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PLANO DE ENSINO 
CURSO: Psicologia 
SERIE: 7°Semestre 
DISCIPLINA: Psicopatologia Geral 
CARGA HORARIA SEMANAL: 3 horas/aula 
CARGA HORARIA SEMESTRAL: 60 horas 
I - EMENTA 
ConcepcOes historicas e epistemologicas do adoecimento psiquico e das 
consequentes formas de tratamento. Conteudos basicos de Psicopatologia 
Descritiva. A Psicopatologia Psicanalitica como arcabouco teorico para o 
entendimento do funcionamento psiquico. Mudancas ocorridas no sistema de 
saUde nos Oltimos anos — o movimento pela Reforma Psiquiatrica no Brasil. 0 
processo de insergao social dos portadores de sofrimento psiquico intenso. 
II - OBJETIVOS GERAIS 
Compreensao dos pressupostos epistemologicos relativos as diferentes 
perspectivas em relacao ao conceito de normal e de patologico na Psicologia e na 
Psiquiatria. 
Compreensao da 16gica do diagn6stico em Psiquiatria atraves do conhecimento da 
Psicopatologia Descritiva. 
Realizacao do exame psiquico. 
Conhecimento das possibilidades de tratamento na clinica da psicose. 0 
tratamento psicologico, o tratamento psiquiatrico e os psicofarmacos. 
Compreensao dos modos de adoecimento psiquico, atraves da perspectiva 
psicanalitica, que os configura como formas singulares de subjetivacao, nos 
contextos politico, etico, social, econOmico e cultural. 
III - OBJETIVOS ESPECiFICOS 
Tal competencia sera desenvolvida a partir das seguintes habilidades: 
Demonstrar capacidade de observagao frente ao adoecimento psiquico. 
Localizar as dificuldades e/ou facilidades presentes no contato corn o 
individuo portador de sofrimento psiquico. 
Questionar as pre-concepceies sobre a loucura. 
Conhecer os fundamentos basicos da Psicopatologia Descritiva e da 
Psicopatologia Psicanalitica. 
1 
Analisar os diferentes equipamentos de atendimento aos usuarios dos 
servigos de saUde mental. 
Compreender o novo modelo de insergao do trabalho do psicologo nas 
instituigOes de atendimento aos usuarios dos servigos de sat:1de mental. 
IV - CONTEUDO PROGRAMATICO 
TEORICO 
ConsideragOes sobre o campo da doenga mental. 0 conceito de loucura: Origem, 
concepgao mitica, concepgao cientifica. 
Introdugao ao conceito de Psicopatologia. 
Compreensao dos pressupostos epistemologicos relativos as diferentes 
perspectivas em relagao ao conceito de normal e patologico, na Psicologia e na 
Psiquiatria. 
Psicopatologia Descritiva. 0 exame psiquico. 
Psicopatologia Psicanalitica. 
Psicopatologia Geral e Psicopatologia Psicanalitica. 
0 diagnostic° estrutural: Neurose e Psicose. 
PRATICO 
Declaragao de Caracas, 1990. 
Presidencia da Republica. Casa Civil. Lei no. 10.216 de 06/04/2001 que dispoe 
sobre a protegao e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e 
redireciona o modelo assistencial em sailde mental. 
0 movimento pela reforma psiquiatrica no Brasil. 
Reabilitagao Psicossocial no Brasil. 
As oficinas terapeuticas. 
A clinica e o acompanhamento terapeutico. 
Tratamentos em Saude Mental. 
V - ESTRATEGIA DE TRABALHO 
Propiciar ao aluno o contato direto corn os usuarios dos equipamentos de Saude 
Mental que compaem a rede de atendimento no Brasil. 0 contato com os usuarios 
sera acompanhado por professores e monitores. 
Ate a 6a semana, o cronograma das aulas teoricas se articula corn o cronograma 
das aulas praticas em 4 horas. A partir da 7a semana as aulas teoricas sao de 
2horas, realizadas no campus, e as aulas praticas (2 horas) realizam-se nos 
equipamentos de Saude Mental. 
Fornecer substrato teOrico atraves das aulas teoricas para reconhecimento das 
patologias. Utilizar recursos diversos — textos, filmes, contos, acontecimentos 
atuais para ampliar e integrar conceitos. 
Correlacionar teoria/pratica. 
Desenvolver projetos de oficina terapeutica junto aos usuarios. 
Funcoes psiquicas compostas 
e suas alteracoes: consciencia 
e valoracao do eu, esquema 
corporal e identidade 21 
PSICOPATOLOGIA E SEMIOLOWA UUS l HANSTORNOS hl ENT.11N l J 1 
It 
prio eu. corporal e psiquico, a carencia da cons- 
(Is tres capitulos seguintes dizem respeito as 
func5es psiquicas, que, mais do que as an-
teriormente estudadas, resultam de um comple-
xo, de urn somatorio de atividades e capacida-
des mentais. 0 desenvolvimento estrutural de 
tais funeties compostas, ocorrendo de forma 
mais ou menos harmonica, resulta na conscien-
cia e na valoragao do eu, no sentimento de iden-
tidade, na inteligencia e na personalidade. 
Assim. por exemplo, a inteligencia nao pode 
ser compreendida como uma fungao psiquica ele-
mentar, ja que ela inclui o conjunto de habilida-
des, dotes e capacidades cognitivas de urn indivi-
duo. Da mesma forma, a personalidade 6, por de-
finigao, o somat6rio das caracteristicas psicologi-
cas individuais. dos =cos de carater, relativamente 
estaveis no tempo e formados ao longo do desen-
volvimento mental e fisico do individuo. 
CONSCIENCIA E VALORACAO 
DO EU E SUAS ALTERAOES 
DEFINIOES BASICAS 
Origem e desenvolvimento 
do eu (ontogenia do eu) 
A maior parte dos autores acredita que no 
inicio do desenvolvimento psiquico da crianca 
nao ha discriminagao e delimitacao claras; en-
tre o eu e o mundo exterior; o eu do bebe esta-
ria como que "fundido” corn o de sua mae. Os 
dois pianos da realidade, interno e extern°. con-
fundem-se na mesma vivencia. Nao ha. portan-
to. diferenciacao entre o eu e o nao-eu. Tal di- 
ferenciagao vai sendo construida ao longo do 
primeiro ano de vida. No final desse period°, a 
crianca torna-se apta a perceber e a representar 
objetos autOnomos e estaveis em sua mente. 
Do ponto de vista psicanalitico. o eu (ou ego) 
surge como uma diferenciacao adaptativa do 
aparelho psiquico, a partir do contato da crian-
ca corn a realidade. A crianca formara gradati-
vamente o seu eu por meio: 
Do contato CO111111110 can a realidade e 
consequence submissao as suas vicissitudes 
(principio de realidade). Para Jaspers, a reali-
dade é aquilo que oferece resistencia ao indivi-
duo, opondo-se aos seus desejos, possibilitan-
do que urn mundo externo e objetivo seja reco-
nhecido corn o tempo. 
Do investimetzto amoroso e narcisico dos 
pais sobre a crianca. 
Daprojectio dos desejos inconscientes dos 
pais sobre a crianca e conseqUente assimilacao 
desses desejos pela propria crianca. 
Das identifica0es da propria crianca, via 
mecanismos conscientes e inconscientes de in-
trojecao, no relacionamento corn as figuras pa-
rentais primarias. Dessa forma, os "pais psico-
logicos" sao tornados como modelos de identi-
ficacao e assim introjetados. assimilados a per-
sonalidade da crianca. A crianca busca ser como 
o pai e a mae, copia-los, agir e sentir como eles. 
A nogdo de que algo existe "fora" (o exter-
no a crianca) marcara o instante de singular sig-
nificacao para a formacao do que se entende 
por "consciencia do eu". Surge o sentimento de 
oposicao entre o eu e o mundo, constituindo-se 
progressivamente as dimensoes subjetiva e ob-
jetiva da experiencia humana. 
A consciencia do eu pressupOe a tomada de 
consciencia do proprio corpo, do "eu fisico". A 
esse eu corporal, psiquico e somatic° a urn so 
tempo, a psicologia moderna denominou esque-
ma on imagem corporal (Schilder, Ajuriaguer- 
ra, Hecaen). 
Se a consciencia do eu abrange tambem o 
corpo, entao nela se entrelacam o psiquico e o 
somatic° (o ego para Freud e, antes de tudo, 
urn ego corporal). Portanto, por exemplo, na 
chamada despersonalizagao ocorrem alteragOes 
canto do eu psiquico quanto do corporal. 
CARACTERISTICAS DO EU 
SEGUNDO JASPERS 
Consciencia de atividade do eu. 
Consciencia de unidade do eu. 
Consciencia da identidade do eu no tempo. 
Consciencia de oposicao do eu em rela- 
cao ao mundo. 
ciencia do fazer proprio, o distanciamento Jo 
mundo perceptive, a perda da consciencia do 
sentimento do eu. Para Jaspers, o curioso deste 
fenomeno é a condicaona qual o homem exis-
tindo ja niio poder sentir a sua existencia. 
Os doentes relatam que se sentem modifica-
dos, estranhos a si mesmos. "Eu sou apenas t una 
maquina, um automato". "Ezt me sinto come 
urn nada, como um morto". 
CONSCIENCIA DE ATIVIDADE DO EU 
E a consciencia intima de que em todas as 
atividades psiquicas que ocorrem é o proprio 
eu que as realiza e presencia. No individuo nor- 
mal, tudo o que o eu faz a vivenciado como per- 
tencente a esse eu. 0 "en penso, sinto, desejo, 
etc." acompanha todas as percepgOes, represen- 
tacoes, pensamentos. Jaspers chama de perso- 
nalizaciio ao fenOmeno no qual em todas as ati- 
vidades psiquicas, sejam elas percepgaes, sen- 
sacoes corporaii,, lembrangas, representacoes, 
pensamentos, sentimentos, ha urn tom especial 
de "meu", de "pessoal", daquilo que é feito e 
vivenciado por mim mesmo. 
Jaspers subdivide as alteragOes da conscien-
cia de atividade do eu em dois grupos; altera-
goes da consciencia da existencia e alteracOes 
da consciencia de execuedo. 
ALTER/WAD DA CONSCIENCIA DA 
EXISTENCIA 
E a suspensao da sensacao normal do pro 
ALTERAcA0 DA CONSCIENCIA 
DE EXECUcA0 
Na naturalidade da agao diaria nao se nota 
quao essential é a unidade da vivencia de exc-
cued°. E, para cada sujeito, evidence que, quan-
do se pensa, se sente e se deseja, é o eu prOprio 
que o faz. Na alteragao da consciencia de exc-
elled°, o doente, ao pensar ou desejar alguma 
coisa, sente, porem, que de fato foi um outro 
que pensou ou desejou tais pensamentos ou de-
sejos e lhos imp& de alguma maneira. 
Nao apenas deixa de sentir-se senhor de seus 
pensamentos, como passa a sentir-se possuido 
por urn poder estranho, externo e inapreensi-
vel. Os pensamentos podem ser vivenciados 
como feitos e impostos por alguenz ou algo ex-
terno ao paciente, ou como roubados, extrai-
dos, arrancados do paciente. 0 doente nao R.) 
nao se sente mais senhor de seus pensamentos, 
como passa a viver sob a violencia e julgo de 
urn poder desconhecido (pensamentos feitos, 
pensamentos inzpostos, roubo do pensamento, 
segundo K. Schneider). 
A sensacao de "alga feito" por uma forgo 
externa pode abarcar todos os tipos de ativida-
de psiquica, nao apenas o pensamento, mas tam-
bem o falar, o fazer, o caminhar, o querer, os 
impulsos (inclusive sexuais). Os doentes pas-
sam a sentir-se inibidos ou contidos, mas nao 
por algo interno e sim por alguma coisa exter-
na, totalmente desconhecida. 
CONSCIENCIA DE UNIDADE DO EU 
A cada momenta o eu a sentido como algo 
uno e indivisivel. Esta a uma qualidade da vi-
vencia do eu sentida como natural e esponta- 
PSICOPATOLOGIA E SEMIOLOGIA Dos I KAna I kitiNVZI 
152 PAULO DALGALAttor4D0 
nea. Na alteracao da unidade do eu nao se trata 
de dissociacao da personalidade ou expressOes 
metaforicas referidas como "moron! em mein 
peita duns almas" ou "razcio e sentimento se 
acham em luta no met! interior", etc. Nao se trata 
de tomar consciencia de conflitos ou aspectos mul-
tifacetados da propria personalidade. 0 que esti 
em jogo é algo mais radical e decisivo. 
A vivencia radical de cisao do eu so existe, 
segundo Jaspers, quando ambas as series de pro-
cessos anfmicos desenvolvem-se de forma ab-
solutamente simultanea, uma ao lado da outra. 
De ambos os lados existem conjuntos de senti-
mentos que se ()poem como estranhos. 0 indi-
viduo sente-se radicalmente dividido, sente-se 
anjo e dem6nio ao mesmo tempo, ou homem e 
mulher simultaneamente. Corresponde ao que 
Bleuler denominava ambivalencia. 
CONSCIENCIA DA IDENTIDADE 
DO EU NO TEMPO 
E a consciencia de ser o mesmo na sucessao 
do tempo. Mudam aspectos de nossa personali-
dade, mas o nosso eu nuclear é vivenciado como 
mesmo ao longo do tempo. Alguns pacientes 
relatam que atualmente. em comparacao a sua 
vida anterior (principalmente "antes do infcio 
da psicose"), nao sao a mesma pessoa. "Ao des-
crever a minim historia, tenho consciencia de 
que apenas tuna parte do men en atual viven-
ciou tudo isso que aconteceu no passado", "0 
eu de entao parece-me unt atzeio dentro de mint". 
Alguns doentes chegam a usar a terceira pessoa 
para se referirem ao seu eu do passado. 
CONSCIENCIA DE OPOSICAO DO EU 
EM RELAcii0 AO MUNDO 
E a consciencia da clara oposicao do eu ao 
mundo externo, a percepcao evidence da sepa-
raga° entre o eu subjetivo e o espaco exterior. 
A alteracao dessa dimensao da consciencia 
do eu é a perda da sensacao de oposicao e fron-
teira entre o eu e o mundo. Os pacientes identi-
ficam-se completamente corn os objetivos do 
mundo externo. 0 individuo sente que sett en 
se expande porn a 'nuncio exterior e ran mais 
DESPERSONALIZACAO 
E DESREALIZA0,0 
A despersonalizaglio é o sentimento de per-
da ou de transformacao do eu. Para Lopez Ibor, 
6 um transtorno da atividade do eu. Hi a perda 
da relacao empatica basica, da familiaridade ine-
quivoca do eu consigo mesmo. E uma vivencia 
profunda de estranhamento e infamiliaridade 
consigo mesmo. 0 doente sente-se estranho a si 
mesmo, vive uma marcante transformacao, corn 
sentimentos angustiosos de profunda perplexi-
dade. Tern frequentemente a sensacao de que 
vai enlouquecer, perder o controle. A desperso-
nalizacao abarca canto o eu psfquico quanto 0 
ALTERACOES DO EU CORPORAL 
(ALTERAOES DO ESQUEMA 
CORPORAL) 
DEFINIcOES BASICAS 
Define-se a imagem corporal ou o esquema 
corporal como a rvresentagao que cada indivi-
duo faz de seu pr6prio corpo. Essa percepcao 
do pr6prio corpo a construfda e organizada tan-
to pelos sentidos corporais externos e internos 
quanto pelas representacoes mentais referentes 
ao corpo fornecidas pela cultura e pela historia 
individual de cada sujeito (para uma revisao 
sobre a psicopatologia do esquema corporal, ver 
Lopez-Ibor e Lopes-Ibor Aline', 1974; Rix e 
Snaith. 1988). 
0 psicopat6logo espanhol Carmelo Mone-
dero (1973) afirma que o corpo a um objeto 
peculiar: percebe e e percebido: objeto por de-
mais importance para o ser humano, pois "o 
homent no mundo é um corpo lidando con: as 
corpo a 
essencial da experiencia corporal refere-se a re-
lacao do corpo sexuado do eu corn os corpos 
sexuados dos outros. 
0 corpo a urn dos principals palcos de nos-
sas vidas. Lugar de dor, de prazer, de preocupa-
cao, de medo e desejo. Assim Drummond fala 
destas dimensoes da experiencia corporal: 
Clara que o corpo nao e feito s6 para sofrer; 
Mas para sofrer e gozar 
Na inocencia do sofrintento 
como na inocencia do gozo, 
corpo se realiza, vulnercivel 
e solene. 
Que o corpo, sadio ou doente, ocupa urn Lu-
gar central na medicina a algo indiscutfvel. En-
tretanto, cabe lembrar que nao apenas o corpo 
real, mas a relac5o do individuo corn seu corpo. 
sua forma de percebe-lo. de corn ele se relacio-
nar. cuidando-o ou destratando-o. amando-o ou 
odiando-o, é tambem um porno crucial para a 
pratica medico. Plata° afirma. em seu precioso 
se diferencia deste. A ausencia do sentimento 
de oposicao do eu ao mundo exterior 6 o que 
leva os enfermos a buscarem identificacoes em 
objetos ou coisas do mundo inanimado. Proje-
tam macicamente (na escola kleiniana identifi-
cacOes projetivas macicas) seus estados subje-
tivos no proximo, transladando-se para um eu 
alheio ou para o corpo de urn animal, E a expe-
riencia de sentir-se transformado em urn ani-
mal, denominada tratzsitivismo ou licantropia. 
A vivencia de publicaccio do pensamento, 
que pacientes esquizofrenicos experimentam, 
relatada de varias maneiras: "Setts pensamen-
tos se extravasam", "fazem-se conhecidos de 
Coda a gente", sao como que "publicados" (pu-
blicacao do pensamento, difusao do pensamen-
to. de Kurt Schneider). A publicacao do pensa-
mento muitas vezes vem associada a vivencias 
de sonorizaccio do pensamento (o individuo tem 
a experiencia de "ouvir" os proprios pensamen-
tos,no exato momento em que os persa e ao 
eco do pensamento (fenomeno no qual urn pen-
samento original a percebido de forma repeti-
da, segundos ape's haver lido pensado por pri-
meira vez, como se fosse urn eco). 
Ocorre, assim, a queda da barreira divisoria 
fundamental entre o eu e o nao-eu. A perda da 
consciencia de oposicao entre o eu e o mundo 
pode ocorrer nas psicoses (mais comumente na 
esquizofrenia), nas intoxicacOes por drogas 
(principalmente alucinogenos), em fenomenos 
culturais como o extase religioso, estados de 
trance, possessao, meditacao profunda, etc. 
eu corporal. Na despersonalizaceio corporal 
ha uma sensacao intensa de estranhamento e 
perda da familiaridade do individuo corn o seu 
proprio corpo. 
Comumente associada a despersonalizacao, 
pode ocorrer a desrealizaceio, que e a transfor-
magao e a perda da relaccio de familiaridade corn 
mundo commit, no sentido de uma relacao de 
profunda estranheza daquilo que no dia-a-dia é 
comum e familiar. 0 doente refere que o mundo, 
antes familiar, "caseiro", esti estranho, muda-
do. As pessoas e os lugares parecem estranhos, 
os sons sao percebidos corn urn timbre novo, as 
cores tern caracterfsticas diferentes. Geralmen-
te tanto a despersonalizacao quanto a desreali-
zacao sao vivenciadas corn muita angastia. 
Segundo Nobre de Melo (1979), o desperso-
nalizado seria. entao, nada mais que "o homem 
que pealett a seguranga de tuna relaccio familiar 
corn o !mind°, condenado, assim, ao frto de tuna 
terra estranha, de tun pais descotzhecido". 
Nao a infreqUente a ocorrencia de desperso-
nalizacao e de desrealizacao nas crises intensas 
de ansiedade, nas crises de panico, nas psicoses 
toxicas por alucinogenos, nos episodios agudos 
de esquizofrenia e em formas graves de depressao. 
coisas e corn outros homers. 1...) Somos nosso 
corpo e sent ele nao seria concebtvel nenhuma 
forma de existencia. Existir é tuna peculiar re-
ferencia a corporeidade" (Monedero. 1973). 
A percepcao do corpo refere-se mais a cons-
tituicao e a organizacao de uma imagem sobre 
corpo do que a uma percepcao objetiva pro-
priamente dita. 0 modo como as pessoas per-
cebem subjetivamente o seu corpo difere bas-
tante do que se encontra nos livros de anatomia 
ou fisiologia. Para Paul Schilder (1935), a ima-
gem corporal esta sempre ligada a uma expe-
riencia afetiva, imposta pela relacao corn o ou-
tro. A imagem corporal corresponde a totalida-
de da organizacao psicologica do individuo. 
Urn atleta. urn bailarino, urn trabalhador bra-
cal e urn intelectual percebem e representam o 
corpo de forma bastante diferenciada, havendo 
indfcios de que os diferentes grupos sociais per-
cebem e representam o corpo de forma bastan-
te diferenciada (Boltanski, 1984). As duas di-
mensOes basicas do eu corporal referem-se a in-
timidade e a privacidade (distincao eu/mundo) 
e a sexualidade. 0 eu corporal é antes de tudo 
urn eu-corporal-sexuado. 0 eu que busca a sua 
realizacao corn o outro nao a outra coisa que o 
tu ando como ser sexuado. A dinamica 
FSICOPATOLUiiiA t JEntiva.vum tow., • 
Alguns pacientes esquizofrenicos experi- nado, tendo que se esforgar constantemente para 
mentam diversas e profundas alteragoes do es- limps-lo, purifica-lo ou protege-lo da contami- 
quema corporal. Aqui tern destaque as viven- nagao. 
cias de influencia sobre o corpo. 0 paciente tern 	0 hipocondriaco vive seu corpo de forma 
a sensagao de que alguem, algo ou uma forga muito peculiar; ele e o lugar de todo o seu sofri-
externa desconhecida age sobre seu corpo, ma- mento, investido intensamente por toda a sua 
nipulando-o ou controlando-o. Nao 6 infreqtlen- atengao e libido. Ha no hipocondriaco uma re-
te a sensagao de que uma entidade ou uma pes- lacao ambigua corn o seu corpo: teme os seus 
soa esta manipulando seus genitais, aplicando pressagios, fica a adivinhar os seus misterios e 
agulhadas, beliscoes, toques, tendo relacoes se- perigos, mas nao deixa por urn so momento 
xuais corn ele ou ela contra a sua vontade. Sen- (como faz o homem comum) de voltar-se para 
tem, eventualmente, que seus movimentos sao ele, de observe-lo e mesmo cultivar suas sensa-
controlados por essas for-gas externas. Tambem goes corporais pretensamente mOrbidas. 
pode ocorrer a experiencia de esvaziamento ou 	As pacientes cam anorexia nervosa 
revelam 
roubo de partes do corpo, como o cerebro ou as uma alteracao marcante do esquema corporal. 
vfsceras. Delirios de negacao ou de apodreci- Apesar de muito emagrecidas. percebem-se gor-
mento dos Orgaos sao tambem observaveis. Al- das, "corn barriga", "corn nadegas e coxas enor-
guns pacientes esquizofrenicos referem que sen- mes", etc. Devido a tal percepcao erronea, sub-
tem que ha pequenos animais ou objetos dentro metem-se a dietas e exercicios fisicos que as 
de seus corpos, como, por exemplo, uma cobra, emagrecem mais e mais, ocorrendo em alguns 
urn rato, um sapo ou uma fruta. 	 casos estados extremos de caquexia. 
Os pacientes corn psicoses toxicas, produzi- 	Os pacientes corn 
dismotfofobia (ou trans- 
das por alucinogenos (LSD, mescalina, harmi- torno dismatfico corporal) percebem distorci- 
na, psilocibina, etc.), podem ter experiencias de 	damente, como horriveis e dignos de uma enor- 
deformagao do esquema corporal. Urn brago ou me vergonha, partes de seu corpo (nariz. ore-
a cabeca é vivenciado como enorme, crescendo lhas, face. seios, nadegas, maos, etc.), ou pe-
ou encolhendo. 0 corpo e sentido como excessi- quenos defeitos fisicos que passariam, na maio-
vamente leve ou pesado, como se estivesse vo- ria das pessoas, despercebidos. Sentem tais par- 
ando ou afundando, e assim por diante. 	tes do corpo como se fossem enormes, muito 
Pacientes corn quadros nettraticos tern fre- desproporcionais, marcadamente disformes. De- 
qiientemente uma experiencia corporal relacio- 	vido a essa percepcao distorcida insistem junto 
nada a sentimentos de inferioridade ou de cas- 	aos cirurgioes plasticos e dermatologistas para 
tracao. Seu corpo e sentido como impotente, fra- que esses os operem (e, as vezes. conseguem), 
co ou doente. Sente-se corporalmente como uma reduzindo, por intermedio de repetidas cirurgias, 
	
crianga ou como urn velho. 	 o tamanho do nariz, das orelhas. etc. 
Os pacientes histericos 
mas, 
a erotizar 	0 fenOmeno do membro fantasmaocorre em 
intensamente o corpo todo, mas. em contrapar- uma grande proporgao de pacientes amputados. 
tida, podem sentir seus genitais e atividade ge- 0 paciente ap6s a cirurgia de amputacao conti-
nital como insensiveis ou perigosos. Parado- nua sentindo "como se o membro ainda esti-
xalmente a erotizacao excessiva de todo o corpo, vesse la", podendo sentir parestesias e mesmo 
nao e incomum haver frigidez e anestesia genital. dores intensas no membro ausente. Corn o tern- 
Os pacientes corn quadros ansiosos graves po, o membro parece mudar de tamanho, geral-
sentem o corpo como que comprimido, asfixia- mente "encolhe". Alern de ocorrer em bragos e 
do, como se existisse uma pressao externa sobre pernas amputados, o fenomeno pode tambem 
ele. Nas crises de plinico e freqiiente a desper- ser observado nas amputacoes de olhos, do reto, 
sonalizagao corporal e a sensacao de morte imi- da laringe e de outras partes do corpo. No caso 
nente; sensacao de que o corpo ire entrar em da mastectomia, podem ser verificadas altera- 
	
colapso, desorganizar-se. 	 goes marcantes do esquema corporal; a mulher 
0 paciente corn quadro obsessive-compul- sente que corn a transformagao de seu corpo 
sivo pode sentir o corpo como sujo ou contami- perdeu sua feminilidade. sente-se como um ho- 
154 PAULO n —ALGALARKONDO 
 
 
estudo sobre o amor, intitulado "0 banquete", 
que: "E coin efeito a medicina, para falar ern 
resumo, a ciencia dos fenOmenos de amor, pro-
prios ao corpo..." 
No final do seculo XIX denominava-se ce-
nestesiaao conjunto de sensacOes internas 
oriundas de todos os pontos do corpo, que se di-
rigem e terminam no cortex cerebral, principal-
mente pelas vias vegetativas. A cenestesia nor-
mal produz um sentimento de existencia agrada-
vel, de bem-estar. Em contraposigao a cenestesia 
normal tern-se a cenestopatia, que é o conjunto 
de sensagoes incomodas, de mal-estar difuso, as-
sociadas a ansiedade, que frequentemente esta 
presence nos quadros depressivos, neurOticos, 
psicossomaticos e, mesmo, psicOticos. 
As conexoes corticais intra e inter-hemisferi-
cas conferem ao lobo parietal urn papel central 
na integracao sensorial somato-sensitiva e vesti-
bular, que irao permitir a sontatognosia ou cons-
ciencia do corpo (Bernard e Trouve, 1977). Em 
lesoes (vasculares, tumorais, etc.) da regiao pa-
rietal direita nao é infrequente a perda da cons-
ciencia do hemicorpo do lado oposto (esquerdo), 
denominada sindrome de heminegligencia ou 
hemiassomatognosia. 0 individuo passa a nao 
reconhecer mais a existencia de seu hemicorpo 
esquerdo. Em alguns casos o paciente reconhece 
a existencia do hemicorpo esquerdo. porem nao 
reconhece que este lado do corpo esta paretic° 
ou plegico, apresentando assim uma anosogno-
sia, ou seja, per& 4:14 capacidade de reconheci-
mento da doenga ou do deficit naquele dimIdio 
(hemianosognosia esquerda). 
A neurologia denomina estereognosia ao 
conjunto de impressoes sensoriais organizadas 
e integradas principalmente pelas regiOes asso-
ciativas dos lobos parietais. A asteriognosia 
a perda, geralmente por lesao do lobo parietal, 
da capacidade de reconhecimento tail de obje- 
tos familiares ou significativos (urn lapis, uma 
chave. urn cadeado, etc.), sem haver, entretan-
to, a perda das fungoes perceptivas Weis ele- 
mentares, como a sensagao termica, de pressao, 
dolorosa, etc. Assim, apesar da perda da capa-
cidade de reconhecimento tatil complexo, nao 
ha uma anestesia propriamente dita. 
0 lobo parietal intervern nao apenas na in-
tegracao perceptiva que produz a imagem do 
corpo. mas tambem no estabelecimento de es- 
quemas de agao, da atividade gestual comple-
xa, que C. enfim, a concatenacao das percep-
cOes corporals integradas e das agOes do corpo 
dirigidas ao mundo e ao espago externo. Assim 
artificial a separagao entre uma dimensao re-
ceptiva. perceptiva, do corpo e suas sensagoes, 
e uma dimensao ativa, motora. relativa ao cor-
po agindo no mundo. Percepgao corporal e atu-
acao motora formam, do ponto de vista neuro-
logic° e neuropsicologico, uma unidade indi vi-
sivel. Um exemplo disso é a apraxia construti-
va, ou incapacidade de desenhar um model° (um 
cubo, uma casa, etc.) de montar um quebra-ca-
becas, de construir formas simples corn cubos, 
etc. A apraxia construtiva surge, corn freqiiencia, 
como resultante de lesoes dos lobos parietais. 
 
