Buscar

O_Terceiro_de_boa_fé_Proteção_na_aquisição_de_bens_móveis_e_imóveis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 254 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 254 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 254 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

PRIMEIRAS PÁGINAS
PRIMEIRAS PÁGINAS
O TERCEIRO DE BOA-FÉ:
PROTEÇÃO NA AQUISIÇÃO DE
BENS MÓVEIS E IMÓVEIS
Fábio Caldas de Araújo
© desta edição [2020]
Thomson Reuters Brasil
Juliana Mayumi Ono
Diretora responsável
Av. Dr. Cardoso de Melo, 1855 – 13º andar - Vila Olímpia
CEP 04548-005, São Paulo, SP, Brasil
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por
qualquer meioou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos,
fotográficos, reprográficos,fonográficos, videográficos. Vedada a memorização
e/ou a recuperação total ou parcial, bemcomo a inclusão de qualquer parte desta
obra em qualquer sistema de processamento de dados.Essas proibições aplicam-
se também às características gráficas da obra e à sua editoração. Aviolação dos
direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal),
compena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e
indenizações diversas (arts. 101a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos
Direitos Autorais).
O autor goza da mais ampla liberdade de opinião e de crítica, cabendo-lhe a
responsabilidade das ideias e dos conceitos emitidos em seu trabalho.
Central de Relacionamento Thomson Reuters Selo Revista dos Tribunais
(atendimento, em dias úteis, das 09h às 18h)
Tel. 0800-702-2433
e-mail de atendimento ao consumidor: sacrt@thomsonreuters.com
e-mail para submissão dos originais: aval.livro@thomsonreuters.com
Conheça mais sobre Thomson Reuters: www.thomsonreuters.com.br
Acesse o nosso eComm
www.livrariart.com.br
Impresso no Brasil [05-2020]
Profissional
Fechamento desta edição [25.03.2020]
ISBN 978-65-5065-399-6
mailto:sacrt@thomsonreuters.com
mailto:aval.livro@thomsonreuters.com
http://www.thomsonreuters.com/
http://www.livrariart.com/
EXPEDIENTE
EXPEDIENTE
Expediente
Diretora de Conteúdo e Operações Editoriais
Juliana Mayumi Ono
Gerente de Conteúdo
Milisa Cristine Romera
Editorial: Aline Marchesi da Silva, Diego Garcia Mendonça, Karolina de
Albuquerque Araújo e Quenia Becker
Gerente de Conteúdo Tax: Vanessa Miranda de M. Pereira
Direitos Autorais: Viviane M. C. Carmezim
Assistente de Conteúdo Editorial: Juliana Menezes Drumond
Analista de Projetos: Camilla Dantara Ventura
Estagiários: Alan H. S. Moreira, Ana Amalia Strojnowski, Bárbara Baraldi e
Bruna Mestriner
Produção Editorial
Coordenação
Andréia R. Schneider Nunes Carvalhaes
Especialistas Editoriais: Gabriele Lais Sant’Anna dos Santos e Maria Angélica
Leite
Analista de Projetos: Larissa Gonçalves de Moura
Analistas de Operações Editoriais: Alana Fagundes Valério, Caroline Vieira,
Damares Regina Felício, Danielle Castro de Morais, Mariana Plastino Andrade,
Mayara Macioni Pinto e Patrícia Melhado Navarra
Analistas de Qualidade Editorial: Ana Paula Cavalcanti, Fernanda Lessa, Thaís
Pereira e Victória Menezes Pereira
Designer Editorial: Lucas Kfouri
Estagiárias: Maria Carolina Ferreira, Sofia Mattos e Tainá Luz Carvalho
Capa: Lucas Kfouri
Equipe de Conteúdo Digital
Coordenação
Marcello Antonio Mastrorosa Pedro
Analistas: Gabriel George Martins, Jonatan Souza, Maria Cristina Lopes Araujo
e Rodrigo Araujo
Gerente de Operações e Produção Gráfica
Mauricio Alves Monte
Analistas de Produção Gráfica: Aline Ferrarezi Regis e Jéssica Maria Ferreira
Bueno
Estagiária de Produção Gráfica: Ana Paula Evangelista
FICHA CATALOGRÁFICA
FICHA CATALOGRÁFICA
Ficha catalográfica
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Araújo, Fábio Caldas de
O terceiro de boa-fé [livro eletrônico] : proteção na aquisição de bens móveis e
imóveis / Fábio Caldas de Araújo. -- 1. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil,
2020.
6 Mb ; ePUB
1 ed. e-book baseada na 1 ed. impressa.
Bibliografia
ISBN 978-65-5065-399-6
1. Boa-fé (Direito) 2. Contratos 3. Direito imobiliário 4. Direito imobiliário - Brasil
5. Imóveis - Leis e legislação I. Título.
20-35404 CDU-347.44:347.141.8
Índices para catálogo sistemático:
1. Boa-fé : Contratos : Obrigações : Direito civil 347.44:347.141.8
2. Contratos de boa-fé : Obrigações : Direito civil347.44:347.141.8
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964
AGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos
Uma obra nunca é escrita sem sacrifício pessoal e daqueles que participam de
sua vida. A família é a primeira a ser afetada pelo afastamento natural do convívio.
A atividade da magistratura já é suficiente para provocar esse vácuo. Quando se
agrega a atividade acadêmica, o vazio é ainda maior.
No entanto, neste trabalho, eu tenho quatro agradecimentos especiais. O
primeiro, ao amigo Luciano Campos de Albuquerque. Luciano é um magistrado
excepcional e marcado pelo domínio ímpar do direito empresarial. Quando
lembramos das lições básicas de filosofia e sobre a causa eficiente de Aristóteles,
não há dúvida de que a causa primeira deste trabalho se deve ao amigo Luciano.
Ele foi o responsável por me convidar para uma palestra em Lisboa como
Diretor da Escola da Magistratura do Paraná no ano de 2012. Nesta viagem eu
mencionei ao amigo o desejo de fazer o pós-doutoramento, mas com a orientação
do maior civilista europeu da atualidade, ou seja, com o professor Menezes
Cordeiro. Isto seria praticamente impossível pela dificuldade de contato e pelos
compromissos gigantescos do eminente civilista na Alemanha e Portugal. Luciano
prontamente se comprometeu a conversar com o Diretor, professor Vera-Cruz.
Sem sua intercessão, este contato nunca teria acontecido e o trabalho seria
inexistente. Meu sincero, obrigado.
O segundo agradecimento é endereçado ao ilustre Professor Doutor Vera-Cruz.
Sua generosidade e seu abraço nas escadarias da Universidade de Lisboa
marcaram minha memória. Um grande jurista com domínio amplo do direito
internacional, assim como do latim e grego antigo, cuja humildade, seriedade e
amizade são inesquecíveis. Foi por meio de seu auxílio que escrevi uma carta que
foi entregue diretamente ao Professor Doutor Menezes Cordeiro. Sem sua
generosidade e acolhida, este trabalho também não existiria.
O terceiro agradecimento é dirigido ao meu orientador que é o responsável pelo
nascimento deste trabalho. Nada há para ser acrescentado em relação ao
Professor Doutor Menezes Cordeiro. Minha admiração e desejo de conhecê-lo era
proveniente da graduação quando tomei contato com sua monumental obra sobre
a boa-fé. Indiscutivelmente o maior tratadista europeu marcado por uma
genialidade singular e capacidade hercúlea de trabalho e seriedade em seus
escritos. Apesar de toda a sua ocupação e compromissos infindáveis sua acolhida
foi fraternal e com paciência ilimitada quanto aos questionamentos e orientações.
Peço escusas por não estar à altura do que poderia ter produzido como seu
orientando. Meu agradecimento é eterno.
O quarto agradecimento é ao Professor Doutor Arruda Alvim que é meu pai
acadêmico. Nada seria possível sem sua acolhida no ano de 1999. Esta história
está descrita no belo prefácio elaborado pelo querido professor. Sua cultura,
seriedade e profundidade são inigualáveis. Aprendi o direito alemão por meio do
professor Alvim, bem como o gosto pela pesquisa séria e de raiz. E mais, aprendi a
transitar pelo direito material e processual por sua influência, o que fez
compreender a ideia de sistema e da unidade funcional do direito. Meu muito
obrigado, por tudo, inclusive, pelo auxílio quanto a esta edição pela RT, com a
gentil acolhida de Marcella Silva.
PREFÁCIO
PREFÁCIO
Prefácio
A presente obra nascerá como texto clássico e ocupará merecido lugar de
destaque dentre as grandes obras contemporâneas sobre direito civil, mais
especialmente, no âmbito do Direito das Coisas.
O Professor Fábio Caldas de Araújo já escreveu um sem número de magníficos
trabalhos.1 Ele é um civilista de escol, como é também um processualista de
primeira grandeza. Alguns desses trabalhos, uma minoria na realidade, em
coautoria com ilustres juristas.
Em relação ao direito das coisas cabe mencionar a sua dissertação de
Mestrado em que versou com mão demestre e cuidados de artesão, o assunto da
Usucapião, de que resultou obra hoje na terceira edição. Ainda em relação ao
direito das coisas a sua dissertação de doutoramento na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, foi sobre o tema da Posse. Como sempre com mão de
mestre e cuidados de artesão, esta obra mereceu uma apresentação, que se
encontra estampada no início do livro, de autoria do Professor José Carlos Moreira
Alves, sabidamente uma autoridade ímpar em Direito e muito particularmente em
relação ao tema da Posse. Em ambos os exames obteve nota 10, distinção e
louvor.
A obra que é agora editada foi a dissertação de pós-doutoramento junto ao
muito eminente Professor Menezes Cordeiro. Insere-se dentro da temática maior
do Direito das Coisas.
