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A globalização e o Brasil Carlos Pinto de Novaes Professor de Geopolítica da FECAP www.fecap.br “Na América Latina e no Caribe, a acelerada internacionalização dos mercados e da produção, que caracteriza a atual fase da globalização, tem sido acompanhada por um intenso processo de reformas estruturais, que gerou mudanças drásticas nos regimes de incentivos à produção e ao comércio, assim como nas estratégias e formas de inserção das empresas transacionais nas economias da região”. citação aí em cima faz parte de um documento da Comissão Econômica para a América Latina) da ONU, que analisa a integração da área ao mundo globalizado. Decidi usá-la por conta do trecho “intenso processo de reformas estruturais”, também conhecido como Consenso de Washington, e que, na década de 90, orientou a política econômica de quase todos os governos da América Latina. Um dos elementos centrais desse modelo são as privatizações, que ajudaram os governos a reduzir a dívida externa. A Argentina privatizou quase tudo, com destaque para a poderosa estatal do petróleo YPF, o sistema elétrico e as telecomunicações. O Chile não só privatizou a Enersis, da área elétrica, como adquiriu empresas privatizadas, em especial na Argentina e Brasil. E no nosso caso, a privatização do Sistema Telebrás (1997/8), seguido por parte do setor elétrico, foi uma das mais ambiciosas do mundo. Entre 1999/2000 houve nada menos que 494 privatizações no continente. O setor de serviços arrecadou US$ 67 bilhões, representando 73,5% do total. Na América Latina, o coquetel do Consenso de Washington teve como tempero dois importantes processos de integração econômica regional. O primeiro foi o Mercosul, criado em 1986 por meio de um Acordo entre Brasil e Argentina, e que, a partir de 1991, incluiu também Uruguai e Paraguai. O segundo foi a adesão do México ao Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta). Nos dois casos, os processos foram bem sucedidos por conta do entusiasmo de grandes empresas internacionais, que viram na integração regional uma forma de reduzir custos e criar plataformas baratas de exportação. As grandes montadoras de automóveis foram as madrinhas do Mercosul, uma vez que puderam racionalizar sua produção a ponto de fechar diversas plantas produtivas. Em pouco tempo, não havia um automóvel FIAT ou Ford fabricado no Brasil que não contasse com componentes argentinos, por exemplo. Outros setores – como o alimentício – também aderiram à integração regional e, no ano 2000, os países do Mercosul já comercializavam na América Latina (principalmente dentro do próprio Mercosul) 37,2% de seus produtos primários industrializados e 33,7% de seus produtos manufaturados de tecnologia média. Se em 1990 o Brasil destinava à América Latina US$ 4 bilhões em exportações, em 1999 o número saltara para US$ 13 bilhões. O Mercosul fez com que, no fim dos anos 90, o Brasil exportasse aos demais países da América Latina 24% de suas vendas externas, fatia semelhante à que zarpava rumo aos EUA, que por décadas encabeçou a lista de parceiros comerciais do país. E a experiência de sucesso de nuestro mercadito levou diversos países, como a Bolívia, o Chile e a Venezuela, a iniciarem o processo de adesão. Mais ao Norte, a integração do México aos EUA e Canadá foi impulsionada por milhares de empresas norte-americanas, que cruzaram a fronteira para produzir mais barato. Elas fariam o mesmo em relação a alguns países centro-americanos, como Costa Rica, Guatemala e El Salvador, que se tornaram importantes exportadores, em especial de manufaturados de baixo valor agregado, com roupas e calçados. As vendas mexicanas para os Estados Unidos dispararam de cerca de US$ 2 bilhões, em 1990, para quase US$ 15 bilhões, em 2000, quando bateram em A PDF created with FinePrint pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com impressionantes 88% do total exportado pelo país. Entre 1990 e 2001, as exportações da América Latina cresceram a uma