ALTERAcOES DA IMAGEM OU 
ESQUEMA CORPORAL EM ALGUNS 
TRANSTORNOS MENTAIS 
 
ty i 
0 deprimido vive seu corpo como algo pe- 
sado. lento, dificil, fonte de sofrimento e nao 
de prazer. Sente-se fraco, esgotado, incapaz de 
fazer frente as exigencias da vida. 0 seu corpo 
ja nao tern vida, é urn peso morto. A astenia 
refere-se a esse tipo de vivencia corporal dos 
pacientes deprimidos. Pacientes deprimidos gra- 
ves podem ter serias alteracoes do esquema cor-
poral. Nestes casos pode ocorrer o delirio de 
negactio de orgiios, no qual o individuo sente 
que seu figado, cerebro ou coracao nao estao 
mais la, ou apodreceram. Sente que nao tern 
mais sangue, que seu corpo secou, que os mem- 
bros estao se esfarelando como areia, que esta 
fisicamente morto, etc. (sindrome de Cottard). 
0 paciente maniac° vive seu corpo como 
algo extremamente ativo, poderoso e vivo. Sen- 
te-se forte e agil, e nao consegue parar e repou-
sar por urn period° mais longo. Quando inqui-
rido sobre como se sente corporalmente, mui- 
tas vezes responde que esta muito bem, cheio 
de vigor. "melhor do que 'wilco". Ha mesmo, 
freqUentemente, uma incapacidade de perceber 
as limitacoes reais do corpo. Muitos pacientes 
maniacos idosos atuam corporalmente ate a 
exaustao, podendo, inclusive, vir a falecer em 
decorrencia desse excesso de agao motora (por 
exemplo. por infarto do miocardio). 
PSICOPATOLOGIA E SENHOLOGIA DOS l RANSTOKNOS Witri Ars •✓ r 
Nunca conheci quern tivesse levado porrada 
Todos os 'netts conhecidos tent sido cam-
pe5es em tudo. 
E eu, tantas vezes reles. tantas vezes porco, 
tantas vezes vil, 
Eu tantas vezes irrespondivelnzente parasita, 
Indesculpavelmente sujo, 
Toda a genre que eu conheco e que fala contigo 
Nunca teve um ato ridiculo, nunca sofreu 
en.rovallto, 
Nunca foi senao principe —todos eles prin-
cipes— na vida... 
Arre, estou farto de semideus! 
Onde d que ha genre no mundo? 
No transtorno de personalidade narcisica 
temos o melhor exemplo de manutencao de urn 
modo de funcionamento mental e de investimen-
to da libido no qual predomina o narcisismo. 
Tambem verifica-se corn freqiiencia aspectos 
narcfsicos na histeria, nos transtornos de perso-
nalidade sociopatico, em pacientes parandicos 
e manfacos. 
DimiNuicAo DA VALORACAO DO EU 
Em muitos pacientes deprimidos encontram-
se sentimentos profundos de naenos-valia, de re-
ducao da auto-estima e de autodepreciacao. De 
fato. o processo de autodepreciacao é considera-
do central na depressao. 0 individuo sente-se sem 
valor. nao merece viver e ser amado. deve morre 
para deixar de incomodar aos outros. Aqui toma- 
cuidar de si mesmo e, tambem, para poder amar 
outras pessoas. 0 fundamental aqui é o grau, a 
intensidade com que o amor é investido sobre 
si mesmo ou sobre as outras pessoas. 0 indivi-
duo totalmente narcisico nao se relaciona, de 
fato, corn o mundo, e, corn isso, se empobrece. 
0 individuo sem qualquer amor narcisico sen-
te-se vazio, sem valor, sem qualidades minimas 
que o facam ser amado e digno de viver neste 
mundo. Escrevendo sobre a dialetica do narci-
sismo e da autodepreciacao, Fernando Pessoa 
assim se expressa: 
156 PAULO DALCALAKRONDO 
mem. sente urn vazio em seu corpo, alem de 
muitas vezes desenvolver quadros de depress-do 
e de di(ninuicao da auto-estima. 
A VALORAcA.0 DO EU: 
OS CONCEITOS DE NARCISISMO 
E DE AUTO-ESTIMA 
DEFINICOES BASICAS 
Segundo a lenda grega, Narciso era urn jo-
vem para quern nada era mais agradavel do que 
ver sua propria imagem refletida sobre urn lago. 
Admirava e amava ao extremo sua propria ima-
gem: ao final, acabou cometendo o suicidio e 
transformou-se em uma flor, que passou entao 
a levar o seu nome. Freud denominou inicial-
mente de narcisismo ao tipo de escolha de ob-
jeto amoroso que ocorre na homossexualidade. 
0 homossexual, nessa visa°, amaria a algum 
igual a si mesmo. Posteriormente, o termo oar-
cisismo passa a se referir a urn estagio do de-
senvolvimento psicossexual da crianca, no 
qual o individuo toma a si mesmo, ao seu eu, 
como objeto de amor. 
Atualmente. o termo narcisismo refere-se, 
de modo geral, ao direcionamento do amor do 
individuo para si pr6prio. A libido volta-se para 
proprio eu, deixando de investir no mundo e 
nas pessoas deqe mundo. Nesse estado de nar-
cisismo, o eu percebe o prazer como oriundo 
sempre de seu interior e o desprazer como pro-
veniente do mundo externo. Ha, assim, no nar-
cisismo, uma ilusao de auto-suficiencia. um sen-
timento de poder, de grandiosidade, de despre-
zo pelo mundo exterior. 0 pr6prio eu é tornado 
pelo individuo como a sua grande paixao, o seu 
principal objeto de amor. 
0 narcisismo primario seria a ausencia total 
de relacilo corn o meio ambiente, uma indife-
renciacdo do eu corn o id. 0 narcisismo secun-
ddrio seria o retorno do amor. da libido, para 
prOprio eu, depois de haver sido direciona-
do em algum momento a algum objeto do 
mundo externo. 
Entretanto. o narcisismo nao énecessaria-
mente positivo ou negativo. patologico ou sau-
davel. Todo individuo necessita investir amo-
rosamente o seu proprio eu para sobreviver. para 
se patente a dimensao de fracasso existencial, re-
lativo a realizacao de urn destino pessoal. 
Alern da depressao, em indmeras situagOes 
relacionadas a doenca mental, tern-se a vivencia 
de autodepreciacao. Muitos individuos corn di-
ficuldades psicologicas e sociais crOnicas, desa-
daptados, desengoncados na vida social. corn 
dificuldades serias no campo do trabaiho do es-
tudo, da farrulia, sentem-se profundamente desmo-
ralizados. Pacientes corn dependencia cronica ao 
alcool e outras drogas tambem podem desenvolver 
um sentimento marcante de autodepreciacao. 
Tambem a doenca crOnica, ffsica e/ou men-
tal, pode implicar urn seri° processo de desmo-
ralizacao cr6nica e autodepreciacao. 0 indivi- 
duo limitado ffsica e/ou mentalmente tende a 
sentir-se sem valor. como urn peso para sua fa- 
milia, um fracassado, urn instil, o que, muitas 
vezes, vem associado a um descuido cronico de 
si mesmo, autonegligencia, falta de higiene e, 
mesmo, atos e condutas suicidas. 
0 CONCEITO DE IDENTIDADE 
PSICOSSOCIAL 
Erik Erikson (1985) define identidade psi-
cossocial como o sentimento que proporciona 
a capacidade para experienciar o pr6prio eu 
como algo que tem coritinuidade e unidade, per-
mitindo que o individuo se insira no meio so-
ciocultural de maneira coerente. 0 sentimento 
de identidade refere-sea sensacao de pertencer 
a alga, de ser parte de alga. A identidade psi-
cossocial permite que o individuo oriente-se em 
relagao as outras pessoas e ao,seu meio ambien-
te, estabeleca e delineia as fronteiras do eu cor-
poral e do eu mental. 
A identidade é formada a partir do conjunto 
de identificacOes consciences e inconscientes que 
a crianca faz ao longo de seu desenvolvimento. 
Por meio desse processo de identificacao, a crian-
ca vai introjetando (incorporando ao seu eu) as-
pectos diversos dos adultos (pais. avos, tios, pro-
fessores. amigos. etc.) e tambem das outras crian-
gas (irmaos. amigos, etc.) corn quem convive. 
A identidade psicossocial total é, portanto, 
composta de mdltiplas identidades parciais, 
canto a identidade sexual (na qual o individuo 
identifica-se corn o papel de seu genero. for- 
CR1SE DE IDENTIDADE 
A crise de identidade. descrita e estudada por 
Erik Erikson (1976), refere-se as dificuldades in-
tensas e de surgimento em um curto perfodo de 
tempo de uma sensacao de inseguranca e confu-
sao em relaciio a identidade sexual, a escolha e 
aos paddies de amizade, filiacao religiose, siste-
ma de valores morais, papel relacional perante os 
pais e professores. etc. A crise de identidade mais 
marcante, em nossa cultura, é a que ocorre em 
adolescentes. A case de identidade pode ser sufl-
cientemente intensa a ponto de causar muita an-
gdstia e interferir na vida do adolescente. Toda a 
profunda transforrnacao da adolescencia é capta-
da neste hai-kai do poeta japones Buson: 
Merluza ',ludo, 
Convertida ern miller 
Jci se perfiuna. 
mas de atuar, sentir e desejar, valores, etc.), a 
identidade etnica ou racial, a identidade religio-
sa, a identidade professional, a identidade rela-
tiva a nacionalidade, etc. Tambem estao aqui 
incluidas as identidades relatives ao sentimen-
to de pertencer a pequenos grupos: identidade 
de ser estudante de medicina, de psicologia. etc.. 
identidade de ser membro de urn clube, de urn 
time de futebol, de urn grupo de jovens, e assim 
por diante. A identidade psicossocial é uma fon-
te basica e significativa de amor proprio, de re-
conhecimento social e de prestigio. 
OS TRANSTORNOS DE IDENTIDADE 
Transtornos e problemas corn a identidade 
psicossocial estao relacionados a confusao de 
identidade, a uma desorientacao em relacao ao 
que o individuo e no contexto sociocultural. ao 
que esperam dele, como se sente, qual o seu 
lugar no mundo, e assim por diante. 
ESTADOS DE POSSESSAO 
Os estados de possessao podem ocorrer tan-
to em individuos corn transtornos mentais (no 
• 
158 Pm.u.o DALGALARRONDO 
histeria. por exemplo) quanto naqueles sem 
transtornos. sendo geralmente nesses casos pro-
duzidos. organizados e conformados dentro de 
um determinado contexto religioso-cultural. Ito 
entrar no estado de possessao, o indivkluo tern 
uma perda temporaria de sua identidade pes-
soal, que é substitufda por uma entidade que 
"toma conta" do sujeito. Normalmente, o indi-
vicluo permanece consciente em relacao a per- 
il' 	cepcao do ambiente. Os estados de possessao ocorrem freqUen-
temente associados a estados de transe que du- 
ram minutos ou horas. Tais estados sao via de 
regra desencadeados por contextos rituais, nos 
quais a danca, o ritmo, os cantos, as rezas, en-
firn todo o contexto ritual, "guia" o sujeito no 
sentido de alterar momentaneamente o seu es-
tado de consci8ncia e permitir que uma entida-
de tome posse do sujeito. E comum, nesses ca-
sos, que o indivIcluo apresente movimentos rft-
micos do tronco, tremores, gestos, atitudes e 
mfmica estereotipada e fala alterada (infantil, 
agressiva, etc.). Pode ou nao haver amnesia para 
ocorrido durance o estado de possessao. 
22 
Funceks psiquicas 
compostas: a personalidade 
e suas alteracoes 
) 31 
menino é o pai do homem. 
Machado de Assis 
(Memos-kit port tunas de Bras Cubas, 1881) 
DEFINICOES BASICAS 
Bastos (1997) apresenta uma definicao de 
personalidade bastante elucidativa. Para ele a 
personalidade e o "conjunto integrado de tra-
cos pslquicos, consistindo no total das carac-
teristicas individuals, en, sua relaciio coin o 
meio, incluindo todos os fatores fisicos, Nolo-
gicos, psIquicos e socioculturais de sua fornta-
cifo, conjugando tendencias inatas e experien-
cias adquiridas no curso de sua existencia". Ele 
ressalta ainda uma dimensao essencial do con-
ceito de personalidade, que e o seu duplo as-
pecto; relativamente estavel ao longo da vida do 
individuo e relativamente dinamico, sujeito a de-
terminadas modificacpes, dependendo de mudan-
gas existenciais ou atteracoes neurobiologicas; a 
estrutura da personalidade, em sua opiniao, "mos-
tra-se essencialmente diner' mica, podendo ser 
nnuovel — sent ser necessariamente instavel — e 
encontra-se ent constante desenvolvitnento". 
A origem etimologica da palavra perso-
nalidade ilumina de modo interessante a di-
mensao complexa do conceito. Personalida-
de provern do termo persona, que significa a 
mascara dos personagens do teatro. E aquela 
mascara que cobria o rosto dos comicos em 
Roma. ao representarem os diferentes perso-
nagens de uma pep. Em latim. por sua vez, 
personare significa tambem ressoar por meio 
de algo. Assim, segundo Lopez Ibor (1970), 
as duas conotacoes etimologicas do termo 
personalidade apontam para urn sentido co-
mum; o autor/ator faz ressoar a sua voz, a sua 
versao da historia, pelas diversas mascaras, 
dos diversos personagens que cria. Acrescen-
tarfamos a interessante nota de Lopez Ibor, 
que o autor teatral, ao fazer ressoar sua voz 
pelas mascaras que cria, isto 6, ao mesmo tem-
po em que se esconde, revela-se, pois seus 
personagens. suas mascaras denunciam dia-
leticamente meandros do que busca esconder. 
0 poeta Fernando Pessoa exprime de forma 
sumamente elegante essa dialetica constante 
da personalidade, dialetica do esconder-se e 
do revelar-se simultaneamente: 
0 poeta e it,,, fingidor. 
Finge tt o completatnente 
Que chega a fingir que é dor 
A dor que deveras setae. 
Assim. ao nos introduzimos ao escudo da 
personalidade, estaremos atentos a complexida-
de do tema, a sua dimensao multifacetada e 
facilidade corn que se cometem erros e simpli-
ficacOes inadequadas ao se tentar desvendar os 
misterios da personalidade humana. 
Segundo distinguem-se basicamente Mira y 
Lopez (1943), osseguintes aspectos relaciona-
dos a personalidade e a sua expressao; consti-
tuicao corporal, temperamento e carater (nests 
linha, ver tambern Cloninger e Gottesman. 1987: 
Livesley e cols.. 1993). 
11} 
11.1!. 
141 
fq 
If 
11JII U1.0 1,GALAHRONDO 
PSICOPATOLOGIA E SEMIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS 161 
Constituicou corporal: E o conjunto de pro-
priedades morfologicas, metabolicas, bioqufmi- 
cas. hormonais, etc., transmitidas ao individuo 
principalmente (mas nao apenas) pelos mecanis-
mos genericos. Muitos autores, desde ha secu- 
los, procuraram identificar urn possivel paralelo 
entre a constituicao corporal e o temperamento e 
carater dos seres humanos. A constituicao cor- 
poral determina, em boa pane, o aspecto do indi-
vicluo, sua aparencia ffsica, o perfil de seus ges-
tos. sua voz. o estilo de seus movimentos, tendo 
significativa influencia sobre as experidncias 
psicolOgicas do indivicluo ao longo de sua vida, 
seu modo de reacao corn os outros e vice-versa. 
Tempercnento: E o conjunto de particulari-
dades psicofisiologicas e psicologicas inatas, 
que diferenciam urn individuo de outro. Os tern-
peramentos sao determinados por fatores gene-
ticos ou constitucionais precoces produzidos por 
fatores endocrinos ou metabolicos. Assim os in-
divicluos nascem corn temperamentos astenicos, 
corn uma tendencia a passividade. a hipoativi-
dade, a "vida mansa":outros nascem corn tern-
peramentos estenicos, ativos, corn forte tendert-
cia a iniciativa, a reagir prontamente aos esti-
mu los ambientais, e assim por diante. A identi-
ficacao. entretanto. de tracos e configuracties 
congenitas individuais é tarefa muito diffcil, ja 
que o que se tern sao individuos que sempre tra-
zem consigo a combinacao dos aspectos inatos 
aos aspectos adquiridos, aprendidos, incorpo-
rados pela interacao constante corn os pais e a 
sociedade. A apreensao do temperamento de 
uma pessoa, em estado puro, original, é extre-
mamente diffcil. 
Carciter: Embora o termo carater• tenha, na 
linguagem comum, uma conotacao moral, indi-
cando fora. vontade, perseveranca, uma perso-
nalidade bem demarcada e estavel, nao é essa 
exatamente a definicao psicopatolOgica do ter-
mo =titer. Para a psicopatologia o carter é a 
soma de tracos de personalidade. expresses no 
modo basic° do individuo reagir perante a vida. 
seu estilo pessoal, suas formas de interacao so-
cial, gostos, aptidoes, etc. 0 carater reflete o 
temperamento moldado. modificado e inserido 
no meio familiar e sociocultural. E a resultante. 
ao longo da historia pessoal. da interacao cons-
tante entre o temperamento e as expectativas e 
exigencias conscientes e inconscientes dos inch- 
vicluos que criaram determinada pessoa. 0 cara-
ter resulta do modo como o individuo equacio-
nou, conscience e inconscientemente, o seu tern-
peramento corn essas exigencias e expectativas. 
0 temperament° ado deve ser confunclido 
coin o carater, pois o temperamento e algo ba-
sic° e constitutivo do individuo, enquanto o ca-
rater traduz-se pelo tipo de reacao predominan-
te do individuo frente as diversas situagOes e 
estfmulos do ambiente. Mira y Lopes afirma que 
é compreensfvel que freqUentemente nao coin-
cidam o temperamento (tendencias inatas ini-
ciais) e o carater (conjunto de reacaes fmalmente 
exibidas pelo individuo), ja que entre ambos se 
interpoe o conjunto de functies intelectuais (dis-
criminativas, crfticas e judicativas), assim como 
as inibicties e habitos criados pela educacao. Em 
certos casos, o carater se desenvolve no senti-
do °post° do temperament°, por sobrecompen-
sacdo pslquica; muitas vezes urn individuo corn 
corker exibicionista e teatral esconde um tem-
peramento timid° e fobico, ou urn carater agres-
sivo e audaz encobre urn temperamento medro-
so e angustiado. 
TIPOLOGIAS HUMANAS 
OU TIPOS DE PERSONALIDADE 
A primeira tipologia desenvolvida na hist& 
ria da medicina e da psicologia foi a resultante 
das concepcOes da escola hipocratica-galdnica. 
A medicina hipocratica é essencialmente uma 
medicina ambientalista. Os elementos da natu-
reza (agua, ventos, solo, umidade do ar, alimen-
tos, etc.) interagem permanentemente corn o or-
ganismo para determinar a sadde ou a doenca. 
Nesse sentido, codas as questeies medico repou-
sam sobre a teoria dos quatro elementos do fi-
losofo pre-socratico Empedocles (500-430 a C.), 
a saber: agua, terra, ar e fogo. A estes quatro 
elementos correspondem quatro qualidades: 
quente, frio. seco e timido. HipOcrates de Cds 
(cerca de 460-377 a.C.), ao utilizar esta con-
cepcao quaternaria da natureza, ira desenvol-
ver uma concepcao correspontlente do organis-
mo, corn quatro fluidos ou humores basicos. 
Os tipos Inunanos bcisicos e o surgimento 
da doenca ou manutencao da satide dependerao 
intimamente da convivencia harmonica dos qua- 
tro humores essenciais do organismo humano; 
sangue, a bflis, o fleuma (ou linfa) e a atrabi-
lis (ou bilis negra, que alguns historiadores su-
gerem que tenha sua origem na observacao do 
sangue coagulado). A cada humor especifica-
mente corresponde urn orgao do corpo; ao san-
gue o coracao, a bilis o ffgado, ao fleuma o cd-
rebro e a atrabfl is o baco. A sadde e a harmonia 
do ser provem do equilibrio dos quatro humo-
res, ou seja, daeucr•asis; enquanto a doenca ori-
gina-se da retencao, desequilfbrio, ou Kati de-
leteria de algum dos quatro humores, denomi-
nada discrcisis. Os tipos humanos ou tempera-
mentos basicos se referem, portanto, aos qua-
tro humores e aos demais elementos quaterna-
rios da seguinte forma: 
Os aspectos psicologicos mais caracterfsti-
cos dos quatro temperamentos sao, segundo re-
sumo de Gaillat (1976): 
Sangiilneo: De facies rosada, porte atleti-
co e musculatura consistente e firme. 0 sangtli-
neo é urn tipo expansivo e otimista, mas tam-
bent irritavel e impulsivo. Submete-se de born 
grado ao clamor dos seus instintos. 
Fletunatico ou linfatico: De facies 
formas arredondadas, olhar dote e vago. 0 
fleumatico é sonhador, pacific° e 061, subor-
dina-se a determinados habitos e tende a levar 
uma existencia isenta de paixoes. 
Coterico ou billow: De olhar ardente e 
protuberancias musculares evidences, possui 
uma vontade tenaz e muitas vezes poderosa, 
tende a demonstrar ambicao e desejo de domi-
nio, tern propensao a reacifies abruptas e explo-
sivas. 
Melancolico 	 E urn tipo 
nervoso, de olhar Criste e mtisculos pouco de-
senvolvidos. Seu carater é muito excitavel, ten-
dendo ao pessimismo, ao rancor e a solidao. 
Ainda na concepcao de Hipocrates, as for-
mas basicas de doenca mental sao a melanco-
lia, isto é, uma forma discreta e retraida de lou-
cura, a mania. uma forma exuberante e furiosa 
de loucura e a frenitis, a chamada loucura corn 
febre. A melancolia, por exemplo, resulta da 
retencao no organismo e acao maligna da bilis 
negra, que delta forma é vista como urn princf-
pio agressivo e instavel. A tipologia hipocrati-
ca-galenica sobreviveu no Ocidente por mais 
de 2.500 anos, orientando os medicos e erudi-
tos na classificacao dos tipos humanos basicos. 
suas personalidades e doencas. 
A TIPOLOGIA DE 
CARL GUSTAV JUNG (1875-1961) 
Jung foi urn dos mais ilustres discipulos de 
Freud e de Bleuler. Desenvolveu, ao longo de 
seus 86 anos, uma concepcao extremamente ori-
ginal sobre a estrutura e funcionamento da alma 
humana. Criou e aprofundou concertos hoje uti-
lizados e discutidos amplamente em psicologia 
e psicopatologia, como o de complexos, incons-
ciente coletivo, arquetipos, self, etc. A totalida-
de da personalidade. segundo Jung, é constitui-
da de varias instancias, a saber: 
A persona: E a dimensao exterior e relacio-
nal da personalidade; a mascara social adotada 
pelo indivicluo nas relaceies sociais. Correspon-
de em pane aquilo que os sociOlogos denomi-
nam "papel social". Nise daSilveira, uma das 
mais importantes estudiosas e pesquisadoras do 
pensamento junguiano no Brasil, utiliza o con-
to de Machado de Assis, "0 Espelho", para ilus- 
trar o que seria apersona junguiana. Em tal con-
to, Machado propete uma teoria de que o ho-
mem teria duas almas; "unto que olha de den- 
Quadro 22.1 Os temperamentos na escola hipocrtitica-galenica 
Temperamentos Sangiiineo Unpile° ou fleumatico Coterie(' Melancedico ou urrnGiliririo 
Humor (fluidal Sangue Linfa ou fleuma Bilis Atrabilis ou bilis negra 
Orgao Corac5o Cerebro Figado Baco 
Qualidodes Quente Frio Seco Omido 
Elentenios 
do natureza 
Terra Ar Fogo Agua 
1,11 ZI.OL•1 40,/ 
162 P _ AUL° DALCALAHRONDO 
fro para fora, outra que ollia de fora para den-
Fro". Antecipa-se, de certa forma, Machado a 
Jung, na delimitagao dos homens em extrover-
tidos e introvertidos. 
Machado descreve a persona junguiana ao 
relatar o caso de urn jovem que, ao ser nomea- 
do alferes (posicao hierarquica militar) da Guar- 
da Nacional, tanto se identificou coin a patente 
que "o alferes eliminou o homem". Todos nos 
conhecemos individuos que se identificam tan- 
to corn seus postos, status ou fungao social, que 
perdem totalmente a nogao de que sao algo alem 
e aquem desse papel social; é o caso do "su- 
perstar" que elimina o homem, do "brilhante 
professor e intelectual" que elimina o homem, 
do "supermedico" que elimina o homem, do 
"grande politico" que elimina o homem. do "po- 
deroso empresario" que elimina o homem, e as-
sim por diante. Machado relata que o alferes foi 
urn dia obrigado a ficar sozinho em uma casa de 
campo onde nao havia ninguem para prestar lou-
vagoes, deferencias, para "reconhecer" a sua 
importancia e posicao hierarquica. Nesse momen-
to, o pobre alferes sentiu-se completamente va-
zio; no espelho nao via sua imagem, estava esfu-
mada, sem contornos nitidos, entrou em panico... 
A nogao de Eu (ou Ego) nas concepcOes psi-
canaliticas da escola lacaniana (de Jacques La-
can) tern uma curiosa semelhanca corn a nocao 
de persona da psicologia analitica de Jung; é 
uma imagem construida a partir do exterior, in-
trojetada inconscientemente por meio de multi: 
plas identificacoes corn o desejo dos outros. E 
a mascara que "colocam" sobre nos e que ao 
final acreditamos ser nos mesmos. 
A sombra: sao os elementos inconscientes 
e inaceitaveis da personalidade, reprimidos pela 
consciencia. Aspectos de nossa propria pessoa 
que freqUentemente nos repugnam e que rejei-
tamos veementemente. A sombra sobretudo 
inconsciente, estando. de certa forma, no polo 
oposto a. persona. A tendencia mais comum é 
projetar a nossa sontbra sobre o outro. seja ele 
urn inimigo conhecido, urn colega qualquer de 
trabalho, urn vizinho. urn grupo social ou etni-
co (participando entao tal mecanismo na for-
macao do racismo), ou uma figura simbolica 
como o demonic). urn mito ou urn fantasma. 
Anima e Animus: Jung denomina anima ao 
conjunto de elementos femininos inconscientes 
presentes em todos os hornens. A anima surge 
das experiencias que o homem teve corn a mu-
lher ao longo da hist6ria, a relagao do homem 
corn o ente feminino, "residuo de codas as im-
pressOes fornecidas pela mulher". 0 primei-
ro e mais fundamental representante da ani-
ma é a mae; depois surgem as grandes mu-
lheres, a Virgem, fadas, bruxas, feiticeira, 
sereia, grandes atrizes, Iemanja, a figura da 
enfermeira, da primeira professora, da "fem-
me fatale", etc. Ja o animus é o conjunto de 
elementos masculinos existentes no psiquis-
mo feminino, de forma principalmente incons-
ciente. 0 primeiro e fundamental represen-
tante do animus é o pai, depois vem o mestre, 
o ator de cinema, o camped° esportivo, o guer-
reiro, o heroi politico, o lider religioso, o ca- 
cique da tribo, o "poderoso chefao", etc. 
0 Self: Este é um conceito bastante comple-
xo da psicologia analitica de Jung. 0 self rid() é 
propriamente algo que exists, mas algo a que o 
individuo se destina no seu desenvolvimento in-
terior. Nao é apenas o centro profundo da per-
sonalidade, mas tambem a sua totalidade. 0 de-
sabrochar do self resulta do reconhecimento da 
prOpria sombra. da resolucao mais ou menos fe-
liz dos diversos complexos, da assimilacao e in-
tegragao de aspectos parciais e cindidos do psi-
quismo individual. 0 desenvolvimento e auto-
conhecimento pessoal produz urn alargamento 
do mundo interior e possibilita que o self passe 
a ocupar o centro da personalidade, o individuo 
aproxima-se de urn perspectiva totalizante e in-
tegrada de si mesmo e supera fragmentacoes in-
teriores de sua personalidade. 
OS TIPOS HUMANOS BASICOS 
SEGUNDO JUNG 
Segundo o movimento e direcao da energia 
psiquica (libido) temos: 
an-oversew: Aqui a libido flui sem emba-
rag° ou dificuldade em diregao aos objetos ex- 
ternos. Os extrovertidos sao pessoas que par-
tern rapida e diretamente em direcao ao mundo 
externo, tern as suas referencias e buscam suas 
satisfagoes no ambiente externo. 
introversao: Aqui a libido recua perante os 
objetos do mundo externo, voltando-se para seu 
interior; o mundo externo 6 ameacador ou sem 
importancia, as satisfacOes e referencias provem 
do proprio mundo interno. 
Segundo as funcOes psiquicas adaptativas 
basicas temos: 
0 pensamento, que esclarece o devido sig-
nificado dos objetos, a racionalidade e logica 
dos processos da vida. 0 sentimento na con-
cepgao de Jung relaciona-se a capacidade de 
estimar afetivamente o mundo, de decidir que 
valor afetivo e emocional tern determinado fe-
nomeno para nos. A sensopercepgao capta e 
identifica corn precisao os objetos do mundo 
externo e permite o contato objetivo corn a rea-
lidade. A innticiio e uma percepcao inconscien-
te. uma apreensao imediata de como os objetos 
do mundo se comportam. de como os fenome-
nos ocorrem. Segundo Jung, uma dessas fun- 
goes sera sempre a principal para cada indivi-
duo, uma outra sera auxiliar a principal, atuan-
do conjuntamente corn ela. Uma terceira sera 
muito rudimentar, quase silenciosa, e a quarts. 
chamada funcao inferior, permanece inconscien-
te e totalmente adormecida. 
Estas quatro fungoes dispaem-se duas a duas. 
em pares de oposigao. 0 primeiro par 6 o doper/-
same/Ito versus sena/nem°. Assim. o pensamento 
esforca-se por conhecer cognitivamente as coisas 
sua logica e racionalidade, desinteressando-se por 
seu valor afetivo. 0 sentimento valoriza priorita-
riamente o valor afetivo dos objetos e fenorne-
nos, nao se interessando por sua racionalidade. 
0 segundo par 6 o da sensopercepgao ver-
sus intuicao. A sensopercepgao concentra-se 
sobre o exame descritivo, detalhado dos obje-
tos. particular e analiticamente, focando os seus 
detalhes. A intuicao apreende as coisas em seu 
conjunto, de forma global e imediata. nao se 
prende a detalhes, capta o clima geral do que 
acontece e nao depende da constatacao externs 
para seu funcionamento. 
Assim. a partir desses dois niveis de polari-
dades (extroversao e introversao, pensamento e 
sentimento, sensopercepgao e intuigao). Jung 
prop& uma tipologia humana corn oito tipos 
fundamen.ais: 
Jung organiza a sua tipologia a partir de dois 
aspectos fundamentais da personalidade; o mo-
vimento e direcdo da libido ou energia 
que irao caracterizar duas atitude basicas; a 
saber, a extroversao e a introversao. Ao lado 
desse aspecto de movimentacao e direcao da li-
bido estao as finvies psiquicas bdsicas que o 
individuo usa para se adaptar ao mundo, a sa-
ber: a sensopercepgao. o pensamento, o senti-
mento e a intuicao. 
Quadro 22.2 Tipologia humana segundo Jung 
Tipo sentimento 	Predomina a subjetividade, volta-se para si mesmo, pars seu mundo afetivo interno, suas 
introvertido 	riquezas e nuancas 
Tipo sentimento 	Mais sensivel aos valores sociais e respostas afetivas dos outros. adaptavel afetivamenteextrovertido 	as instituiceies. costumes e habitos sociais 
Tipo pensamento 	Predomina o pensamento centrado em objetos internos e esquemas intelectuais pessoais. 
	
introvertido 	'40 pensamento comeca no interior do sujeito. da voltas. mas termina nele 
Tipo pensamento 	Orientado para o ambiente, visando sempre a ordenacao conceitual dos 
dados objetivos: 
	
extrovertido 	apreende o ambiente de forma rational e ordenadora. 
	