Aí aborda-se centralmente modificação importante trazida pela Lei 13.097 do
ano de 2015, particularmente os seus arts. 54 e 55. Esta lei em uma das suas
implicações enseja a possibilidade de modificar o princípio da continuidade do
direito registral, pela valorização daquilo que está na matrícula, em que se aglutina
toda a história relevante do bem objeto de registro. Valerá o que estiver na
matrícula. Essa lei, ainda, explicitou e consagrou uma tendência, já delineada pela
jurisprudência, que consistiu em valorizar a matrícula, em nome da segurança
jurídica do adquirente de bem imóvel, que deverá ter-se conduzido com boa-fé.
Deve-se referir expressiva frase de Philip Heck, na sua obra Philipp Heck.
Grundriß des Sachenrechts [Compêndio de Direito das Coisas]. 1930, Tübingen:
reedição da Scientia Aalen, 1970), onde questionando-se a respeito do porquê do
extraordinário valor do registro no direito alemão, em que se chegou ao ponto de
agregar-se ao rol dos princípios do direito das coisas, o afirmou que isso era assim
Porque o registro não mente.
Este trabalho, semelhantemente a outros trabalhos anteriores do autor, vem
emoldurado num panorama amplo do direito contemporâneo – sem descarte de
profunda análise história dos institutos – em que se estudam o consumo, a
javascript:void(0)
circulação de bens e a segurança jurídica. A concentração dos atos processuais e
materiais, a boa-fé em seus diversos desdobramentos, também são densamente
analisados. Trabalha-se ainda em relação ao regime jurídico dos direitos reais em
vários dos seus aspectos; estuda-se também sobre a tutela da propriedade e a do
terceiro de boa-fe, em vários dos seus aspectos com incursão na história do nosso
direito, pesquisando-se os temas do possessório e do petitório, comparando-se
principalmente com o sistema do direito português. Passa-se em seguida ao trato
do problema da aquisição a non domino dos bens móveis e imóveis. Entre muitos
outros pontos, em que se emolda a exposição, pode-se dizer que a bibliografia
demonstra um cuidado muito grande na obtenção de todas as informações que se
mostraram necessárias para a confecção desta monografia excepcional. Esta
bibliografia é extraordinariamente rica, citados autores brasileiros, portugueses e
alemães.
Deve ser aqui naturalmente creditado ao Professor Menezes Cordeiro o
reconhecimento dos méritos de um jurista excepcional e orientador de altíssima
qualidade.
O Professor Fábio Caldas de Araújo é um homem que progrediu tanto na área
do direito, tendo em vista o máximo grau de exigência dele em relação a ele
próprio, dentro do ambiente do seu raro talento. 
Não resisto em contar um acontecimento, ocorrido quando fui seu professor no
curso de Mestrado da PUC/SP, no dia em que ele ia fazer a sua apresentação
mensal. Veio falar comigo, tendo eu já lido o texto do seu trabalho que iria ser
apresentado e discutido por mim e alunos. Disse-me: ‘estou muito preocupado com
o tema da minha dissertação de Mestrado’. Aí eu respondi: ‘não fique preocupado;
a sua dissertação de Mestrado está debaixo da minha mão com cerca de 180
páginas escritas como o seu trabalho mensal.’
Esse trabalho veio a se constituir na sua dissertação de Mestrado, hoje na sua
terceira edição como livro, sempre aprimorado ao extremo. Nessa obra se
encontra a melhor monografia de nossa literatura sobre Usucapião. Nesse trabalho
trata-se amplamente do direito de propriedade e da função social da propriedade,
numa obra que considera todos os assuntos que são províncias contíguas à
Usucapião e que cercam a figura da Usucapião no quadro do Direito das Coisas.
Este seu livro esmiúça todos os aspectos úteis para a plena e profunda
compreensão do tema, sob a perspectiva do direito comparado, especialmente o
direito português; aprofunda análise história desses temas, especialmente, o tema
da boa-fé; elenca as diversas teorias que gravitam e procuram explicar direta e
indiretamente o que pode ocorrer com a concentração na matrícula. É uma obra
em que se aprende o tema eleito pelo ilustre autor, e, ao lado disso ou mais do que
isso, em que se aprende a expor um tema na ciência do direito.
Como docente devemos referir que é Professor Titular dos Cursos de
Mestrado, Especialização e Graduação da Universidade Paranaense. Professor do
Curso de Especialização da Universidade Estadual de Londrina e da Fundação do
Ministério Público do Mato Grosso. É membro do Instituto Paranaense de Direito
Processual Civil.
A sua atividade docente junto aos seus alunos é extraordinariamente extensa e
intensa, pelo número de trabalhos que acompanhou e acompanha.
O ilustre autor está de parabéns, bem como a editora RT Thomson Reuters
Brasil e também o eminente tratadista Professor Menezes Cordeiro.
Arruda Alvim
1
Mandado de Segurança Individual e Coletivo. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2019; [2. ed., 2012; 1. ed., 2009]; Curso de Processo Civil - Tomo III -
Procedimentos Especiais. São Paulo: Malheiros, 2018; Código Civil Comentado. 2.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018; [1. ed., 2014]; Repercussões do direito
estrangeiro no direito processual civil brasileiro e no Código de Processo Civil.
Umuarama: Editora Unipar, 2018; Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2017; [1. ed., 2016]; Curso de Processo Civil - Tomo I - Parte
Geral. São Paulo: Malheiros, 2016; Usucapião. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015;
[2. ed., 2013]; Intervenção de Terceiros. São Paulo: Malheiros, 2015; Código de
Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015; Intervenção
de Terceiros. São Paulo: Malheiros, 2015; Lei de Registros Públicos Comentada.
Rio de Janeiro: Forense, 2014; Procedimentos Cautelares e Especiais. 5. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014; [4. ed., 2013; 3. ed., 2012; 2. ed., 2010; 1. ed.,
2009]; Comentários ao Código Civil Brasileiro Vol. XI, t. III. Rio de Janeiro: Rio de
Janeiro, 2013; Posse. Rio de Janeiro: Forense – Grupo Gen, 2007; A Posse e sua
Aquisição Conservação e Perda. Rio de Janeiro: Forense, 2006; Usucapião no
âmbito Material e Processual. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
ABREVIATURAS E SIGLAS USADAS
ABREVIATURAS E SIGLAS USADAS
Abreviaturas e siglas usadas
a.C. antes de Cristo
ac. acórdão
AC apelação cível
ACP ação civil pública
Ag Agravo de instrumento
AgRg Agravo regimental
amp. ampliado(a)
Ap apelação
art. Artigo
atual. atualizada
aum. aumentado
BGB Bürgerliches Gesetzbuch
(Código Civil Alemão)
Bull
BVerf
Bulletin (Boletim)
Tribunal Constitucional Alemão
Cap. capítulo
c/c combinado com
CCB Código Civil Brasileiro
Ccom Código Comercial (L 556/1850)
CDC Código de Defesa do
Consumidor (L 8.078/90)
CF Constituição Federal (CF de
5/10/1988)
CCI Código Civil Italiano
CCF Código Civil Francês
CCP Código Civil Português
CFP Constituição Federal
Portuguesa
civ. civil; cível
CLT Consolidação das Leis do
Trabalho (DL 5.452/43)
CPB Código Penal Brasileiro
CPCB Código de Processo Civil
Brasileiro
CPC/39
CPCP
Código de Processo Civil de
1939
Código de Processo Civil
Português
CP Código Penal
CPP Código de Processo Penal
d.C. Depois de Cristo
Dec. Decreto
DL Decreto Lei
Des. Desembargador
Dig Digesto
DJE Diário Oficial da Justiça do
Estado
DJU Diário Oficial da Justiça da
UniãoDOU Diário Oficial da União
EC Emenda constitucional
ed. Edição
e.g. exempli gratia
ERE embargos de recurso
extraordinário
est. Estadual
fed. Federal
HC
HGB
Habeas Corpus
Handelsgesetzbuch (Código
Comercial Alemão)
Inst. Institutas
j. Julgado
JSTJ Jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça
JTAMG Jurisprudência do Tribunal de
Alçada de Minas Gerais
JTARS Jurisprudência do Tribunal de
Alçada do Rio Grande do Sul
Jurisp. Jurisprudência
L. Lei Federal
LC Lei Complementar Federal
Liv. Livro
LOM. Lei Orgânica do Município
Min. Ministro
MP Ministério Público
MS Mandado de Segurança
m.v. Maioria de votos
CCB Código Civil Brasileiro
n. Número
OAB Ordem dos Advogados do
Brasil
ob. obra citada
Ord. Ordenação
p. Página
par. ou parágrafo
par. único parágrafo único
pref. prefácio
proc. processo; processual
Prov. Provimento
Rec. Recurso
Resp. Recurso Especial
RE Recurso Extraordinário
Reimp. Reimpressão
rel. Relator
R. Réu
RC
RI
Registro Civil
Registro de Imóveis
rev. Revista
RDP Revista de Direito Privado
RJTAMG Revista de Julgados do
Tribunal de Alçada de Minas
Gerais
RJTJESP Revista de Jurisprudência do
Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo
RJTJRGS Revista de Jurisprudência do
Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul
RT Revista dos Tribunais
RTJ Revista do Tribunal de Justiça
ss. Seguintes
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
tir. Tiragem
Tít. Título
t. tomo
trad. tradução; tradutor
TACivRJ Tribunal de Alçada Civil do Rio
de Janeiro
TACivSP Tribunal de Alçada Civil de São
Paulo
TAMG Tribunal de Justiça de Minas
Gerais
TAPR Tribunal de Alçada do Paraná
TARGS Tribunal de Alçada do Rio
Grande do Sul
TFR Tribunal Federal de Recursos
TJES Tribunal de Justiça do Espírito
Santo
TJMT Tribunal de Justiça do Mato
Grosso
TJPR Tribunal de Justiça do Paraná
TJRJ Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro
TJRS Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul
TJSC Tribunal de Justiça de Santa
Catarina
TJSP Tribunal de Justiça de São
Paulo
TRT Tribunal Regional do Trabalho
TSE Tribunal Superior Eleitoral
TST Tribunal Superior do Trabalho
T. Turma
un. Único
v. Volume
v.g. verbi gratia
vs. volumes
v.u. Votação unânime
NOTA INTRODUTÓRIA
NOTA INTRODUTÓRIA
Nota introdutória
O tema investigado assume o desafio de procurar identificar a posição do
terceiro de boa-fé ante a proteção conferida pelo princípio da concentração na
aquisição da propriedade imóvel e móvel no direito brasileiro (Lei 13.097/2015). A
postura assumida na exposição da matéria tem cunho essencialmente dogmático,
com análise das fontes normativas e da jurisprudência que assume papel de
autêntica fonte do direito para a sedimentação das questões relevantes sobre o
tema.1 Assume distinção o exame do direito alemão e francês pela influência no
sistema luso-brasileiro quanto aos modos de transmissão da propriedade e da
formação dos direitos reais.2 O tema é extremamente atual para o direito brasileiro
que conta com uma alteração legal que muda todo cenário do tratamento da
aquisição a non domino em relação aos bens imóveis. A Lei nº 13.097/2015, ainda
desconhecida por grande parcela da doutrina brasileira, realizou uma alteração
radical por meio dos arts. 54 e 55. O seu exame é fundamental para que se possa
traçar os possíveis rumos de proteção da propriedade a non domino em relação ao
terceiro de boa-fé. A boa-fé não representa mais um instituto unicamente atrelado
ao direito material. A previsão do art. 5º revela sua projeção processual e seu
tratamento adequado é essencial para a compreensão da dinâmica da relação
processual como em situações relacionadas à sucessão processual, fraude à
execução e da intervenção do terceiro no processo.
