servindo para diferenciá-los de seus próprios produtos ou dos de seus concorrentes, o que auxilia o consumidor a reconhecê-los, levando-o a adquiri-los porque a natureza e a qualidade dos mesmos atendem às suas necessidades. Cinco requisitos devem presidir a escolha do signo, dos quais depende a validade da marca: ser suscetível de uma representação gráfica – perceptibilidade visual –, ser verdadeiro, lícito, distintivo e disponível. Desses requisitos, limitar-se-á a comentar os dois últimos, por serem os que mais interessam ao tema da monografia. 2.1. A DISTINTIVIDADE DO SIGNO Toda marca é constituída de um signo distintivo. Para que seja dotado de distintividade, o signo deve revestir-se de características próprias, não colidindo com outros sinais registrados anteriormente. 41 LILIANE DO ESPÍRITO SANTO RORIZ DE ALMEIDA Esta condição é essencial, pois atinge a essência e a função própria das marcas, em outras palavras, um signo não distintivo não pode ser uma marca, pois não cumpre suas funções primordiais, quais sejam: garantir a origem do produto ou serviço, permitindo que o consumidor faça sua escolha, e evitar práticas anti-concorrenciais. Paul Roubier logrou, de maneira precisa, sintetizar essa função distintiva da marca, asseverando: “Une marque de fabrique ne peut faire l’objet d’un droit privatif protégé contre la contrefaçon, que si elle est, comme on dit, distinctive. Et elle ne peut être distinctive que si elle ne se confond pas avec des marques existantes, ou si les signes choisis n’appartiennent pas nécessairement au domaine public. Toutefois, par des adaptations ou des combinaisons spéciales, on pourait encore donner à ces signes du domaine public une forme particulière; avec des éléments connus, on peut faire des combinaisons nouvelles: on pourra alors obtenir um droit privatif, mais qui se limitera naturellement à la forme spéciale dans laquelle le signe usuel ou vulgaire aura été présenté. Le principe restera donc toujours le même: on peut proteger ce qui est distinctif, mais seulement cela”.1 Já Pontes de Miranda, com a sua acuidade de sempre, escreveu: “A marca tem de distinguir. Se não distingue, não é sinal distintivo, não assinala o produto, não se lhe podem mencionar elementos característicos. Confundir-se-ia com as outras marcas registradas, ou apenas em uso, antes ou após ela. A distinção da marca há de ser em relação às marcas registradas ou em uso, e em si mesma; porque há marcas a que falta qualquer elemento característico, marcas que são vulgaridades notórias”.2 Assim, o verdadeiro sentido da proteção jurídica à marca deve recair sempre sobre sua capacidade distintiva, como, aliás, destaca o próprio art. 122, da LPI, que, ao conceituar a marca, define serem suscetíveis de registro como marca os sinais distintivosos sinais distintivosos sinais distintivosos sinais distintivosos sinais distintivos. 1 Lê Droit de Propriété Industrielle,partie générale, tome 1, Librairie du Recueil Sirey, 1952, p. 110; apud Revista da ABPI, n. 38, A Imprecisão na Definição Legal de Marca, Maurício Lopes de Oliveira, p. 20/21. 2 Tratado de Direito Privado, parte especial, tomo XVII, Editor Borsoi, 1956, p. 7; apud idem, p. 21. 42 CADERNOS TEMÁTICOS - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ENCARTE DA REVISTA DA EMARF - JANEIRO 2007 2.2. A DISPONIBILIDADE DO SIGNO Para que um signo possa ser escolhido como marca, ele deve estar disponível, isto é, ele não pode já ser objeto de um direito de exclusividade, pois não é possível haver dois direitos de exclusividade sobre o mesmo objeto. Assim, certos direitos anteriores podem ser opostos eficazmente ao depositante, por seus titulares. O art. 124, inciso XIX, da LPI dispõe que não é
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