Tipo intuicao 	Volta-se para experiencias e intuicries internas. da, mais importancia as suas ilusoes, 
	
introvertido 	sonhos e fantasias. envolve-se em experiencias misticas pessoais 
	
Tipo intuigao 	Dirige-se ao mundo externo, apreendendo-o de forma intuitive; atento ao surgimento de 
	
extrovertido 	novas realidades 
Tipo percepcao 	Aprofunda-se no sensivel. sobretudo em urn modo pessoal e interno de captar o mundo. 
	
introvertido 	Vive atento a tonalidade afetiva daquilo que sense. tern certa dificuldade de adaptacao ao 
mundo externo 
Tipo percepcao 	Observador acurado da realidade concreta; um empirista. pouco preocupado com sinteses 
extrovertido 	racionais ou interpretacoes daquilo que observa 
PSICOPATOLOGIA E JEAIR/LUtilA inPJ & KArI3 I trItNUN 1,11.1, A I, .v.. 
164 P AU1.0 DALGALARNONDO 
A PERSONALIDADE E SEU 
DESENVOLVIMENTO SEGUNDO 
SIGMUND FREUD (1856-1939) 
Resumir, sem deturpar muito, a nocao freu-
diana de sujeito, como ele ve o ser humano em 
seu desenvolvimento e maturidade. nao 6 tare-
fa facil. Para Freud, a constituicao da persona-
lidade passa estrategicamente pelas vicissitudes 
da libido (compreendida como energia "vital", 
"sexual"), pelo seu desenvolvimento em diver-
sas fases, pelo modo como se estrutura o desejo 
inconsciente e os modos como o eu lida corn 
seus conflitos e frustracoes libidinais. 
Freud (1905) diz que "as pulthes sexuais arra-
vessam urn complicado curso de desenvolvimen-
to e so em seu final o 'primado da zona genital' 
atingido. Antes disso, lid varias "organizacties 
pre-genitais" da libido — pontos em que ela pode 
ficar 'fixada' e aos quais retornard, na ocorre'n-
cia de represscio subseqiiente ('regresseio')". 
Assim, segundo a psicanalise, as "fixacifies" 
infantis da libido e a tendencia a regressao (a es-
ses "pontos" de fixacrio) acabam por determiner 
tanto os diversos tipos de neuroses, como o per-
fil de personalidade do adulto. Particularmente 
importante, na concepcao freudiana, é a trama 
estrutural inconsciente de amor, &Ho e temor de 
represalia em relacao aos pais, o complex° de Edi-
po. Assim, a personalidade do adulto forma-se pela 
introjecao (sobretudo inconsciente) dos relaciona-
memos que se estabelecem no interior das relacOes 
familiares, em particular da crianca pequena corn 
os seus pais, e desses corn ela. 
A primeira forma de organizacao do desejo 
libidinal da crianca relaciona-sea chamada fuse 
oral, estendendo-se ao longo do primeiro ano de 
vida. Aqui a zona e o modo corporal de maior 
fonte de prazer é a boca e o ato de succao: a 
libido concentra-se no mamar; assim, "o ato que 
consiste em chttpar o seio ',latent° torna-se o 
ponto de partida de toda a vida sexual, o ideal 
jamais atingido, ideal a que a imaginageio aspi-
ra nos momentos de grande necessidade e de gran-
de privaccio" (Freud, 1905). 0 indivIduo fixado 
em urn modo oral de organizacao da libido (tipo 
oral) tende a avidez no tomar e no receber; nao 
suporta a privacao e tern dificuldades corn a rejei-
can. Tende a ser passivo e exigentemente recepti-
vo em relacao as pessoas que ama. 0 exagero do 
• 
A BIOTIPOLOGIA DE KRETSCHMER 
A tentativa de aproximar tipos anatomicos, 
fisiolOgicos ou endOcrinos de determinados pa- 
droes de carater psicologico tern sido empreen-
dida desde Hipocrates, corn sucesso bastante 
discutfvel. Uma das biotipologias mais marcan-
tes na historia da psicopatologia foi a do psi-
quiatra alemao Ernest Kretschmer, o qual bus-
cou dividir os tipos humans em tees especies 
morfologicas e psicologicas distintas: os bre-
velineos, os longilfneos e os atleticos. 
Os /ongilineos ou leptossomicos sao indivf-
duos nos quais predomina o diametro longitu-
dinal, vertical, sobre todos os outros; tern cor-
pos delgados, ombros estreitos, peito aplaina-
do, o rosto a alargado e estreito, os membros, 
maos e pes sao longos e delgados. A personali-
dade tenderia a esquizoidia. 
Hiper-racional, o leptossomico tende a pri-
vilegiar o cerebral em contraposicao ao vital, o 
logic° em contraposicao ao afetivo, o esquema-
tico em contraposicao ao dinamico. 0 leptos-
somico tern muita dificuldade no contato afeti-
vo, direto e espontaneo corn as pessoas. Tende 
a desconfianca e as fantasias persecutorias. Pre-
fere os esquemas teoricos, as arquiteturas ra-
cionais, o mundo das categorias a vida real, corn 
sabor, odor e movimento constante. 
Don Quijote de la Mancha, o leptossomico 
exemplar, mergulha de tal modo em leituras fan-
tasticas, aderindo integralmente a esquemas ar-
tificiais (o heroi, o vilao. a donzela indefesa) a 
ponto de sua vida transformar-se em urn enor-
me e maravilhoso delirio. 0 leptossOmico ao 
adoecer mentalmente tern a propensao a esqui-
zofrenia, a personalidades esquizoides ou es-
quizotfpicas. 
Nos brevelbleos Ott ptcnicos predomina o 
diametro antero-posterior do tronco, principal-
mente do abdome. k!) rosto a arredondado e os 
membros. curtos. Tenderiam a ciclotimia ou a 
sintonia. Teriam a caracterfstica de "sintonizar" 
afetivamente corn as pessoas circundantes, li-
gados ao suceder historic° dos acontecimentos, 
a vida real, as emocoes e ao colorido geral do 
mundo. 
0 tipo classic° representante dos pfcnicos 
cicloamicos e o escudeiro Sancho Parica; bo-
nachao, amante da culinaria e do vinho, tran-
qiiilo, voltado para a esfera emocional, em cons-
tante sintonia afetiva corn seu meio ambience. 
Sancho Panga quer saborear a vida, nao quer 
entende-la. quer a festa, o jtibilo, as pessoas 
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE 
CONCEITO 
0 transtorno de personalidade foi, ao longo 
dos CrItimos dois seculos, nomeado de diversas 
formas: insanidade moral ("moral insanity" de 
Prichard), monomania moral, transtorno ou neu-
rose de carater, etc. Entretanto, o termo que mais 
se popularizou entre os profissionais de satide 
mental foi psicopatia. Tal termo foi, infelizmen-
te, utilizado de modo muito impreciso, ora se 
identificando "psicopatia" corn personalidade 
sociopatica, ora corn transtornos de personali-
dade em geral. 
0 psiquiatra alemao Kurt Schneider defi-
niu os transtornos de personalidade de forma 
muito oportuna; para ele o element° central 
dos transtornos de personalidade (por ele de-
nominados de "personalidades psicopaticas") 
que o individuo apresenta as seguintes ca-
racterfsticas basicas: 
sofre e faz softer a sociedade, 
assim como 
"tipo oral" 6 descrito tradicionalmente como de-
pendente. sem iniciativa, passivo e acomodado. 
A segunda forma de organizacao da libido, 
chamada fase anal, caracteriza-se pelo marcado 
interesse e prazer da crianca ern reter e expelir 
as fezes, compreendendo o desenvolvimento da 
libido do segundo ao terceiro anos de vida. 0 
tipo anal pode ter seu prazer tanto concentrado 
no reter seus afetos, atos e pensamentos, como 
no expelir, expulsar abruptamente esses elemen-
tos psiquicos. E, sobretudo, urn tipo ambivalen-
te em relacao a essas duas atitudes basicas "re-
ter" e "expelir', podendo ser extremamente 
"contido" e abruptamente explodir ern ataques 
de colera. Os tracos de carater obsessivo e com-
pulsivo, a tendencia a avareza, ao desejo de con-
trolar a si mesmo e aos outros. assim como ten-
dencias a fantasias de onipotencia e pensamento 
magic° sao associados a esse "perfil anal". 
Na terceira fase (dos 3 aos 5 anos), denomina- 
dafase fdlica, as criancas de ambos os sexos inte-ressam-se crescentemente pelos seus proprios ge- 
nitais. Nessa fase, segundo .a formulacao freudia- 
na, a libido dirige-se ao phalus do menino e, de 
certa forma. a "ausencia" do phalus na menina. 
Ha urn intenso investimento narcisico sobre esse 
phalus (que 6 anatOmico/real e simbolico, ao mes- 
mo tempo). Nesse contexto do complexo de Edi- 
po a conflitiva da crianca a marcada pelo amor e 
desejo dirigidos ao genitor do sexo oposto e 6dio 
e rivalidade ao genitor do mesmo sexo. Assim. a 
crianca, que inconscientemente hostiliza o geni- 
tor do mesmo sexo, tambem inconscientemente 
aguarda a represalia, sob a forma de castracao, 
de destruicao daquilo que julga ser o mais vali- 
oso em seu sec 0 tipo fcilico pode tender a urn 
exibicionismo ffsico e mental. a urn narcisismo 
de suas qualidades, atributos e "poderes", ou a 
uma inibicao amedrontada em desejar qualquer 
coisa que the seja de valor. Alem de exibicio- 
nista. o tipo falico pode ser descrito como 
"agressivo", intrometido, julgando-se narcisis- 
ticamente merecedor de "penetrar" em qualquer 
"espaco" que considera como seu de direito. 
reais, nao o livro, as teorias, os grandes esque-
mas que categorizam a vida. 0 picnic° ao adoe-
cer mentalmente tende ao transtorno afetivo bipo-
lar, a depressao e as timopatias de modo geral. 
0 tipo calitico ou muscular seria uma for-
ma intermediaria entre o picnic() e o leptosso-
mica. 0 sistema Osseo e o muscular sao desen-
volvidos. Ha predominio do diametro transver-
sal; ombros largos, cadeiras estreitas e pescoco 
grosso. Os atleticos, tenderiam, assim como os 
leptossomicos, a esquizofrenia ou a epilepsia. 
segundo a visa° de Kretschmer. 
...nao aprende coin a experiencia. 
Isto quer dizer que no transtorno de perso-
nalidade ha uma marcante desarmonia que se 
reflete tanto no piano intrapsiquico como no 
piano das relacoes interpessoais. Os transtor-
nos de personalidade, embora de modo geral 
produzam conseqiiencias muito penosas para o 
indivfduo, familiares e pessoas proximas, nao e 
166 PAULO DALGALARRONDO 
facilmente modifictivel por meio das experien-
cias da vida; tende antes a se manter estavel ao 
longo de toda a vida. 
Segundo a classificacao atual de transtornos 
mentais da OMS, a CID-10, os transtornos de 
personalidades sao definidos pelas seguintes 
caracteristicas: 
Geralmente surgent na infancia ou ado-
lescencia e tendem a permanecer relativamente 
estavel ao longo da vida do individuo ("0 me-
Milo é o pai do homem"). 
Manifesta urn conjunto de conzportamen-
tos e rengdes afetivas claramente desarmoni-
cos. envolvendo varios aspectos da vida do in-
dividuo, como, por exemplo, a afetividade, o 
controle de impulsos, o modo e estilo de rela-
cionamento corn os outros, etc. 
0 padrao anormal de comportamento e 
de respostas afetivas e volitivas 8 permanence, 
de longa duracdo e nao limitado ao episodio 
de ma doenca mental associada (como por 
exemplo uma fase manfaca ou depressiva, urn 
surto esquizofrenico, etc.).. 
0 padrao anormal de comportamento in-
clui muitos aspectos do psiquismo e da vida 
social do individuo, nao sendo restrito a apenas 
urn tipo de reagao ou uma area do psiquismo. 
0 padrao comportamental é mal-adapta-
tivo, produz uma serie de dificuldades para o 
individuo e/ou para as pessoas que corn ele con-
vivem. 
Sao condicties. tzdo-relacionadas direta-
mente lesdo cerebral evidente ou a outro trans-
torno psiquidtrico (embora tenhamos alteracoes 
de personalidade secundarias a lesao cerebral). 
0 transtorno de personalidade leva a al-
gum grau de sofrimento (angdstia, solidao, sen-
saga° de fracasso pessoal, dificuldades no rela-
cionamento vividas corn amargura, etc.). Entre-
tanto. salienta a CID-10, tal sofrimento pode se 
tornar aparente para o individuo apenas tardia-
mente em sua vida. 
Geralmente o transtorno de personalida-
de contribui para um nzazt desempenho ocupa-
ciottal (no trabalho. estudos, etc.) e social (corn 
familiares, amigos, colegas de trabalho ou es-
tudo). Entretanto. tal desempenho precario nao 
condicao obrigatoria. 
Segundo a CID- 10 (corn Iigeiras modificagoes 
do autor), os transtornos de personctlidade 
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE 
PARANOIDE 
Sensibilidade excessiva a rejeicoes e a 
contratempos. 
Tendencia a guardar rancores persisten-
temente. 
Desconfianca excessiva e uma tendencia 
exagerada a distorcer as experiencias por inter-
pretar erroneamente as acties neutras ou amis-
tosas de outros como hostis ou depreciativas. 
Obstinado senso de direitos pessoais e sen-
saga° de estar sendo injustigado em relacao a 
esses direitos, em desacordo corn a situacao real. 
Suspeitas recorrentes, sem justificativa, 
corn respeito a fidelidade sexual do parceiro. 
Tendencia a experimentar uma autovalo-
rizacao excessiva. manifesta em uma atitude 
persistente de auto-referencia. 
Preocupacao corn explicacties "conspira-
torias", nao baseadas em dados reais. 
xico em psicopatologia polemic°, sempre dis-
cutivel. E urn transtorno ou uma doenca, urn 
modo de ser ou uma categoria merlin arbitra-
ria? Sao perguntas que ainda estao em aberto. 
Segundo a tradigao psicopatologica, os socio-
patas sao pessoas incapazes de uma interagao 
afetiva verdadeira e amorosa. Nao tern consi-
deracao ou compaixao pelas outras pessoas, 
mentem, enganam, trapaceiam, prejudicam os 
outros, mesmo quem nunca lhes fez nada. Sao 
popularmente conhecidos como "mau miter", 
"tranqueira", "canalha", etc. 
Eis aqui como a CID-10 os descreve: 
Indiferenga e insensibilidade pelos senti-
mentos alheios. 
Irresponsabilidade e desrespeito por nor-
mas, regras e obrigaciies sociais. 
Incapacidade de manter relacionamentos, 
embora nao haja dificuldade em estabelece-los. 
Muito baixa tolerancia a frustracties e urn 
baixo limiar para descarga de agressao, inclusi-
ve violencia. 
Incapacidade de experimentar culpa e de 
aprender corn a experiencia, particularmente 
corn a punigao. 
Propensao marcante para culpar os ou-
tros ou para oferecer racionalizagOes plausiveis 
para o comportamento que gerou seu conflito 
corn a sociedade. 
Crueldade e sadismo sao frequentes nes-
se tipo de personalidade. 
Encontra-se no magnifico conto "A Causa 
Secreta", de Machado de Assis, uma das me-
lhores descrigOes de urn individuo sociopata. No 
personagem Fortunato. Machado descreve de 
forma genial a que ponto pode chegar o sadis-
mo e a crueldade db,um honiem. 0 medico Gar-
cia, ao observar a crueldade de seu amigo For-
tunato, assim pensa: 
- Castiga sear raiva, pensou o medico, pela 
necessidade de achar uma sensacclo de prazer, 
que so a dor alheia the pode dar: é o segredo 
deste homent. 
No final do conto, Fortunato experimenta o 
maior prazer ao observar como seu amigo (ami-
go?) Garcia sofre desesperadamente ao se des-
pedir da mulher secretamente amada, recem-
morta, beijandb-a: 
Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para bei-
jar outra vezo cadaver; teas eta& tzdo pode 
0 betjo rebentou em sohtcos, e os olhos tido pu-
deram canter as lagrimas, que vieram em borbo-
tdes, lagrimas de antor calado, e irremedicivel 
desespero. Fortunato, a porta, °tide ficara, sabo-
reou tratzqiiilo essa explosdo de dor moral que 
foi longa, nutito longa, deliciosanzente longa. 
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE 
BORDERLINE 
Instabilidade emocional intensa. 
Sentimentos cronicos de vazio. 
Relacionamentos pessoais intensos mais 
muito instaveis, oscilando em curtos periodos 
de uma grande "paixao" ou "amizade" para 
"oclio" e "rancor" profundos. 
Esforgos excessivos para evitar abandono. 
Dificuldades serias e instabilidade corn 
referencia a auto-imagem, aos objetivos e pre-
ferencias pessoais (inclusive a sexual). 
Atos repetitivos de autolesao. envolven-
do-se em atuagOes perigosas (por exemplo, guiar 
muito embriagado evelozmente, intoxicar-se 
corn muitas drogas, etc.). 
Atos suicidas repetitivos. 
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE 
ESQUIZOIDE 
Distanciamento afetivo. afeto embotado, 
aparente frieza emocional. 
Capacidade limitada para expressar sen-
timentos calorosos, ternos ou raiva para corn os 
outros. 
Indiferenca aparente a elogios ou criticas. 
Poucas atividades produzem prazer. 
Pouco interesse em ter experiencias se-
xuais com outra pessoa. 
Preferencia quase invariavel por ativida-
des solitarias. 
Preocupacao excessiva corn fantasias e 
introspeccao. 
Falta de amigos intimos ou de relaciona-
mentos confidences. 
Insensibilidade marcante para corn nor-
mas e convencOes sociais. 
TRANSTORNO DE PERSONTALIDADE 
ANTI-SOCIAL (SOCIOPATIA) 
Os sociopatas sao individuos que, embora 
reconhecidos por todos. tern urn status nosota- 
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE 
TIPO IMPULSIVO 
Tendencia marcante a agir impulsivamen-
te, sem consideragao pelas conseqUencias. 
Instabilidade afetiva intensa. 
Acessos de raiva intensos. 
Explosoes comportamentais. 
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE 
HISTRIONICO 
Dramatizacao. teatralidade, expressao 
exagerada das emogiaes. 
Sugestionabilidade aumentada, facilmente 
influenciado por outros ou pelas circunstancias. 
Afetividade superficial, pueril e labil. 
Busca continua de atencao e apreciacao 
pelos outros, quer ser o centro das atenciies. 
Sedugao inapropriada em aparencia (ves-
timenta. maquiagem. etc.) e comportamento. 
PSICOPATOLOGIA 	 ,,,,,,, .Itla • 
168 PAULO DALGALARRONIM 
Quadro 22.3 Semiotecnica da personalidade 
Verificar pela observacao cuidadosa e prolongada do paciente e pelo relato de familiares e conhecidos. quais dos 
tracos abaixo sao mais claramente presentee no paciente. Peca para os familiares descreverem como ele(a) a no 
dia-a-dia. como é seu "jeito de ser", seu estilo pessoal, seu modo de reagir, de sentir e de atuar ao longo dos anos. 
nas diversas situacoes de vida. 
Erotizacao de situacoes a principio nao 
estritamente "eroticas" (uma consulta ao den-
tista, uma audiencia corn o juiz, etc.). 
Infantilidade. tendencia a reacoes infan-
tis, pouca tolerancia a frustracao. 
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE 
ANANCASTICA OU OBSESSIVA 
Preocupacao excessiva corn detalhes. re-
gras. listas, ordem. organizacao ou esquemas. 
Perfeccionismo que interfere na conclu-
sao de tarefas. 
Davidas excessivas sobre assuntos irrele-
vances. 
Cautela excessiva. 
Rigidez e teimosia. 
1nsistencia incomum de que os outros se 
submetam exatamente a sua maneira de fazer 
as coisas. 
Excesso de escrupulos e preocupacao in-
devida coin detalhes da vida. 
A rigidez impede ou anula o prazer nas 
relacoes interpessoais. 
Aderencia excessiva as convencOes so-
ciais e certo pedantismo. 
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE 
ANSIOSA OU DE EVITAc AO 
Estado constante de tensao e apreensao. 
Crenca de ser socialmente incapaz, de-
sinteressante ou inferior aos outros. 
Preocupacao ou medo excessivo em ser 
criticado ou rejeitado. 
Restricoes na vida diaria devido a neces-
sidade de seguranca fisica ou psiquica. 
Evitacao de atividades sociais e ocupa-
cionais que envolvam contato interpessoal sig-
nificativo. principalmente por medo de criticas, 
desaprovacao ou rejeicao. 
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE 
DEPENDENTE 
I. Subordinacao da prOprias necessidades e 
desejos aqueles de quem e dependente. 
Solicitacao constantemente para que ou-
tros (dos quais depende) tomem as decisties im-
portantes em sua vida pessoal. 
Sentimento de desamparo, quando sozi-
nho, por causa de medo exagerado de ser inca-
paz de se cuidar. 
Preocupacao ou/e medo exagerado de ser 
abandonado pelas pessoas das quais depende. 
Capacidade limitada de tomar decisaes 
cotidianas sem urn excesso de conselhos e re-
asseguramento pelos outros. 
Relutancia em fazer exigencias ainda que 
razoaveis as pessoas das quais depende. 
0 sistema norte-americano de classifica-
cao dos transtornos mentais, DSM-IV, acres-
centa ainda dois tipos de transtornos de per-
sonalidade que julgamos relevante mencionar 
devido ao seu interesse e importancia clini-
ca. sao eles: 
Desconfianca constante 
Sensivel as decepcOes e criticas 
Rancoroso, arrogante 
Culpa os outros 
Rely indicativo 
Sense-se freqUentemente prejudica- 
do nas relacOes 
IMPULSIVA 
Explosivo, nao contem os impulsos 
lmprevisivel 
Nao sabe esperar 
Nao tolera frustrac6es 
Nao faz pianos para o futuro 
Nao pensa antes de agir 
Nao consegue refletir. 
ANANCASTICA 
Rigid°. metodico. minucioso 
Nao tolera variacoes ou improvisa-
goes 
Perfeccionista e escrupuloso 
Muito convencional. segue rigoro-
samente as regras 
Controlador (dos outros e de si) 
Indeciso 
ESQUIZOTIPICA 
Ideias e crencas estranhas e de au-
tore ferenc ia 
Desconforto nas relacoes interpes-
soais 
Pensamento muito vago e excessi-
vamente metaforie,o, 
Aparencia fisica exceritrica 
Etticilia era tuna esquisita, para LiSa17110S a lin-
guagem da nine, on romanesca, para empirgar-
mos a definicao dos amigas. Tinha, em verdade, 
tuna singular organizactio. Scutt ao pai. 0 pai 
nascera com a amor do enigmatico, do arriscado 
e do obscuro; ',Jarrett quando aparelhava tuna 
expeclicao para it a Bahia descobrir a "cidade 
abandonada". Etrlcilia recebeu essa heranga mo- 
m!, modificada ot«tgrctvada pela natureza femi- 
Irresponsavel. inconsecitiente 
Frio. insensivel, sem compaixao 
Agressivo. cruel 
Nao sente culpa ou remorsos 
Nao aprende corn a experiencia 
Mente de forma recorrente 
Aproveita-se dos outros 
HISTRIONICA 
Dramatiza. a muito teatral 
Sugestionavel e superficial 
Necessita de atencao e excitacao 
Manipulativo 
Deseja atencao constante 
Infantil e pueril 
Erotizacao de situacoes nao conven-
cionalmente "erotizaveis" 
DEPENDENTE 
Depende extremamente de outros 
Necessita muito agradar 
Desamparado quando sozinho 
Sem iniciativa 
Sem energia 
Sem autonomia pessoal 
EPILEPTICA 
Irritabilidade. impulsividade 
Desconfianca 
Prolixidade. circunstancialidade 
Viscosidade 
Hipergrafia 
Hiperreligiosidade 
Hipossexualidade 
nil. Nela dominava principalmente a content-
placcio. Era na cabega que ela descobria as ci-
dades abandonadas. Tinha os olhos dispostos 
de maneira que tido podiam apanhar integral-
ntente os contornos dct vida. Contecou ideali-
zando as coisas, e, se ncTo acabou negando-as, 
é certo que o sentimento da realidade esgar-
cou-se-lhe ate chegar is transpcirencict fina cm 
que o tecida parece conFiutrlir se cam a at: 
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE 
ESQUIZOTIPICO 
Desconforto e incapacidade importance 
para ter relacoes interpessoais Intimas. 
Freqiientes ideias de autoreferencia ("tudo 
que acontece no mundo se refere a ele"). 
Ideias e crencas estranhas, tendendo ao 
pensamento magic°. 
Experiencias perceptivas incomuns, in-
cluindo ilusoes corporais. 
Pensamento e discurso incomuns, estra-
nhos. como, por exemplo. pensamento vago, 
exageradamente metaforico. hiperelaborado ou 
estereotipado. 
Ideacao parandide, muito desconfiado. 
Afetos inapropriados ou muito reduzidos. 
Comportamento e/ou a aparencia fisica 
(inclusive vestimenta) estranhos, os pacientes 
parecem excentricos ou muito peculiares. 
Ausencia de amigos Intimos ou confiden-
tes, alem dos parentes de primeiro grau. 
Ansiedade excessiva em situacoes so-
ciais, que nao diminui com a familiaridade em 
relacao a tal situacao, ou é colorida com idea-
cao paran6ide. 
Descrevendo um personagem que muito 
lembra uma personalidade esquizotipica, assim 
se expressa Machado de Assis: 
PARANOIDE 	 ESQUIZOIDE 	
SOCIOPATICA 
Frio (indiferente) 
Distante, sem relacoes Intimas 
Esquisito (estranho) 
Vive no seu prOprio mundo 
Solitario (isola-se) 
Nao se emociona (imperturbavel)BORDERLINE 
Relacoes pessoais muito instaveis 
Atos autolesivos repetitivos 
Humor muito instavel 
Impulsivo e explosivo 
Transtorno de identidade 
Sentimentos intensos de vazio e 
aborrecimento cr6nico 
ANSIOSA 
Dificuldade em descontrair-se 
Preocupa-se facilmente 
Teme situacoes novas 
Atento a si prdprio 
Muito sensivel a rejeicao 
Extremamente inseguro 
NARCISICA 
Considera-se superior 
Quer ser reconhecido como especial 
ou anico 
Fantasias de grande sucesso pessoal 
Requer admiracao excessiva 
E freqUentemente arrogante 
23 
Func5es psiquicas 
compostas: a inteligencia e 
suas alteracoes 
170 PA UI.() DAI :A LA 'MOND() 
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE 
NARCISICO 
0 individuo tern urn senso grandioso (e 
irreal) da importancia de sua pessoa. Julga ter 
talentos especiais, espera ser reconhecido como 
superior, sem que tenha feito algo concreto para 
tanto. 
Muito voltado para fantasias de grande 
sucesso pessoal, de poder, brilho, beleza ou de 
urn amor ideal. 
Acha-se excepcionalmente "especial" e 
"ilnico", acreditando que so pessoas ou insti-
tuicoes tambem excepcionalmente especiais ou 
unicas possam estar a sua altura. 
Requer admiracao excessiva. 
Tende a ser "explorador" nas relaciies in-
terpessoais, buscando vantagens sobre os ou-
tros para atingir o seu fim ou sucesso pessoal. 
Nao tern empatia pelas pessoas comuns. 
E freqilentemente invejoso dos outros, ou 
do sucesso dos outros, e acha sempre que os 
outros tem inveja dele. 
Mostra-se frequentemente arrogante. 
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE DO 
TIPO EPILEPTICO 
Ha certa controversia sobre as alteracoes de 
personalidade associadas a epilepsia e as dis-
funcOes do lobo temporal. Classicamente mui-
tos psiquiatras atribufram a epilepsia alteracties 
tipicas de personalidade. Atualmente, sabe-se 
que apenas uma porcentagem de pacientes corn 
epilepsia. particularmente corn crises parciais 
complexas. com focos epileptogenicos nos lo- 
bos temporais, apresenta alteracOes de perso-
nalidade. 0 neurologista Norman Geschwind 