O presente estudo exige o exame da relação jurídica em perspectiva
progressiva, uma vez que a análise do terceiro de boa-fé pressupõe uma visão
circular e dinâmica na esfera negocial. Esse exame leva em consideração um
princípio elementar que é o da unidade do sistema jurídico (Einheit). A análise da
proteção ao terceiro de boa-fé, em face da formação de um direito real, decorre de
uma relação progressiva em que condutas são analisadas dentro de esferas
jurídicas parcelares (relação pré-contratual, contratual, pós-contratual,
consumação do título, modo de aquisição do direito real, sucessão do direito reais
e extinção do direito real). Os desdobramentos das etapas que levam à formação
do direito real influenciam no padrão de resposta fornecido pelo sistema jurídico
quanto à concessão ou denegação da proteção ao terceiro.
O estudo da posição do terceiro de boa-fé e a aquisição a non domino serão
analisados em face dos bens móveis e imóveis. O foco é delimitado nos direitos
reais, mas sem descurar o exame de aspectos conexos e interligados do direito
obrigacional. O sistema brasileiro não conhece o princípio da abstração
(Abstraktionsprinzip), mas passa a admitir a proteção pelo registro após a Lei nº
13.097/2015, o que torna mais complexa a tarefa de definir os contornos de
conduta que caracterizam a boa-fé do terceiro adquirente.3 E mais, a necessidade
de análise da dinâmica da transmissão (Übereignung) coloca em crise a locução
usual de que no campo dos direitos reais a análise da boa-fé é essencialmente
subjetiva.
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
O exame da situação jurídica do terceiro não pode descurar de uma abordagem
do direito constitucional. O direito civil passa por um processo inevitável de
constitucionalização, uma vez que a pessoa se tornou o centro de imputação das
Constituições modernas pela proteção dos direitos fundamentais.4 A doutrina de
vanguarda do direito civil percebeu os problemas inerentes à adoção irrestrita da
teoria da relação jurídica como fonte de sistematização e exercício de direitos
subjetivos.5 A visão formal e conceptualista torna inexplicável a equação linear que
a relação jurídica propõe como solução, especialmente sob a ótica do regime das
invalidades. A posição do sujeito há de ser reforçada e readequada como
imperativo de proteção. E como consequência, o exame da conduta do sujeito
assume relevância invulgar pela possibilidade da boa-fé colmatar, corrigir e ao
mesmo tempo servir de fonte interpretativa para o exame das relações jurídicas
firmadas pelo interessado na busca da sedimentação de sua posição jurídica.
A proteção constitucional quanto ao sujeito não soluciona, por si só, a tensão
existente entre duas posições aparentemente legítimas e protegidas pelo sistema
jurídico. De um lado será possível identificar o proprietário que detém o título
dominial, do qual exsurge proteção especial oriunda do direito processual para a
garantia do domínio e cujas raízes deitam no direito romano; no outro lado, o
terceiro, que assume posição a posteriori e cuja proteção não pode ser ignorada
pela importância de sua confiança na estabilidade do tráfico negocial
(Rechtsverkehr). Nessa contraposição entre o titular do domínio, e o terceiro, aflora
a necessidade da valoração da boa-fé aplicada aos direitos reais e sua função
constitutiva e integradora. O regime de tratamento da propriedade imóvel e móvel
deverá ser abordado, uma vez que os princípios que orientam a transmissão
destes bens são diversos. No direito contemporâneo a visualização da propriedade
se afasta do modelo romano. A desmaterialização da propriedade revela uma
tendência de valorização da propriedade móvel em relação à imóvel.6 Esta noção
rompe modelo clássico que fundava o poder econômico baseado na propriedade
imóvel (res mancipi e nec mancipi).7 A circulação de bens e direitos exige uma
visão atualizada quanto ao novo papel da propriedade móvel para o
desenvolvimento do mercado, especialmente pelo papel desempenhado pelos
valores mobiliários no período moderno.
O direito registral não será objeto de apreciação específica, mas periférica. Sua
importância reside no fato do direito brasileiro seguir o modelo romano para fins de
transmissão, no qual se exige a demonstração do tituluse do modus adquirendi. O
registro representa o principal modo de aquisição da propriedade moderna e sua
presença é importante mesmo nos sistemas em que atua apenas com função
declarativa.
O direito brasileiro adotou o modelo registral alemão, mas de modo mitigado,
pois o registro não confere presunção absoluta, apenas relativa. Este dado
acrescenta mais um problema. A interligação entre o negócio jurídico formativo e o
registro permite sua invalidação. Todavia, o novo regime inaugurado a partir do art.
54, parágrafo único da Lei nº 13.097/2015 diminui drasticamente a possibilidade de
impugnação do registro.
No direito brasileiro admite-se que a posição do terceiro seja examinada quanto
a existência da causa negocial e de sua liceidade. Este dado acrescenta a
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
seriedade com que a posição do terceiro de boa-fé deve ser examinada e os
critérios de avaliação da tensão entre a posição do verus dominus com o terceiro
adquirente a non dominus.
Por fim, a necessidade da visão unitária e integrada do sistema jurídico exigirá
que algumas considerações sejam tecidas sobre a proteção processual do terceiro
e os meios de defesa de sua situação jurídica no sistema brasileiro. O exame dos
dispositivos processuais tem relevo para reforma processual portuguesa e
brasileira de 2015 e com auxílio de diplomas estrangeiros, como o português e
alemão. Alguns instrumentos como: os embargos de terceiro, as ações
possessórias, as ações petitórias e a ação publiciana estão diretamente ligadas à
posição do terceiro. O direito material e o processual necessitam desta visão
interativa que confere operacionalidade prática ao instituto jurídico do terceiro de
boa-fé. A força da boa-fé é grandiosa ao ponto de mostrar a necessidade de sua
sistematização no campo processual para pontos de alta relevância. O uso abusivo
do direito de ação e o estado de sujeição a que parte ré é obrigada a suportar, ante
o monopólio da atividade jurisdicional do Estado Moderno, chama os estudiosos e
aplicadores para uma reflexão séria sobre o papel da boa-fé no processo civil e a
proteção processual do terceiro de boa-fé.8 O abuso do direito que nasce no direito
civil projeta-se sobre os quadrantes do direito processual, por meio da construção
da figura do abuso do direito de defesa.9 Neste ponto, a peculiar contribuição do
Direito Português é poderosa, uma vez que a construção do instituto da má-fé é de
origem lusitana.10 De nada adianta a previsão material da proteção ao terceiro de
boa-fé, sem a existência de instrumentos processuais que possam garantir a
posição jurídica ameaçada ou lesionada.
1
Sobre a inclusão da jurisprudência como fonte direta, vide nosso Curso de
Processo Civil – Parte Geral, t. I, p. 276, Malheiros, 2016.
2
. Estes dois sistemas não devem ser examinados apenas sob a ótica da
codificação que pode ser considerada tardia em relação a muitos pontos sobre o
tema investigado. Como exemplo lembramos que a regra de aquisição da
propriedade móvel pela posse de boa-fé tem origem nos costumes de Bourjon do
século XIV, mas com influência do direito germânico pela regra Hand wahren
Hand. Sobre a regra, Bethmann-Hollweg, Der Civilprozess des gemeinen Rechts in
geschichtlicher Entwicklung, IV, § 8, p. 15.
3
. Schwab-Prütting, Sachenrecht, §4º, p. 14.
4
. Sobre a discussão é crucial o exame de Canaris, Direitos Fundamentais pp.
19 e ss. Neste diapasão merece menção a recente Lei nº 13.146/2015 do Brasil
que incorpora a Convenção da Pessoa com Deficiência (Estatuto da pessoa com
Deficiência) e revoga os incisos do clássico art. 3º do CCB que trata do regime da
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
incapacidade absoluta. Apenas os menores de 16 anos são incapazes absolutos.
O aprofundamento no regime de proteção do incapaz demonstra a proteção ao
direito fundamental da vida e do bem-estar das pessoas hipossuficientes. Esta lei
abre um novo panorama no cenário de proteção, pois a hipossuficência não pode
ser negada. Ao se estabelecer a capacidade plena, a priori, um cenário de
incerteza se desenha no tráfico negocial e no meio social, o que ultrapassa a
esfera individual. É fundamental acompanhar a evolução deste cenário com
cautela no direito brasileiro e o novo papel da curatela e da ação de interdição na
esfera processual.