média anual de 8,4%. Lindo, não? O probleminha é que a abertura econômica trouxe, no bolso do colete, produtos importados baratos, que mataram de inanição inúmeras indústrias locais. As importações da América Latina e Caribe no período subiram em média 11,7% ao ano na década, bem mais do que os volumes exportados. E o déficit comercial da região, que foi de US$ 8,5 bilhões em 1995, atingiu US$ 22,2 bilhões em 2001. Que fazer para fechar as contas? A solução, nos marcos do Consenso de Washington, era recorrer aos investimentos internacionais, que desembarcaram em grande volume na América Latina, ao longo de toda a década de 90. Fosse para adquirir estatais privatizáveis ou para aproveitar boas oportunidades nas bolsas de valores, mas sempre aproveitando a liberalização econômica. Os investimentos estrangeiros diretos em terras latino-americanas cresceram de US$ 18,2 bi, em 1994, para US$ 103 bi, em 1999. Destaque, naquele ano, para o Brasil (US$ 28,5 bilhões), a Argentina (US$ 23,9 bi) e o México (US$ 13,2 bi). Bem, se as contas estavam fechando, então todos estavam felizes e a situação da América Latina, estável, certo? Engano dos graves. O equilíbrio de nosso continente globalizado, que tinha como garantia os capitais estrangeiros, não resistiu às grandes crises do México (1995), Rússia (1998) e Ásia/Brasil (1999). Em todos os casos, as crises começaram com revelações sobre problemas na saúde econômica ou financeira de alguns países e terminaram com uma correria dos investidores estrangeiros, para remover seu rico dinheirinho das bolsas de valores em baixa, em direção a localidades menos turbulentas. No caso do México, quem salvou a situação foi o cofre do Estado norte- americano, que injetou US$ 50 bilhões no sistema financeiro do vizinho de baixo, para estabilizar a moeda e evitar a “contaminação” da mais poderosa economia do mundo. Mas nos três casos, crises no sistema financeiro, nas bolsas de valores ou no mercado imobiliário em um país “emergente”, isto é, que não pertencia ao bloco dos mais desenvolvidos, acabavam levando à fuga de verdadeiras fortunas, de TODOS os países “emergentes”. Para o capital especulativo de curto prazo, que vive farejando melhores oportunidades de multiplicar-se rapidamente, problemas na bolsa de Buenos Aires ou de Kampala, em Uganda, eram mais ou menos a mesma coisa. Ao Sul do Equador, tudo era igual, de acordo com a lógica desse “hot money”, dinheiro que pode migrar de um canto a outro do globo em questão de segundos. Ora, como era esse dinheiro de curto prazo que fechava as contas de inúmeros países da América Latina globalizada, a fuga de capitais – quase sempre acompanhada por uma intensa especulação internacional contra a estabilidade das moedas – pôs o continente à beira do colapso, por diversas vezes. O caso mais grave ocorreu no fim de 1999, quando uma crise iniciada nos “tigres asiáticos” ameaçou quebrar as economias do Brasil e da Argentina – entre outros países. Os dois países reagiram de forma muito diferente à crise. Começaram aumentando as taxas de juros e injetando suas reservas em dólares para deter a queda das cotações na moeda mas, enquanto o Brasil mudou sua política monetária, adotando o câmbio flutuante, a Argentina manteve por muito mais tempo a paridade entre o dólar e o peso. O câmbio flutuante permitiu maior flexibilidade ao Brasil para driblar a crise, ainda que ao custo de juros altíssimos – que encareciam o crédito, paralisavam o crescimento econômico e ampliavam muito a dívida externa, tornando necessário manter os juros altos para captar mais dinheiro, num terrível círculo vicioso. A Argentina – que viveu um longuíssimo ciclo ultraliberal desde o período militar, que quase destruiu sua estrutura industrial, fazendo o país retroagir à situação de exportador de grãos, carne e petróleo – optou por manter a paridade da moeda a qualquercusto, por muito mais tempo. E virou o século XXI em meio a PDF created with FinePrint pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com