descreveu ha alguns anos uma sfndrome de 
alteracdes de personalidade relacionada tan-
to a epilepsia quanto aos transtornos neuro- 
lOgicos relacionados as estruturas temporo-
limbicas (Benson, 1991). As alteracoes carac-
terfsticas da personalidade do tipo epileptic° 
ou sIndrome de Geschwind sao: 
Irritabilidade: 0 individuo se irrita corn 
muita facilidade, aparentemente sem motivos. 
Impulsividade: Tendencia a explosoes 
comportamentais. 
Desconfianca: Tendencia a uma atitude 
paranaide em relacao as pessoas. 
Proli.ridade: Tendencia a urn pensamen-
to vago, que nao chega a urn fim definido. 
Geschwind acrescenta ainda os seguintes as-
pectos: 
Viscosidade na interacao pessoal (indivi-
duo descrito como "grudento", "viscoso"). 
Tendencia a hipergrafia, a praticar a es-
crita de forma compulsiva. 
Circunstancialidade, individuo corn pen-
samento que "roda" em torso do tema. 
Tendencia ahiper-religiosidade, muito li- 
gado a questoes misticas ou religiosas. 
Tendencia a hipossexualiclade, vida sexual 
ausente. sem interesse pela sexualidade. 
Outras tendencias como: obsessionali-
dade, culpa, moralismo, dependencia, passivi-
dade, senso aumentado de urn "destino pessoal", 
hostilidade, falta de humor. 
... a afetividade certanzente é primordial. 
Afetividade é o motor de qualquer conduta. Mas 
a afetividade ndo modifica a estrutura cogniti-
va. Tomemos duas criancas em idade escolar, 
por exempla. Ulna que adora matenititica, é 
hiteressada e entusiasta, e possui todos os de-
nials predicados que voce iniagina. E Irma on-
tra que tem sentimentos de inferioridade, que 
nao gosta do professor, e assim por diante. Utna 
se adiantard muito nulls rapidamente do que a 
outra, nas para antbas dois e dois fazes qua-
tro no final. Niio sao tres para a que nao gosta 
de matematica, nem cinco para a que gosta. 
Dois e dois ainda sera° quatro. 
Jean Piaget 
DEFINICOES BASICAS 
A inteligencia é urn conceito fundamental 
da psicologia moderna, que todos utilizam, en-
tretanto quase ninguem consegue defini-lo de 
modo definitivo ou pelo menos amplamente 
convincente. 0 proprio criador da principal es-
cala de avaliacao e mensuracao da inteligencia 
em criancas e adultos, David Wechsler, certa 
vez, ao comentar sobre a dificuldade em definir 
exatamente o que é inteligencia, afirmou ironi-
camente: "0 que é inteligencia... ora, inteligen-
cia é aquilo que os melts testes medem..." 
A inteligencia pode ser definida como a to-
talidade das habilidades cognitivas do indivi-
duo, a resultante, o vetor final dos diferentes 
processos intelectivos. Refere-sea capacidade 
de identificar• e resolver problentas novas, de 
reconhecer adequadamente as situagoes viven-
ciais cambiantes e encontrar soluglies, as mais 
satisfatdrias possiveis para si e para o ambien-
te, respondendo as exigencias de adaptacao bio-
logica e sociocultural. Deve-se deixar claro que, 
mais do que qualquer outra funcao psiquica. a in-
teligencia nao é uma funcao material, delimitavel 
e independence das formulacOes que sobre ela se 
faz. A inteligencia é. portant°. um construto, urn 
modo de ver e estudar uma dimensao do funcio-
namento mental, dimensao esta construfda histo-
ricamente pela psicologia, medicina e pedagogia. 
A inteligencia tern uma dimensao essencial-
mente de rendimento psfquico. Refere-se assim 
as habilidades intelectivas que con o minim° 
de esforco empregado se °brim o maxima de 
ganho on de rendimento fitncional. 
Segundo Nobre de Melo (1979), sera tanto 
mais inteligente o individuo quanto melhor e 
mais rapidamente possa compreender o que su- 
cede; quanto maior for o campo de informacoes 
que consegue abarcar e integrar, quanto maior o 
mimero e precisao dos conceitos e juizos que 
consegue adquirir e utilizar, e quanto mais rapi- 
da e adequadamente possa adaptar-se a situagbes 
existenciais novas. 
Alguns autores distinguem diferentes "tipos 
de inteligencia", correspondentes as varias habi- 
lidades ou areas da cognicao como: inteligencia 
verbal, visuo-espacial, visuo-construtiva. inteli-
gencia aritmetica, capacidade logica, capacidade 
de planejamento e execucao, de resolucao de 
problemas novos, inteligencia para a abstracao, 
para a compreensao, inteligencia criativa. etc. 
1 
I 
4) 
172 PAULO DALGALAKRONDO 
ONTOGENESE DA INTELIGENCIA: 0 
DESENVOLVIIVIENTO DA INTELIGENCIA 
NA CRIANcA, SEGUNDO JEAN PIAGET 
Como surge e se desenvolve a inteligencia 
em urn individuo, de onde vem as habilidades 
cognitivas que permitem ao sujeito adaptar-se 
continuamente as exigencias de urn ambiente 
cambiante e desafiador. Seriam elas predomi-
nantemente herdadas ou totalmente aprendidas 
ao longo da educacao. 0 genial pensador e pes-
quisador sago Jean Piaget recusa uma solucao 
unilateral. Para ele, a inteligencia na crianca nao 
e nem somente herdada. nem apenas aprendi-
da. A inteligencia, os processos mentais que 
criam, organizam e utilizam adaptativamente os 
conceitos e raciocinios nao sao inatos, pois 
mudam ao longo da vida; nao sao tambern ape-
nas aprendidos dos adultos, pois os adultos nao 
nasceram corn elas, foram-nas adquirindo ao 
longo de seu desenvolvimento pessoal. As Wins 
das criancas sobre o mold° sac) "construcOes", 
que envolvem estruturas mentais inatas e a expe-
riencia sociocultural. 0 desenvolvimento da 
por sua vez, acorns pela substimicao (de 
esquemas cognitivos previos), pela aquisiccio e 
integracclo de novas esquemas cognitivos. e nao 
apenas pela adicdo de habilidades cognitivas. 
Piaget descreveu quatro estogios do desen- 
volvimento. Para ele cada fase do desenvolvi-
mento da inteligencia deve ser considerada 
como formada pqr estruturas mentais e com-
portamentais distintas em quantidade e quali-
dade. Tais estruturasdesenvolvem-se progres-
sivamente ao longo da vida da crianca. uma se 
sucedendo a outra, enriquecendo-se gradativa-
mente a cognicao do individuo. 
PERiODOS DO DESENVOLVIMENTO 
COGNITIVO 
Perfodo sensorio-motor: Ocorre nos dais 
primeiros cows de vida. Nesse periodo, as es-
truturas mentais restringem-se ao dominio dos 
objetos concretos. Na fase inicial predominam 
as atividades reflexas congenitas. surgindo gra-
dativamente os primeiros habitos motores. pri-
meiros esquemas perceptivos organizados e afe-
tos diferenciados. 0 hebe ainda nao apresenta 
urn pensamento propriamente dito. Ainda nao 
existe a linguagem e a funcao simbolica, repou-
sando as atividades mentais exclusivamente em 
percepcoes e movimentos. A atividade cogniti-
va do bebe concentra-se, portanto, sob urn con-
junto coordenado de atividades sensorio-moto-
ras. sem que participe a representacao ou o pen-
samento. A imitacao e urn procedimento fun-
damental nesse periodo para o desenvolvimen-
to da cognicao; a imitacao é aqui uma prefigu-
racao. urn nacleo embrionario da representacao, 
no dizer de Piaget, "uma espdcie de represen-
taccio em atos materials e ainda nab em pensa-
mento". 
E apenas no final do periodo sensOrio-motor 
que irao surgir os "objetos permanentes". As 
pesquisas de observacao detalhada desenvolvi-
das por Piaget revelaram que o universo inicial 
do bebe é urn mundo sem objetos, consiste ape-
nas em "quadros moveis e inconsistentes", os 
quais aparecem e. logo, desaparecem completa-
mente. Antes do final do primeiro ano de vida, 
quando a mamadeira é afastada do campo visual 
do bebe. ele chora desesperadamente como se o 
objeto se tivesse desfeito. Quando um objeto é es-
condido acres de urn pano, o beb8 tern a sensacao 
de que o objeto deixou de existir. Por volts dos 9 a 
10 meses. o objeto escondido na frente do bebe 
passa a ser procurado ativamente por ele, denotan-
do o infcio dos chamados "objetos permanentes". 
No periodo sens6rio-motor nao ha ainda a 
diferenciacao eu-mundo, a crianca esta total-
mente centrada em si mesma ("egocentris-
mo"). A partir do segundo ano de vida desen-
volve-se mais cabalmente a percepcao do 
mundo externo. Os conceitos de "coisas", 
"espaco", "tempo" e "causalidade". enquan-
to categorias praticas do dia-a-dia, vao se es-
truturar ao final deste periodo. 
Period° pre-operatorio: Ocorre entre os 2 
e os 7 anos de vida. Processa-se nesse periodo 
o dominio dos simbolos e o desenvolvimento 
da linguagem, dos sentimentos interpessoais e 
das relacoes sociais. 0 brincar passa a ser urn 
dos principals instrumentos do desenvolvimen-
to cognitivo da crianca pequenat 
Segundo Piaget, entre I ano e meio e 2 anos 
de idade surge uma funcao extremamente irn-
portante para a evolucao das habilidades cog-
niti vas posteriores, que consiste na capacidade 
de poder representar alguma coisa. Urn objeto, 
um acontecimento, passam a ter urn "significa-
do", que é representado por urn "significante" 
especifico, que so serve para essa representa-
cao. Surgem e desenvolvem-se, portanto, a lin-
guagem, as imagens mentais, os gestos simbO-
licos, etc. 
0 tipo de inteligencia do estagio pre-opera-
torio baseia-se naquilo que Piaget chama de 
"meia lOgica". Nessa "meia logica" as operacoes 
mentais ja obedecem a uma logica dada, entre-
tanto ela a incompleta, faltando-lhe, por exem-
plo. a nocao de reversibilidade nas operaciies e 
de conservacdo ffsica. 0 pensamento logic° tra-
balha apenas em uma direcao. A nocao de iden-
tidade é, por exemplo, fundamentalmente quali-
tative, faltando a sua dimensao quantitativa. As-
sim, diz Piaget, uma crianca em fase pre-opera-
toria comete o erro logic° aftrmando que a quanti-
dade de agua varia de acordo corn a forma do seu 
recipiente (nao reconhece a identidade quantitativa 
da agua). Entretanto, esta mesma crianca ira afir-
mar que ao se mudar o recipiente é a mesma agua 
(qualitativamente) que se encontra all. 
Segundo Piaget, atividades semioticas, re-
presentativas, como o desenho, o brincar e a lin-
guagem, desenvolver-se-do. nesse periodo, corn 
conseqUencias essenciais para o desenvolvimen-
to sociocognitivo: a palavra vai gradativamente 
se interiorizando, plasmando-se uma linguagem 
interior, base do pensamento propriamente dito. 
Alem disso, a acao ganha progressivamente uma 
dimensao totalmente social e, o que é mais fun-
damental, ocorrera um processo de interioriza-
cdo da acdo, isto é, progride-se de urn piano ba-
sicamente perceptivo e motor para urn piano de 
imagens e experieniias puramente mentais. 
Period() operatorio-concreto: Entre os 7 
anos e 12 anos de idade. Nesse periodo a crian-
ca aprende a dominar cabalmente as classes, re-
lacoes, e ntImeros, assim como raciocinar sobre 
eles. E o infcio do pensamento logic°. denomi-
nado por Piaget de "operacides intelectuais con-
cretas". A socializacdo desenvolve-se plena-
mente, na escola ou fora dela, surgindo o senti-
do de,cooperacdo social. A operatividade, mar-
ca do periodo operatorio-concrto, é caracteri-
zadatpela possibilidade da crianca agir seguin-
do uma logica, em funcao das implicacoes e con-
seqtiencias de suas ideias e pensamentos. 
Entretanto, nesse estagio, as relacoes en-
tre as classes somente podem ser compreen-
didas quando apresentarem evidencia comple-
ta, isto é, quando estiverern de alguma forma 
presentes ou relacionadas ao campo percep-
tivo. Os sistemas de pensamento, de simbo-
los e relacoes puramente abstratos, so irdo 
chegar ao seu pleno desenvolvimento no pe-
riodo seguinte. 
Period° operatorio-formal: Dos 12 aos 16 
anos: Nesse periodo o adolescente envolve-se 
com o dominio do pensamento abstrato, corn 
os sistemas simbOlicos e categorias abstratas 
mais gerais, corn o funcionamento mental e cog-
nitivo do "mundo adulto" (ideias e sistemas de 
ideias como a Otica absoluta, o sistema demo-
cratic°, os sistemas filosoficos, etc.). Desenvol-
ve-se, nesse ultimo periodo, a capacidade de 
analisar o pensamento pr6prio em relacao ao 
dos outros. Aqui o adolescente ja tern condi-
cOes de trabalhar corn relacoes complexas e 
abstratas, podendo, inclusive, prever as situa-
cOes necessarias para provar ou refutar hipote-
ses initials. 
Nessa Ultima fase, tornar-se-do possiveis os 
sistemas logicos e abstratos mais desenvolvi-
dos do pensamento. Tais sistemas podem incluir 
complexas combinacoes de classes. sistemas de 
transformacao de proposicOes logicas como 
operacoes inversas, negativas. recfprocas e con-
trarias. Aqui torna-se viavel uma formalizacdo 
16gico-matematica desenvolvida do pensamen-
to (transformacdo de urn conjunto de ideias. de 
proposicoes, de hipoteses, de teorias, em for-
mulas matematicas gerais). utilizando-se plena-
mente as operaciies logico-abstratas. a nocao de 
reversibilidade, os agrupamentos matematicos 
e de classe. 
Finalmente, cabe lembrar que ha certo con-
senso de que a inteligencia. pelo menos em par-
te, depende de influencias geneticas. A correla-
cao media da inteligencia dos pais corn a inteli-
gencia dos filhos biologicos fica em torno do 
0,50; entre gemeos identicos. em torno de 0.90 
e entre pais e filhos adotivos em torno de 0.25 
(Sims, 1995). Entretanto, embora os fatores gc-
neticos sejam importantes, o componente am-
biental (aprendizado, estfmulos psicossociais 
nos periodos "cruciais" dp desenvolvimento 
cognitivo da crianca. nutricdo e condicOes ade- 
l'SI(;LWA I IIL IUIII r. 	 ,,, 
174 P•\ULO n - ALGA LANNONUO 
ASPECTOS GERAIS 
0 retardo mental é definido pela OMS 
(1993) como uma condicao de desenvolvimen-
to interrompido ou incompleto das capacidades 
mentais, manifestando-se pelo comprometimen-
to das habilidades cognitivas que sao adquiri-
das ao longo do desenvolvimento na infancia e 
adolescencia (revisao em King e cols., 1997). 
Incluem principalmente as aptidoes intelectivas,a linguagem e a capacidade da adaptacao so-
cial. IndivIduos corn retardo mental compreen-
dem cerca de 2 a 3% da populacao geral (Gross-
man, 1973). 
0 retardo mental no adulto caracteriza-se 
pela presenca de intimeras limitacoes em areas 
como linguagem e comunicacao, o autocuida-
do (satide, higiene e seguranca), habilidades do 
individuo em alcancar as expectativas de seu 
grupo cultural, capacidade de utilizacao dos re-
cursos comunitarios e capacidade adaptativa 
basica na escola, trabalho e/ou lazer. Urn QI 
inferior a 70 (aproximadamente dois desvios 
padrao abaixo da media populational) é neces-
sariamente esperado em individuos corn retar-
do mental. Entretanto, nao deve ser feito o diag-
nostic° de retardo mental caso tenha sido veri-
ficado. por meio de testes de inteligencia, urn 
QI abaixo de 70, mas as habilidades sociais, 
escolares e profissionais indiquem uma boa e 
complexa adaptacao social e urn alto rendimento 
intelectual individual (neste caso o QI baixo foi 
urn resultado "falso-positivo"). 0 diagnostic° 
de retardo mental, portanto, exige, alem de uma 
performance inferior a 70 nos testes individuais 
de Ql, a identificacao de urn padrao de dificul- 
dades e incapacidades de adaptacao e baixos 
rendimentos cognitivos na vida diaria do indi-
viduo. 
Deve-se lembrar tambern que os deficientes 
mentais apresentam. de modo geral, as habili-
dude visuo-espaciais mais desenvolvidas do que 
capacidades cognitivas relacionadas a lingua-
gem. 0 retardo mental nao deve ser considera-
do uma forma de doenca mental sensu strictu. 
Os deficits na resolucao de problemas, no pen-
samento abstrato e no julgamento social sao con-
seqiiencias de urn desenvolvimento intelectual 
deficitario, e nao de um processo adquirido de 
transtorno do pensamento. Entre as limitacaes 
mais significativas no individuo corn retardo 
mental leve estao as dificuldades corn o pensa-
mento abstrato, metaforico e categori al, a inca-
pacidade de planejamento estrategico e de pre-
visa° das conseqiiencias de *les complexas. 
A rigidez cognitiva e a dificuldade em apren-
der corn os erros e desenvolver a partir deles 
novas e diferentes estrategias cognitivas e de 
Ka°, sao elementos caracterfsticos do retardo 
mental. 
Outros transtornos mentais ocorrem corn fre-
qiiencia associados 3 deficiencia mental. Trans-
tornos comumente associados ao retardo men-
tal leve e moderado sao: transtornos de com-
portamento e de desenvolvimento na infancia, 
autismo e epilepsia. Nos casos de retardo men-
tal leve e moderado, muitas vezes nao se reco-
nhece uma etiologia clara. presumindo-se uma 
interacao de fatores geneticos e ambientais des-
favoraveis. Em nosso meio. a privaciio psicos-
social (ausencia dos pais ou substitutos, desnu-
tricao, falta de estfmulos cognitivos e afetivos, 
violencia domiciliar, etc.) representa, presumi-
velmente, urn fator relevante para a deficiencia 
mental leve. Retardo mental grave e profundo 
revela, par outro lado. na maioria das vezes, uma 
causa organica reconhecfvel, e corn freqUencia 
vem acompanhado de transtornos fisicos e neu-
rologicos como epilepsia, deficit visual e/ou 
auditivo e incapacidades motoras. 
Quociente de inteligencia (QI)6 uma medi-
da conventional da capacidade intelectual do 
individuo, baseada na averiguacao das distin-
tas habilidades intelectuais (verbais, visuo-es-
paciais, abstracao, calculo. etc.). Ele é obtido 
por meio de testes individuals padronizados, 
como o WAIS-R (Wechsler Adult Intelligence 
Scale-Revised) o WISC-R (4chsler Intelligen-
ce Scale for Children-Revised), o Stanford-Bi-
net Intelligence Scale, etc. 
Pela aplicacao dos testes em extensas amos-
tras populacionais obtiveram-se normas quan- 
titativas do quociente intelectual. A media po-
pulacional do QI a igual a 100. Na faixa de 85 a 
115 (QI normal media) encontram-se 68% da 
populacao. Urn QI superior a 115 ou 120 é con-
siderado uma inteligencia superior, e urn QI aci-
ma de 130 6 considerado uma inteligencia "mui-
to superior". 
A avaliacao da inteligencia deve buscar iden-
tificar urn padrao geral de rendimento intelec-
tual, nao se fixando apenas ou supervalorizan-
do areas especificas da inteligencia. A interpre-
tacao dos resultados de testes de QI deve ser 
feita corn cautela e flexibilidade, sendo o teste 
considerado urn guia, urn indicativo, e nao alga 
absoluto. 0 contexto cultural do individuo, os 
valores, normas e estilos cognitivos de seu gru-
po etnico e social devem ser seriamente consi-
derados na interpretacao dos resultados. Obvia-
mente uma crianca indfgena, camponesa ou cri-
ada em uma favela provavelmente tera estrate-
gias cognitivas e formas de pensar ern parte di-
ferentes daquelas nas quais o teste foi padroni- 
zado e normatizado. Deve-se tomar cuidado na 
interpretacao dos resultados, principalmente 
quando houver uma discrepancia entre as su-
bescalas verbais e de performance. Entretanto, 
apesar de tais ressalvas, os testes de QI tern o 
seu lugar como instrumento diagnostic° auxi-
liar na clinica psiquiatrica. 
INTELIGENCIA LIMiTROFE 
Os individuos corn urn QI entre 70 e 85 sao 
consideradoslimftrofes ou intelectualmente bor-
derline. Tais individuos nao sao considerados 
deficientes mentais,le muitos deles nao revelam 
dificuldades especiais na vida, apenas as de-
monstram quando confrontados corn exigencias 
cognitivas mais complexas e sofisticadas. Mui-
tos individuos limftrofes costumam apresentar 
dificuldades intelectuais somente no contexto 
escolar, quando chegam ao 20 grau ou nos pri-
meiros anos da universidade. Tais individuos 
podem se beneficiar corn adaptacoes do ambien-
te escolar (orientacao escolar), corn uma adequa-
cao das expectativas individuals e familiares as 
suas rears habilidades cognitivas e profissionais, 
e. eventualmente, corn apoio psicoterapico espe-
cificamente planejado para tal condicao. 
RETARDO MENTAL LEVE 
Tamb6m denominado oligofrenia leve ou 
"debilidade mental". Os individuos que apre-
sentam este grau de retardo revelam nos testes 
de inteligencia urn Q1 na faixa de 50 a 69. A 
idade mental do adulto corresponde a uma 
crianca de cerca de 9 a 12 anos. Uma etiologia 
organica a raramente identificada. Este 6 o gru-
po mais freqUente de pessoas corn retardo men-
tal, compreendendo cerca de 85% de todos os 
individuos corn retardo mental. 
Segundo a OMS (CID-10), individuos que 
apresentam um grau leve de retardo mental ca-
racterizam-se par: 
Apesar de a aquisicao da linguagem nos 
primeiros anos de vida poder ter sido demora-
da, sao capazes de usar a fala adequadamente 
em situagoes do dia-a-dia. 
Podem ser totalmente independentes em 
relacao aos cuidados proprios (comer, vestir-se. 
lavar-se, controle de esfincteres, etc.). 
As habilidades praticas e domesticas po-
dem ser normais. 
Sao potencialmente capazes de realizar 
trabalhos que requeiram mais habilidades pra-
ticas do que intelectuais, como trabalhos manuals 
nao especializados ou semi-especializados. 
Podem ter problemas especfficos de lei-
tura e de escrita. 
Terao dificuldades em lidar corn concer-
tos abstratos complexos, raciocfnio lOgico, pro-
blemas matematicos, etc. 
No caso de casarem-se e terem filhos, pode 
revelar-se imaturidade emotional e serias difi-
culdades para lidar corn os diversos desafios e 
exigencias do casamento e da criacao dos filhos. 
RETARDO MENTAL MODERADO 
Sinonimos antigos de retardo mental mode-
rado sao: oligofrenia moderada ou "imbecili-
dade". Os deficientes mentais moderados reve-
lam nos testes de inteligencia urn QI na faixa 
de 35 a 49. A idade mental do adult() corres-
ponde mais ou menos a uma crianca de 6 a 9 
anos. Estes individuos apresentam urn desen-
volvimento neuropsicomotor, particularmente 
da linguagem e da compreenslio, lentificados e 
incompletos. Os individuos coin retardo men-quadas de sadde, apoio afetivo, etc.) 6, segura-
mente. estrategicamente fundamental para que 
o individuo possa desenvolver plenamente o seu 
potencial genetic°. 
RETARDO MENTAL 
176 PAULO DA UM LA R RONDO 
Quadri, 23.1 Aspectos gerais do retardo mental 
Dificuldades de 
comportamcnto 
no ambience 
escolar 
nao e 
considered° 
RM 
85% Transtornos de 
conduta. autismo, 
epilepsia 
10% Transtornos de 
conduta. autismo, 
epilepsia 
3-4% Deficits motores e 
sensoriais. 
epilepsia 
1-2% Deficits motores e 
sensoriais. 
epilepsia 
GMn de Quociente Made mental Mellor nivel 
refardo intelectual (corresponde escolar 
menial-RM (QI) a tuna 
crion(a de:) 
alcancdvel 
LinOryfe 
(nay e 
70-84 Dificuldades 
irao aparecer 
apenas no 
22 grau 
RM leve 50-69 9-12 anos 62 a 72 series 
do 12 grau 
RM moderado 35-49 6 a 9 anos 22 serie do 
12 grau 
RM grave 20-34 3 a 6 anos Nao conscgue 
frequenter 
escola 
RM profundo abaixo de 20 menos de 3 anos Nao consegue 
frequenter escola 
% do fora! de 	Transtornos 
individuos 	associados 
coin RM 
Quadro 23.2 Semiotecnica da inteligencia 
Avaliagao simplilicada da inteligencia: Verificar inicialmente se o paciente este coo o nivel de consciencia 
preserved°. se este orientado temporoespacilamente, qual o seu grau de concentracao e motivacao e seu este-
do de humor (estas varieveis influenciam muito na interpretacao da performance intelectual). 
Qual a escolaridade do paciente? Se repetiu na escola. quantos anos de repetencia? Quais as motivos aparentes? 
(fugia da escola. brigava muito. faltava. tinha medo da professors. "nao conseguia aprender'. etc.) 
Perguntar entao (ao paciente ou a urn familiar) se etc sabe fazer comas. se sabe lidar coin dinheiro (conferir os 
trocos). se se veste sozinho. see capaz de it sozinho de onibus ao centro da cidade. se ye televise° e entende 
que acontece nas novelas ou filmes. Apds essa triagem inicial. verificar a extensao do vocabulario do pa-
ciente. se sabe ler e escrever. se. ern algum periodo de sua vida. leu gibis. revistas. livros ou jornais. se soube 
escrever seu npme. bilhetes e cartes. Tenter entao verificar a capacidade de abstracao, generalizacao e sofis-
ticacao da inteligencia, perguntando: 
Que ayes (passe/0s) voce conhece? 0 que é uma fera? 0 que a urn monstro? 0 que é urn homem covarde? Qual a 
diferenga entre fee conhecimento? De onde se obtem o acticar? E o met? E a gasolina? E o dlcool? 
Testes simplificados de inteligencia: 
True de Wilson (Othmer e Othmer. 1994): Bascado na capacidade de celculo de multiplicagao. este teste simples-
mente soticita ao paciente que faga mentatmente multiplicagoes por 2. progressivamente: 2 x 3; 2 x 6: 2 x 12; 2 x 
24. e assim por diante. 
Teste de Kent (Othmer e Othmer. 1994) 
Conhecimentos: 
De quo silo feitas as cases? (Resposta: 1 ponto para cada material. ate 4 pontos) 	 4 
Digs-me o name de algum peixe (Resposta: 1 ponto para cada peixe. ate 4 pontos) 	 4 
Digs-me o some de algumas cidades grandes (Resposta: 1 ponto. cidades pequenas nao velem) 	 4 
0 que se pode fazer coo a areia (Resposta: brincar = 1 ponto: usar na construcao = 2 ponto‘; 
Fabricar o vidro = 4 pontos 	 4 
Que metal é atraido polo ima? (Resposta: ago = 2 pontos: Ferro = 4 pontos) 	 4 
Quais as cores da bandeira brasileira (Resposta: verde e amareto = I ponto; 
verde. amarelo. azul e branco = 2 pontos 	 2 
Resolugao de Problemas: 
Se uma bandeira bate ou ondeia em direcao ao sul, de que diregao entao vein o vento (R: norte) 
A que horas do dia a sombre de uma pessoa, estando no sol, a menor? (R: ao meio-dia) 
Por que a lua parece ser major que as estrelas? (R: For que eta este mais baixa = 2 pontos; Porque 
eta este mais perto da terra = 3 pontos. Por que objetos mais prOximos parecem maiores = 4) 	 