5
. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, t. I, p. 283.
6
. Anne Pélissier, Possession et Meubles Incorporels, p. 205 e ss.
7
. Para uma visão do direito romano quanto ao tratamento dos bens e das ações
possessórias e petitória, Otto Karlowa, Römische Rechtsgeschichte, p. 310 e ss.
8
. Com absoluta precisão discorre Menezes Cordeiro (Litigância de Má-Fé,
Abuso de Direito de Ação e Culpa “In Agendo”, p. 37-38): “O reverso do direito de
ação é, assim, a sujeição à ação. Tal sujeição recai sobre os diversos sujeitos de
direito. Potencialmente, todas as pessoas podem, em cada momento, ser
demandadas seja pelo que for e seja por quem for. E o Código de 2013 (referência
ao novo CPC Português-inserção nossa), amplia, logicamente, a sujeição à ação.
9
. Figura que no novo Código de Processo Civil Brasileiro permite a concessão
da tutela da evidência, nos termos do art. 311, I: “A tutela da evidência será
concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao
resultado útil do processo, quando: I - ficar caracterizado o abuso do direito de
defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte (grifo nosso)”.
10
. Menezes Cordeiro, Litigância de Má-Fé, Abuso de Direito de Ação e Culpa “In
Agendo”, p. 45.
1. A SOCIEDADE DE CONSUMO NO SÉCULO XXI
1. A SOCIEDADE DE CONSUMO NO SÉCULO XXI
1
A Sociedade de Consumo no Século XXI
1.1. O consumo e a circulação de bens
O consumo não pode ser definido como uma peculiaridade da sociedade
moderna. A sobrevivência do ser humano sempre dependeu do consumo fundado
na apropriação natural ou comercial de bens.1 O consumo se perfaz pela aquisição
e fruição de bens. Os bens são tutelados pelo sistema jurídico, o qual disciplina os
meios legais de pacificação sobre a sua disputa. De acordo com clássica lição de
Carnelutti, os bens representam o motivo essencial das disputas judiciais, pois os
bens são limitados e os interesses ilimitados, o que gera a necessidade de meios
racionais para o regramento dos conflitos sociais.2 - 3
O que marca o período moderno é o consumo em massa e de modo
globalizado. Muito embora o ato de consumir seja uma constante histórica, o
consumo do homem moderno é diverso do da antiguidade. A preocupação, nos
primórdios da civilização, para a maioria das pessoas, residia unicamente no ato
de sobreviver.4 O ato de consumir estava intimamente ligado à subsistência do
núcleo familiar. No período medieval as cidades desenvolvem-se ao redor dos
feudos, como meio de proteção mútua e como meio de associação e cooperação.5
Os burgos nascem pela busca de um local estável em que as pessoas possam se
estabelecer e viver com razoável segurança.6 Somente no período moderno, com
o desenvolvimento social e econômico, é possível observar a formação de uma
administração municipal e de uma classe burguesa que fornecerá um novo modelo
social, econômico e jurídico.7 Neste período de transição do período medieval para
o moderno, o crescimento do consumo e o acesso aos “novos mundos”,
especialmente ante ao extraordinário desenvolvimento da navegação portuguesa,
por meio da escola de Sagres, tornou possível o acesso à Índia pelo Ocidente, por
meio do contorno ao Cabo da Boa Esperança, cuja tarefa foi empreendida por
Vasco da Gama, no ano de 1499. Outro grande navegador português, Pedro
Álvares Cabral, seria responsável por outro grande feito, a descoberta do Brasil, no
ano de 1500. A expansão geográfica propiciou novos horizontes e fontes de
abastecimento para o continente europeu.
A descoberta do caminho das Índias pela rota ocidental abriu uma nova fonte
para o comércio e consumo de especiarias. O monopólio de Gênovae Veneza é
quebrado, pois ambas as cidades eram abastecidas pelos portos de Tripoli,
Alexandria e Constantinopla.8 Esta última cidade já havia interrompido o
abastecimento com sua tomada pelos Turcos Otomanos no ano de 1453. O
volume comercial cresceria gradualmente pela descoberta de produtos até então
desconhecidos e que conferiam um enriquecimento aos hábitos do homem da
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
baixa Idade Média. O forte consumo de especiarias por meio das cidades de
Genova e Veneza já havia provocado uma transformação radical no comércio
jurídico europeu, inclusive com importante reflexo jurídico por meio da criação dos
títulos de crédito, como instrumento de garantia e execução contra o devedor.9
Neste período ainda é possível observar o início do desenvolvimento histórico
das sociedades por ações e o fenômeno da atomização do direito de propriedade
que iniciará uma mudança quanto ao enfoque de proteção irrestrita da propriedade
imobiliária oriunda da tradição romano-canônica.10 O banco de São Jorge, em
Génova, criado em 1407, e que operou até 1805, representaria o marco
embrionário das sociedades por ações.11
A sociedade moderna, especialmente após a revolução industrial, passou a
conhecer o consumo em escala. O impacto e crescimento comercial refletiria no
sistema jurídico. Além do aperfeiçoamento dos títulos de crédito, as sociedades
comerciais passaram a adotar modelos complexos que obrigam à regulação em
leis extravagantes, alterando a topologia codificada que marcou a sedimentação do
direito positivo no século XIX.
Neste panorama deve ser agregada a recepção da boa-fé objetiva como
elemento essencial para a segurança das relações jurídicas, cujo desenvolvimento
se deve ao gênio alemão.12 Muito embora já recepcionada pelo BGB na Alemanha,
em 1896, com seus antecedentes no HGB, é possível afirmar que o tema foi
praticamente desconhecido da doutrina brasileira.13 Apenas no final do século XX,
com a preocupação voltada para a reforma do CCB de 1916, que culminou com o
diploma atual do ano de 2002, a doutrina alcançou maior profundidade quanto ao
importantíssimo tema, especialmente com apoio na doutrina portuguesa.14
A boa-fé objetiva avultou no sistema brasileiro pelas peculiaridades que
informam o sistema de proteção da propriedade imobiliária e mobiliária. O Brasil
sofreu a influência predominante do direito francês por largo período no campo
material e processual. É o que explica, de certo modo, as dificuldades de
construção do sistema tabular em nosso regime jurídico, o qual seria vital, em vista
da debilidade e desorganização na formação dos títulos dominiais. As dimensões
continentais do território brasileiro exigiriam uma forma racional de organização do
cadastro imobiliário e o regime tabular assumiria importância destacada no modelo
brasileiro como elemento de auxílio na estabilidade da proteção e segurança das
relações jurídicas. Por sua vez, percebe-se as dificuldades existentes no direito
português para uma proteção efetiva do terceiro de boa-fé em relação aos bens
móveis, em vista da inexistência de recepção da regra de Bourjon pela qual a
posse vale título (en fait de meubles la possession vau titre). Isso não eliminou a
possibilidade de proteção do terceiro, na aquisição da propriedade imóvel ou móvel
sujeita a registro, no sistema lusitano, pela interessante figura do art. 291 do CCP
e pela proteção específica do CRP por meio dos arts. 5º e 17. O direito brasileiro
nunca contou com este sistema peculiar de proteção para os bens imóveis. O CCB
previa uma proteção ao terceiro de boa-fé por meio da usucapião abreviada
especial, conforme previsão insculpida pelo art. 1.242, parágrafo único. No ano de
2015, a legislação brasileira passou por uma modificação singular ao prever a
possibilidade de proteção do terceiro de boa-fé por meio do registro, inclusive em
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
face da evicção, conforme dicção do art. 54, parágrafo único, da Lei nº
13.097/2015.15
1.2. A necessidade de segurança jurídica
A sociedade moderna procura obter do sistema jurídico o que ele pode conferir
de melhor: segurança jurídica.16 Nesta tarefa de buscar os valores que informam o
ordenamento jurídico com o fim de obter a unidade do sistema, a proteção ao
terceiro de boa-fé se revela fundamental. A procura dos valores fundamentais que
informam a ordem jurídica no campo do direito material ou processual exige a
leitura e compreensão da base em que se radica a Constituição. A Carta Magna
informa os valores que devem orientar a formação dos textos infraconstitucionais e
sua interpretação é renovada pela jurisprudência da Corte Constitucional que traça
os parâmetros para a interpretação dos Direitos Fundamentais. A influência da
Constituição é marcante e reflete um autêntico fenômeno de constitucionalização
das normas do direito privado.17
Mesmo no campo do direito privado, a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais não pode mais ser ignorada. A questão ganhou grande rendimento
com o polêmico julgamento do caso Lüth.18 Pela primeira vez, a Corte
Constitucional Alemã admitiu a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, com
discussão sobre a possibilidade de sua irradiação em relação aos terceiros, nas
relações privadas (Drittwirkung).19 Até então, a construção da proteção dos direitos
fundamentais estava sedimentada na relação Estado-cidadão (Abwehrrecht des
Bürgers gegen den Staat), que marcava a eficácia vertical dos direitos
fundamentais.20 Por meio desta noção, a relação de superioridade do Estado em
relação ao cidadão (princípio da supremacia do interesse público sobre o
particular) seria resguardada pela proteção vertical e imediata dos direitos
fundamentais.