terríveis crises econômicas e políticas, que abalaram gravemente sua situação de “país de classe média”, quer dizer, o nível de vida razoável, que existia desde a primeira metade do século. Favelas, ocupações de fábricas, greves selvagens e renúncias de presidentes passaram a fazer parte do cardápio diário dos argentinos. As políticas monetárias diferentes limitaram drasticamente as ações no Mercosul; a integração tornou-se muito mais difícil e nuestro mercadito parecia condenado a morrer lentamente, ou, ainda, a desintegrar- se em meio às pressões dos EUA, pela sedimentação da Área de Livre Comércio das Américas. E, até o momento em que este livro saía de um cansado computador IBM, nenhum país na América Latina conseguira resolver o dilema colocado pela globalização. Como escapulir da armadilha? Como encontrar novas fontes de financiamento para escapar da tentação de atrair capitais estrangeiros de curto prazo – e ter de mantê-los à força de juros altos ou de moedas congeladas (o que paralisa as economias), para perdê-los na primeira esquina, ou melhor, na primeira crise... ? E se começamos este capítulo com uma citação da CEPAl, que tal terminá-lo com outra? “(...) apesar dos avanços globais obtidos e dos indiscutíveis progressos alcançados por alguns países e atividades produtivas, essas mudanças não bastam para modificar a estrutura das vantagens comparativas da América Latina e Caribe e, assim, avançarna transformação produtiva com base na geração e adoção do progresso técnico ao longo de todo o processo produtivo atingir, ao mesmo tempo, maiores graus de eqüidade social. Em conseqüência, não foi possível reduzir a brecha de produtividadeem relação ao mundo desenvolvido e, simultaneamente, acentuou-se a heterogeneidade estrutural entre empresas, regiões e grupos sociais.” . E olhe que a CEPAL defende, por definição, uma liberalização econômica maior no continente... Collor de Mello: das carroças ao Consenso de Washington O termo “estadista” normalmente é usado para definir um líder político que imprime um rumo novo, marcante ao Estado. Levando-se em conta essa definição, é preciso concluir que Fernando Collor de Mello, que governou entre 1990/92, renunciou em meio a um imenso escândalo e tornou-se o símbolo do político mentiroso e corrupto, foi o estadista que mergulhou o Brasil no Consenso de Washington. Esse rumo foi aprofundado por seus sucessores, gerando efeitos profundos sobre o emprego e o trabalho no Brasil. Collor de Mello pilotou uma curiosa combinação entre um governante forte (ele costumava dizer que tinha nascido “com aquilo roxo...”), que impôs um rumo ultraliberal à política econômica, remanejando o tripé indústria de base estatal/multinacionais/indústria nacional. Para entender o vendaval Collor de Mello, é preciso estudar como ele chegou ao poder. Político formado na escola das oligarquias de Alagoas, ligado ao regime militar, Collor teve uma trajetória muito semelhante à de Jânio Quadros (presidente entre 1960/61). Ao entrar na campanha presidencial de 1989, ele percebeu o desgaste dos políticos, em um país que amargara um índice inflacionário recorde de 1.782,9%, em 1989. Não havia mais qualquer relação entre o custo de um produto e seu preço final. Reportagem da época revelava que uma taça de sorvete, em uma lanchonete chique de São Paulo, saía mais cara do que um liqüidificador. Os rendimentos de quem tinha alguma coisa eram protegidos pelo overnight, a correção monetária diária (ou noturna...), e os salários eram indexados à inflação. Mas quem recebia o salário 30 dias depois da prestação do serviço, já perdia uns 80% do poder de compra. Collor centrou sua campanha na luta contra os “marajás”. De início, tratava-se de altos funcionários públicos de Alagoas, que recebiam salários absurdos. Mas, aos poucos, “os marajás” passaram a representar todos aqueles que ganhavam com a hiperinflação. Para completar, Collor de Mello – como PDF created with FinePrint pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com