Se a sua sombra aponta pars o nordeste, onde entao este o sot? (R: no sudoeste = 4 pontos) 
SOMA TOTAL = 36 
Nivel intelectual QI aproximado Escore no teste de Kent Escore no teste de Wilson 
Deficiente 	 <70 	 0-18 
Borderline 	 70-80 	 19-20 
Normal inferior 	 80-90 	 21-23 
Media 	 90-110 	 24-31 
Normal superior 	 110-120 	 32-33 
Inteligencia superior 	 > 120 	 34-36 
tal moderado contribuem corn cerca de 10% do 
total da populacao corn retardo mental. Tern-se 
aqui as seguintes caracteristicas: 
1. A aquisicao escolar 6 bastante limitada, 
podendo apenas alguns individuos corn este grau 
de retardo aprenderem elementos de leitura, es-
crita e calculos. Dificilmente vao alem do pri-
meiro ou segundo ano escolar. Entretanto, falta 
use socialmente chit dessas habilidades, tra-
tando-se mais de uma aquisicao mecanica do 
que pienamente intelectiva. 
Sao capazes de realizar tarefas praticas 
simples, se forem adequadamente estruturadas 
e houver supervisao tecnica apropriada. 
Uma vida completamente independence 
na vida adulta e raramente alcancada. 
Muitos desses individuos, apesar de visi-
velmente deficientes e "desajeitados" no con-
tato interpessoal, gostam da interacao social e 
podem estabelecer uma conversa simples. 
Uma etiologia organica pode ser identifi-
cada em muitos d9.§ individuos corn retardo 
mental moderado. 
Epilepsia e incapacidades neurologicas e 
fisicas sao comuns. 
RETARDO MENTAL GRAVE 
Este grau de retardo mental era denominado 
no passado de "imbecilidade" (como no caso 
do retardo moderado). Tais individuos tem um 
Q1 de 20 a 34, corn uma idade mental corres-
pondente a uma crianca de 3 a 6 anos. Esses 
individuos tiveram. durance a infancia, urn de- 
	 3 
	 3 
4 
	 4 
2 x 12 
2 x 24 
2 x 48 
2 x 96 
2 x 192 
2 x 384 
senvolvimento motor e neuropsicologico bas-
tante prejudicado e retardado. Nao a rara a au-
sencia completa ou quase total da capacidade 
comunicativa: essas pessoas muitas vezes nao 
falam ou apenas aprendem algumas palavras. 
Podem aprender algumas tarefas basicas rela-
cionadas aos cuidados pessoais e higiene, mas 
necessitam. na vida adulta, de apoio e supervi-
sao constantes. Nao conseguem freqiientar es-
cola e se apresentam corn constante epilepsia, 
problemas neurolOgicos e ffsicos. A maioria 
deles. entretanto, ainda a capaz de andar sem 
auxflio. Este grupo inclui cerca de 3 a 4% dos 
individuos corn retardo mental. 
RETARDO MENTAL PROFUNDO 
O termo utilizado no passado para denomi-
nar o retardo mental profundo era "idiotia". 0 
QI desses individuos estaabaixo de 20. Sao pes-
soas gravemente limitadas em sua capacidade 
de entender (mesmo comandos simples), ou de 
agir de acordo corn solicitaceles ou instrucaes. 
Muitos dos individuos corn retard() mental pro-
fundo ficam restritos no leito (por transtorno 
motor grave), sem capacidade para a fala e sem 
controle voluntario dos esfincteres. Deficits vi-
suais e auditivos graves sao tambem frequen-
tes, assim como epilepsia e outras doencas fisi-
cas. Para sobreviver. requerem constante supervi-
sao e cuidados basicos. Na maioria dos casos pode-
se identificar lesoes cerebrais e presenca de uma 
etiologia organica. Esse grupo compreende cerca 
de 1 a 2% dos individuos corn retard() mental. 
Quadro 23.2 Semiotecnica da inteligencia (continuactio) 
NEUROSE E PSICOSE 
Em mcu trabalho recentemente publicado, 0 Ego e o Id (1923b), prupus 
uma clifercnciaciio do aparelho psiquico, com base na qual determinadsi 
iiiimero de relacionamentos pode scr representado de maneira simples e 
perspicua. Corn referencia a outros pontos — no que concerne a origem c 
papel do superego, por exempla — bastante coisa permanecc obscura c n5u 
elucidada. Ora, pode-se raZoavelmente esperar que uma hipotese desse tipo 
se mostre Util e prestadia tambem cm outras direcOes, quarto mais Rao seja 
capacitando-nos a ver o que ja conhecemos desde outro angulo, a ogrupii-lo 
de modo diferenle e descreve-lo mais convincentemente. Tal aplicacao do 
hipotesetambem poderia trazer consigo urn retorno proveitoso do cinzenta 
tcoria para o verde perpetuo da experiencia.' 
No trabalho que mencionei, descrevi os numerosos relacionamentos 
clependentes do ego, sua posiciio intermecliaria entre o mundo extern() e o id 
c seus csforcos para comprazer todos os scus senhores ao mesmo tempo. Em 
vinculac5o corn uma seqiiencia de pensamento levantada em outros campus, 
relativa a origem e prevencao das psicoses, OCOITell-Me agora uma formula 
simples que trata com aquilo que talvez seja a mais importante diferenea 
genetica entre uma neurose e uma psicose: a neurose é o resultado de urn 
conJlito entre o ego e o id, ao passo qua a psicose o de.sftclzo ant logo de 
um disuirbio semelhante nas relaccies entre o ego e o in 	extern°. 
Ha certamente bons fundamentos para desconfiar-se de tais solucaes 
simples de urn problema. Ademais, o maxim° que podernos esperar e que 
essa formula se mostre correta nas linhas gerais e mais grossciras. Isso, 
porem, je seria algo. Lembramo-nos tambem, de imediato, de todo urn 
in:tmero de descobertas e achados que parecem apoiar nossa tese. Nossas 
analises demons tram todas que as neuroses transferenciais se originam de ........ 
recuar-se o ego a aceitar urn poderosoimpulsoinstintual do id ou a ajuda-lo 
a encontrar urn escoador ou motor, ou de o ego proibir aquele impulso o 
objeto a que visa. Em tal caso, o ego se defende contra o impulso instintual 
I 	[Grau, tcurer Freund, 1st alle Thcoric, 
Und grin des Lebens goldner Baum. 
Cinzenta, meu qucrido amigo, a toda teoria, 
E verde somentc a arvorc dourada da Vida. 
Metistoreles, cm Fauslo, Parte 1, Cena 4.1 
167 
1 
mechanic o mecanism° da repressao. 0 material repriniido Rita contra cssc 
destino. Cria para si preprio, ao longo de caminhos sobrc Os quais O cgo Ilan 
tem podcr, ulna representacao substitutiva (que se impoe ao cgo mcdiante 
ulna coneiliacao) 	o sintoma. 0 ego dcscobre a sua unidade amcacada c 
prejuclicacla por esse intiuso e continua a tutu contra a sintoma, tal comp 
dcsviou o impulso instintual original. Tudo isso produz o quadro de uma 
neurosc. Nao c contradicao clue, empreendendo a repressilo, no fundo o ego 
esteja segundo as ordens do superego, ordens quc, por sua vez, SC originam 
de hilluencias do mundo externo quc encontraram representacao no supere- 
go. Mantem-se o fato de que o ego lon:ou o partido dcssas forcas, de que nele 
as exigencias delas tern mais forca que as cxigencias instintuais do id, e quc 
ego 6 a forca clue poe a repressao em movimento contra a parte do id 
interessacla c fortifica a repressao por mein da anticatexia (la resistencia. 0 
ego entrou cm conflito corn o id, a servico do superego c da realidade, c cssc 
estado de coisas ern toda neurosc do transferencia. 
For outro lido, é igualmente Moil, a partir do conhecimento quo ate agora 
obtivemos do mecanismo das psicoses, aduzir cxemplos quo apontam para 
urn distUrbio no rclacionamento entre o ego e o mundo externo. Na amencia 
de Meynert— uma confusao alueinatoria aguda que constitui talvez a forma 
mais extrema e notavel do psicose — o mundo exterior nao c perccbido de 
modo algum ou a pereepcao dole nao possui qualquer efeilo.' Nomialmente, 
mundo externo govcrna o ego por duas maneiras: em primeiro lugar, atraves 
do percepcties atuais e presentee, sernpre renovaveis; e, em segundo, median-
te o armazenamento de lembrancas de percepeoes anteriorcs, as quais, sob a 
forma dc urn 'mundo interno', sao uma possessao do ego c parte constituintc 
dole. Na amencia nao apenas 6 recusada a aceitacao de novas percepcoes; 
tambem o mundo interno, que, coma copia do mundo externo, ate agora 
rcpresentou, perde sua significacao (sua catexia). 0 ego cria, autocraticamen-
le, urn novo mundo externo e interno, e nao pode haver &Blida quanta a dois 
faros clue cssc novo mundo e construido de acordo corn os impulsos desejo-
sos do id e que o motivo dessa dissociacao do mundo externo e alguma 
frustracao muito seria de urn desejo, por parte da realiciade — frustracao quc 
parsec intoleravel. A estreita afinidade dessa psicose corn os sonhos normais 
e inequivoca. Uma precondicao do sonhar, atom do mais, e o estado de sono, 
I [Una passagem no Capittrlo VIII do Eshop do Psicamilise, pOstinno, do Freud (1040a 
[19381) habilita Oslo alinnacno. Cf. nota de rodape I, pig. 170, adiantel 
c Lima this c.aracteristicas do sono e o convict° afastamcnto 
da percepcao c 
do mundo externo.' 
Sabemos que outras formas de psicosc, as esquizofrenias, inclinam-sc a
) 
acabar cm uma hebetude afctiva— isto e, cmsurna perda dc toda participaciio 
no mundo extern°. Corn referencia a genesc dos delirios, iniirricras analises 
nos ensinaram quc o delirio Sc entontra aplicado coma urn rcmcndo no lugar 
cm 
quc originalmente uma fcnda apareceu na relacao do ego corn o 'nuncio 
cxterno. Sc cssa pl'econdicao de urn conflito corn o mundo externo Firm nos 
6 muito mais obscrvvel do quc atualmente acontece, isso se dove ao fato dc 
clue, 110 quadro clinic() da psicosc, as manifestacties do proccsso patogenico 
sac) amiudc recobcrtas por manicestacoes de uma tcntativa de cura ou uma 
reconstrucao.2 
A ctiologia comum ao inicio de urea psiconeurose c de uma psicosc 
scmprc permanecc a mcsma. Eta consiste em uma frustracao, em uma 
nao-realizacao, de urn daqucles clescjos de infancia quc nunca stio vcnci-
dos c clue cstao too profundamente cnraizados em nossa organizacao 
filogeneticamente .cleterminada. oEssa frustracao c, ern illtima analise, 
semprc uma-TrUstracao-externa, mas, no caso individual, cla pode procc-
der do agente interim (no superego) quo assumiu a representacao das 
exigeneias da rcalidade. 0 efeito patogenico depends de o ego, numa 
tensdo conflitual desse tipo, permanccer fief a sua dependencia do mundo 
extcrno c tentar silcnciar o id, ou etc se deixar derrotar polo id e, portanto, 
scr arrancado da real iciade. Uma complicaeao e introduzida nessa situacao 
aparentcmcnte simples, contudo, pela existencia do superego, o qual, 
atraves de urn vinctilo ainda nao claro para nos, une em si influencias 
originarias tanto do id quanto do mundo externo, c constitui, ate cotta 
ponto, urn model° ideal daquilo a que visa o esforco total do ego: uma 
reconciliaclio entre os seus divcrsos relacionamentos dependentes.4 A 
atitude do superego deveria scr tomada em consideracao — o que ate aqui 
nao 101 leito — cm tocla forma de enfermidade psiquica. Podemos provi-
soriamentc presumir quo tern de haver tambem doencas quc se basciam 
cm um conflito entre o ego c o superego. A analisc nos da o direito dc 
1 	[Cf. a artigo metapsicolegico sabre sonhos (191 7cf).) 
2 	[Cf. a anilise de Schreber (1911c), EdicZo Standard 
Brasilcira, Vol. XII, pigs. 94-5, IMAGO 
Editora, 1976.] 
3 [Vcr algumas observaeocs no exams da frustraei'o cm 'Tipos do Descnvolvimento da 
Neurosc' ( I 912c), &kap Slumlord Brasileira, Vol. XII, pig. 295, IMAGO Editora, 1976.] 
4 [CT '0 Problem:1 Economic° do Masoquismo' (1924c), pig. 134, adiantc.) 
169 
1 / 
168 
supor quc a melancolia e urn exemplo tipico dcsse grupo, e reservariamos 
o nome de `psiconcuroscs narcisicas' para distiirbios desse tipo. Tampou-
co colidira corn nossas impressoes se encontrarmos razoes para scparar 
cstados como a melancolia das outras psicoses. Percebcmos agora que 
pudcmos tornar nossa formula genetica simples mais completa, scm 
abandonti-la. As neuroses de transferencia correspondem a um conflito 
entre o ego c o id; as neuroses narcisicas, a urn conflito entre o ego c o 
superego, e as psicoses, a urn conflito entre o ego e o mundo externo. E 
verdade que nao podernos dizer irnediatamente se de fato corn isso 
lucramos algum conhecimento novo, ou apenas enriquecemos nosso es-
toque de formulas; penso, porem, que essa possivel aplicackda diferen-
ciactio proposta do aparelho psiquico em urn ego, urn superego e urn id 
nao pods deixar de dar-nos coragem para manter constantemente em vista 
essa hipotese. 
A tese dc que as neuroses e as psicoses se originam nos conflitos do 
ego corn as suas diversas instancias governantes — isto é, portanto, de 
quc elas refletcm urn fracasso ao funcionamento do ego, que se ye em 
dificuldades para reconciliar todas as varias exigencias feitas a ele—, essa 
test precisa ser suplementada em mais urn ponto. Seria desejavel saber 
em que circunstiincias e por que meios o ego pode ter exito em emcrgir 
de tais conflitos, que certamente estao sempre presentee, sem cair enfer-
mo. Trata-se de um novo campo de pesquisa, onde sem diavida os mais 
variados fatores surgirao para exame. Dois deles, porem, podem ser 
accntuados em seguida. Em primeiro Lugar, o des fecho de todas as situa-
coes desse tipo indubitavelmente dependera de consideracoes econOmicas 
— das magnitudes relativas das tendencias que estao lutando cntrc si. Em 
segundo lugar, sera possivel ao ego evitar uma ruptura em qualquer 
dire* deformando-se, submetendo-se a usurpacoes em sua propria tini-
dade c ate mesmo, talvez, efetuando uma clivagem ou diviao de si 
proprio.' Dcsse modo as incoerencias, excentricidades e loucuras dos 
homens apareceriam sob uma luz semelhante as suas perversoes sexuais, 
atraves de cuja aceitac5o poupam a si proprios repress8es. 
1 [Isso constitui uma anterior alus5o a um problema que deveria ocupar Freud cm scus anus 
posteriorcs. Foi pela primeira vez discutido amplamente no artigo sobrc 'Fctichismo' (1927e), 
c. depois, em dois trabalhos inacabados, cm 'A Divi§5o do Ego no Proccsso de Defesa' ( I Me 
[1938)) c no Capituio VIII do Esboco (1940a [1938)).) 
170 
Ern coneluslio, resta a considcrar a qucstiio (IC saber qual pode ser u 
mccanismo, analogo a repressito, pot. cujo intcrmedio o ego se desliga do 
mundo extern°. Isso, penso cu, nao pole ser respondido corn novas investi-
gacacs; porem, segundo parcceria, tat mccanismo deve, tal cones a represso, 
abranger uma retirada da catcxia enviticia pelo ego.' 
1 	[Esse problems — cuja natureza Freud posteriomtente chamou 	' 
Varlet:gluing', 'rejcietio' 
tambein foi debatido nos artigos posteriores mencionados na nota de rodape anterior. Ver 
nom de rodape I do Editor Ingles a 'A Organizacao Genital Infantir, ncste volume pig. 159, 
achna, para um estudo mais complcto da quest5o.) 
171 
A PERDA DA REALIDADE NA NEUROS.E E NA PSICOSE 
Rccenteinciud 	como uma das caracteristicas que difercnciam 
tuna neurose de uma psicose 0 fato do em uma 'neurose o ego, em sua 
dependencia da realidacic, suprimir urn .fragmento do id (da vida instintual), 
ao passo quo, cm uma psicose esse mesmo ego, a servico do id,,se afasta de 
urn fragment° da realicinde. Assim, Kara uma neurose o fator decisivo seria 
a predomin'aneia da influoncia.da rcalidadc, emluarito.para uma.psicosc.esse 
fator seria a predominancia do id. Na psicose a perda de realidade estaria 
necessariamente presence, ao passo que na neurosc, scgundo pareceria, essa 
pada seria evitada. 
isso, porem, ntio concorda cm absoluto corn a observacao clue todos nos 
podcmos fazes, do que toda ncurose perturba de algum modo a relacao .do 
pacicnte corn a realidade servindo-Ihe do urn meio de se afastar da realidade, 
c clue, cm suns formas graves, significa concretamente uma fuga da vida real. 
Essa contradicao parecc seria, porem.0 facilmente resolvida, e a explicacao 
a scu respeito na verdade nos auxiliary a compreender as neuroses. 
A contradicao, pois, existe apenas enquanto mantemos os olhos fixados 
na situavrio no comp da_pcurDs_e_quanslo o ego, a sservieo da realidade, se 
clispoe a rePressilo.de umitnpulsslinstip_tukl. Porem isso nao é ainda a propria 
neurose. Ela consiste antes nos proccssos quo fornecem uma compensacao a 
parte do id danifiCacla - isto é, na reacao contra a rcpressao e no fracassoda 
repressrm. 0 afrouxamcnto da relacao corn a realidade é uma consequencia 
dcsse' scgundo passo na formacao do uma neurosc, c nao dcveria surpreen-
der-nos quo urn exame pormenorizado demonstre que a perda cla realidade 
afeta.exatamente aqueic fragmento de realidade, cujas exigencias resultaram 
no represszio instintual ocorrida. 
Nada tic novo existe cm nossa caracterizacdo da neurose como.o rcsul-
tado de uma repressiTio fracassada. Vimos dizendo isso par todo o tempo,2 c 
apcnas devido ao novo contcxto onde cstamos considcrando o assunto foi 
neccssario rcpcti-io. 
I 	'Neurosc c Psicose (19246) [ncste volume, Ng. 167). 
2 (A nociio de que 0 'retorno do rcprimido' constiWi 'a docnca propriamcmc 	ja esta 
cnunciada no Rascunbo K da correspondacia corn Flicss, de 1" de janciro dc 1896 (Freud, 
1950u). Poueo mail iarde, i'reud reormulou essa ideia, utilizando as iialavras concrcuis 
'fracasso da defesa' como equivalcntcs a 'rctorno do rcprimido', na Seca° II do scgundo 
artigo sobre 'Thc Noun-Psychoses of Defence' (18966)1 
205 
cidade ---- a adaptar-sc as exigencias da realidade, a ',iv ix11' (Neccssida-
dcl'.1 A ncurosc c a psicosc (II ferem won da outra omit° mais cm sua primeira 
reacao introdutoria do quc on tentativa de reparacao que a segue. 
Por conscguinte, a cliferenca inicial assim se expressa no desfecho final: 
on ncurosc, urn fragment° da rcalidade C cvitado por uma especie de fuga, no 
passe quo na psicosc, a fuga Uncial 6 succdicia por uma lase aliva do 
remodelamcnto; na ncurosc, a obedioncia inicial C sucedida pot. uma tentaliva 
adiada do fuga. Ou aioda, expresso de outro moclo:At ncurosc nao repudia a (.:'?• 
rcalidade, apcnas a ignora; a psicose a repudia e tenta substitui-la. Chamamos 
um comportamento de 'normal' ou `saclio' se de combina certas caracteris-
liens do ambas as rcacoes — se repudia a rcalidade Lao p0000 quarto ulna -) 
ncurosc, mas Sc depois so esforca, como faz uma psicose, por efetuar uma 
alteracito dcssa rcalidade. Naturalmcnte, cssc comportamcnto conveniente c 
normal concluz a realidade do trabalho no mundo externo; etc do se detain, 
como na psicosc, cm efeWar mudancas in ternas. Ele Ilan C mats autoplristico, 
alas cdophistico.2 
Em uma psicose, a transformacao da realidade C executada sobre os 
precipitados psiquicos .dc antigas relay:5es Com era — isto C, sobrc Os traeos 
de memOria, as idCias c os julgamentos anterionnente derivaclos da realidade 
c atraves dos quais a realidade foi represenlada na mente. Essa whit*, 
porem, jamais foi uma relacao fechada; era continuamente enriquccida e 
al tem& por novas percepcoes. Assi In, a psicosc tambem depara corn a tarela 
de conscguir para si propria percepcoes de um ripe que correspondi0 nova 
rcalidade, c isso mu ito radicalmcnte se efetua mediante a alucinac5o10 fato 
de cm tantas formas c casos de psicose as paranwesias, Os dclirios e as 
alucinacoes que ocorrem, serem de canter mui to aflitivo e cstarem I igados a 
uma geracao de ansiedade, C sem dCvida sinal de que todo o processo de 
remodelamento e levado a cabo contra forcas que se Ihe opOem violentamen-
te. Podernos construir o processo segundo o modelo de uma neurose coin 
qual cstamos familiarizados. Nela vemos que uma reacao de ansiedade 
estabelece scmpre quc o instinto reprimido faz uma arremetida para a frente, 
que o desfecho do conflito constitui apenas uma conciliacao e nao propor-
ciona satislacao completa. Provavelmente na psicose o fragmento do reali- 
I 	I Vcr '0 Problema Econ6mico do Masoquismo' t I 924c), pig. 186, acimad 
2 [Esscs iermos s5u provavelmentc ntribuidos a Fercnczi, que os cmpregou cm urn artigo sobre 
'The Phenomena of Hysterical Materialization' (19196, 24; trad. inglcsa, 1926, 97). Ai, 
pureni, de parecc atribui-los a Freud, quo, contudo, nao par= to-los utilizado en, wino lugar 
que n5o fosse essa passagem.] 
207 
Incidentalmente, a mcsma objecaosurge de maneira sobremodo amt. 
tuada quando estamos lidando corn uma neurose na qual a causa exci tante (a 
tens traumatica') é conhecida e onde se pode ver como a pessoa in teressada 
volta as costas aexperiencia, c a transfers a amnesia. Permitam-me retornar, 
a titulo de exemplo, a urn caso analisado ha muitos anos atras,' em que a 
patients, uma jovem, estava enamorada do cunhado. De pe ao lado do lcito 
de morte da irma, era ficou horrorizada de ter o pensamento: 'Agora de esta 
livre e pode casar comigo.' Essa cena foi instantaneamente esquecida e assim 
processo de regressao,2 que conduziu a sous sofrimentos histericos, foi 
acionado. Exatamcnte nesse caso 6, ademais, instrutivo aprender ao longo dc 
que via a neurose tentou solucionar o conflito. Ela se afastou do valor da 
mudanea quo ocorrera na realidade, reprimindo a exigencia instintual clue 
havia surgido — is to C, sethamor pelo cunhado. A reacao psicotica tcria sido 
uma rejeicao' do fato da morte da Irma. 
Podcriamos esperar que, ao surgir uma psicose, ocorre algo analog° ao 
processo de uma neurose, embora, C claro, entre distintas instancias na mente. 
Assim, poderiamos esperar que tat4betn na psicose duas etapas pudessetn ser 
discernidas, das quais a primeira arrastaria o ego para longe, dessa vez para 
longe da realidade, enquanto a segunda tcntaria reparar o dano causado c 
restabelecer as relacoes do individuo corn a realidade as expensas do id. E, 
de fato, determinada analogia desse tipo pode ser observada em tuna psicosc. 
Aqui ha igualmente (Ins etapas, possuindo a segunda o carater de uma 
rcparacao. Acima disso, por6m, a analogia cede a uma semelhanca muito 
mais ampla entre os dois processos. 0 segundo passo da psicose, C verdade, 
destina-se a rcparar a perda da realidade, contudo, nao as expensas de irma 
restricao corn a realidade — sena° de outra maneira, mais autocratica, pela 
criacao de uma nova realidade que nao levanta mais as mestnas objecoes quc 
a antiga, que foi abandonada. 0 segundo passei portanto, na neurose como 
na psicose, C apoiado pelas mesmas tenclenciaslEm ambos os casos serve no 
descjo de poder do id, que nao se deixara ditar pela realidade. Tanta a neurose 
quanta a psicose sao, pois, expressao de uma rebeliao por parte do id contra 
mundo externo, de sua indisposicao — ou, caso prefecirem, dc sun incapa- 
I 	Ern Estialos solve a Histeria (1895d). [Edidio Standard El rasi leira, Vol. II, ptig. 205 c 216, • 
IMAGO Editors, 1974. As palavras da pacicntc, Frau Elisabeth von R., nao s5o citadas 
textualmentc aqui.] 
2 (A palavra alcm5 6 'Regression', nil() 'Verdrdngung' ('repress5o'), cm todas as ediciies.) 
3 [Vcr rota de rodapo I do Editor Ingle's a 'A Organizac5o Genital Infanta' (1923c), pig. 159, 
acima.) 
206 
cladc rcjcitado constantemcntc Sc impoc a mcnte, lal como o instinto repri-
mido faz na neurose, e é por isso que, em ambos os casos, os mecanismos 
[anthem s5o os mcsmos. A elucidac:Tio dos divcrsos mccanismos quc, nas 
psicoses, sa-o projetados para afastar o individuo da realidade c para recoils-
truir cssa Ultima, constitui uma tarefa para o estudo psiquiLrico especializa-
do, ainda nao empreendida.' 
Ex iste, poilantd, outra analogia entre uma neurose e uma psicosc no Pa° 
de em ambas a tarefa empreendida na segunda etapa ser parcialmentc 
mal-succdida, do vez que o instinto reprimido e incapaz de conseguir urn 
substituto complcto (na neurose) e a representac5o da rcalidadc nao pode scm 
remodelada em fonnas satisfatorias (nao, pelo menos, cm todo tipode docnca 
mental). A enfase, porem, e diferentc nos dois casos. Na psicose, cla incide 
inteiramente sobre a primeira etapa, quc e patologica cm si prOpria c so pode 
conduzir a enfermidade. Na neurose, por outro lado, cla rccai sobre a segunda 
=pa, sobre o fracasso da repressao, ao passo que a primcira etapa pode 
alcancar exito, e realmente o alcanca em ininneros casos, scm transpor os 
limites cla saiide — embora o faca a urn cello preco e nao scm deixar atras de . 
si traps do dispe'ndio psiquico que exigiu, Essas distincoes,. e lalvez muitas 
outras tainbem, sElo resultado da diferenca topografica na sittia* inicial do 
conflito patogenicO 	ou seja, se nele o ego rendeu-sea sua lealdade perante 
o mundo real on a sua dependencia do id. 	 • • 
Unto neurose geralmente sc contenta em evitar o fragmento da realidade 
em apreco c pro teger-se contra entrar cm contato corn ele. A clistincao.nitida 
entre neurose e psicosc, contudo, e enfraquecida pela circunstAncia de que • 
tambem na neurose nao faltarn tentativas de substituir uma realidade clesa-
gradavel por outra que esteja mais de acordo corn os desejos do individuo. 
lsso e possibilitado pela ex istencia de urn 'nuncio defantasia, dc urn dorninio 
~l que ficou separado do mundo extern() real na epoca da introducfio do 
:trincipio de rcalidadc. Esse dominio, desde ent;io, foi mantido livre das 
pretensnes das exigencias da vida, como uma especie de `reserva%2 elc nflo 
inacessivel ao ego, mas so frouxamente ligado a etc. E deste mundo dc 
fantasia que a neurose haure o material para suas novas construcoes de duel° 
1 [Cf., no cntanlo, alguns comecos fcitos pclo prOprio Freud no caso da paranaia (Edicito 
Standard Brasilcira, Vol. XII, pigs. 93-5, IMAGO Editora, 1976) c da 'parafrcnia' (Edicao 
Standard Brasilcira, Vol. XIV, pigs. 102-3, 231-3 c 261-2, IMAGO Editora, 1974)1 
2 
	