Não se está aqui a defender a aplicação da eficácia horizontal sobre o direito
privado de modo imediato ao terceiro, mas unicamente apontando-se para a
importância da questão e a necessidade de conformação do direito privado à
ordem Constitucional.21 O direito brasileiro conheceu muito cedo a incidência
horizontal dos direitos fundamentais em virtude do grande tempo de defasagem de
nossa legislação infraconstitucional. Nosso primeiro CCB entrou em vigência no
ano de 1916 e sofreu sua grande reforma apenas no século XXI, com a aprovação
do CCB de 2002. A elaboração e promulgação tardia da primeira codificação
brasileira poderia ter sido motivo de grande vantagem, pois, neste período, o
mundo ocidental já contava com o monumental BGB, que foi promulgado em 1896,
e que contou com prolongada vacatio legis, pois entrou em vigência apenas no ano
de 1900.22
Como informa a melhor doutrina, o BGB é fruto de uma codificação tardia e
representativa da terceira sistemática.23 A poderosa influência do BGB sobre o
direito brasileiro, no que tange à proteção do terceiro, assume peculiar posição no
regime da proteção da propriedade móvel pela boa-fé. Neste ponto peculiar há
uma relação direta com a contribuição francesa pela regra de Bourjon, mas sem
descurar da influência da Gewere, de onde provém a regra de garantia da
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
transmissão dos bens móveis (Hand muss Hand wahren), ou mesmo da boa-fé
incentivada pelo direito inglês na realização de feiras públicas (open market). Esta
conjunção informa um regime peculiar que irá influenciar o direito brasileiro,
conforme leitura do art. 1.268 do CCB, no que tange à propriedade móvel. No
regime da propriedade imóvel, as relações jurídicas são marcadas por maior
estabilidade, o que de certa forma demonstra a importância do direito de
propriedade no meio social. Não é lícito procurar estabelecer uma gradação entre
os direitos com o fim de estabelecer classificação quanto a maior ou menor
importância. Atualmente,os direitos da personalidade ocupam uma posição de
destaque pela tutela a temas sensíveis que estão relacionados diretamente à
essência da pessoa e sua dignidade. No entanto, não é menos importante o
regramento dos direitos reais, pois a subsistência do ser humano depende
essencialmente da fruição de bens, o que justifica a importância do seu tratamento
e proteção jurídica.
Aliás, um dos pontos de maior polêmica reside em definir a relação de
interação entre a pessoa e a coisa.24 Nos direitos reais e na sociedade civilizada
esta interação é regrada por normas que disciplinam as formas de aquisição,
conservação e extinção da propriedade. Ainda que fosse desejável que todas as
relações de interação entre a pessoa e a coisa pudessem ser materializadas por
títulos jurídicos, que garantissem segurança e transparência nas relações sociais,
o modelo ideal ainda não foi concretizado. Este é o motivo pelo qual o sistema
jurídico atual ainda necessita de proteção peculiar para a posse. A posse
representa um fato social indelével e que acaba provocando a consolidação de
diversas situações jurídicas, inclusive contrapostas ao direito de propriedade
(usucapião), bem como a necessidade de proteção ao terceiro de boa-fé.
A proteção possessória constrói modelos próprios na formulação de
precedentes que apresentam uma interessante e polêmica linha de evolução que
deverá ser examinada pelo confronto da função social da posse com o direito de
propriedade. No Brasil, o STJ sedimentou proteção poderosa por meio da Súmula
84: É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de
posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que
desprovido do registro. É necessário investigar se a proteção possessória pode
chegar ao extremo, ao ponto de abalar o direito de propriedade, ou seria uma nova
forma de direito real jurisprudencial? Afinal, o titular de um compromisso de
compra e venda que não registra seu bem imóvel e oculta propositadamente o seu
patrimônio merece proteção efetiva do sistema jurídico? Não seria uma violação da
cláusula geral da boa-fé? O confronto entre o compromitente comprador (possuidor
direto) com o terceiro adquirente que confiou no registro merece solução pela
prevalência da Súmula 84 do STJ? Ou deveria ser garantida a posição do
comprador que confiou no registro de propriedade, nos termos do art. 1.245 do
CCB? O mesmo questionamento pode ser transportado para o regime de
aquisição da propriedade em hasta pública. O CPC/2015 tutela expressamente a
aquisição do terceiro arrematante, nos termos do caput do art. 903: “Qualquer que
seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo
leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda
que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação
autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de
reparação pelos prejuízos sofridos” (grifo nosso). A solução processual é altamente
javascript:void(0)
elogiável e representa a valorização da boa-fé objetiva na seara processual, na
medida em que fortalece a aquisição derivada oriunda da venda judicial.
Entretanto, esta consolidação da propriedade ao terceiro arrematante de boa-fé
ficaria imune à aplicação da Súmula 84 do STJ? O que dizer quando o terceiro se
apresente e defenda sua posse de boa-fé confrontando o título de propriedade
formado pela consolidação da arrematação. A questão é interessante porque
revela um conflito entre situações legítimas de boa-fé: a boa-fé do arrematante
versus a boa-fé do possuidor.
A estas questões a doutrina e a jurisprudência brasileira não têm dedicado a
atenção adequada. A proteção irrestrita da posse funda-se em uma visão de
hipossuficiência do possuidor. A Súmula 84 do STJ acaba por mudar paradigma
básico do sistema jurídico brasileiro ao transformar a posse de boa-fé em instituto
de maior rendimento do que a propriedade. A posse, a princípio, estaria imune ao
direito de sequela e à eficácia erga omnes do direito real. Seria lícito indagar se a
proteção à tutela individual seria legítima ao ponto de abalar a estrutura estável
conferida pela publicidade registral, ou mesmo a publicidade garantida pelo ato de
alienação judicial? A análise desta questão exige a digressão sobre conceitos
prévios que contribuirão para uma conclusão sobre as indagações
supramencionadas.
O direito de propriedade brasileiro, ao contrário de outros sistemas, é
fortemente influenciado por questões sociais e conflitos possessórios coletivos que
atingem a base de proteção da propriedade, o que provoca um grande impacto
sobre a construção dos institutos jurídicos. A Súmula 84 do STJ reflete o
fortalecimento da posse em um sistema jurídico marcado pela informalidade no
regime de transmissão econômica dos bens. Fatores culturais e sociais influenciam
nesta fórmula que acaba conferindo importância destacada para o contrato
preliminar. Um exemplo desta afirmação reside na proteção conferida aos
contratos de adesão firmados por particulares com incorporadoras. Além disso, a
necessidade da moradia e a proteção constitucional ao patrimônio mínimo
fortalecem a posição do compromitente possuidor ao ponto de sublimar a boa-fé
subjetiva. Neste sentido deve ser mencionada a Súmula 308 do STJ: “A hipoteca
firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à
celebração da promessa de compra e venda não tem eficácia perante os
adquirentes do imóvel”. O precedente firmado é polêmico e de duvidoso acerto ao
estabelecer uma hipótese ampla e irrestrita de defesa da posse, como será
examinado na última parte deste trabalho.
A análise comparativa entre o sistema brasileiro e português é interessante por
permitir a compreensão de determinadas questões que o direito brasileiro
solidificou com base na experiência estrangeira. Um exemplo claro desta
afirmação reside nos dois pontos principais da exposição. O primeiro com relação
à tutela conferida à posse de boa-fé dos bens móveis, no qual o direito brasileiro
apresenta sensível modificação desde a promulgação do CCB de 2002. O direito
brasileiro afastou-se do direito português buscando não só a proteção possessória
do terceiro de boa-fé, mas a garantia do tráfico negocial. O segundo ponto, ao
contrário, não é de afastamento, mas de convergência. Muito embora a
jurisprudência portuguesa seja restritiva quanto à tutela do terceiro de boa-fé,
desde a promulgação do Código Civil Português de 1966, pode-se concluir por
uma lenta, mas crescente aproximação do direito português ao modelo germânico
de proteção ao terceiro de boa-fé. A leitura do art. 291 do Código Civil Português e
dos arts. 5º, I, e 17º do Código de Registo Português não permitem outra
interpretação. Afastadas as discussões sobre o alcance e interpenetração entre a
lei civil e registral, a realidade é uma só: admite-se a possibilidade de formação da
propriedade a non domino ao terceiro de boa-fé, independentemente da
usucapião. No direito brasileiro, até a promulgação da Lei nº 13.097/2015, esta
conclusão seria inviável e contra legem. Com a previsão do art. 54, parágrafo
único, o direito brasileiro ganha modernidade e a legislação civil alcança um
patamar diferenciado. O grande desafio, desta mudança, ainda não absorvida pela
jurisprudência e doutrina, reside em construir um modelo próprio quanto aos
requisitos de sedimentação da aquisição a non domino pelo registro.
1
. Como pontua precisamente Menezes Cordeiro (Da Modernização do Direito Civil, I, p. 151), não
seria possível observar a autonomia do direito comercial no direito romano porque, após a
formação dos bonae fidei iudicia, “o Direito romano era, todo ele, comercial”.
2
. Sistema del Diritto Processuale Civile, t. I, p. 33.
3
. Na fase atual, a resolução de conflitos possui meios alternativos ou paralelos na solução de
conflitos (ADR – alternative dispute resolution). Alguns denominam de sistema multiportas (multi-
door system). A possibilidade de vias colaterais ou alternativas para a soluçãode conflitos é
essencial para a desjudicialização excessiva dos conflitos. Apesar da previsão de outras “portas”,
como a arbitragem, a mediação e a conciliação, denota-se o aumento gradual da utilização do
poder judiciário. Isso também decorre da facilitação do “acesso à justiça”. Em 1995,
regulamentava-se o Juizado Especial Cível e Criminal, pela Lei 9.099/95, atualmente, somente em
microdemandas existem outros dois Juizados para facilitar o acesso do jurisdicionado: O Juizado
Especial Federal (Lei 10.259/01) e o Juizado Especial Estadual das Fazendas Públicas (Lei
12.153/09).
4
. A comprovação da assertiva pode ser constatada pela descrição histórica do inventário de
Zanobi, camponês de Capannale em 1406, conforme estudo de Philippe Ariès e George Duby
(História da vida Privada, t. II, p. 189): “O defunto, proprietário de sua terra, estava bem equipado
em material agrícola, toneis, animais de tiro e de curral (três porcos); suas provisões de trigo e de
vinho teriam bastado até a próxima colheita; nenhuma dívida. Mas na peça exclusiva que o
abrigava com sua família (uma mulher, três filhos), o único móvel marcante é uma cama, uma
grande cama de 2,90 metros com todos os seus pertences e o cortejo de suas arcas, quanto ao
resto, nem mesmo o estritamente necessário”.