Jânio, optou por distanciar-se dos grandes partidos filiando-se a uma legenda inexpressiva. Assim, parecia mais “independente” aos olhos do eleitor. Mas a vitória daquele candidato que o jornalista Lucas Mendes (então na TV Globo) classificou como um “jagunço yuppie”, só foi possível porque as elites econômicas e os partidos políticos responsáveis pela transição do regime militar à democracia, não conseguiram escolher um candidato para enfrentar o “monstro”. Isto é, o candidato esquerdista Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT). A bordo de uma campanha especialmente suja e contando com amplos recursos econômicos e com o apoio da maior parte da mídia, Collor venceu. E, como havia se afirmado sozinho, sem depender de grandes partidos ou forças econômicas (que aderiram à candidatura na esteira de seu sucesso), Collor sentiu-se à vontade para realizar o mais radical choque econômico da história do Brasil. Depois de acusar o socialista Lula de pretender confiscar a poupança dos brasileiros, Collor de Mello congelou os depósitos bancários e limitou drasticamente os saques, como forma de estancar a inflação. “Eu tinha apenas uma bala para matar o tigre da inflação e acertei no alvo”, disse o presidente, ao anunciar seu plano econômico. A indexação dos salários foi eliminada e, em paralelo, o governo reduziu drasticamente as transferências de recursos para as empresas estatais. De 2,21% do PIB em 1988, elas despencaram para 0,19% do PIB, sob Collor. O congelamento dos depósitos bancários deu um tiro no peito da inflação. Mas, como afirmou um trio de pesquisadores, provocou “a combinação de uma recessão sem precedentes no país, em termos de grau e de duração, com um desmonte do aparelho de Estado que obedeceu a fortes determinantes propagandísticas e ideológicas”. O PIB brasileiro caiu 4% em 1990, o que, para um país de 150 milhões de habitantes, foi uma catástrofe. Cresceria mínimos 1,1% no ano seguinte. Junto com a recessão, veio a redução drástica das tarifas protecionistas. Isso provocaria uma vinculação acelerada do país à economia internacional. Para Collor, a medida representava o passaporte em direção ao Primeiro Mundo. “Nossos carros são verdadeiras carroças”,afirmou certa vez o mandatário, identificando o protecionismo ao atraso da indústria brasileira. Com a abertura, o brasileiro teve acesso, é verdade, a carros que não eram carroças. O custo, porém, foi alto. Permitam-me a liberdade de citar um texto que escrevi em 1997. (O corte nas tarifas de importações)... “...apanhou de calças curtas a indústria brasileira (neste caso, o termo compreende tanto as multinacionais instaladas no país como as empresas de capital nacional). Anos e anos de restrição às importações, proteção a mercados e hiperinflação haviam produzido um duplo fenômeno. Muitas empresas não conseguiram ampliar sua competitividade, por não terem acesso à tecnologia internacional. Outras tantas acomodaram-se aos ganhos financeiros ou aos bons lucros obtidos com a venda regional dos produtos que saíam de suas sucatas mecânicas”. O Plano Real Após a renúncia de Collor de Mello, em meio a um super-escândalo de corrupção e quando a inflação recomeçava a subir (o IGP foi de 480,18% em 1991 e atingiria 1.157%,86 no ano seguinte), seu sucessor, o vice-presidente Itamar Franco, tratou de formar um gabinete amplo, mais inclinado à esquerda. Com o apoio de líderes políticos e técnicos de origem social-democrata – como o paulista Fernando Henrique Cardoso, que ocuparia o Ministério da Fazenda –, Itamar Franco lançou o Plano Real, em 1994. Essa nova tentativa de estabilização, muito menos bombástica do que o Plano Collor, tinhaos seguintes pontos centrais: 1) Controle da inflação, por meio da manutenção de cotações altas do real, a nova moeda, atrelada ao dólar; 2) Desindexação total dos salários PDF created with FinePrint pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com 3) Por conta da queda da inflação e de seus reflexos, por exemplo sobre o preço dos alimentos, favorecer