	[Cf. o artigo sobre os 'Dois Principios do Funcionamcnto Mental' (1919/),13(1106S/w/on/ 
Brasilcira, Vol. XII, pigs. 281 c 282, IMAGO Editora, 1976.; 
c gcralmenic cncontra csse material polo caminho da rcgressito a urn passado 
real satisfatorio. 
Dificilmente sc podc duvidar quc o mundo da fantasia dcscrnpcnhc a 
inesmo papcl no psicose, c de quo ai tambern. die seja o deposit° do qual 
dcrivam os materais ou o padr5o para construir a nova realidade. Ao pass° 
quo o novo c imaginiirio mundo externo do tuna psicose tenta colour-se no 
lugar da rcalidadc — um fragment° diferente daquele contra o qual tern de 
defender-se 	c emprestar a esse fragment° uma importancia especial e urn 
sign i ficado sccrcto que nos (nem sempre de mod° inteiramente apropriado) 
chamamos de simbollco. Vemos, assim, que tanto na neurose quanto na 
psicosc intercssa a questao nao apenas rclativa a uma perckt da realidade, 
mas tambem a urn substituto para a realidade. 
208 
	
209 
CAPITULO III 
UMA PROPOSTA DE METODO PARA A 
PSICOTERAPIA DE PSICOTICOS 
IVIetodo de cura•. Criagoo de tuna nova nu-
stio. Completa as iluthes disperses. Como 
consequencia a gente volta a procurer as 
pessoas. 
(CEJ. Carta do 6/93) 
0 metoclo proposto rid() é decorrencia direta das teorizacries 
resumidas anteriormente, A elas e as invariantes. delas retiraclas, 
somam-se experiencias colhidas nesses anos de trabalho corn 
psiceticos. Nesse sentido, sempre que possivel, procurarei dar 
consistencia as propostas corn exemplos tipicos quo realcem os 
aspectos clinicos. 
Antes de pensarmos o contend° do metodo, vamps nos ater 
sobre suas formas e seus objetivos: 
3.1.CARACTERfSTICAS ESPERADAS DO 
METODO PROPOSTO 
lg. -- Que tenha uma'proposta para a fase de surto. 
Por que nal° esperar que a crise psicOtica termine para so 
clepois iniciar a psicoterapia? 
Fromm-Reichmann je nos deu algumas respostas. Juntando-
se as nossas, temps: 
0 tratamento polo mesmo profissional em fases de surto 
psicetico e de intersurto poderia ajudar a dar ao processo psico-
terapico urn sentido de continuidade, de historicidade, ttio im- 
portantes para a integracdo da crise 	aspect() fundamental da 
proposta. 
Para poder ser integrado, o material de fase de surto tern de 
se tornar conhecido. 0 terapeuta iria selecionando, coin vistas ao 
trabalho futuro, aspectos que dificilmente viriarn a Iona nou-
tras circunstancias. 
115 
E comum haver fases de angdstiae sofrimento durante o 
surto, sendo por isso urn dos momentos em que o paciente mais 
precisa de ajuda. A disponibilidade do terapetita pode fazer corn 
que o paciente sinta-se mais aceito, situagao que tenderia a favo-
recer-lhe a vinculagao. 
A fase de surto é urn momenta de isolamento comuni-
cacional. A possibilidade dum contacto psicoterdpico que di-
minua o isolamento poderd alterar a maneira corno o paciente, 
futuramente, venha a se dispor a enfrentar o entendimento da 
crise. 
Algumas vezes o paciente, estereotipadamente, relaciona o 
psiquiatra ao conteddo de seu delfrio. Seremos computadores, 
anjos ou Hitler. Quando bem conduzida, tal estereotipia poderd 
servir-nos de porta de entrada para o material delirante. 
Para corroborar tais observagoes podemos citar os trabalhos 
de Amaro (4, 5) a respeito do abandono na psicoterapia grupal. 
Apos exaustiva pesquisa a autor pode concluir que o vinculo do 
terapeuta corn o paciente obtido atraves da psicoterapia indivi-
dual, anterior ou concomitante ao grupo e corn o mesmo terapeu-
ta, favorecia o fortalecimento do vinculo, decorrendo disso me-
nor Indice de abandono em relagao ao grupo controle. Corn isso, 
temos corno clara a importancia do vincula do terapeuta corn o 
paciente na climinuigao do lndice de abandono do processo psi-
coterapico. 
2Q, Que tenha circularidade 
E de esperar que determinada proposta psicoterdpica com-
porte um tipo de age° a partir da chegada do paciente. Assim, o 
inIcio do processo deverd ocorrer sempre na chegada. do pacien-
te, independentemente de estar em pre-surto, surto ou. pos-surto. 
Como é mais comum o paciente estar em surto, iniciaremos a 
descrigao da proposta a partir daf. 
3Q. Que possa ser aplicado em clinica particular ou hospital 
psiquidtrico. 
Num hospital a liberdade de agao, por indmeras razdes, cos-
turna ser menor. Aspectos administrativos, econemicos.e sociais 
tern maior influencia. Tenho supervisionado processos psicoterd.-
picas de psicOticos em diferentes hospitai.s, inclusive fora do 
estado, e tais fatores costumam ser limitantes. No consultorio, 
116 
entretanto, as responsabilidades e os riscos tendem a aumentar 
principalmente nas fases agudas. 
Os centros de formagao de terapeutas c outras enticlacles de 
servigo pdblico raramente aceitam tratar de psicoticos. Os pa-
cientes costumam ser encaminhados, quando em surto, para 
hospitals de psiquiatria, onde sao intemados, para depois conti-
nuar o tratamento em ambulatorio ou, em casos mais raros, em 
servigo de psicoterapia. 
Nos dltimos anos, entretanto, temos visto aumentar o encami-
nhamento de psicOticos para o consultorio particular. 
Por isso, tal proposta de metodos deve saber reconhecer e 
observar as diferentes situagees. 
4Q. Que seja adaptado a cultura. 
Esperamos que uma proposta de agan seja coerente corn o 
meio cultural no qual ela se insere, mesmo porque a patoplastia 
da doenca é culturalmente dependente. A presente proposta de 
metodo nao tem nenhuma pretensao a qualquer universalidade. 
Asp ectos intraculturais oriundos de diferengas etnicas, reli-
giosidade ou de educagao escolar, devem ser absorvidos pelo 
terapeuta que se mantiver atento. Certo grau de conhecimento da, 
dindmica social e certo embasamento de teorias sociologicas 
poderao ajudar nesse sentido. 
5u. Que ndo seja finalizado 
Nurn campo tao denso e ao mesmo tempo tao impreciso 
como o do tratamento de disturbios mentais, qualquer proposta 
finalizada tenderia a levar a perda de contribuigoes nos mais 
variados nfveis. Mais do que isso, poderia criar urn vies capaz de 
esconder inevitaveis conflitos na pratica psiquidtrica, conflitos 
esses que, quando reconhecidos e absorvidos, poderao funcionar 
como estImulos ao aprimoramento de tal prdtica. 
6°. Quo nao afaste outros mecanismos de tratamento. 
As praticas socioterapicas a psicofarmacologicas devem ser 
integradas a prEitica psicoterapica, tendo em vista possibilitar - 
maior eficiencia no tratarnento. 
Por nao estar preocupado corn os aspectos estatisticos ou 
sistemas de avaliagees, utilizei, sempre que julguei necessario, o 
auxflio dessas formas de tratamento. 
117 
3.2. OBJETIVOS DUMA PSICOTERAPIA DE PSICOTICOS 
Eu gostaria de iniciar corn voce urn oulro 
projeto. Urn projeto artistica de alto 
receptividade. 
0 que norteia urn metodo de agao e as posturas dole decor-
rentes e justamente o objetivo a ser alcangado. Uma colocagao 
clara dos objetivos se faz necessaria. 
0 que buscamos? 
Muitos psiquiatras utilizam como criterios avaliativos de tra-
tamento de psicoticos o rulmero de surtos que o paciente apre-
sentou durante determinado tempo. Tal criterio tern, sem dilvida, 
validade. Mas nao é absoluto e pode ser questionado. Exagere-
mos urn exemplo: 
Urn paciente A pode ter ficado 5 anos sem ter tido surto, mas 
durante esse period° ter-se isolado, produzido pouco em sua agao 
sobre o mundo, nao ter encontrado satisfagao nas relagOes estabe-
lecidas e ter permanecido corn o mundo emotional embotado. 
Outro paciente, B, em contrapartida, pode ter tido dois surtos 
no mesmo period°, mas estabelecido algumas relagoes satisfato-
rias, ter agido no mundo segundo seus limites e ter vivenciado, 
de quando em quando, suas emogbes. Suponhamos ainda que no 
final desse period° se encontre razoavelmente integrado ao seu 
meio. 
Nao estaria ele corn melhor evolugao? 
Sabemos que alguns pacientes podem, durante meses, manter 
quadros delirantes ou alucinatorios sem que o meio ambiente o 
perceba. Disso pode decorrer surto visivel, suicidio ou mesmo 
desaparecimento dos sintomas. Como, a partir disso, utilizar o 
numero de surtos como criterio Arlie° de medir a evolugdo do 
processo psicatico? 
Outro criterio que tern sido utilizado e o de readaptagao 
social. E amplo e produtivo, mas tambem merece ser discutido. 
0 come da questa() este naquilo que chamamos de readaptagao. 
Ela podera ser intensamente positiva mas podera tambem servir 
para a manutencao e o ocultamento dos sintomas. 
Tal discussao daria, talvez, uma tese. 
Alguns psicotioos, quando da alta hospitalar, encontram-se 
"adaptados", aptos a cumprir o que deles se espera ou o que 
118 
acreditam ser o esperado. Cumprem papeis estereotipados sem 
nenhum projeto consistente. Poderao manter-se assim por longos 
periodos. 
Nao poderemos esperar que o psicotico funcione segundo 
nossos padripes de adaptagao. Se assim o fizermos, poderemos 
estar condenando esse individuo a uma busca do inatingivel. 
Dove-se levar em conta SUE'S necessidades e seus limites. 
Ha anus, no inicio dos trabalhos, tinha cinco objetivos pro-
postos: a criagdo de urn projeto; uma relagao satisfatoria corn as 
pessoas (uma comunicagao possivel); uma rematrizagao (refor-
mulagao da relagao fillio/mae e filho/sociedade); urn auxilio no 
desenvolvimento de uma identidade e a resolugao de dinamicas 
conflitivas. 
Tais objetivos cram estritamente pessoais. 
A partir de algum tempo a proposta metodologica mudou.. 
Corn o desenvolvimento do Grupo de Estudos de Psicoterapia de 
Psicoticos (GREPP), ligado ao Servigo de Psicoterapia do Insti-
tut° de Psiquiatria, pudemos elaborar outros criterios. 
Foi tea° por tres academicos da FMUSP urn levantamento 
bibliografico dos principais parametros avaliativos da evolugdo 
de psicaticos em psicoterapia. Desses, em discussao corn o grupo 
de estudo, foram selecionados 12, considerados os mais frequen-
ter nos levantamentos. 
Apes terem sido detalhados, foram enviados a cerca de 50 
psiquiatras, psicoterapeutas ou nao, a maioria de Sao Paulo. 
Tomamos o cuidado para I.ncluir profissionais das mais variadas 
formageies. Cada profissional escolheu 6 dos 12 criterios, ou soja, 
os que julgasse mais importantes. 
Fizernos um trabalho orientado por estatistico levando em 
conta os aspectos ponderais e optamospelos seguintes criterios: 
Funcionamento socio-ocupacional. 
Relacionamento familiar. 
Convivencia social. 
Ocorrencia de novos surtos. 
Os outros oito criterios fornecidos como opgoes cram: lazer, 
pianos para o futuro (excluindo-se ideagoes delirantes), use de 
medicagao neuroleptica, presenga de sintomas produtivos, pre-
senca de sintomas negativos, dependencia de parentes para rea-
lizar atop:, possibilidade do compreensao do discurso do paciente 
e manutengao de relacionarnento sexual, Este Ultimo foi o crite- 
19 
1) 
(Ca Carla de 7/83) 
rio considerado por todos como o menos imporlante. 
Corn urn X2 observed° de 35,297 e urn X2 critic° de 19,67 
(g.1. = 11, grau de significancia = 5%), podemos dizer que as 
frequencies esperadas e observadas foram significantemente 
diferentes e que, portanto, os criterios escolhidos tern alta possi-
bilidade de servir de criterios padroes pare a avaliagao dos obje-
tivos de psicoterapia de psicoticos, no meio em que a amostra foi 
colhida. 
3.3. A PROPOSTA: DIVISAO EM FASES 
Por razOes didaticas e operacionais, decidi dividir a proposta 
em fases. Acredito existir diferentes momentos durante o proces-
so psicoterapico que podem sec coerentemente delineados, de 
forma a permitir ao profissional obter urn conjunto de atitudes 
mais especificos a cada,situagdo. 
Assim, diante de determinada atitude do paciente, a resposta 
do terapeuta podera varier segundo a fase do processo em vigen- 
cia. 
Se a proposta é criar uma sistematizagao de posturas, nao 
estou em busca de uma rigidez de atitudes e acredito que so a 
sensibilidade do terapeuta a situagdo podera determinar-lhe a 
resposta final. 
As fases dimensionadas sao as seguintes: 
Fase de vinculacab, 
2" Fase de auto-questionamento, 
3' Fase de diferenciagdo do ego e de organizagao do psi- 
quismo e do cotidiano, 
Fase de entrada na realidade, e 
Fase de ancoragem. 
Vamos nos aprofundar em cada uma delas: 
3.3.1. FASE DE VINCULAcA0 
Eu montei uma sociedade para acabar 
corn o demenio!!! Convido-o a parti- 
cipar!!! 	
(CEJ. Carta de 8/84) 
Duas cenas numa sale de triagem do Servigo de Psicoterapia: 
uma paciente auto-referente tern alucinagoes auditivas ligadas a 
120 
uma situagdo sexual que ate entao nao contara a ninguem. Por 
que contou ali? Outro paciente apresenta um quadro delirante 
semi-estruturado, corn auto-referencia e persecutoriedade, logo 
epos urn desvio de verba que fizera numa empresa em que traba-
lhava. Por que contou o fato ali? 
Outra paciente psicotica, epos inicio da psicoterapia, viaja 
pare o exterior, once logo entra em crise de anglistia. Telefona 
pare o terapeufa e nao para a familia. Por que? 
Poderiamos dizer que, ao desconhecer• o outro como ser 
humane, o estereotipam e o utilizam segundo sues proprias ne-
cessidades. Poderiamos, inversamente, dizer que, ao reconhecer 
o outro, tomam-no como possivel saida para suas angAstias. 
sao respostas que ocultam talvez fenomenos mais profundos. 
Pichon-Riviere conceituou o vinculo como uma estrutura 
dinamica em continuo movimento, que engloba tanto o sujeito 
quanto o objeto, tendo essa estrutura caracteristicas consideradas 
normals e alteragOes interpretadas como patologicas*. Considera 
ainda que o vinculo pode ser tido como normal quando ambos 
tem a possibilidade de fazer uma livre escolha de objeto como 
resulted° duma boa diferenciagdo entre ambos. 
No caso do vinculo em questao, poder-se-ia dizer que temos 
duas pessoas, uma das quaffs especializada em certo nivel da 
problematica humana e a outra como testemunha direta dessa 
problematica. 0 funcionamento dessa relagao dependere. da ati-
tude de ambos. 
Sem vinculagdo a psicoterapia nao ocorrera. 
0 vinculo do terapeuta corn o psicotico tern algumas ca 
racteristicas que merecem urn repensar a questao: 
Todo paciente traz uma proposta de relagao. No caso do 
psicotico, as duas propostas mais frequentes sao, ou a recusE 
total ao tratamento, ou sua aceitagao integral. 
Quando urn psicOtico inicia a psicoterapia, sabemos pelas 
invariantes que possui alguns modelos de relacionamentos pa• 
tologicos. Simbioses, cismas, vieses, papeis complementaret 
patologicos, falsos reconhecimentos, — muito disso pode ser 
encontrado. 0 terapeuta devera ter a nocao clara quo vincular 
para aquele paciente podera ter uma conotagao diferente da dele. 
(*) Pichon-Riviere. E. — Teoria do Vinculo. Sao Paulo, Martins Fontes, 1986, p. 12. 
121 
3' Quando o paciente e levado a tratamento, é comum existir 
ansiedade familiar. E urn momenta de desestabilizagdo das rela-
goes de familia que afeta ainda mais os je. precarios modelos de 
relacionamento do paciente. 
V A medida que o paciente vai-se vinculando corn o tera-
peuta, poderao ocorrer modificagoes nos padroes dos vfnculos 
corn sua familia que acarretarao varios rearranjos. Decorre disso a 
importancia em reconhecer-se as principais forgas atuantes sobre 
paciente, para neutralize-las quando possivel. 
5' A formagao dum vincula saudavel pode influenciar na 
evolugao do processo doentio. Nesse sentido, o vincula ja consti-
tui tratamento. 
Mesmo que o paciente esteja em surto, mesmo que estereo-
tipe o terapeuta ou que o inclua no contend° de seu material 
delirante, ainda assim a existericia do terapeuta como pessoa 
real, podera dar consistencia real a vida do paciente. 
Aspectos transferenciais fortes, como o jogo afeto/odio ou 
dependencia/destruigao, poderao ocorrer. 
Tais apontamentos demonstram quantas dificuldades pode-
rao ocorrer no vincula corn psic6ticos. Torna-se necessario fazer 
urn delineamento de tais dificuldades, bem como das propostas, 
a fim de neutralize-las. 
Por uma questao meramente didatica dividi as dificuldades 
em quatro niveis evidentemente entrelagados: dificuldades do 
paciente, dificuldades do terapeuta, dificuldades presentes na 
relagao e dificuldades oriundas do mundo exterior. 
I- Dificuldades do paciente 
a) Isolamento comunicacionaI. 0 psicOtico fica isolado 
comunicacionalmente. Este. impedido de entender e de ser enten-
dido. Assim, isola-se dos outros. Je. vimos o quanta a extrapola-
gao da vida interior coisifica o mundo exterior, tornando-o ver-
dadeira representagao a servigo do psiquismo doentio. 
Esse isolamento e tambem afetivo. Uma analise mais profun-
da demonstra que mesmo pacientes mais brincalhOes costumam 
ter as relagoes superficiais, porque estereotipadas. 
A paciente Celia chegou a ficar quase meio ano pronuncian-
do inonossilabos nas sessOes. 
Ao contrail.° do que muitos acreditam, as psicoticos tambem 
nao se relacionam entre si, principalmente na vigencia do surto. 
A postura de confirmagao do individuo que discutiremos 
proximamente torna-se fundamental para possibilidade de 
haver diminuigao do isolamento. 
b) Caracteristicas da personalidade psicotica. As caracteristi-
caS ja apresentadas nas invariantes :tandem a dificultar a vincula-
gao. Entre elas destacam-se o comprometimento da identidade, a 
auto-referencia, a persecutoriedade e a tendencia a simbiose. 0 
terapeuta devera aprender a contracenar, dentro do possivel, com 
cada uma dessas caracteristicas. Desde ja podemos salientar que 
clima da sala devera ser afavel e acritico, para resultar em 
diminuigao da ansiedade e da desconfianga. 
Uma grande resistencia aos dados da realidade. Essa 
dificuldade torna-se maior ainda pela tendencia social de impor, 
a todo custo, a realidade consensual. Como veremos, torna-se 
necessario haver aceitagao do mundo psicotico do paciente, de 
posigao existencial. Clara que, levado pelas necessidades de 
configurar uma realidade propria, o psic6tico podera criar situa-
Vies inaceitaveis no piano da convivencia humana. 
Nessa situagao torna-se importante a colocagao nitida de 
limite, o que pode ser feito de urn jeito simples, dando-lhepara-
metros de agao, protegendo-se e protegendo-o. 
Certa vez o paciente CEJ ameagou-me de mao estendida. 
Bastou colocar-lhe corn firmeza, mas gentilmente, minha desa-
provagao, para que recolhesse a mao, desculpando-se. 
Recusa ao tratamento. 0 principal motivo que temos vista 
levar o paciente a recusar o tratamento encontra-se na suposigao 
de que sua aceitagao implicaria urn reconhecimento da loucura. 
Apesar disso quase sempre se percebe urn pedido de apoio im-
plicito. 
Como transformar tal pedido em alga que possibilite o i131-
cio? 
Muitas vezes a saida dada pelo proprio paciente. Ele nao 
aceita fazer o tratamento, mas aceita comparecer uma vez par 
semana para discutir os progressos da medicina ou para trocar 
ideias sabre religiao. Isto the diminui o temor de passar par 
louco. Nao sao armadilhas pois sao propostas feitas pelo pacien-
te. 
Diferentes disso sao as armadilhas preparadas pela familia. A 
mais comum e o convite para it a uma festa na casa do paciente, 
para iniciar o vincula, Embora respeite a ansiedade familiar, 
122 	 123 
considero tais propostas perigosas, pois assentam a psicoterapia 
numa mentira, justamente para urn tipo de paciente que 6, em 
geral, desconfiado. 
se a recusa se mantiver? 
que temos feito nesse caso e iniciar o processo por reu-
nioes familiares, nas quaffs a situagao do psic6tico e conjunta-
mente analisada. E comum que, no instante em que a dinamica 
familiar comega a evidenciar-se, o paciente queira ficar sozinho 
na sala. Nessa altura sua confianga no profissional deverd ser 
maior. A proposta, explfcita, nao a trabalhar os vfnculos familia-
res, mas iniciar urn contacto corn o paciente. 
Se percebermos uma brecha na recusa do paciente, podere-
mos forgar um pouco, desculpando-se posteriormente. Mas, se a 
recusa for total, resta-nos orientar a familia para outras formas de 
tratamento. 
II- Dificuldades do terapeuta 
a) Dificuldades em dimensionar a loucura. A mensuragao do 
disturbio psicopatologico a necessaria, nao so no nivel do diag-
nostic°, mas, mais do que isso, em intensidade e riscos. S6 assim 
poderemos elaborar urn projeto do processo. 
Existem limites tecnicos que nos, psiquiatras, possuimos 
pela insuficiencia de nossos conhecimentos sobre a psicopatolo-
gia. 
A esse limite urn outro se soma. 
E o da avaliagao familiar. As atitudes do psicotico que po-
dem ser vistas como normais por amigos seus ou por vizinhos 
passam a ser consideradas loucuras pelo meio familiar. 0 grupo 
familiar costuma estabelecer regras particulares de convivencia. 
A quebra dessas regras pode ser considerado ato de loucura. Sao 
exemplos dessas situagoes a diminuicao de expectativas, o aban-
dono do estudo ou do emprego, a mudanga de aparencia ou de 
habitos etc. A isso soma-se o fato de qualquer sinal de mudanga 
de humor do psicotico gerar uma situagdo de perigo. As vezes 
exigem do psicotico urn grau de equilibrio que a media das pes-
soas nao possui, 
Algumas situagoes tornam-se mesmo cemicas. Uma mae nos 
telefonou porque o filho psicotico, ja adulto e fora de surto, havia 
said° corn um irmao para tomar cerveja. Ela nao conseguia perce-
ber que essa atitude poderia ser considerada normal e mesmo 
estimulada. Urn amigo psiquiatra contou-nos uma situacao seme-
lhante na qual urn assustado pai o procurou porque a filha psi-
catica tinha ido a urn baile e dancado! 
Outra dificuldacle em dimensionar a loucura esta ligada aos 
fatores culturais. Urn paciente de . origem chinesa apresentava 
delfrio de conteudo religioso. Os pais falavam muito mal o portu-
e nos os contatamos atraves dum "interprete", um primo do 
paciente ha muito tempo raclicado no Brasil. Notamos, algo sur- 
presos, que algumas das ideias que julgdvamos delirantes cram 
compactuadas pelos membros da familia. 
discernimento dessas questbes torna-se importante para o 
processo de vinculagao. 
b) 0 envolvimento emocional do profissional. 
trabalho corn o paciente psicotico tende a levar emogoes 
mais primitivas para a sala de terapia. Raivas, medos, angOstias 
fortes e ideias de suicfdio sao algumas das emogOes quo apare- 
cern corn freqiiencia. E licit° .pensar que, por mais preparado que 
esteja, o terapeuta estara mais sujeito a essas tensOes quando 
trabalha corn psicaticos. Em vez de nega-las, o que se pode espe-
rar a que seja capaz de reconhece-las, e colocd-las como auxilio 
de seu trabalho. Por isso mesmo o profissional dove estar sempre 
avaliando-se em suas atitudes para corn o paciente. 
III - Dificuldades presentes no reIaccio 
Exteriorizagoes de emogoes intensas a ate agressivas. 
comum as emogoes de psicOticos encontrar-se exacerbadas, prin-
cipalmente no surto. Desejos reprimidos, angOstias, raivas acu-
muladas, tudo pode vir a tona, muitas vezes contra pessoas que 
desconhecem a propria existencia do paciente. 
Se uma pessoa nega a visa° de realidade do paciente, este 
poderd reagir corn hostilidade numa tentativa do impor sua 
maneira de ver. 
Isto pode acontecer na psicoterapia. 
Corn isso, sentimentos de competioo, inveja, e outros, mui-
tas vezes transferenciais, podem tambern surgir atingindo algu-
mas vezes niveis drasticos. 
Vazios de conteado para conversar. 0 isolamento, o afasta-
mento das relagoes humanas e o quadro delirante podem tomar o 
psicotico pessoa de conteddo empobrecido, vazio de conceitos 
e ideias a respeito do mundo que o cerca. Isto costuma provocar 
1) 
124 	 14 
silencios as vezes incomodos, ou repetigoes tambem incomodas 
de assuntos ja conversados. Cabe ao terapeuta, em sua criativida-
de, propor saIdas tecnicas, como, por exemplo, a utilizagao de 
recursos nao verbais. 
Alta expectativa do paciente. Preso num emaranhado de 
situagoes internas e externas que quase nunca compreende e em 
geral angustiado e tenso, o psicotico pode ver no terapeuta sua 
saida, nele clepositando alta expectativa. 
A negagao total dessas expectativas ou sua aceitagao incondi-
cional acrescidas de aspectos contra-transferenciais, poderao tra-
zer problemas serios relativos aos aspectos da vir.culagao. Assim, 
acredito que o real dimensionamento da situagao, a discrimina-
gao do interno corn aquilo que the foi depositado e a aceitagao 
tomporaria das expectativas, quando possivel, tenderao a servir 
de auxilio tecnico para a situagao. 
Situagoes relacionais que incrementam as dificuldades. 
Sao inOmeras tais situagties. Uma delas sao os constantes "testes" 
que os pacientes tendem a fazer eom o terapeuta. Um dos mais 
freqiientes e o "triangulo" formado coin a familia, no qual o 
paciente fica na expectativa, ao avaliar a posigao do profissional. 
Urn pequeno deslize e o vinculo podera ficar comprometido. 
0 diagnostic°, amiude pedido pelo paciente, costuma consti-
tuir urn fator de dificuldade relacional. Temos, por experiencias 
anteriores, nos recusado a fornece-los. 
IV - Dificuldades oriundas do mundo exterior 
Dificuldades presentes no hospital. Os padrOes do proces-
so psicoterapico numa instituigao costumam ser diferentes do 
padrtio dum consultorio particular. A influencia externa costuma 
ser major, corn a entrada de familiares ou de funcionarios duran-
to a sessao. Desencontros de horarios e salas ocorrem mais facil-
monte. 0 proprio significado do que é terapia costuma ser dife-
rente para o paciente e seus familiares. 
Em instituigoes, pela grande demanda, e mais comum o use 
de processos psicoterapicos grupais. Ja vimos, em Amaro, (4,5) a 
importancia de realizar a vinculacao individual antes ou con-
comitantemente a entrada no grupo. Temos procurado realizar 
isso sempre que possivel. 
A questtio familiar. Ao longo do volume tenho optado por 
uma posigtio que chamaria de ingenuidade consciente. Assim, 
tenho me desviado de algumas polemicas que, embora nao este-
reis, tenderiam a criar dificuldade pragmatica nurna propostade 
busca dum metodo de psicoteria de psicoticos. 
A questao familiar é uma dessas. 
Ela é tao conplexa e polernica que poderia ser assunto de 
uma tese. No GREPP temos profissionais que desenvolvem estu-
dos sobre a relagao psicoterapia/familia de psicoticos. 
Assim mesmo optei por fazer algumas consideragoes que 
julgo necessarias, a maioria vinda de experiencias clinicas. 
bl) Se é verdade que a familia é medianeira entre o indivi-
duo e a sociedade e se é tambem verdade que existe um jogo 
dinamico de forgas familiares que interagem na evolugao do 
processo psicotico, entao deve ser tambem verdade que precisa-
mos reconhecer algumas das forgas dinamicas que no nivel so-
cial agem sobre a familia e seus membros, sejam ou nao psicoti-
cos. Assim, se o entendimento duma dinamica familiar nos leva' 
ao entendimento de alguns aspectos do psicotico, entao, neces-
sitaremos do entendimento tambem duma dinamica social. 
A familia corn a qual entramos em contacto foi a matriz 
na qual se desenvolveram aspectos psi cologicos e psicopatologi-
cos de nossos pacientes. 0 conjunto de regras da familia costuma 
ester internalizado polo paciente. 
Nesse sentido, deve existir uma diferenca entre a familia, 
enquanto sistema real externo, e a "familia" internalizada (ima-
go). Essa diferenga torna-se ainda mais importante no pscotico ja 
que interno e externo costumani ester misturados nele. 
Embora nao tenha dados estatfsticos para afirmar, sempre 
me pareceu que o sistema familiar do psicotico era mais rigido, 
mais fechado, corn manor possibilidade de agdo. A importancia 
da familia ou da "familia" internalizada para ele e sempre muito 
grande. Por isso toma-se muito dificil obter vinculo corn um 
psic6tico sem vincular-sea familia, 
Nesse sentido a psicoterapia do psicotico é sempre, tam-
Wm, a psicoterapia de sua familia ou de sua "familia". 0 proces-
so passard a ter alta significagao para ales, provavelmente maior 
do que se fosse a de urn outro elemento da familia. Assim, os 
proprios dados que chegam ao profissional ja estao "organiza-
dos" segundo essa ansiedade familiar. 
A familia costuma estar dividida em suas posigOes. Uns op-
tam pela psicoterapia, outros polo internamento imediato, outros 
126 	 127 
ainda dizem uma coisa na sala, mas invertem a posigao por tele-
fone, buscando ligagao corn o profissional fora da presenga do 
paciente ou de algum outro membro da familia. Uns buscam 
medicagao, outros combatem-na ferozmente. Ur.,s trazem a tona 
divergencias familiares, outros escondem-nas. Uns colocam o 
profissional como juiz, outros como carrasco e outros ainda 
como a tinida saida. 
Telefonemas inoportunos, entradas na sala, propostas de 
conluio sao algumas das situagbes comuns. 
A partir disso surgem armadilhas constantes para o terapeu-
ta. Um paciente de 38 anos, que mora sozinho, iniciou a vincu-
lagao terapeutica. Pouco depois do termino da sua quarta sessaa, 
recebi uma comunicagdo urgente para ligar para a casa de sua 
mae. Essa comunicagao havia sido feita cliretamente pela mae. 
Preocupado, liguei. Do outro lado atendeu o paciente que disse: 
Enteio é verdade que o doutor liga sempre para a minha mae 
para contar a ela o que digo? Desligou e nunca mais retornou 
psicoterapia. 
A quantidade de cheques sem fundo que recebemos desses 
familiares 6 muito maior do que dos pacientes nao psicoticos. 
Independentemente da interpretagao que se queira dar, servem 
para tumultuar a relagao e o processo psicoterapico. 
A descried° de tais fatos nao esconde que muitas vezes a 
familia se mostra conscientemente interessada, auxiliando de 
maneira eficaz o processo, sendo participante e seguindo pron-
tamente as indicagOes do profissional. 
Assim como avaliamos as dificuldades, proponho avaliar 
algumas posturas e atitudes do terapeuta corn vistas a facilitar a 
vinculagao. Algumas dessas posturas sao pessoais e irdo variar 
entre diversos profissionais. 0 que se torna necessaria é a manu-
tengdo duma coerencia interna no conjunto das atitudes. Embora 
tais propostas sejam feitas no t6pico ligado a vinculagao, muitas 
delas podem ser estendidas a outras fases. 
Assim como nas dificuldades, optei por dividi-las em dife-
rentes niveis: posturas e atitudes do profissional para consigo 
mesmo, posturas e atitudes para corn a maneira de ver o outro, 
postura e atitudes para corn urn clima relacional e ambiental 
eficientes e posturas e atitudes do profissional para corn o mun-
do exterior. 
128 
Posturas e atitudes do profissional pare consigo mesmo. 
Menos importante quanto ao nivel descritivo, possuem sua 
importancia oriunda da necessidade de aperfeigoamento de urn 
dos principals instrumentos de agao, ou seja, o prOprio terapeuta. 
Um dos aspectos importantes e o reconhecimento das emo-
goes suscitadas na vigencia do proCesso. Confusoes, frustragoes e 
expectativas exageradas sao algumas delas. Percebendo-as, o te-
rapeuta podera coloca-las a servigo do processo. 
II Postures e atitudes pare corn a maneira de ver o outro. 
Isto se inicia pela nao fixagdo de nosso quadro de referencias, 
tendo em vista buscar a natureza da experiancia do psicotico. Em 
muitos casos trata-se de urn processo de reconstrucao pare o 
mesmo, de sua maneira de ver-se e ver o mundo. Nesse sentido 
precisamos perceber suas reais necessidades e entender-lhe a 
proposta de relagao. Para isso torna-se necessario evitar a posigao 
moralist', critica e ate mesmo persecutoria de toma-lo sempre 
como alguem incompleto e cheio de defeitos. Por outro lado, nao 
podemos desconhecer as caracteristicas especiais de sua perso-
nalidade e mesmo sua doenga. 
Embora bonito, nem sempre esse discurso é Moil de se rea-
lizar na pratica. Ele exige do terapeuta constante repensar. 
Fader-se-la dizer que essa é uma questao etica e nao tecnica. 
Mas corn certeza é uma questa° concreta na vinculagao mesmo 
porque etica vem do grego ethon quo nos remote a agao e dal a 
questa) das regras de relagao. 
III Postures e atitudes pare corn urn clime relacional e 
ambiental eficientes. 
a) Uma proposta saudovel de relagao. Cabe ao profissional 
oferecer uma proposta de relagao que possa ser considerada sau-
davel e que sirva de modelo para o psicOtico, para que ele possa 
exerce-la em outras relagiies. 
Um aspecto disso é a disponibilidado. Empatia, calor huma-
no, interesse pelos outros e seus atributos devem ser posturas do 
profissional. Em sendo ativo, criativo e espontaneo, ele estimu-
lath as iniciativas do paciente, incrementando-lhe a autoconfian-
ga e a confianga no processo. 
0 processo psicoterapico podera tomar-se uma opgdo a mais 
para uma vida de poucas safdas, como e a do psicatico. 
129 
41 
Tudo isso nao deve se limitar ao contexto da sala de psico-
terapia. 0 contexto hospitalar, a sala de espera e outros espagos 
poderao ser incluidos. 
Tais atitudes podem parecer para alguns ingenuas ou roman-
ticas,'mas tem urn meter de grande importancia na vinculagao. 
0 paciente passa a reagir de maneira mais adulta tambem. Tudo 
funciona como se o paciente nao estivesse acostumado a ser tra-
tado dessa maneira. 
Urn ambiente maleavel e ameno. 0 ambiente psicoterapi-
co deve ser de tal maneira que o paciente possa comunicar sem 
temor seus conteddos internos. Alern do necessario sigilo, bus-
camos um clima afavel, seguro e maleavel. Nao tern se mostrado 
para mim, •as restrigoes ou preocupagoes tecnicas, como 
lugar determinado para o paciente sentar ou fixagao rigida da 
duragao da sessao. E claro que sempre existe urn limite opera-
cional, variavel para cada profissional. 
Em momentos de silencio podemos orientar a conversa corn 
perguntas dosadas. Costuma ser facil perceber se o silencio cons-
titui dificuldade do paciente. Nesse caso as perguntas seriam 
facilitadoras. Se for uma opgdo do paciente para aquele mo-
ment°, pode-serespeitar. Se se tiver chlvida, podemos perguntar 
para o paciente. 
Perguntas sobre a crise nessa fase costumam ser mal aceitas. 
Repressoes, criticas e grandes exigencias nao devem ser con-
fundidas corn limites, avaliagOes reais e estfmulos. 0 clima de 
camaradagem nao deve significar seduce° ou relagdo estereoti-
pada. 
Urn aspecto relacional importante que inclui o ambiente é a 
continencia. So assim o paciente podera depositar ali suas in-
quietagoes. 
E evidente que urn clima maleavel e ameno nao deve se 
restringir apenas a sala de psicoterapia, mas a qualquer ambiente 
em que ocorrer a relagdo terapeutica. 
Um terapeuta que aceite certas posicoes. 0 terapeuta deve 
reconhecer certas necessidades do paciente e aceita-las quando 
viaveis. Muitas vezes tais aceitagoes sao temporarias. 
Uma delas é a aceitagao da estereotipia. Aceitar ser Jesus nao 
significa passar a se-lo. A estereotipia advem, provavelmente, da 
dificuldade de se propor uma relagao mais real, tendendo a desa-
parecer na continuidade do processo. 
130 
 