5
. João Ameal, História da Europa, t. II, p. 98.
6
. Henri Pirenne, A Cidade Medieval, pp. 49-50.
7
. Sobre o desenvolvimento das cidades e comunas, é essencial a pesquisa da obra de Wilhelm
Ebel, Der Bürgereid als Geltungsgrund und Gestaltungsprinzip des deutschen Mittelalterlichen
Stadtrechts, pp. 08-90, Böhlaus, Weimar, 1958. A formação das comunas e burgos pode ser
diferenciada pelo juramento. Quando o burgo se forma na propriedade do senhor feudal, realiza-se
o juramento que forma a relação jurídica que vincula o suserano e o vassalo. Por outro lado,
quando desvinculada de um senhor feudal, é possível observar a formação de uma associação de
pessoas que firmam, pelo juramento, um propósito de vida em comum, sem relação de hierarquia,
o que forma a comuna.
8
. Para uma análise da história do comércio e da atividade comercial dos italianos, Goldschmidt,
Universalgeschichte des Handelsrechts (História Universal do Direito Comercial), § 7º, p. 142 e ss.
9
. Foi na Idade Média, por meio dos estudos de Bártolo, que a problemática sobre a necessidade do
título executivo para aparelhar a execução foi retomada. Condenando os princípios do sistema
germano de execução, o qual se realizava sem fundamento, em qualquer prova ou
pronunciamento judicial prévio, Bártolo enunciou a máxima non est incoandum ab executionis.
Certo de que os costumes bárbaro-germânicos não condiziam com a melhor solução para resolver
o problema da execução, causava repúdio a ideia de utilizar-se da penosa actio iudicati para dar
seguimento ao processo de execução. Isso porque, mesmo o credor estando de posse de uma
sentença condenatória, precisaria mover um novo processo com pleno contraditório. Como meio
de acelerar o procedimento, Martino di Fano e, depois, Giovanni Fasolo desenvolveram duas
formas possíveis de execução no período medievo. A primeira, de natureza sumária, exercer-se-ia
com base no poder de ofício do Juiz em movimentar o juízo e denominou-se imploratio per officium
judicis. A segunda continuava a privilegiar a actio iudicati, em face de sua previsão junto ao Direito
Romano. A execução, por ofício do Juiz, influenciou os demais sistemas, levando a criação de um
sistema ágil, onde a possibilidade de execução, sem a necessidade de novo processo de
conhecimento, foi sintetizada pela fórmula: setentia habet parata executionem. Surge o conceito de
execução aparelhada (executio parata), pois o juiz, em função de uma sentença condenatória
(título executivo), obrigava o réu a cumprir o mandamento judicial, sem eliminar a possibilidade
oposição do devedor. Vide, José Alberto dos Reis, Processo de Execução, v. I, p. 74.
10
. O sistema jurídico de tradição romana sempre valorizou a propriedade imobiliária como fonte de
riqueza. Em Roma, a proteção à propriedade imobiliária poderia ser visualizada pelo regime
jurídico solene de transmissão que exigia a mancipatio. Os bens de maior projeção econômica
eram considerados res mancipi. Consideravam-se res mancipi: os terrenos itálicos, os escravos,
animais de tiro e carga e as servidões prediais rústicas. Segundo Dernburg, esta classificação teve
repercussão no período arcaico, pois no período Justinianeu ela deixou de existir: “Für das
altrömische Recht war diese Unterscheidung von größter Wichtigkeit; dem Justinianischen Rechte
sie nicht mehr an” (Para o período arcaico do direito romano, a diferenciação era de grande
importância, mas não mais, no período de Justiniano – tradução livre), in Pandekten, t. I, § 67, p.
158. A transmissão de bens mancipi, pela traditio, gerou uma segunda espécie de propriedade,
denominada de bonitária, ao lado da quiritária.
11
. Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, t. I – Parte Geral, pp. 60-61.
12
. Rudolf Mayer, Bona fides und lex mercatoria in der europäischen Rechtstradition, p. 36 e ss.
13
. Mesmo Pontes de Miranda, maior tratadista brasileiro, não realizou a percepção nítida quanto à
distinção entre os regimes de incidência da boa-fé subjetiva (guter Glaube) e da boa-fé objetiva
(Treu und Glauben). Sobre a boa-fé possessória, deve ser consultado, Pontes de Miranda, Tratado
de Direito Privado, t. X, § 1078, p. 126.
14
. Menezes Cordeiro, A Boa-fé no Direitos Civil, passim. Esta obra representa um marco divisório
do direito moderno quanto ao tema. Quem realizar a leitura integral deste denso trabalho tomará
contato com a análise profunda e o desenvolvimento histórico minucioso sobre a boa-fé, com
pesquisa inigualável nas fontes e que permite compreender temas até então obscuros, como a
distinção entre bona fides e aequitas, bem como a importância de Aristóteles quanto à laicização
do direito e o desapego dos conceitos metafísicos de Platão. Não há paralelo sobre o tema nesta
profundidade, mesmo no direito alemão.
15
. O sistema registral brasileiro é regido pela Lei nº 6.015/73, com suas subsequentes alterações.
As duas alterações mais importantes e significativas desde sua implantação, no que toca à
proteção da boa-fé, reside na adoção do modelo espanhol do patrimônio de afetação pela Lei nº
10.931/2004 e na inserção do princípio da concentração por meio da Lei nº 13.097/2015. Por meio
da primeira alteração, procurou-se imunizar a matrícula registral para que incorporadoras e
construtoras não pudessem gravar os terrenos que seriam utilizados para a construção de
edifícios, com o fim de não prejudicar terceiros que realizassem a aquisição de unidades por meio
de contratos preliminares. A segunda alteração de impacto veio por meio da Lei nº 13.097/2015,
que positivou o princípio da concentração em seu art. 54. No sistema brasileiro, até então,
somente as ações reais e reipersecutórias poderiam ser objeto de registro com o fim de proteger
terceiros de boa-fé. Todavia, com o fim de permitir proteção integral, toda e qualquer constrição
judicial (arresto, sequestro, indisponibilidade) poderá (rectius, deverá) ser averbada para prevenir
eventual insolvabilidade do devedor perante terceiros (art. 54, III e IV). E mais, o art. 54, parágrafo
único, é de leitura cristalina: Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da
matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção , ao terceiro de boa-fé (grifo
nosso) que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto
nos arts. 129 e 130 da Lei n º 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 , e as hipóteses de aquisição e
extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.
16
. Canaris, Systemdenken und Systembegriff in der Jurisprudenz, § 1º, p. 18.
17
. Canaris, Direitos Fundamentais e Direito Privado, p. 20.
18
. O caso Lüth narra leading case na década de cinquenta (1958), que inaugurou a aplicação das
normas de direito fundamentalsobre o direito privado. Erich Lüth realizou protesto contra a
exibição do filme Unsterbliche Geliebte (Amada Imortal), de Veit Harlan, por sua suposta
vinculação ao nazismo. Este cineasta teria produzido, na decada de 1940, filme antisemita
denominado Jud Süß (O Judeu Süß), que o levou a ser processado por crime de guerra. Todavia,
Veit Harlan foi absolvido por ficar caracterizada a impossibilidade de conduta diversa, sob risco de
morte, uma vez que seguiu ordens de Goebbels, famoso Ministro da Propaganda Nazista. Lüth foi
alvo de ação judicial inibitória e foi condenado a uma obrigação de abstenção. Em seu recurso ao
Tribunal Constitucional, a decisão do Landgericht foi reformada e garantiu o direito fundamental à
opinião e a possibilidade de influenciar terceiros. A ponderação levou em consideração a primazia
do direito de manifestação em face dos bens jurídicos expostos na manifestação de Lüth.
19
. Vide a excelente crítica de Canaris sobre a utilização da eficácia da irradiação na decisão
histórica (Bverf, 7, 198-230). O ilustre civilista diferencia com propriedade a distinção entre a
eficácia imediata e a vigência imediata dos direitos fundamentais, que provocam consequências
absolutamente distintas e que não são observadas na nomenclatura jurídica. Isso é comum no
Direito Brasileiro em que a expressão Drittwirkung é tomada como sinônima para ambas as
situações em grande parte dos manuais e cursos de direito constitucional.
20
. Zippelius/Würtenberger, Deutsches Staatsrecht, § 17, p. 177,
21
. Sobre a eficácia imediata e mediata dos direitos fundamentais no âmbito do direito privado,
Canaris, Direitos Fundamentais e Direito Privado, p. 54.
22
. O avanço do diploma alemão para a época pode ser visualizado na discussão do projeto do BGB,
com a separação clara entre o regime público e privado, in Motive zu dem Entwurfe eines
Bürgerliches Gesetzbuches für das Deutsche Reich, t. I, pp. 2-14.
23
. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral, t. I, p. 72.
24
. Sobre as possíveis teorias que explicam a relação jurídica real, Menezes Cordeiro, Direitos
Reais, 213-260. Vide ainda o interessante trabalho de Rigaud, Le Droit Réel – Histoire et Theories,
especialmente pp. 113 e ss.
2. A BOA-FÉ E OS DIREITOS REAIS
2. A BOA-FÉ E OS DIREITOS REAIS
2
A Boa-fé e os Direitos Reais
2.1. A boa-fé e sua incidência no direito privado e público
A boa-fé é marcada por sua projeção sistêmica e por representar um vértice de
influência sobre o campo do direito privado e público. É peculiar a influência cada
vez maior da boa-fé nas relações jurídicas que são marcadas pelo direito público.
A boa-fé revela um fator importantíssimo de reequilíbrio na relação público-privado,
o que pode ser explicado pela necessidade de mudança do objeto de proteção do
bem jurídico na relação de direito público.