a transferência de renda, beneficiando os mais pobres; 4) Garantir a recuperação paulatina do poder de compra do salário mínimo, o que aceleraria a transferência de renda; 5) Atrair investimentos estrangeiros – principalmente produtivos mas também para o mercado de capitais – com o objetivo de equilibrar as contas públicas e permitir um novo ciclo de desenvolvimento; 6) Manter a abertura econômica internacional; 7) Investir na ampliação do Mercosul, não apenas para ampliar os negócios internos, mas visando, principalmente, a consolidação de um pólo produtivo capaz de atrair investimentos estrangeiros e transformar a região em grande plataforma de exportações, capaz de negociar com os países desenvolvidos, em melhores condições, sua inserção no mercado globalizado; 8) Acelerar a privatização de empresas estatais; 9) Reduzir os gastos do governo, mantendo o congelamento dos salários dos funcionários públicos, aperfeiçoando a máquina de arrecadação de tributos e reformando a previdência social. O simples controle da inflação – sem o confisco e a retração econômica provocados por Collor de Mello – acompanhado por uma política de recuperação do salário mínimo fizeram com que os primeiros anos do Plano Real trouxessem uma considerável transferência de renda beneficiando os mais pobres. Entre 1994 e 1996, o rendimento médio da população ocupada cresceu 34,9%. Isso explica em grande medida a eleição fácil de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência, em 1994 e 1998. A estabilidade, as regras claras e a abertura fizeram jorrar o dinheiro estrangeiro. O Brasil permaneceu, na segunda metade dos anos 90, entre os quatro maiores destinatários de investimentos externos em todo o mundo. O país se engajou no mais amplo processo de privatizações realizado em todo o mundo – com destaque para os setores de telecomunicações, energia e infra-estrutura. A participação das empresas estatais sobre a receita total das empresas que operavam no Brasil desmoronou de 44,6%, em 1991, para 24,3%, em 1999. As privatizações ampliaram de forma considerável a presença do capital estrangeiro no Brasil. E, com a liberalização, o governo consolidava sua opção por produtos finais, de maior valor agregado na hora das exportações, se necessário em detrimento dos produtos e bens intermediários. Não por acaso, em meados da década de 90, duas grandes montadoras de veículos – a Ford norte-americana e a FIAT italiana – escolhiam o Brasil como plataforma de produção de seus novos carros mundiais, respectivamente o Ka e o Palio. Enquanto isso, a fatia de componentes estrangeiros dentro dos produtos eletroeletrônicos nacionais subia de 12%, em 1990, para 28%, cinco anos depois. “Estamos vivendo a expansão da Zona Franca de Manaus”, protestava, em 1997, Mario Bernardini, dirigente da poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), referindo-se à livre entrada de produtos no país. Setores inteiros da indústria brasileira desapareceram sob o impacto da competição – sem preparo – com similares estrangeiros. Entre 1990 e 1996, por exemplo, a indústria de brinquedos demitiu 21,5 mil de seus 32 mil funcionários. Quem conseguia competir com as traquitanas vindas da China e vendidas a meio real por qualquer camelô? E a indústria têxtil pôs na rua 400 mil operários na Grande São Paulo, entre 1990 e 1993. Como concorrer com camisas coreanas que chegavam às lojas a um real? PDF created with FinePrint pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com Complexos produtivos tradicionais, como o de Americana (têxtil), Limeira e Campinas (metalurgia e implementos agrícolas) quase desapareceram. O quadro de fechamento de empresas estimulou a guerra fiscal. Municípios passaram a oferecer grandes vantagens – terrenos grátis, isenção de impostos e taxas etc – para garantir a instalação de empresas. Cidades como Barueri e Santana do Parnaíba, na Grande São Paulo, por exemplo, tornaram-se celeiros de milhares de pequenas empresas. Funcionando na verdade na capital