Identificagoes exageradas ou excessivas admiragoes poderao, 
eventualmente, ser aceitas, como je nos ensinou Kohut. 
E tambem diffcil aceitar o sofrimento do paciente. Mas é 
necessario, inclusive para que o paciente aprenda a absorve-lo. 
Uma ansiedade do terapeuta podera, nesse sentido, assustar o 
paciente ou mesmo dar a ele instrumentos de manipulagao. 
As vezes o paciente estabelece uma distancia afetiva na rela-
gao. E importante aceita-la sem forgar a proxirnidade. 
Tantas aceitagoes nao implicam uma posigao de "bonzinho". 
Quando necessario, ja o dissemos, pode-se dar o limite, ajudan-
do-o a contatar-se com o real. 
Em geral, quando alguma atitude minha frustra o paciente, 
costumo explicar ao mesmo os motivos da atitude. Isto tem se 
tornado -ail, inclusive como urn verdadeiro aprendizado para 
ele. 
Posturas e atitudes docentes. Vamos evitar a polemica da 
validade ou invalidade de se manter atitudes psicopedagOgicas. 
A simples atitude do terapeuta ja o coloca como modelo de age°. 
Por uma serie de aspectos anteriormente discutidos, pode-
mos considerar o psicatico como alguem que tern dificuldades 
em saber manipular os instrurnentos de vida. Assim, cabe ao 
terapeuta discutir corn ele alguns desses aspectos. Suas coloca-
goes devem ser claras e precisas. Que se use mais o sim ou nao, 
do que o talvez. 
Muitos recursos podem servir. Uma estoria contada, ou a 
comparagao corn urn comercial de televise° podem fazer corn 
que o paciente compreenda melhor do que uma colocagdo apro-
fundada. 
A confirmactio do delirante. Je se discutiu a aceitagao da 
posigao existential do psicOtico. Trata-se de algo na mesma li-
nha, porem mais tecnico. No capitula I, ao trazer a contribuicao 
da Escola de Palo Alto, referi-me ao conceito de confirmagao. 
Se urn paciente se coloca como Deus, ele se sente, percebe a 
si mesmo e pensa ern si como tal. A aceitagao temporaria de tal 
posigao facilita em alto grau a vinculagao. Obviamente nao se 
trata de reconhece-lo como Deus, mas de aceitar que ele se veja 
como tab. Se o paciente perguntar se eu o acho Deus, teria que 
dizer que nao, mas que eu percebo o quanto isso the é importan-
te. 
Nunca nenhum paciente perguntou. 
131 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mas tenho urn senao a fazer. 
Assim que a postura de confirmacao ficou evidente no tra-
balho corn psicoticos, passou a ser muito utilizada. Se o te-
rapeuta fica muito preocupado corn a confirmacao, podera passar 
a policiar-se em demasia tornando o clima artificial ou mesmo 
persecutorio. 0 importante é que o terapeuta possa abrigar em 
sua sala o delfrio do paciente. Uma vez treinado no convivio 
tecnico corn psicoticos, a postura de confirmacao aparecera natu-
ralmente. Assim, o paciente tern na sala urn local e no terapeuta 
uma pessoa a compreende-lo. Como nao resistimos a "sua reali-
dade", a tensao baixa e a procura do vinculo aparece. 
Tal postura deve ser mantida durante todo o processo. 
f) A influencia do entendimento. Algumas vezes isto se torna 
tdo importante quanto a confirmagdo, e dela se diferencia, embo-
ra entender uma pessoa seja confirma-la. 
As mensagens dos psic6ticos costumam ser confusas, cheias 
de obscuridade ou significagdo incompreensfvel. Isto faz corn 
que as pessoas que o cercam tenhain dificuldades de entende-lo. 
Tal dificuldade e extensiva ao terapeuta. Este, porem, tern conhe-
cimento de dinamicas psicologicas e de mecan.ismos de funcio-
namento do psiquismo doentio. Isto pode facilitar o entendimen-
to dos fenomenos e assim passa-los ao paciente. E impressionan-
te o quanto isso se torna util para a vinculagdo. Muitas vezes 
aconteceu de os psicoticos proporem, ao sentir-se entendidos, 
aumentar o mimero de sessOes. Mas Basta mostrar que o estamos 
entendendo. Qualquer interpretacao psicodinamica mais profun-
da, nessa fase, pode faze-lo sentir-se transparente demais e re-
cuar no vinculo. 
IV- Posturas e atitudes do profissional para corn o mundo 
exterior 
a) Contato corn o hospital. Isto vai depender do tipo de hos-
pital em que estivemos trabalhando. Trata-se de neutralizar pos-
siveis interferencias que costumam surgir nessas situagOes, inter-
ferencias essas ja apresentadas anteriormente. 
Nas supervisdes hospitalares tenho procurado insistir nesses 
aspectos. Em algumas ocasiOes chegamos a marcar reunioes com 
os funcionarios. Nessas reunioes foi explicado para eles alguns 
conceitos simples, coma sigilo, nao interferencia na sala e evita-
cao de criticas mais contundentes ao paciente. 
132 
Tais posturas tendem a integrar os funcionarios no tratamen-
to do psicotico. 
b) 0 contato corn a familia. Ja discutimos o estado caotico 
com que a familia costuma chegar e a importancia de .o contato 
corn ela ser feito de uma forma a viabilizar o tratamento corn a 
sua colaboragao no processo. 
Grande passo para isso 6 desistir em achar "o louco da case". 
Movidos par algumas teorizacties e por alguns preconceitos esta-
belecidos, o terapeuta pode querer cometer o erro de 'querer 
substituir a figura de "louco" que seu paciente carrega por um 
dos familiares. Esse movimento de "caca as bruxas" invariavel-
mente nao so nao protege o paciente, coma deixa sua familia em 
posicao de defesa. 
Claro que o reconhecimento de uma dinamica familiar que 
possa. estar influencianclo negativamente tern que ser buscado. 
Mas nao e apontando culpados que estaremos ajudando a nos 
vincular a nossos pacientes. 
Diferente disso e quando o paciente aponta, logo no illicit), 
tuna dinamica patologica nas relacoes familiares. Se a sentir 
coma real, costumo confirma-la coma possivel. 
No contato com a familia 6 necessario fazer a definicao das 
responsabilidades, nao s6 para o momenta presente, coma para o 
seguimento do processo. Algumas familias, por motivos v6rios, 
costumam cleposifar o paciente nas maos do terapeuta tornando-
o responsavel por todas as decisoes a respeito. 
Embora cada situaga.o tenha suas particularidades, o que 
tern-se mostrado mais titil 6 a manutencao dum contato corn o 
paciente por algumas sessOes e, a seguir, propiciar uma ou duas 
reunioes corn a familia. Ao paciente e dada a °Ka.° de acompa-
nhar ou nao tais reunioes. Em casos raros de familia desestrutu-
rada em excesso, podemos optar por conversas sem o paciente. 
Isto pode gerar desconfiangas desagradaveis no mesmo. Para 
minimizar tal situagao, estabelego corn ele qua the diroi tudo a 
que julgar importante. Comunico tal decisao a familia antes da 
reuniao. 
Dest:e jeito o controle das informagoes fica em minhas mks, 
já que a promessa é contar aquilo qua julgar importante. Antiga-
mente, Coda vez que um familiar nos procurava, eu contava ao 
paciente. Uma delas, Elaine mostrou-nos que, quando a familia 
queria falar alga a ela, usava-nos comaintermediario. A partir 
133 
disso, dou a opgao ao psicotico, se ele quer que the conte toda 
vez que urn familiar procurar-me ou nao. 
Na primeiras reuniOes corn os familiares, costumo apresentar 
as possiveis fases do processo, bem como as dificuldades a elas 
inerentes. Discuto o que se pode e o que nao, se pode esperar do 
paciente em cada uma das fases. 
Se as relagOes familiares forem muito caoticas, poderemos 
pensar em psicoterapia familiar. Tal encaminhamento podera ser 
feito a profissionais por nos conhecidos para uma maior integra-
ca.°. Em casos de fortes ligagOes simbioticas, o encaminhamento 
do outro membro familiar a psicoterapia sera de grande valia. 
Toda vez que fiquei dividido entre o paciente e a familia, 
quanclo nao houve safda, optei polo paciente. E de esperar que os 
familiares tenham mais condigOes de absorver ansiedades, 
3.3.2. FASE DE AUTOQUESTIONAMENTO 
So quero saber como 0 que vai sair essa 
sua maldita resposta. Se voce nao resolver 
isso; a guerra esto langada! 
(CEJ, Carta de 12/83) 
Supondo estabelecido urn vfnculo, temos um paciente em 
delirio produtivo, ou seja, exteriorizando seu mundo interno e, 
atravOs disso, organizando a seu modo a realidade externa. 0 
questionamento logic° do delirio, o sabemos, nao é viavel. 0 
ocultamento tacit° do delirio, corn a ligagao exclusiva ao suposto 
saudavel, o sabemos, nao é viavel, 
0 que se busca e trabalhar corn a parte doentia, cuja porta de 
entrada é o delirio. 
Uma tecnica a ser aplicada nesse momento teria de ter as 
seguintes condigoes: 
Trabalhar em nivel de confirmagao. 
2u) Provocar uma contradigao interna na comunicagao do 
paciente. 
0 questionamento do terapeuta costuma afastar o paciente, 
mesmo porque o delirio é inquestionavel para o psicotico. A 
tatica seria provocar-lhe um paradoxo forgando-o a questionar o 
delirio. A tecnica do duplo vinculo terapeutico, da Escola de 
Palo Alto, 6 uma das tecnicas exequiveis. Fromm-Reichmann 
tambour clescreveu situagOes semelhantes. 
134 
3u) Trabalhar corn a forma e nao corn o contelido, ja quo o 
conteUdo, de inicio, 6 incompreensfvel para o terapeuta. Muitas 
vezes o profissional estard conversando sem entender exatamen-
te o significado daquilo sobre o que conversa. 
Atraves de perguntas, o terapeuta deve fazer corn qua a 
conversa dirija-se cada vez mais para urn significado compreen-
sivel, ou seja, forgar o psicotico a raciocinar sobre urn referencial 
• mais universal. 
A tecnica de Silva Dias, descrita por nos anteriormente, de-
senvolveu bastante os itens 1, 3 e 4, podendo ser utilizada tarn-
bem na contradigao interna, item 2. 
Vejamos alguns exemplos: 
Exemplo 1: pacientes A, 4" sessao. 
Em seu delirio, o paciente é Deus na terra. 
A - Hoje encontrei urn anticlota! 
T - E como foi isso? 
A - Eu estava corn Eva parado num carro e o caminhao en-
trou na contramao. Era urn antidota! 
T - 0 que sera. que ele queria? 
A - Queria destruir-me e tambem a Eva. 
T - Voce ve alguma possibilidade de que ele conseguisse 
isso? 
A - A Eva me disse... (muda de assunto) 
Todac as perguntas do terapeuta situam-se no referencial 
apresentado polo paciente, sem desconfirma-lo. A tiltima pergun-
ta do terapeuta provoca nele urn paradoxo, um autoquestiona-
mento. So ele admite quo o anticlota possa destrui-lo, abandona 
sua posigao de,Deus. Se mantem a posigao de Deus tern de to-
chagar o poder do antfclota e diminuir sua persecutoriedade, 
Abandonara, entao, a conversa. Isto é Comum em tais situagoes. 
Exemplo 2: paciente A, 12il SOSSCIO. 
A - Mandel outra carta para Espirito Santo. Escrevi que mes-
mo que ela nao queira ou nao entenda, ela sera sempro 
Espirito Santo. NE10 ha como deixar de set. SO se ela 
casar coin outro. 
T E se isso acontecesse? 
A - AI ela deixaria de ser Espirito Santo. 
135 
c 
T - E o que isso representaria para voce? 
A - Eu nao sei... (confuso). Ai nao iria dar mais... Mais assim 
que eu melhorasse ela is aceitar, 
T - E o que seria essa melhora? 
A - Entender a internagao. Voltar a ficar como antes. 
exemplo é menos pela contradicao, é mais pelo moment° 
de encontro corn a sande. Ela nao o reconhece como Deus e nao 
se reconhece como sua namorada. Ele tenta impor sua realidade, 
mas inadvertidamente abre uma brecha, a primeira em doze ses-
soes. Ele admite uma possibilidacle fora de sua realidade. 
terapeuta administra a contradicao. 0 paciente fica confuso 
porque, ou mantern a ideia de Deus, mas aceita o casamento 
dela (e nesse caso nao seria Deus, pois nao pode impedir o casa-
mento), ou abandona a idea de Deus, reconhecendo a propria 
doenc.a. 
Em outras palavras, ou abandona a icleia de Deus, ou abando-
na a ideia de Deus. 
Exemplo 3: paciente B, infcio da lu sessao. 
- Antes era ouro, agora é prata... Antes era ouro, agora é 
prata.... 
T - E como se produziu essa mudanga? 
- Corn a morte... Corn a morte... 
T - E como voce se sentiu corn a morte e corn a mudanca? 
- Fiquei sozinho... Fiquei sozinho... 
T - E como é que se sente assim sozinho? 
- Antes era ouro, agora é prata... Antes era ouro, agora 
p rata. 
Esse dialogo foi o primeiro que travei corn tal paciente. 
Algum tempo depois pude perceber que o rompimento do 
noivado apOs o infcio do surto justificava sua frase, Naquele 
moment°, entretanto, nada sabia. Levando em conta o referenci-
al particular, a primeira pergunta, sem o desconfirmar, levava 
paciente a raciocinar num referencial mais universal, pois, 
se antes era ouro e agora é prata, houve uma mudanga. Na 
segunda pergunta existia a busca duma emocao num referen-
cial mais universal, pois é sabido que a morte leva ao sofri-
mento e a solidao. Isto se concretiza na terceira pergunta, da 
qual o paciente se afasta, voltando a urn referencial novamente 
particular, embora menos particular, pois que se acha ligado a 
uma emocao de sofrimento. 
Exemplo 4: primeira conversa corn paciente psicatica, na 
enfermaria, para demonstragao da,tecnica aos residentes. 
- As criancinhas estao queirnando no fogo. Estao sofrendo! 
T - E como foram elas parar 
P - Eu as coloquei. Estao sofrendo. 
T - E voce tambem sofre? 
- Sou culpada... 
T - como foi que voce as colocou Id? 
- Menti para o delegado. Disse que rninha 
T - Foi porque mentiu para o delegado que as criancinhas 
estao no fogo? 
- As criancinhas estao no fogo! Voce nao vai fazer nada 
para tird-las de Id? (Sai da sala) 
dialog() foi conduzido num referencial particular, embora 
terapeuta tenha tentado introduzir referencial mais amplo. Na 
quarta pergunta o terapeuta tenta fazer uma ligagao que traga a 
tona o possfvel sentimento de culpa do paciente. Posteriormente 
soube que a paciente havia tido urn surto de caracterfsticas rea-
cionais, logo apos a morte da mae, em conseqiiencia de proble-
mas cardfacos e na ausencia da filha. 0 dialogo aumentou a 
ansiedade da paciente obrigando-a a sair da sala. A paciente nao 
conhecia o terapeuta, portantO nao havia vinculo entre ambos. 
Nesse exemplo nao ha paradoxo. 
Exemplo 5: paciente D, 16" sessao. 
- As luzes das paralelas queimam o canto do mundo. A 
humanidade vai para o inferno, a menos que eu (luz 
divina) queira salvd-los. Mas so farei isso quando ela (Gal 
Costa) me der Lticifer (um filho). 
T - E enquanto isso, o que tem feito, luz divina? 
- Tenho jogaclo brotos de luz dentro das pessoas. Elas fi-
cam sobre minha protecao. Hoje mesmo joguei imlmeros. 
Eles ficam contentes e fazem tudo o que eu desejo, tudo a 
que eu quero. 
T - Que born deve ser realizar todos os desejos! 
- E. 
136 	 137 
T - E voce nao poderia jogar um broto de luz vela e obter o 
que deseja? 
D - Minha primeira namorada me atrapalha... 
Na primeira frase o paciente declara o seu poder. So ele po-
de salvar a humanidade, e o filth quando desejar. Mas intro-duz uma contradigao, pois Gal Costa nao quer dar-lhe um filho. 
0 terapeuta nao acha espago para atingir a contradigao e 
continua, em reiteragao (152, 153), estimulando o paciente a 
pensar, sempre confirmando e respondendo no referencial do 
paciente. 
Este continua dando provas de seu poder, mas abre uma 
brecha para a contradigao, pois tern um motodo que obriga as 
pessoas a fazer tudo o que deseja, mas nao obtern da cantora o 
que deseja. Na terceira pergunta o terapeuta introduz a contradi- 
gao. Ele pode reconhecer que nao tem o poder e desqualificar seu 
delfrio trazendo uma impotencia. Ele podera insistir em seu 
poder, mas tali de reconhecer urn limite, ou seja, uma impoten-
cia. Podera abandonar seu desejo, situagao que implica uma 
mudanga em seu delfrio. Poderj ainda arranjar uma justificativa 
para o impedimenta, mas isso tambem o colocard em situagao de 
impotencia. Por todas as saidas, ve-se obrigado a reconhecer seu 
limite e, portanto, a autoquestionar-se. 
Nossa experiencia com a tecnica tern demonstraclo que existe 
tendencia para um aumento da ansiedade do paciente, principal- 
manta em situagoes onde se busca a contradigao. Nao sao raros 
as ahandonos da conversa, os mutismos temporarios, os pedidos 
para "ir ao banheiro" ou outras saidas quaisquer. Em graus de 
psicotizagao maior, as sessOes tendem a ficar mais curtas, as 
vezes nao ultrapassando meia hora. 
Durante os primeiros anos trabalhando corn a tecnica, procu-
riivamos utilizar tal nivel de dialogo o maxim passive'. 
Corn isso obtinhamos vantagens e desvantagens. 
Vantagens: 
- Major uso de mensagens num referencial universal. 
- Utilizagao cada vez maior do name das pessoas dos papeis 
es tereo lipa dos prees tabelecidos. 
- Diminuigao da coisificagao do mundo exterior, corn o psi-
catico procurando por of mesmo estabelecer relagOes entre a 
realidade consensual e a realidade coisificada. 
- Certa diminuigao das interpretagoes delirantes. 
- 0 inicio de algumas introspecgoes sobre a vida e a doenga. 
Desvantagens: 
- Emogoes de alta ansiedade capazes de provocar irritabili-
dade para corn o terapeuta e, conseqiientemente, risco para o 
vinculo e maior possibilidade de faltas e/ou abandono. 
- Manutengao de dificuldades em criar novo projeto de vida. 
Essa segunda desvantagem me fez repensar toda a proposta, 
a partir disso senti necessidade duma nova fase. 
3.3.3. FASE DE DIFERENCIAcA0 DO EGO E DE 
ORGANIZAcA0 DO PSIQUISMO E DO COTIDIANO 
Voce é medico e eu sou genie! 
(CEJ. Carta de 12/83) 
A utilizagao da tecnica do autoquestionamento visava 
diminuigao de certos aspectos da produtividade psicOtica, o que 
de fato tendia a ocorrer. Urn fato, entretanto, obrigou-me a mudar 
toda a minha conceituagao interna de doenga psicotica. Os pa-
cientes tendiam a diminuir a produtividade psicotica e a ficar 
desmotivados, inativos, angustiados, sem projetos e isolados. 
Tudo funcionava coma se eu estivesse atacando justamente o 
que lhes servia de cantata com o mundo, sem lhes permitir que 
pudesseni desenvolver outro tipo de instrumento. 
0 erro nao estava na tecnica, mas no uso que fazia dela por 
minha prOpria conta. 
A resolugao da questao foi circunstancial. Atendia pacientes 
psicoticos em grupos de nao-psicoticos no Servigo de Psicotera- 
pia. A opgao para o atendimento grupal era norma do servigo e a 
colocagdo de psicoticos era opgao pessoal que funcionava como 
pesquisa. Tal tipo de psicoterapia impoe limitagao Obvia a possi- 
bilidade de utilizagao da tecnica do autoquestionamento. Como 
resultado, observei que a produtividade psicotica demorava ma's 
para diminuir mas, entretanto, a angtistia e o isolamento cram 
menores, o abandono pequeno e o paciente parecia mais afeito ao 
tratamento. 
0 que ocorria (e a percepgao disso foi fundamental) é 
que, corn limitagoes ao uso do autoquestionamento, procurava 
138 	 139 
compensar corn uma serie de atitudes de reforgo o ego do 
psicotico. 
Corn essas observacoes, optei por introduzir duas mudangas: 
19 Passei a utilizar a tecnica do autoquestionamento em 
menor intensidade procurando regular seu use segundo a ansie-
dade do paciente. 
29 Passei a me preocupar corn o delineamento duma terceira 
fase, ligada ao reforgo do ego. Procurei estruturar uma teorizagao 
mais profunda e uma observagdo mais constante daquilo que ja 
fazia espontaneamente no Hospital das Clinicas. 0 raciocinio é 
que corn o ego mais integro e mais diferenciado o psic6tico 
pudesse aproveitar corn mais beneficios a fase de autoquestiona-
mento, continuando validas as atitudes propostas na fase ante-
rior. 
0 objetivo principal é preparar o psicotico para autoquestio-
nar-se. Para isso ele necessita de maior maturagao do ego e de 
melhor organizagao da vida psiquica e do cotidiano. Poderiamos 
enunciar esses objetivos de muitas outras formas: reforgo do ego, 
integragao do ego, rematrizagao de aspectos emocionais, conti-
nencia da produtividade, viabilizacao do desempenho de papeis, 
integragao das instancias paiquicas etc. Tal pluralidade demons-
tra bem certa vagueza de conceitos, tipicas das teorizagoes sobre 
o assunto. 
Mas tal vagueza nao esconde uma certeza: que o ego do psi-
cotico acha-se precariamente desenvolvido, corn cisoes internas 
e externas, corn relacoes objetais precarias e funcoes egoicas dis-
torcidas. 
Se e verdade que o ego pode crescer e desenvolver-se corn a 
experiencia, trata-se de dar-lhe vivencias para tal, acompanhadas 
evidentemente dum processo discriminatorio das percepgOes 
vivenciadas. 
A resolugao de conflitos psicodinamicos, nesse moment()) 
nao precisa ser intensa. 
0 fato de estar trabalhando no nivel do ego nao afasta as 
possibilidades de resistencias ao tratamento. A resistencia tem 
carater distinto, nessa situagao. Pode ser considerada como qual-
quer manifestagao contraria a integragao do ego e ao seu conheci-
mento sobre si mesmo. Tal resistencia pode ser dirigida contra o 
terapeuta tendo em vista tentar diminuir-lhe a capacidade para 
compreende-lo. 
3.3.3.1. ALGUMAS CONCEITUAOES SOBRE 0 EGO 
Ao longo deste livro tenho procurado evitar termos tecni- • 
cos, especialmente quando vagos. Mas é muito diffcil nao 
recorrer ao termo ego. Assim, sempre em busca dum prag-
matismo operacional, conceituarei ego como subestrutura da per-
sonalidade que se define por suas fungoes, as quais em breve 
re tornarei, 
Ainda em nome dessa operacionalidade, procurarei dar urn 
historic° breve da evolugdo desse conceito em psicoterapia obje-
tivando alicergar minha proposta. 
Freud, ao longo de sua obra, foi desenvolvendo o conceito de 
ego. Urn bom historico dessa evolugdo pode ser encontrado em 
Hartmann (69, 70). Contudo, por mais que se transformasse, o 
conceito de ego estava ligado a conflitos, patologias e processos 
defensivos, numa visa() do ego como algo passivo. 
Ja o conceito de id encontrava-se ligado as situagoes de 
maior atividade. Ele nao tolera energias muito intensas, experi- 
mentadas como estados desconfortaveis de tensao. Se essa se 
mostra elevada, o id tende a descarrege-la imediatamente. As 
necessidades impostas pelo id requerem transiVfies apropriadas 
corn o mundo objetivo da realidade. 
Cabe ao ego distinguir entre os estimulos ou percepcoes que 
surgem do ambiente daqueles que surgem dos impulsos e desejos 
do id. Assim, ele seleciona os aspectos do meio ao qual reagird, 
decidindo quais os instintps que devem ser satisfeitos. Para isso 
torna-se necessario ter urn sentido de realidade intacto para que 
possa atuar eficazmente sobre o ambiente em favor do id. Mas, 
preso ao principio da realidade, pode obstar a descarga de tensao 
ate ser encontrado o objeto apropriado para a satisfacao das ne- 
cessidades. Embora tenda a aliar-se ao id, o ego pode combats-lo 
quando julgar que a emergencia de certos impulsos criard uma 
situageode perigo. 
Quanta mais desenvolvido o ego, melhor o seu sentido de 
realidade. A falha na leitura da realidade 6 oriunda de distorgoes 
do mundo interior. Nesse nivel pode ocorrer uma ruptura corn a 
realidade e a reconstrugao duma nova realidade ditada pelos 
impulsos do id. Dominado pelo id, na psicose, o ego afasta-se da 
realidade e dela subtrai os elementos perceptivos, substituindo-
os por alucinagoes construidas pelos registros de antigas percep- 
140 	 141 
goes. As alucinagOes proporcionam percepgOes que se ajustam 
nova realidade. 
Foi Anna Freud (44) uma das primeiras a dar para a analise 
do ego a mesma importancia da analise do id. A teoria analitica 
tem abandonado o conceito de que o ego é identico ao sistema 
consciente de percepccio, vale dizer: temos percebido que gran-
des porgoes das instancias do ego stio em si mesmas inconscien-
tes e necessitam da ajuda da analise para chegar a ser conscien-
tes. Disso resulta que a analise do ego tem adquirido consi-
derdvel importancia para nos. Qualquer coisa originciria do ego 
que se imiscui na andlise constitui material tao bom quanto o 
origindrio do id. Aldo nos é licit° considerci-lo como mera pertur-
bocci° da ancilise do id. * 
A formulagao duma psicologia do ego traz a tona fortes im-
plicagoes tecnicas. 
Segundo Hartmann (67), existem partes autonomas do ego 
fora das areas de conflito que podem, inclusive, tornar-se pre-
requisitos da relagdo corn a realidade. Assim, o eu nao pode ser 
visto apenas em questoes de patologia. 
Urn dos aspectos mais estudados por esse autor foi a adapta-
gao a realidade. Como nem toda adaptagao implica urn conflito, 
nem todos os fenomenos do ego podem ser considerados feno-
menos defensivos. Ainda assim, nem todas as reagoes do eu ao 
mundo externo sao adaptagOes. Nem toda adaptagao a neces-
sariamente normal. 
Ao estudar o fenomeno esquizofrenico, Hartmann (68) o rela-
cionou corn uma baixa capacidade para neutralizar a agressao, 
fato que levaria o esquizofrenico a usar defesas qua exigem 
menor grau de neutralizagao, corn um sistema de defesas menos 
eficaz; e as distorgOes na diferenciagao entre o si mesmo e o 
objeto. 
Ao aprofundar tais teorizagOes, Fiorini (39) delineou habil-
mente as fungdes egoicas: 
A) Fungdes egoicas 
la - Funccies egoicas bosicas voltadas para o mundo exterior, 
para os outros e para aspectos de si proprios. Tem certo grau de 
* Freud, A. —El yo y los mecanismos de defensa. Buenos Aires, Medico-Quirdrgico, 
1949. P. 40. 
142 
autonomia e atuam corn eficacia dentro de certa margem de 
condig'Oes. Ex: percepgdo, atengao, previsao, memoria, planifica-
gao, execugao, controle etc. 
- Fungdes defensivas, cuja finalidade 6 neutralizar as an-
siedades por meio de diversas modalidades de manipulagao de 
conflitos. Atuam simultaneamente com as fungoes basicas, po-
dendo perturba-las em seus fins de ajustamento. Ex: dissociagao, 
negagao, evitagdo etc. 
3ft - Fungdes integradoras, sinteticas ou organizadoras. Rela-
cionam-se corn os processos de coesao, sinergismo, adaptagO'es e 
coordenagOes de metas. Ao buscar uma totalizagdO do si mesmo, 
agem no nivel de intencionalidade. Sendo fungoes de uma outra 
ordem, fiscalizam o sucesso das fungOes anteriores. 
Efeitos das fungoes egoicas: 
Sao inUmeros os efeitos, entre os quais podemos colocar a. 
adaptagao a realidade, o controle dos impulsos, a regulagao do 
nivel de ansidedade, a produtividade, a capacidade sublimatoria 
e a integragao e coerencia das diversas facetas da pessoa. 
Algumas qualidades das fungoes egoicas: 
As fungoes egoicas podem ter autonomia, ou seja, possibili-
dade de certo funcionamento nao perturbado pelo comproinisso 
de suas fungoes no manejo do conflito. Podem ter plasticidade, 
ou seja, um reajustamento do repertorio. Podem ter ainda forga, 
coesdo em conjuto e agao hierarquizada. 
Ao seguir Hartmann, Fiorini refere acreditar que, alem da 
intensidade dos impulsos e da condigao genetica, as influencias 
ambientais poderao ocorrer sobre as fungOes egoicas. A influen-
cia familiar torna-se consideravel. Urn ambiente de baixo nivel 
de conflitos e a plasticidade de repertorios defensivos poderao 
constituir boas influencias. 
Se o ambiente influi, isto pode ocorrer no processo psicotera-
pica. Aqui, as fungoes eg6icas podem ser reforgadas pela criagao 
dum contexto de gratificagao, alivio de ansiedade e estimulagao. 
Nesse seritido, o terapeuta pode ajudar a organizar fenomenos, 
tais como os sentimentos, os afetos e os pensamentos. Alem de 
interpretar, o terapeuta age noutros niveis, tais como nos atos de 
tranqiiilizar, indagar e discriminar. Sua agar) nao tern apenas 
efeito imediato, mas podem frear certas deterioragOes ou provo- 
143 
car o crescimento atraves da reestruturacao do conjunto. Corn 
isso podemos perceber efeitos tais como a modificacao no nivel 
dos sintomas, as variacOes no emprego de repertorio defensivo, a 
maior gratificagao nas relagOes interpessoais, a aquisigao da auto-
estima mais realista e a ampliacao da consciencia. 
Tudo isso nao e especifico para a psicoterapia de psicoticos. 
Ao apontar para alguns aspectos do ego e de suas fungOes, 
nao estava preocupado apenas em ser didatico. Mais do que isso, 
preocupava-me corn certas conceituagoes das fungOes do ego na 
exata medida em que podem auxiliar-me eficazmente na busca 
de certas posturas. 
3.3.3.2. ALGUMAS PROPOSTAS PARA ESSA FASE 
1) Discriminageio 
A discriminagao pode ocorrer no piano verbal ou como re-
sultante de pequenos jogos. A principal discriminagao incide 
sobre o eu e o tu, ou seja, entre o paciente e as outras pessoas. 
Podemos, por exemplo, tomar duas almofadas, uma como sendo 
paciente e outra como se fosse urn familiar, e pedir ao paciente 
que aponte diferengas entre ambos. 
Quando o paciente estiver no grupo, perguntas breves pode-
rao ser beneficas na discriminagao. Por exemplo: 0 Joao acha 
isso e voce o que acha? 0 Pedro 6 palmeirense, e voce para que 
time torce? 
Outra discriminacao que julgo importante sao os aspectos 
emocionais do mundo interno, podendo tal discriminacao rea-
lizar-se a partir de apontamentos do terapeuta. 
0 psic6tico encontra-se mais preparado para perceber gran-
des transformagoes. Corn isso, reconhece pouco as proprias 
transformagoes na psicoterapia. 0 terapeuta pode auxilia-lo le-
vando-o a diminuir a ansiedade e adquirir confianca. A discrimi-
nacao entre os fenomenos do mundo interno e fenomenos do 
mundo extern() e tambem fundamental, embora nem sempre facil 
de ser feita. 
2) Neio repressao. 
Esta e uma questao dificil. Por ser o surtc urn material que 
teria escapado a repressao, autores existem (37) cpe propoem que 
144 
terapeuta realize uma verdadeira repressao de tal material, 
obrigando-o a tornar-se novamente inconsciente. A repressao 
pode ser vista como a atividade do ego qua barra da consciencia 
impulsos indesejaveis oriundos do id quo aparecem nas emo-
coos, nos desejos ou nas fantasias.. 
0 psicotico apresenta repressao reduzida e falha. 
Movido por .tais impulsos pode buscar ser amado e admiraclo 
de maneira irreal, fruto de tensoes narcisicas mal elaboradas. 
Polo que tenho vista na cilnica, parece que a repressao forcada 
nao so nao diminui a angiistia do paciente, como criminal a forp 
do seu precario ego. 0 profissional tern de compreender que a 
atual posicao do psicotico é regredida e quo die nao tear c:ondi-
goes de funcionar segundo tais expectativas. Acredito quo a re-
pressao forgada tenderia a regredir ainda mais a paciente, fazen-
clo-o funcionar nurn nivel ainda mais prematuro. Isto poderia par 
a perder uma parte do trabalho realizado. 
Poder-se-ia objetar quo o psicotico necessita de modelos de 
autoridade, corn o que concordarnos, mas tal modelo pode ser 
estabelecido num outro nivel. Podemos buscar outros canalspara 
as fortes exigencias instintivas. No caso de as colocagOes cis limi-
ts se fazerem necessarias, o terapeuta podera faze-lo, o quo 
diferente duma repressao forgada. 
Eloborageio. 
A elaboracao nessa Ease ainda é urn pouco prematura, mas 
podera ser estimulada em situagOes que facilitem a integragao do 
ego. A elaboragao do material simbolico muito dificilmente seria 
acompanhada pelo psicotico nessa face. 
Apontarnentos e clareamentos sobre possiveis causal de cer-
tas emogoes podem auxiliar inclusive a diminuir a ansiedade, 
ajudando-o a aliviar-se. 
Desempenho de papeis. 
Se o desempenho psicodramatico é quase impossivol, nesse 
momenta, o qua se pode fazer e facilitar atitudes cotidianas, 
como it buscar café para o grupo, transportar objetos, telefonar 
para colegas do grupo que nao vierarn naquele dia, passar reca-
dos e outras tantas fungoes simples que irao dando ao paciente 
uma "funcao". 
Isto :pods aumentar-lhe as opcoes de agao born come favore-
cer-lhe as conquistas de novas relagoes. 
145 
Estimulo de fungoes egoicas. 
Acredito que o simples estImulo das fungoes basicas, desde 
que realizado naturalmente, possa facilitar o desenvolvimento 
egoico. A percepgao, por exempla, pode ser estimulada em vd-
rios niveis: a percepgao de si mesmo, dos colegas do grupo, do 
terapeuta, do ambiente, dos acontecimentos, das vivencias, das 
emogees, das necessidades e, muito importante, do proprio cor-
po. 
As fungoes de sintese tambem merecem atengao especial. 
Nesse sentido pode-se auxiliar o paciente a objetivar metas, arti- 
cular desejos e organizar-se. Em grupo, isso pode ser facilmente 
realizado atraves de jogos. 
Valorizando a fala enquanto integradora do ego, podemos 
auxiliar a paciente a aprender a resumir suas ideias, reconhecer 
quando este sendo entendido, selecionar e desenvolver aspectos 
mais importantes da fala etc. Ouvir falar determine uma relagao 
dialetica consigo mesmo. Ao sentir-se entendido, o paciente 
podera perceber-se como urn ser mais completo. 
0 terapeuta como um ego-auxiliar do paciente. 
Ao utilizer as proprias fungoes egoicas, ensinando, resumin-
do, clarificando, apontando etc., estard nao so desembaragando o 
paciente do emaranhado no qual se encontra, mas prestando 
excelente auxilio para que ele inicie por si mesmo tais fungoes. 
No momento certo e de acordo corn sua sensibilidade, devera ir 
"passando" tais fungoes pare o paciente, 
0 auxflio em momentos de possfveis frustragees é tambem 
muito importante. Ensina-lo a agtientar suas intolerancias, exi- 
gencias e recordagoes dolorosas é tentar fazer corn que evite re-
gresseies indesejaveis. 
Claro que isso nem sempre é facil, mas e impressionante 
como certos pacientes desenvolvem muito depressa tal capacida-
de quando auxiliados tanto pelo terapeuta quan:o polo grupo. 
7) A busca duma identidade. 
Todas as propostas anteriores, no fundo, apareciam em fun-
cao dessa busca. 
0 psicotico tern dentro de si muitas indiferenciagoes que 
tendem a ir diminuindo corn os processos discriminatorios. A 
diferenciagao podera ir ocorrenclo atraves de urna maior auto-
percepgao e do autoconhecimento das escolhas. 
146 
 
Isso pode ser estimulado a partir duma constante e natural 
atitude de levy-lo a optar ou perceber as (Wes je existentes, 
Perguntas coma: o que voce acha disso? Voce gostou do jogo? 
Voce je fez isso alguma vez? 
A postura de considers-lo urn ser optante tende a facilitar a 
formagdo de um vincula saudavel. A busca duma linha biografi-
ca, de uma historicidade tem papel fundamental. Saber que foi 
ele e nao outro que quebrou a perna quando crianga, que foi ele 
e nao outro que comeu urn pudim inteiro ou que ganhou um 
brinquedo pode dar a ele a nogao de singularidade. 
3.3.4. RASE DE ENTRADA NA REALIDADE 
Eu creio que no verdade ando to 
perseguindo por voce ter me livrado da 
internaccio e tudo a mais. 
(CEJ. 7/83) 
3.3.4.1. SEU MOMENTO DE VIDA E A 
RELACAO COM 0 TERAPEUTA 
 
 
 
 
Essa fase é mais marcante nos processos individuais, sabre-
tudo naqueles em que a fase de autoquestionamento for mais 
contundente a naqueles em que a onipotencia psicotica for 
major. Em psicoterapia grupal 'ela tende a ocorrer mais difusa-
mente. 
uma fase que tende a ser mais curta e, as vezes, de inIcio 
abrupto. Por isso mesmo é menos controlayel. Decorrente disso, 
envolve mais riscos. 
Na fase de autoquestionamento provocou-se uma contradigao 
interna no paciente. Doravante ser-lhe-d mais dificil utilizer o 
referencial particular. 
Teri tres opcoes: regredir, permanecer onde este ou avangar, 
.Todas as .opcees the serao penosas. Ele oscilara entre elas. 
Avenger implica grande esforgo. Regredir nao the sere mais 
tao facil. 
Agora ele conhece melhor a sua doenga. Da-se conta da se-
veridade da situagao. Trabalha melhor com a fungao de onipo-
tencia e ye-se frente a frente corn suas incapacidades. 
 
147 	• 
Passa a ter momentos agudos e seguiclos de depressao. Sur-
gem medos, perplexidades, confusbes e, principalmente, angus-
tias. Pode tambem sentir culpas e remorsos e fazer uso de acon-
tecimentos externos que os justifiquem. Tudo isso se reflete em 
seu colicliano, embora possa tentar esconcle-lo. 
Podera ter dificuldades para dormir, alimentar-se e conviver 
corn os outros. 
Comecara a ter introspeccoes mais claras de seu estado, per-
cebendo melhor sua soliddo e sofrimentos. 
Podera fazer uso de defesas neurOticas, buscando manipular 
seas relacoes e aliviar as angtistias. Poderao surgir pequenos ri-
tuals, queixas hipocondrfacas, negacoes e dissociagoes histericas. 
Urn cliente, ha dois Bias sem sair do quarto, havia escrito frases 
agressivas na parade, cortado totalmente o cabelo e se pintado, 
coma num dia de preparo para a guerra. A familia ficou assustada. 
0 paciente aceitou facilmente falar comigo e referiu logo que seu 
intuito era mesmo assustar a familia, principalmente a mae. Se a 
familia nib compreender o que esta acontecendo, ficara realmente 
assustada e achara que o paciente este. regredindo. 
Sua relacao coin o terapeuta mudou. 
Disto resultam dois movimentos. Ha uma busca/recusa. 
Sente-se preso a psicoterapia e ao terapeuta. Pode ataca-lo 
hostilidade e raiva. Pode projetar sails impulsos destrutivos 
no terapeuta a tome-lo. 0 profissional podera sentir-se culpado 
o opressor, numa contra-transferencia exitosa. 
Poderd defender-se corn atrasos a faltas, mas raramente desis-
Lira nesse momento, pois uma separagdo agora poderia ser-lhe 
muito dolorosa. 
Ele necessita do terapeuta. Tendera a testa-lo para garantir a 
continencia. Sentindo-se seguro, buscard uma aproximagdo. 
0 terapeuta representa aquele que "venceu". Talvez the 
mostre a "caminho". Comegara a interessar-se par esse "mo-
dela". 
Fara perguntas sinceras, buscara dados objetivos e tendera a 
propor uma relagao que o proteja. 
3,3.4.2. SIGNIFICACAO PSICODINAMICA DA FASE 
'Lima tentativa profunda de entendimento psicodinamico se-
ria, nesse momenta, pouco pragmatica. Mas buscar urn entendi- 
mento basal do que poderia estar acontecendo no psiquismo do 
paciente poderia auxiliar a descoberta de solucbes mais concre-
tas. 
A identificagdo projetiva 6 uma defesa contra a ansiedade 
persecut6ria atraves da qual o ego alivia as partes mas. Mas ale 
podera tambem projetar as partes boas para livra-las do mau 
interno. Isto gera mais ansiedade e inveja. Os objetos reais a as 
figuras imaginarias ficam interligadas e o objeto amado se apro-
xima do odiado. Sente qua destruiu o objeto born. Em funcan 
desses sofrimentos podera partir para uma fuga para o objeto 
born internalizado, negando a realidade psiquica e se aproximan-
do da psicose. 
Ao entrar na realidade, entretanto, flan podera mais usar tais 
defesas, ou pelo menos tera dificuldades em usa-las. 0 born 
comegaraa integrar-se fora. Para nen ficar dependente do objeto 
born exte,rno, ele o introjetard a passard a ter medo de perde-lo. 
Passa a .integrar os objetos bons internos. A tentativa de resolu- 
cao 	fase depressiva vem acompanhada de muito sofrimento. 
Sao mornentos de integracao do ego e de formacao de objetos a 
sser internalizados. 
Para poder entrar em cantata corn a realidade telt que perder 
a onipotencia psicotica. Mas, abandonar essa superestrutura irra-
tional, implica aceitar o sentimento cle inferioridade. 
Decorre disso o sofrimento de conhecer-se. 
Decorre disso a raiva ao terapeuta, objeto mau, que the ofer-
tou esse conhecimento. 
Decorre disso a necessidade do terapeuta, objeto born, que 
podera ajuda-lo. 
3.3.4.3. .ATITUDES DO TERAPEUTA 
As atitudes do terapeuta deverao ocorrer em dois nfveis: ati-
tudes de continencia e atitudes de contensao, 
0 vincula deve ser mantido. Devemos absorver a hostilidade 
e ficar ao lado do instinto de vida, procurando ajudar o paciente 
a superar os instintos destrutivos. Para isso rid.° adiantam as 
grandes interpretacoes. 0 psicotico devera aprender a tolerar seu 
momento e perceber que o que esta acontecendo the é algo singu-
lar em sua vida e, ate certo panto, previsfvel no processo. 
148 149 
3.3.5. FA.SE DE ANCORAGEM 
0 que sofri! A mica soluccio mais vicivel 
foi esquecer a Justica dos homens! E 
esperar o momenta de minha vinganga, 
na Justica de Nosso Senhor Jesus Cristo! 
(CEJ. Carta de 2/85) 
Imaginemos que uma pessoa tenha um pesadelo muito inten-
so que a faga despertar corn muita ansiedade. Imaginemos ainda 
que essa vivencia tenha sido tao rnarcante que a pessoa passe o 
dia corn muita ansiedade, impressionada pelo conteUdo que the 
desconhecido. Naquele dia, talvez, aja muito pouco e se sinta 
estranha na relagao corn os outros e corn o cotidiano. 
Imaginemos, finalmente, que na psicoterapia veja seu pesa-
delo interpretado pelo terapeuta que o correlacionard corn o. 
material inconsciente e corn fatos de sua vida passada ou presen-
te. E provdvel que sua ansiedade diminua e que seu contato corn 
o cotidiano e corn as pessoas se tome mais facil. 0 conteudo do 
pesadelo estard, agora, inserido no todo de sua vida deixando de 
ser uma vivencia paralela e, por isso mesmo, sem sentido. 
Terapeutas diferentes talvez deem diferentes interpretagees. 
Ainda assim, a pessoa sairia do consultOrio corn menos ansieda-
de. Parece-me que a ligagdo do contelldo corn fatos da realidade 
que confere a integragao. 
0 surto psicatico esta longe de se constituir num simples 
pesadelo. Mas as vivencias dum quadro esquizofrenico poderao 
permanecer desintegradas da vida cotidiana da pessoa. 
Sigmas Mayer-Gross: Existe urn certo grau de dissociagdo 
que tomb possivel mantel' as idelas parandides como que num 
compartimento isolado do qualpodem libertar-se novamente sob 
tensdo de uma emogdo muito forte. * 
Graficamente terfamos: 
nao-psicotico: 
psicatico: 
 