O fortalecimento do Estado no período moderno surge de uma lenta maturação
com período marcante na guerra dos 30 (trinta) anos no século XVII, que
fortaleceu a noção de soberania e território e preparou as bases para a separação
efetiva dos poderes no século XVIII.1 O surgimento do Estado como ente jurídico
marcado pela superioridade hierárquica na relação jurídica provocou a
sedimentação do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.2
A aplicação irrestrita e sem limites deste princípio gerou situações de extrema
desigualdade e injustiça, especialmente no campo contratual e na
responsabilidade civil. A supremacia do príncipe permitiria a resolução imotivada
de relações jurídicas, ou a irresponsabilidade absoluta em situações de
cometimento de ato ilícito (The King can do no wrong). O século XVII preparou a
base de nascimento do Estado Moderno ao estabelecer limites para o Príncipe.3
A atuação do soberano deveria estar voltada para o bem estar geral e não
particular. A formação do direito público propiciou a noção natural de supremacia
do interesse estatal que representaria a vontade e o bem estar geral com
sedimentação das funções estatais no século XIX.4 Esta noção, apesar de ainda
ser predominante no direito público, exige uma revisão de postura.
No âmbito do direito público, o objeto da atividade administrativa deve estar
pautado pela proteção e segurança dos direitos fundamentais. O compromisso do
Estado com a realização dos direitos primários realça o seu papel ordenador
(Ordnungsfunktion) e provedor da atividade essencial para o bem estar dos
cidadãos (Gestaltungsfunktion).5 O interesse estatal deve estar voltado para a
proteção dos direitos fundamentais e não para a salvaguarda do interesse público
que reflete um conceito indeterminado e de contornos duvidosos.6 Esta noção é
fundamental como novo vetor de orientação da atividade administrativa, na medida
em que a supremacia do interesse público não pode servir de argumento para
fragilizar a posição jurídica do administrado. A proteção conferida pelos direitos
fundamentais visa a uma limitação da atividade estatal sobre o indivíduo
(Abwehrrechte).7 A vinculação do Estado aos direitos fundamentais e o
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
direcionamento de sua atividade para sua proteção não elimina o seu poder de
império (Hoheitsverwaltung). O Estado, no exercício da função administrativa,
exerce poder de polícia e poder de imposição de seus atos (Zwangsgewalt), mas o
controle de sua atividade, e os limites do seu exercício, são controlados pela
cláusula de proteção aos direitos fundamentais. A supremacia da atividade estatal
somente é legítima quando conforma a atividade estatal ao respeito e proteção aos
direitos fundamentais.
No campo do direito público, a força da boa-fé deve ser ressaltada no âmbito
material e processual. A boa-fé ganha progressiva importância e força nas
relações contratuais com a Administração Pública como meio de proteção e
equilíbrio para evitar que o indivíduo possa ser prejudicado de modo indevido. Nos
contratos administrativos, por exemplo, as nulidades que tenham causa na
atividade equivocada ou de má-fé do agente público não poderá acarretar em
prejuízo para o terceiro de boa-fé que confia na liceidade da atividade
administrativa. Podemos citar como exemplo o art. 59, parágrafo único, da Lei nº
8.666/93, que regula, no Direito Brasileiro, o regime de nulidade do contrato
administrativo: A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o
contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e
por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja
imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. Isso
significa que o particular que estiver de boa-fé e não tenha contribuído de modo
doloso para a contratação nula com o poder público terá direito à indenização.
O ressarcimento é garantido pela primazia da boa-fé na relação jurídica
contratual. Nesta situação podemos citar o Município ou Estado que destina verba
para obra diversa que justificou o convênio firmado com a União Federal. O
terceiro que vence a licitação e inicia a execução do contrato poderá estar de boa-
fé e sem conhecimento efetivo sobre a origem dos recursos destinados ao seu
pagamento. A nulidade da licitação não pode ser oposta ao particular que executou
o serviço. A exceção de ilicitude não pode se servir de causa para o incumprimento
do contrato.8 Outro exemplo refere-se à proibição da surpresa em relação aos
ocupantes de função pública que tenham auferido remuneração de boa-fé. A
existência de erro da Administração Pública, ou alteração no entendimento da
Administração Pública, ou mesmo a modificação quanto ao entendimento da
jurisprudência, não serão argumentos suficientes para alterar a posição jurídica
estabilizada. Respeita-se a boa-fé e proíbe-se o venire contra factum proprium da
Administração Pública.9 Os exemplos citados conformam a proteção pela boa-fé, o
que reflete, em última análise, a uma proteção de direito fundamental individualque veda a retroatividade e a alteração de situação jurídica consumada (art. 5º,
XXXVI, CFB e art. 18º, 3, da CFP).
2.1.1. A boa-fé no direito público: A seara processual
No âmbito do direito público, ainda merece destaque as reformas dos
ordenamentos português e brasileiro, representados pela alteração da legislação
processual. A reforma do Direito Processual Civil Português tornou expressa a
previsão da boa-fé no art. 8º: “As partes devem agir de boa-fé e observar os
deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior”. A influência
deste diploma sobre a reforma operada no recentíssimo Código Processual Civil
javascript:void(0)
javascript:void(0)
Brasileiro é manifesta como se depreende da redação do art. 5º: “Aquele que de
qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-
fé”.10
Em toda e qualquer relação jurídica, a boa-fé estará presente como elemento
ético e indissociável de integração, interpretação e correção. Na seara processual,
o tema da boa-fé no direito processual brasileiro é absolutamente incipiente. A
boa-fé sempre foi tratada como elemento secundário e com repercussão prática
apenas no campo da fixação da pena de litigância de má-fé. A sua incidência
sempre foi tratada de modo acidental como meio de justificar a ausência de má-fé.
A nova legislação procura estabelecer um novo patamar para a boa-fé na seara
processual. Sua importância ultrapassa a mera análise de conduta de
contraposição com a má-fé para fins de fixação de apuração de perdas e danos
oriundos da relação processual (art. 79 do CPC).
A boa-fé está prevista como elemento expresso de interpretação e integração
do pedido formulado pelo autor em seu articulado inicial (art. 322, § 2º, CPC).11
Apesar da obrigatoriedade da postulação judicial ser certa e determinada para a
delimitação do objeto litigioso, em muitas situações, a extensão do pedido poderá
ser modulada pela interpretação judicial. A boa-fé assumirá papel de interpretação
e de integração cujo reflexo será imediato quanto à projeção da sentença e do
caso julgado. Não se pode olvidar que a projeção do que será estabilizado pela
sentença encontra seu limite no pedido formulado pelo autor (Der
Streitgegenstand). Acontece que o pedido, embora completo, não esgota a
projeção dos efeitos da sentença e da coisa julgada. A real extensão do pedido é
vinculada aos fatos que são expostos na causa de pedir, uma vez que todo pedido
somente pode ser acolhido quando devidamente fundamentado (Die Begründung
des Anspruchs).12 Ainda no campo processual, a boa-fé consiste em modelo de
solução favorável ao terceiro que confia na inexistência de vinculação do bem
adquirido a qualquer processo que envolva o alienante. A reforma processual
brasileira sedimentou o ônus processual do credor/exequente em materializar os
atos preventivos no registro tabular para permitir que o bem possa ser expropriado
sem eventual postulação do terceiro de boa-fé (art. 844 do CPC).13 Esta alteração,
que é voltada para os bens imóveis, vem acompanhada de solução própria para os
bens móveis que será examinada oportunamente. O sistema processual brasileiro
acaba por vedar a possibilidade de desfazimento da expropriação judicial de bens
móveis que são submetidos à hasta pública, como medida de proteção à boa-fé
processual.14 No sistema processual português a questão é simplificada pela
modernidade do processo de comunicação eletrônica entre o juízo e o serviço
registral. A leitura do art. 755 do Código de Processo civil Português informa que a
materialização da penhora sobre os bens imóveis será realizada diretamente por
comunicação eletrônica15 pelo agente da execução.16
Este simples panorama permite demonstrar a influência da boa-fé em todo o
sistema jurídico que não se limita ao campo do direito privado, muito embora suas
raízes e sua intensa construção devam ser hauridas no direito civil que propiciou
campo de alto rendimento para o instituto.17 O exame do tema passa
necessariamente por algumas considerações sobre o regime jurídico dos direitos
reais, em cujo campo se situa o objeto de investigação. A boa-fé civil, no campo
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
possessório e dominial, será analisada como elemento integrante da exposição
sobre a aquisição a non domino.
1
. A formação do Estado Moderno não se confunde com a Majestas populi Romani. O Estado
Romano em sua fase final era representado pela figura do Imperador e pelo exercício absoluto do
imperium por meio dos magistrados (Edicta, Rescripta, Decreta). Não existia qualquer traço de
organização com funções independentes. Com o fim do Império Romano, o modelo romano tentou
ser resgatado pelo Império Carolíngio, mas sem sucesso. O período medieval foi marcado pela
multiplicação dos poderes locais baseada na territorialidade do feudo. O período da baixa Idade
Média representaria o início da unificação e fortalecimento do poder do príncipe sobre o território
da comunidade (Landeshoheit-Otto Mayer, Derecho Administrativo Alemán, p. 29).
2
. Renato Alessi, Principi di Diritto Ammnistrativo, v. I, p. 251.
3
. Em um primeiro momento, a figura do Príncipe foi essencial para a centralização de poderes e
para a unificação territorial. O apoio da burguesia foi fundamental para a formação do Estado, pois
o modelo medieval baseado no sistema de concessões e privilégios, entre o suserano e o vassalo,
representava um empecilho para o desenvolvimento econômico do próprio comércio. Como
informa Orlando de Carvalho (Direito das Coisas, p. 33): “Apoiada nos reis contra os terratenentes
que dominam a propriedade tanto urbana como rústica, a burguesia citadina torna-se o primeiro
motor de dissolução do feudalismo, cujas peias impedem o seu desenvolvimento completo e cujo
domínio do solo impede a sua instalação”.
4
. Ernst Forsthoff, Lehrbuch des Verwaltungsrechts- Allgemeiner Teil, t. I, § 1º, p. 3.