paulista, elas adotaram endereços-fantasmas para pagar menos impostos. Luciano Coutinho, professor da Unicamp e especialista em política industrial, dizia, em 1997, que o Brasil vivia um processo de “fragilização competitiva em todos os complexos de alto valor agregado e conteúdo tecnológico”. E concluía afirmando que o Brasil se consolidava como exportador de bens primários e, no caso dos produtos industriais, só demonstrava competitividade nas áreas em que mantinha imensas vantagens competitivas por conta da escala (aço ou suco de laranja). O fato – indicava Coutinho – é que a abertura atabalhoada eliminou faixas importantes em vários ciclos produtivos sem acarretar ganhos notáveis em competitividade. Já Luiz Gonzaga Beluzzo, também professor da Unicamp, afirmava que “o que o governo fez foi aplicar uma decisão de desistir de certos ramos da indústria, coisa que países como a Argentina e o Chile também fizeram. Só que nosso parque industrial é muito sofisticado e as conseqüências disso seriam terríveis”. A reação vinha, inicialmente, através de uma das mais vozes mais tradicionais pró- abertura. O economista Roberto Campos, decano dos ultraliberais, era um entusiasta da internacionalização, defendendo a tese de que a economia brasileira deveria ser exposta à concorrência. Os setores que sobrevivessem, teriam garantida a sua competitividade internacional. Em aparência convertidos ao neoliberalismo, dois economistas de origem social-democrata – José Roberto Mendonça de Barros e Lídia Goldenstein –, ambos ocupando postos de destaque no governo de FHC, defendiam a opção estratégica pela abertura, em um interessante artigo publicado no jornal Gazeta Mercantil, em 1996. “A grande novidade é o impacto redistributivo provocado pela abertura e a conseqüente ampliação do mercado que dele decorre. A abertura provocou uma brutal transferência de renda para o consumidor, correspondente às tarifas que deixam de ser pagas ao governo, à quase-renda (sobrepreço) que os empresários obtinham com a reserva de mercado e aos ganhos de eficiência que necessariamente ocorrem na economia, inclusive pela escala”, diziam. O fato é que a estabilidade de preços, a moeda forte, a recuperação econômica e a queda do desemprego no início do Plano Real (de 14,2% para 13,2% na Grande São Paulo; de 11,3% para 10,7% entre 1994 e 1995, segundo o Dieese) garantiram a continuidade do modelo. Até que, a partir de 1995, ele revelou sua maior debilidade: a imensa dependência em relação aos capitais externos. E aí, não me refiro aos investimentos de longo prazo, mas ao hot money, recursos especulativos de curto prazo – oriundos principalmente de grandes fundos com sede nos EUA. Lembram-se que falamos da crise cambial no México, em 1995? Daí em diante, os chamados “mercados emergentes” nunca seriam os mesmos. O Brasil foi duramente atingido pela fuga de recursos e, para detê-la, aumentou muito as taxas de juros. A idéia era remunerar generosamente os capitais externos, garantindo o fechamento das contas públicas a curto prazo. No longo prazo, porém, o custo foi alto. A dívida interna – alimentada pelos juros altos – saltou de 3% para 12% do PIB entre 1995 e 1996. As crises se repetiriam em 1997 (após a explosão da bolha imobiliária na Ásia), em 1998, com a crise do sistema financeiro na Rússia e, várias vezes, no princípio do século XXI. Em 1998, inclusive, o país quase foi à falência; teve de recorrer a uma garantia gigantedo Fundo Monetário Internacional PDF created with FinePrint pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com (FMI), de US$ 31 bilhões. A adoção do câmbio flutuante reduziu as pressões internacionais e permitiu a ampliação das exportações. Mas o perigo permanente da fuga de capitais fez com que o governo mantivesse, até os primeiros anos do século XXI, a política de juros altos. A economia, então, patinava na estagnação. PDF created with FinePrint pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
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