 
	 nao surto 	 
 
 
surto 
* Mayer-Gross, W; Slater, E.; Roth, M. - Psiquiatria Clfnica. Sao Paulo, Mestre Jou, 
1972, v.l. p. 306. 
0 terapeuta deverd aceitar as manipulagoes, quando possi-
vel, sabendo que sao inerentes ao momento como formas de 
diminuir a angdstia.. 
Se o paciente voltar temporariamente a utilizar, agora artifi-
cialmente, o referential particular, é melhor nao forgar o auto-
questionamento. 
Devemos destacar os aspectos positivos do paciente, desde 
que reais, aumentando-lhe a autovaloragao e auxiliando a com-
pensar os sentimentos internos de inferioridade. 
A relagdo corn a familia poderd ocorrer mais amitide, por 
parte do terapeuta. Isso visa avaliar mais precisamente o risco de 
suicfdio. Se esse for alto poderemos optar pela medicagao contra 
a angustia e pela internagao. Algumas vezes o proprio paciente 
pede a internagao. Se essa for a opga."o, o ideal seria a manuten-
gao do contato, fato que nem sempre sera possfvel. Nesse caso, 
deve-se buscar o contato por telefone ou cartas. 
A decisao sobre a internagdo deverd caber a familia, embora 
orientada pelo terapeuta. Claro que, se o paciente nao estivesse 
em acompanhamento profissional direto, a internagao ja poderia 
ter ocorrido. 
A fase de entrada na realidade, felizmente, costuma ser rapi-
da. Dura, em geral, alguns dias. 
3.3.4.4. OS RESULTADOS QUE PODEMOS ESPERAR 
DESSA FASE 
Esperamos urn ego mais integro, corn objetos menos ideali-
zados, anglistia diminuida, bem como percepgao e adaptagao 
mais faceis a realidade. 
Temos urn paciente corn desenvolvimento mais pleno 
da linguagem verbal e da simbolizagao, corn maior "controle" 
das projegoes e que poderd assumir mais compromissos coti-
dianos. 
Esperamos urn sono mais regularizado, bem como a volta do 
apetite. Esperamos defesas neur6ticas mais adequadas, corn pe-
quenos rituais obsessivos ou histeriformes. 
Algum tempo depois eles poderao estar narrando sonhos. 
Esperamos que estejam preparados tambern para uma nova 
fase do processo psicoterdpico. 
150 
151 
Urn paciente esquizofrenico coin varias internagoes, apps 
oito meses de tratamento, escreveu-me uma carta da qual destaco 
um trecho: 0 doutor nao sabe, mas eu tenho duos vidas. Uma 
que eu vivo corn todo mundo, e uma outra, silenciosa, que me 
acompanha sempre no pensamento. Muitas vezes quando con-
verso corn o Doutor, estou dizendo coisas de uma vida, mas 
fazendo coisas de outra. 
Esse paciente, por razoes financeiras, nunca terminou o pri-
mad° nem nunca leu Laing ou qualquer autor do genero. 
Se de alguma forma conseguissemos ancorar as vivencias 
paralelas ao cotidiano, talvez elas nao permanecessem tao isola-
das. Se o projeto psicotico tiver alguma ligacao corn os fatos 
reais, talvez possa originar algum nfvel de integragao. Estaremos, 
assim, ancorando o surto a realidade. 
Em termos coinunicacionais seria adequar RP a RU. 
Em termos existenciais, seria interiorizar, visualisando, o 
mundo interno exteriorizado e coisificado. 
Em termos psicodramaticos seria separar o tu real do tu deli-
rante, possibilitando contato corn o tu real. Seria a busca das 
figuras internas concretizadas no mundo exterior. 
Essa necessidade da busca da integragao foi apontada, de 
maneiras diversas, por muitos autores. 
Racamier proptie buscar as correlagOes entre as frustragoes 
precoces e o quadro psicotico. 
Fromm Reichmann aponta para a necessidade de levar o 
esquizofrenico a compreender os vazios oriundos dos danos 
ocorridos no infcio da vida. 
Klein propde interpretagoes demonstrativas dos motivos qua 
originaram as cisties do self. 
Bion aponta para as necessidades de reconhecimento da 
parte psicotica da personalidade em contraste corn a parte nao 
psicotica. 
Arieti defende a necessidade de interpretagOes do proprio 
paciente aos eventos psicoticos, na tentativa de organiza-los na 
seqiiencia da vida. 
Posigbes semelhantes sao apontadas por psicanalistas diver-
sos como Bleger, Kohut e Laing. 
E essa a posigao de Binswanger, apoiado na analitica existen-
cial. 
Moreno, ancorado no psicodrama, proptie o choque psicodra- 
mo.tico como o modo de canalisar o delfrio. Para isso proptie 
estabelecimento de certos pontos de coordenacao do material 
delirante corn a realidade correspondente, tentanclo alcancar 
uma objetivagdo da experiencia psicatica. 
Finalizemos corn Hanna Segal: E de extrema irnportdncia 
especialmente ao se lidar coin esquizofrenico, vincular as fan-
tasias corn acontecimentos reais passados e presentes.* 
Amparado por tanto.s e tao bons autores, posso realgar a 
importancia que tenho clado em meu trabalho para tentar esta-
belecer as ligagbes entre o material do quadro psicotico e os fatos 
passados ou presentes do cotidiano, na esperanga de chegar a 
uma relativa integragao dos projetos, objetivanclo uma possiveldiminuigao das vivencias paralelas. 
E claro que existe uma distancia. consideravel entre as inten-
goes e os fatos, mas alguns resultados podem ser buscados nesse 
intuito. 
No final da fase de entrada na realidade o paciente costuma 
estar ansioso, tenso e sem caminhos. A ancoragem 6 proposta para 
dar a ele uma saida, a qual costuma agarrar-se corn tenacidade. 
Tenho evitado a palavra surto quo me parece muito compro-
metida para o dialog° corn o paciente. Utilizo o termo crise, mais 
ameno, procurando sempre objetiva-la em termos temporais. 
Algumas vezes o paciente propiie, a sua maneira, o entendi-
mento da crise, situagdo que facilita :muito o dialogo. 
Outros pacientes, entretanto, recusarn-se a comenta-la, pro-
curando afastar de si a lernbranga da loucura. 0 terapeuta teen de 
ter sensibilidade para saber quando deve e quando nao dove 
forgar os comentarios sobre a crise. 
Nexos, mesmo os quo nao esteja:m assegurados, comegam a 
ser langados pelo terapeuta ou pelo paciente. As interpretagees 
poderao ganhar aprofundamento, desde que feitas atraves de 
colocagoes claras e didaticas. 
Algumas vezes vamos para urn quadro negro e fazemos liga-
goes te6ricas corn os materiais descritos polo paciente. 
A matriz de identidade, resumida capitulos eras, 6 uma das 
teorizagoes que mais tenho utilizado. E interessante como muitos 
pacientes pedem para reve-la de quando em quando. Parecem 
tornar-se menos ansiosos. Podemos tsar outras teorizacoes. 
(*) Segal, H. - A Obra de Hanna Segal. Rio de Janeiro, Imago, 1902, p. 143. 
4) 
152 	 153 
0 paciente CEJ, em processo psicoterapico ha muitos anos, 
costuma chamar de "sonho" a fase de surto. As vezes apresenta 
surtos psicoticos de 2 a 3 semanas, facilmente debelados corn 
medicagao. Quando sai do surto, tenta prontamente entende-lo 
de acordo corn os parametros de sua vida. 
Alguns pacientes propoem entender suas crises atraves de 
urn seriado de televisao; outros atraves da leitura da Biblia ou de 
algum filme em cartaz. Durante a discussao do conteUdo you 
buscando as correlagOes pretendidas. 
0 paciente Josias aceitou a busca de correlagoes atraves de 
imagens. Com o material do consultorio, como almofadas, cons-
truiu tres imagens: uma que representava a fase de pre-crise, 
outra a fase da crise e uma terceira que representava a p6s-crise. 
Cada imagem era como se fosse uma estatua que representasse o 
melhor possfvel os sentimentos e as situagOes The havia tido. 
Durante sete sessoes discutimos longamente tais imagens, repeti-
das sempre que necessario. Percebemos facilmente que a imagem 
mais carregada de conflitos e angUstia era justamente a primeira. 
Utilizo, portanto, quaisquer recursos que tiver a mao a fim de 
buscar tais correlagoes. 
As fases de vinculagao, autoquestionamento e entrada na 
realidade sao mais delimitadas, nao so didaticamente, mas na 
continuidade do processo. 
A fase de diferenciagao do ego e de organizacao do psi-
quismo e do cotidiano e mais difusa e muitas das colocagoes 
feitas quando de sua discussao permanecem validas por todo a 
processo. As condutas dessa fase nao variam tanto de paciente 
para paciente. 
A fase de ancoragem, alem de nao ser tao delimitada, varia 
bastante nos diferentes pacientes. 
0 que se espera a que os surtos psicoticos fiquem cada vez 
mais superficiais e mais distantes. 
Num grafico poderiamos representar nossas expectativas do 
seguinte modo. 
nao-crise 
crise 
Polo grafico, que 6 apenas de tuna expectativa, podemos • 
notar que a cada ancoragem mais nos aproxirnamos dum proces-
so comum de psicoterapia. 
Como cada profissional, segundo a formacao teorica qua es-
colheu, tern seu tipo de propostas para os pacientes nao psicoti-
cos; e a medida que, ap6s a ancoragem, a psicoterapia tende a 
aproximar-se disso, nossa proposta de metodo para por aqui. 
Por mais que nos afastemos do ultimo surto, entretanto, 
sempre sera UHL de quandb em quando, voltar a ancoragem. 
Temos de ter em conta que uma crise psicotica 6 alga tao mar-
cante na vida duma pessoa, seja ou nao esquizofrenica, que pro-
curar ancord-la no real podera sempre significar uma instrumen-
talizacao mais adequada a vida. 
3.4. ASPECTOS TECNICOS 
0 Sr. fica nos fazendo exigencias; pensa 
que a genie agiienta viver eternomente 
dessa maneira e pede pain a genie voltar a 
semana que vein! 
(CEJ. carta de 10/84) 
Diferentes posturas psicoterkipicas supoem a existancia de 
tecnicas especificas. Como a proposta apresentada inclui diferen-
tes posturas correriamos o risco de acenar coin urn emaranhado 
de tecnicas capaz de tornar a situagao psicoterapica confusa e 
ineficiente. 
Entretanto, se se considerar as fases como parametros nortea-
dores, podemos aplicar as tecnicas mais coerentes corn a for-
magao teorica de cada profissional. Alain disso, se o terapeuta 
souber abandonar o sectarismo e incorporar tecnicas de forma-
goes diversas oriundas de outras posturas psicoterapicas, prova-
velmente estara enriquecendo seu proprio arsenal. 
Como minha formagao profissional e decalcada na psicotera-
pia psicodramatica, a maioria das tecnicas a ser descritas esta 
vinculada ao psicoclrama. Por isso, procurarei deter-me mais 
nesse nivel, tecendo algumas consideragoes que julgo necessarias 
para que a postura psicodramatica nao fique vinculada apenas a 
urn conjunto de tecnicas. 
154 155 
24 Do sintoma a sindrome 
TRANSFUNDO DAS VIVENCIAS 
PSICOPATOLOGICAS E SINTOMAS 
EMERGENTES 
Desenvolvendo-se o modelo sugerido por 
autores como Jaspers, Schneider e Weitbrecht, 
propoe-se aqui situar as vivencias psicopatolo-
gicas em duas perspectivas fundamentais: te-
mos, de urn lado, os transfirndos das vivencias 
psicopatologicas, especie de palco, de contex-
to mais geral, nos guars emergem os sintomas. 
Por outro lado, reconhecemos os sintomas es-
pecfficos vivenciados, denominados entao sin-
tomas emergentes. Eles sao, portanto, vivencias 
pontuais, que ocorrem sempre sobre um deter-
minado transfundo. Esse transfundo, por sua 
vez, influencia basicamente o sentido, a dire-
cao, a qualidade especifica do sintoma emer-
gente. Ha aqui uma relacao dialetica entre o sin-
toma emergente e o transfundo, entre figura e 
fundo, parte e todo, pontual e contextual. 
Nesse modelo, discriminamos dois tipos bd-
sicos de tranfundos: os estaveis e duradouros e 
os mutaveis e momentaneos: 
1. Os tranfundos estdveis, pouco mutaveis, 
sao a personalidade e a inteligencia. Qualquer 
vivencia ganha uma conotacao diferente a par-
tir dapersonalidadeespecifica do individuo. Pa-
cientes passivos, dependences, astenicos, "lar-
gados" tendem a vivenciar os sintomas de modo 
tambem passivo; por outro lado, pacientes ex-
plosivos, hipersensiveis, muito reativos a dife-
rentes estfmulos, tendem a responder aos sinto-
mas de forma mais viva e ampla, e assim por 
diante. A inteligencia determina essencialmen- 
te os contornos, a diferenciacao, a profundida-
de e riqueza de todos os sintomas. Pacientes 
muito inteligentes produzem, por exemplo, de-
lfrios ricos e complexos, interpretam constan-
temente as suas vivencias e desenvolvem as di-
mensoes conceituais das vivencias de forma 
mais acabada. Pacientes corn inteligencia redu-
zida produzem quadros psicopatoldgicos indis-
criminados, sem detalhes, superficiais e pueris. 
2. Os transfirndos muniveis e momentarreos 
tambem atuam decisivamente na determinacao 
da qualidade e sentido do conjunto das viven-
cias psicopatologicas. 0 nivel de consciencia 
determina a clareza e a precisao dos sintomas. 
Sob o estado de turvagao uma alucinacao audi-
tiva ou visual, uma recordacao, urn sentimento 
especifico, sao experimentados ern uma atmos-
fera mais bem onfrica e confusa. 0 humor e es-
tado afetivo-volitivo momentaneo influem de-
cisivamente nao apenas no desencadeamento de 
sintomas (os chamadossintomas catatimicos), 
mas tambem no colorido especifico de sintomas 
nao diretamente derivaveis do estado afetivo. Uma 
ideia prevalente em urn contexto ansioso intenso 
pode ganhar dimensties muito proprias. Em urn 
estado depressivo qualquer dificuldade cognitiva 
ganha uma importancia enorme para o paciente. 
Sintomas emergentes seriam codas aquelas 
vivencias psicopatologicas mais destacadas, in-
dividualizaveis, que o paciente experimenta. In-
cluem as esferas que nao fazem parte dos trans-
fundos, como uma alucinacao (sensopercepao), 
um sentimento (afetividade), um delfrio (julzo), 
uma paramnesia (memoria), uma alteracao do 
pensamento ou da linguagem, etc. 
PSICOPATOLOGIA E SEMIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS 183 182 PAULO DALGALARRONDO 
COMPONENTES NA CONSTITUICAO 
E MANIFESTACAO DOS SINTOMAS 
PATOGENIA, PATOPLASTIA 
E PSICOPLASTIA 
Desde o seculo passado os clinicos tern per-
cebido que nem todos os aspectos da manifes- 
tagao de uma doenga derivam diretamente do 
processo patolOgico de base. Nesta linha, o psi-
copatologo alemao Karl Birnbaum (1878-1950) 
propos que se discriminem tres fatores envolvi-
dos na manifestacclo das doengas mentais: 
0 fator patogenetico propriamente dito, 
diz respeito a manifestagao dos sintomas dire-
tamente relacionada ao transtorno mental de 
base; assim temos o humor triste, o desanimo, a 
inapetencia relacionados a depressao, ou as alu-
cinacoes auditivas, a percepcao delirante rela-
cionados a esquizofrenia. 
0 fator patoplastico, que inclui as mani-
festacoes relacionadas a personalidade pre-m6r-
bida do doente e aos padroes de comportamen-
to relacionados a cultura de origem do pacien-
te, que ]he eram particulares desde antes de 
adoecer. Sao fatores externos e previos 
doenca de base, mas que intervem de forma 
marcante na constituigao dos sintomas e na 
exteriorizacao do quadro clinic°. 
0 fator psicoplastico relaciona-se aos 
eventos e reagOes do individuo e do meio psi-
cossocial decorrentes do adoecer, modos de rea-
cOes aos conflitos familiares, as perdas sociais 
e ocupacionais associadas aos epis6dios da 
doenca. Tais reacoes do meio, o padrao de inte-
ragao do individuo adoentado e seu meio soci-
ofamiliar contribuem para determinar o quadro 
clinic() resultante. 
Pode-se, assim, exemplificar estes tres fato-
res: urn homem de 50 anos é acometido de urn 
episodio depressivo grave (fator patogenetico), 
de sempre teve uma personalidade histrianica 
e e filho de italianos napolitanos (fatores pato-
plasticos). Apos alguns meses, estando muito 
descuidado corn suas tarefas profissionais, aca-
ba por perder o emprego (fator psicoplastico). 
A manifestacao dramatica e demonstrativa dos 
sintomas depressivos flea por conta dos fatores 
patoplasticos; o humor triste, a perda do apetite 
e a anedonia podem ser atribuidos aos fatores 
patogeneticos; e, finalmente, a sensacao de fra-
casso, de inutilidade perante a vida sao devidas 
aos fatores psicoplasticos. 
A EVOLKAO TEMPORAL DOS 
TRANSTORNOS MENTAIS 
CONCEITO DE PROCESSO, 
DESENVOLVIMENTO, SURTO, 
FASE, REAcAO, CRISE E EPISODIO 
Segundo a concepcao psicopatoleigica, basea-
da na patologia geral e na escola jasperiana, os 
cursos cronicos dos transtornos mentais podem 
ser de dois tipos: processo e desenvolvimento. 
0 processo refere-se a uma transformacao 
lenta e insidiosa da personalidade, decorrente de 
alteragoes psicologicamente incompreensiveis, 
de natureza endogena. 0 processo irreversivel, 
supostamente de natureza corporal (neurobiold-
gica), rompe a continuidade do sentido normal 
do desenvolvimento biografico de uma pessoa. 
Utiliza-se o termo processo, por exemplo, para 
caracterizar a natureza de uma esquizofrenia de 
evolugao insidiosa, que lenta e radicalmente trans-
forma a personalidade do sujeito acometido. 
0 desenvolvinzento refere-se a evolugao psi-
cologicamente compreensivel de uma personali-
dade. Tal evolugao pode ser normal, configuran-
do os distintos tracos de miter do individuo, ou 
anormal, determinando os transtornos de perso-
nalidade e as neuroses. Nesse caso, ha uma co-
nexao de sentido, lima trajetoria compreensivel 
ao longo da vida do sujeito. Fala-se, entao, em "de-
senvolvimento paranoide", "desenvolvimento 
trionico", "desenvolvimento hipocondriaco", etc. 
Os fenomenos agudos ou subagudos classi-
ficam-se em crises ou ataques, episodios, rea-
goes vivenciais, fases e surtos. 
A crise on ataque caracteriza-se, geralmeri-
te, pelo surgimento e termino abruptos, duran-
do segundos ou minutos, raramente horas. Uti-
lizam-se os termos crise ou ataque para fenO-
menos como: crises epilepticas, crises ou ata-
ques de panico, crises histericas, crises de agi-
tacao psicomotora, etc. 
0 episodio tern geralmente a duragao de dias 
ate semanas. Tanto o termo crise quanto o ter-
mo episodio nada especificam sobre a natureza 
do fenomeno morbid°. 0 termo episOclio, assim 
como o termo crise, sao denominacoes referentes 
apenas ao aspecto temporal do fenomeno. Na pra-
tica, é comum utilizar-se o termo epis6dio de for-
ma inespecifica, quando nao se tern condicoes de 
precisar a natureza do fenOmeno morbid°. Assim 
pode-se falar ern "episodio maniatimorfo", "epi-
sodio paranoide", "episodio depressivo", etc. 
A reacao vivencial anormal caracteriza-se 
por ser urn fenomeno psicologicamente corn-
preensivel, desencadeado por eventos vitais sig-
nificativos para o individuo que os experimen-
ta. E designada reacao anormal pela intensida-
de muito marcante e por uma duragao prolon-
gada dos sintomas. Ocorre, geralmente, em per-
sonalidades vulneraveis, predispostas a reagir 
anormalmente a certas ocorrencias da vida. 
Ap6s a morte de uma pessoa prOxima, a perda 
do emprego, o divorcio, o individuo reage, por 
exemplo, apresentando urn conjunto de sinto-
mas depressivos ou ansiosos, sintomas f6bicos 
ou mesmo paranetides. A reacao vivencial pode 
durar semanas ou meses, eventualmente alguns 
anos. Passada a reacao vivencial, o individuo 
retorna ao que era antes, sua personalidade nao 
sofre uma ruptura; pode empobrecer-se ou en-
riquecer-se, mas nao se modifica radicalmente. 
Afase refere-se, particularmente, aos perio-
dos de depressao e de mania dos transtornos afe-
tivos. Passada a fase, o individuo retorna ao que 
era antes dela, sem que fiquem alteragoes dura-
douras na personalidade, nao ocorrendo seqiie-
las na mesma. A fase é, na sua genese, incom-
preensivel psicologicamente, tendo urn carater 
enddgeno. Uma fase pode durar semanas ou 
meses, menos freqtientemente, anos, havendo 
sempre (ou quase sempre) restitutio ad inte-
grunt. Fala-se, entao, em fase depressiva, fase 
maniaca e period° interfasico assintomatico. 
0 surto, segundo a nogao da patologia geral 
(mas assumida pela psicopatologia) a uma ocor- 
rencia aguda, que se instala de forma repentina, 
fazendo eclodir uma doenga de base end6gena, 
nao compreensivel psicologicamente. 0 carac-
teristico do surto é que ele produz seqtielas ir-
reversiveis, danos a personalidade e/ou a esfera 
cognitiva do individuo. Assim como apps um 
primeiro surto de esclerose mtiltipla, o paciente 
"sai" desse surto corn alguma sequela sensitiva 
ou motora, apos urn primeiro surto de esquizo-
frenia (corn alucinacoes, delirios, percepcao de-
lirante, etc.), que pode durar tits a quatro me-
ses, por exemplo, o individuo "sai" do surto "di-
ferente", seu contato corn os amigos torna-se 
mais distanciado, o afeto modula menos e ele 
tem dificuldades na vida social que nao conse-
gue explicar ou entender. E o "deficit p6s-es-
quizofrenico", devido ao que Bleuler afirmava: 
"A esquizofrenia, de modo geral, nao permite 
restitutio ad integrunz". Temos, portanto, como 
possibilidades, urn surto esquizofrenico agudo, 
urn surto hebefrenico, urn surto catatonic°, etc. 
Ap6s varios anos de doenga, nos quaisvd-
rios surtos foram se sucedendo (ou urn proces-
so insidioso lentamente foi se implantando), ge-
ralmente o paciente encontra-se no chamado es-
tado residual da doenga, apresentando apenas 
sinais e sintomas seqiielares dela, sintomas pre-
dominantemente negativos. 
Assim, pois, a incorreto, de modo geral, fa-
lar-se em "surto manfaco", "fase esquizofreni-
ca", "crise maniaca"; tal use revela o desconhe-
cimento da terminologia e de conceitos psico-
patologicos basicos. 
A personalidade pre-mdrbida e os sinais 
pre-m6rbidos sac) aqueles elementos identifica-
dos em periodos da vida do paciente claramen-
te anteriores ao surgimento da doenga propria-
mente dita, geralmente na infancia. Ja perten-
cendo ao inicio do transtorno, fala-se em sinais 
e sintontas prodrennicos, que representam de 
fato a fase precoce, inicial do adoecimento. 
Quadro 24.1 Tipos de evolucio dos quadros psiquiatricos, segundo a visao jasperiana 
Psicologicaniente compreensivel 	Mio-compreensivel psicologicainente 
("conexao de sentido") 	 ("ruptura na linha vital") 
CrOnico 	 Desenvolviniento 	 Processo 
Agudo 	 Reacao vivencial 
	
Fase (nao deixa "sequela") 
Surto (deixa "seqiiela") 
184 PAULO DALGALARRONDO PSICOPATOLOGIA E SEMIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS 185 
Quadro 24.2 A posicao do fenomeno psicopatologico em relacao a dimensao biologico-cerebral 
e a dimensao psicologico-subjetiva e cultural 
Plano sintomatico 
	
Area 	 Relacao de dependencia corn o 
(tipos, qualidade 	 envolvida 	 cerebral e o cultural 
especificas de sintomas) 
Primeiro nivel ("neurologico") 
Sintomas, sinais e sindromes 
sensitivo-motoras da 
neurologia classica 
Sinai de Babinsky ita sindrome 
piramidal, cegueira cortical par 
lesc7o da area visual prinuiria, etc. 
Segundo nivel 
("neuropsicologico") 
Sintomas, sinais e sindromes 
neuropsicologicas classicas 
Afasias, agnosias, apraxias, sintomas 
deficitdrios no cleliriumIdemencias 
(Alguns sintomas esquizofrenicos 
negativos?, estado alucinatorio?) 
Terceiro nivel 
(psicopatologico primario") 
Sintomas psicaticos primdrios 
Alguns sintomas negativos e parte 
dos sintomas positivos da 
esquizofrenia 
Alucinacoes audioverbais, 
"necessidade do delfrio" na 
esquizofrenia, Humor de base 
depressiva ou manfaca no transtorno 
afetivo bipolar (TAB) 
areas sensitivo- 
motoras primarias 
e secundarias 
Relacao muito intima corn 
o piano biologico 
Tende a ser universal. pouca 
plasticidade, independence da 
biografia e da cultura 
Rein-do intima corn o piano 
cerebral, entretanto ji recebe 
innuencia do piano cultural. 
0 sintoma é produzido pela "lesao 
orzanica", porem a influenciado pela 
biografia e pela cultura. 
Rein-do equidistante entre o 
biologi e o cultural 
Sintomas sao produzidos por uma 
interacao entre as alteragoes 
cerebrais patologicas e a biografia e 
a cultura, que participam na 
"construcao" do sintoma. 
areas secunddrias e 
tercidrias frontais, 
TPO e limbicas 
cerebro/mente 
+++/+ 
areas terciririas 
cerebro/mente 
++/++ 
Quarto nivel 
("psicopatologico secundario") 
Sintomas psicoticos secunddrios, 
sintomas neuroticos, personalidade. 
Sistema delirante na esquizofrenia, 
delfrios catatimicos do TAB. 
sintomas histericos. fobias, 
obsessoes, formas da ansiedade 
e da depressdo 
cerebro/mente 
+/+++ 
Relacao intima com o biografico 
e o cultural e relativamente 
distante do cerebral 
Sintomas sao "construidos", tendo 
por base a cultura e a biografia do 
sujeito. Muita plasticidade, 
Especificidade cultural do sintoma 
A literatura psiquiatrica, principalmente a de 
lingua inglesa, utiliza os seguintes termos em 
relagao ao curso dos episodios de transtornos 
mentais: 
Remisseio (remission): E o retorno ao es-
tado normal tao logo terminou o episodio agu-
do. Fala-se em remissao espontanea quando o 
paciente recupera-se sem o auxilio de interven-
e-do terapeutica. 
Recuperacao (recovery): E o retorno e a 
manutencao do estado normal, jd tendo passa-
do urn born periodo de tempo (geralmente con-
sidera-se urn ano) sem que o paciente apresente 
uma recaida do quadro. 
Recalda ou recidiva (relapse): E o retor-
no dos sintomas logo apes haver ocorrido uma 
meihora parcial do quadro clinico, ou quando o 
estado assintomatico 6 ainda recente (nao ten-
do passado urn ano do episodio agudo). 
Recorrencia (recurrence): E o surgimento 
de um novo episOclio, tendo o individuo estado 
assintomatico por urn born periodo (pelo menos 
por cerca de urn ano) de tempo. Pode-se dizer que 
a recorrencia é urn novo episodio da doenca. 
CONTEXTUALIZACAO DO SINTOMA 
EM RELAC AO A SUA ORIGEM 
"NEUROBIOLOGICA" 
OU "SOCIOCULTURAL" 
A seguir, é apresentado urn esquema que visa 
a oferecer uma melhor contextualizacao do sin-
toma psicopatologico em relacao a possiveis me-
canismos cerebrais, biologicos ou psicologicos 
e socioculturais. Assim, certos sintomas sao ti-
dos como intimamente "dependences" de alte-
racdes neuronais, como os sintomas neuroldgi-
cos primarios (paralisias, anestesias, perdas sen-
soriais, etc.), ou os sintomas neuropsicologicos 
(afasias, agnosias, apraxias, amnesias, etc.). Em 
urn outro extremo teriamos sintomas pratica-
mente "independentes" de determinacoes e 
fatores neurobiologicos e, pelo contrdrio, in-
timamente associados a processos e a meca-
nismos psicoldgicos, subjetivos e simbdlicos 
(mediados pela cultura). Tal esquema objeti-
va facilitar o estudante em relaelio a contex-
tual izacao e a origem dos variados fenome-
nos observados na psicopatologia. 
PSICOPATOLOGIA E SENIIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS 187 
25 As grandes sindromes psiquiatricas 
durante a vida-PV", que é a ocorrencia de sIndro-
mes psiquiatricas em qualquer memento da vida 
dos entrevistados, e "Necessidade Potencial de 
Tratamento-NPT", que é a deteccao de casos que 
ocorreram nos tiltimos 12 meses e que necessitam 
de assistancia profissional, pelo sofrimento ou li-
mitacao que o transtorno mental produziu. 
Cabe notar que, segundo esse levantamen-
to epidemiolOgico, em torno de 31 a 50% da 
populacao brasileira apresenta durante a vida 
pelo menos urn episoclio de algum transtorno 
mental, e cerca de 20 a 40% da populacao ne-
cessita, por conta desses transtornos, de al-
gum tipo de ajuda profissional. Sao dados 
realmente impressionantes, que indicam a 
grande importancia social dos transtornos 
mentais, a necessidade de reconhecimento e 
de assistencia adequada. 
No sentido de oferecer uma ideia da preva-lencia corn que os principals quadros psi-
quidtricos ocorrem na populacao brasileira, 
apresentamos a seguir uma tabela corn dados 
referentes a distribuicao epidemiologica de 
transtornos mentais (diagnosticados segundo o 
DSM-III) em tits capitais brasileiras, extraida (corn 
pequenas modificacOes) da pesquisa de Almeida 
Filho e colaboradores (1997). Nessa investigacao, 
foram utilizados os parametros de "Prevalencia 
Quadro 25.1 Transtornos psiquititricos em 3 capitais brasileiras (Almeida Filho e cols., 1997) 
Faixa de 
prevalencia 
durante 
a vida (%) 
Brasilia Sao Paulo Porto Alegre 
PV% NPT% PV% NPT% PV% NPT% 
Transt. de 
ansiedade 
9-18 17,6 12,1 10,6 6,9 9,6 5,4 
Fobias 7- 17 16,7 11,6 7,6 5,0 14,1 7,1 
Dependencia 
ou abuso 
de dlcool 
7 - 9 8,0 4,7 7,6 4,3 9,2 8,7 
Transt. 
depressivos 
2-10 2,8 1,5 1,9 1,3 10,2 6,7 
Transt. de 
soniatizacdo 
e dissociativos 
2 - 8 	. 8,1 5,8 2,8 1,9 4,8 2,8 
Transt. de 
aprendizado 
2 - 3 3,0 1.9 2,6 1,6 3,4 1,8 
Transt. 
psicoticos 
0 -2 0,3 0,2 0,9 0,6 2,4 2.0 
Transt. 
obsessivo-
contpulsivos 
0 -2 0,7 0,5 - 2,1 1,2 
Transt. de 
ajustainento 0 - 2 2.0 1,3 0,6 0,4 1,6 1,0 
Mania e 
ciclotimia 0 - 1 0,4 0,3 0,3 0,2 1,1 1,0 
Todos os casos 31 - 50 50,5 34.131,0 19.0 42,5 33,7

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