5
. Alfred Katz, Staatsrecht, § 3º, p. 20
6
. Marçal Justen Filho, Curso de Direito Administrativo, p. 171 e ss.
7
. “Grundrecht wirken im Verhältnis zwischen Staat und Individuum” (Grabenwater/Holoubek,
Verfassungsrecht – Allgemeines Verwaltungsrecht, p. 164).
8
. Como esclarece Marçal Justen Filho, “O terceiro, desde que de boa-fé, não pode ser prejudicado
pelo vício que desconhecia nem poderia conhecer” (Comentários À Lei de Licitações e Contratos
Administrativos, 482).
9
. Cf. STF, “Os valores percebidos em razão de decisão administrativa, dispensam a restituição
quando auferidas de boa-fé, aliada à ocorrência de errônea interpretação da Lei, ao caráter
alimentício das parcelas percebidas e ao pagamento por iniciativa da Administração Pública sem
participação dos servidores” (MS 31.259 AgR, Relator(a): Min. Luiz Fux, 1ª T., julgado em
24/11/2015, g.n.).
10
. Como ressalta Nelson Nery Jr., “a regra é universal” (Teoria Geral dos Recursos, p. 170), ao
comentar sobre a necessidade da boa-fé no âmbito recursal civil para a incidência do princípio da
fungibilidade.
11
. “A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-
fé.”
12
. Arthur Nikisch, Der Streitgegenstand im Zivilprozess, § 4º, p. 55
13
. O dispositivo resolve problema que perdurou por longo tempo quanto à responsabilidade do juízo
ou do exequente quanto aos atos necessários para aperfeiçoar a medida constritiva. Atualmente,
caberá ao juízo o deferimento da medida constritiva, mas sua implementação é de
responsabilidade do exequente: “Para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, cabe ao
exequente providenciar a averbação do arresto ou da penhora no registro competente, mediante
apresentação de cópia do auto ou do termo, independentemente de mandado judicial”.
14
. Quanto ao ponto, abre-se uma contraposição entre o art. 447 e o art. 1.268, ambos do CCB. O
primeiro revela a tradicional garantia da evicção que subsiste nos contratos onerosos, ainda que a
aquisição tenhasido realizado em hasta pública. O segundo revela a regra pela qual a posse de
boa-fé legitima a transmissão da propriedade móvel ao terceiro, desde que realizada em regime de
publicidade. Esta contraposição hoje está fragilizada pelo regime imposto pelo art. 54, parágrafo
único, da Lei nº 13.097/2015, que fortaleceu a posição do terceiro na alienação dos bens imóveis.
15
. No Brasil, desde a Lei Federal nº 11.977/2009, foi instituída a obrigatoriedade de integração
eletrônica do sistema de registro de imóveis no prazo de 5 anos, o qual se esgotou em 2014 e não
restou materializado. O Conselho Nacional de Justiça emitiu o Provimento nº 47 em junho de 2015
e regulamentou o art. 39 da referida Lei quanto ao modus operandi e estabeleceu prazo adicional
de 360 (trezentos e sessenta) dias para a integração (art. 9º). As dimensões continentais do
território brasileiro e o próprio atraso na implementação do processo eletrônico tornam duvidoso o
cumprimento do prazo. Isso não elimina o processo irreversível de informatização do foro judicial e
extrajudicial. A Lei nº 13.097/2015 alterou o art. 41 da Lei 11.977/09 e prevê o acesso eletrônico,
sem qualquer custo, das informações registrais, aos poderes públicos.
16
. O sistema processual português, desde a reforma operada no ano de 2003, abandonou o modelo
de exclusividade de controle e prática dos atos executivos pelo juiz e pelo oficial de justiça,
respectivamente. O agente da execução será o responsável pela introdução e materialização dos
atos executivos, incluindo a comunicação da penhora pelo art. 755 do CPCP. Como o agente atua
por iniciativa do exequente/credor, é possível afirmar que não difere o modelo lusitano, do
brasileiro, quanto à necessidade de iniciativa (princípio dispositivo) para o início dos atos
executivos. Para uma visão geral sobre o agente da execução, Rui Pinto, Manual da Execução e
Despejo, p. 85-87.
17
. Para um estudo completo sobre a análise e desenvolvimento das diversas fases da boa-fé no
direito romano, Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, pp. 17-147. O conceito da bona
fides no âmbito possessório tem sua base histórica fincada no direito romano, inclusive quanto às
repercussões que serão sentidas nas codificações modernas quanto à adoção da boa-fé subjetiva
psicológica ou ética. Um belo extrato desta afirmação pode ser consultado no estudo de Bonfante,
Essenza della bona fides e suo rapposto colla teorica dell'errore, pp. 85-91.
3. O REGIME JURÍDICO DOS DIREITOS REAIS
3. O REGIME JURÍDICO DOS DIREITOS REAIS
3
O Regime Jurídico dos Direitos Reais
3.1. Aspectos gerais da relação jurídica real
A boa-fé pode ser analisada dentro de vários quadrantes que compõe o sistema civil, o
que exigiria um aumento considerável do espectro deste trabalho.1 Optou-se pelo seu exame
unicamente quanto às relações jurídicas que compõe a seara dos direitos reais. Essa
separação não torna o exame, por si só, mais fácil, até o dificulta, na medida em que o
enfoque particular exige a fixação dos princípios e regras aplicáveis ao regime jurídico dos
direitos reais. É necessário extremar e identificar a relação jurídica real dentro do sistema
civil.
É necessária uma breve análise sobre a posição dos direitos reais no quadrante geral.
Essa reflexão assume importância em vista da crise enfrentada pela teoria da relação
jurídica. A criação genial da relação jurídica por Savigny, agregada à formatação sistêmica
sugerida por Heise, influenciou abertamente o modelo alemão e o direito brasileiro.2 Nossa
legislação adotou expressamente o tratamento sistemático de divisão dos livros do direito
civil, com base na diferenciação da relação jurídica (parte geral, obrigacional, real, familiar e
sucessões).3 Nosso modelo não seguiu a influência francesa ou austríaca que foram fiéis à
separação proposta por Gaio em 160 a.C., ao estabelecer a divisão sistêmica do direito em
três livros, em suas Instituições (Institutiones): a) pessoas (personae); b) coisas (res); e c)
ações (actiones).4
O período atual é marcado por um esgotamento do modelo clássico que informa a
divisão tradicional das matérias perante a legislação civil brasileira. Aliás, basta um exame
na profusão de leis esparsas e de novos ramos do direito que não guardam posição
simétrica com os livros previstos do Código Civil Brasileiro. Não há dúvida de que a divisão
ainda é extremamente relevante e útil, mas a interpenetração entre os ramos, aliada à
falência da Parte Geral, demonstram a necessidade do diálogo entre as fontes (Der Dialog
der Quellen), uma vez que o modelo atual exige a adequada compreensão quanto à
interpenetração das leis especiais.5
O modelo jurídico atual não se contenta mais com construções dogmáticas puras e
formais para a solução e enfrentamento dos problemas do dia a dia. O modelo cartesiano
oferecido pela lógica formal e que procura construir a teoria da decisão judicial apoiada em
um silogismo jurídico não responde mais aos anseios do século XXI. O ato decisório e a
formação dos precedentes, com força vinculante, não se resume mais à aplicação da norma
positiva ao caso concreto.6 A multiplicidade normativa é insuficiente para regrar todas as
novas situações fáticas que são descortinadas diariamente. A densidade dos problemas
jurídicos, mesmo no âmbito privado, informa que o conflito intersubjetivo é capaz de irradiar
ondas que propiciam a necessidade de nova perspectiva sobre questões que aparentemente
estavam sedimentadas por princípios seculares. É o que se verifica de modo muito claro na
seara dos direitos reais cujo campo sempre foi considerado o de maior estabilidade pela
necessidade de regras claras e rígidas para a proteção da propriedade, bem como dos
direitos reais desmembrados (direitos reais de gozo e garantia). Outro ponto a ser
considerado é que ótica da legislação civil tradicional exige adaptação para dois pontos
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
cruciais: a) coletivização dos conflitos; e b) a desmaterialização da relação jurídica pela
influência das novas realidades e do direito digital.
A sociedade hodierna é marcada pela globalização e multiplicidade das relações jurídicas
que desconhecem os conceitos de fronteira impostos pelo direito internacional clássico. A
legislação civil atual é pensada para o ambiente coletivo, em vista da necessidade de
disciplina das relações negociais que atingem um número indeterminado de pessoas. Na
formação deste vínculo jurídico não está mais em jogo a igualdade na formação, pois sabe-
se de antemão que a relação contratual, na maioria das vezes, é fruto de mera adesão, o
que exige a criação de mecanismos específicos de proteção no direito material e processual.
A Europa inicia a encampação do direito processual coletivo e a acomodação de conceitos
bem desenvolvidos no direito anglo-saxão, como a defesa de interesses difusos.7 O
comércio eletrônico representa uma fonte de desafios para o direito privado interno e
internacional. As relações negociais passaram a depender como nunca da lealdade e
confiança. O denominado e-commerce somente se sustentará na medida em que exista o
respeito ao direito à informação e transparência no comércio virtual que respeitem a boa-fé
do adquirente.
Por esse motivo, é de fácil percepção que no âmbito do direito material e processual o
conceptualismo e formalismo8 jurídico herdados de Puchta não refletem a noção de um
sistema jurídico que possa propiciar a unidade da ordem jurídica.9 O século XX foi marcado
por certa letargia quando comparado com as grandes transformações que marcaram o
século XIX.10 O século XXI traz como desafios o rompimento de conceitos e a adequação da
ordem jurídica para a realização efetiva dos direitos emergentes de uma nova ordem social.
A aproximação do sistema jurídico da realidade vivenciada no meio social representa a
tentativa de conferir unidade na ordem jurídica e no processo de intepretação e aplicação do
direito. O processo de decisão atual não leva em consideração

Continue navegando