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PLANO DE ENSINO CURSO: Psicologia SERIE: 7°Semestre DISCIPLINA: Psicopatologia Geral CARGA HORARIA SEMANAL: 3 horas/aula CARGA HORARIA SEMESTRAL: 60 horas I - EMENTA ConcepcOes historicas e epistemologicas do adoecimento psiquico e das consequentes formas de tratamento. Conteudos basicos de Psicopatologia Descritiva. A Psicopatologia Psicanalitica como arcabouco teorico para o entendimento do funcionamento psiquico. Mudancas ocorridas no sistema de saUde nos Oltimos anos — o movimento pela Reforma Psiquiatrica no Brasil. 0 processo de insergao social dos portadores de sofrimento psiquico intenso. II - OBJETIVOS GERAIS Compreensao dos pressupostos epistemologicos relativos as diferentes perspectivas em relacao ao conceito de normal e de patologico na Psicologia e na Psiquiatria. Compreensao da 16gica do diagn6stico em Psiquiatria atraves do conhecimento da Psicopatologia Descritiva. Realizacao do exame psiquico. Conhecimento das possibilidades de tratamento na clinica da psicose. 0 tratamento psicologico, o tratamento psiquiatrico e os psicofarmacos. Compreensao dos modos de adoecimento psiquico, atraves da perspectiva psicanalitica, que os configura como formas singulares de subjetivacao, nos contextos politico, etico, social, econOmico e cultural. III - OBJETIVOS ESPECiFICOS Tal competencia sera desenvolvida a partir das seguintes habilidades: Demonstrar capacidade de observagao frente ao adoecimento psiquico. Localizar as dificuldades e/ou facilidades presentes no contato corn o individuo portador de sofrimento psiquico. Questionar as pre-concepceies sobre a loucura. Conhecer os fundamentos basicos da Psicopatologia Descritiva e da Psicopatologia Psicanalitica. 1 Analisar os diferentes equipamentos de atendimento aos usuarios dos servigos de saUde mental. Compreender o novo modelo de insergao do trabalho do psicologo nas instituigOes de atendimento aos usuarios dos servigos de sat:1de mental. IV - CONTEUDO PROGRAMATICO TEORICO ConsideragOes sobre o campo da doenga mental. 0 conceito de loucura: Origem, concepgao mitica, concepgao cientifica. Introdugao ao conceito de Psicopatologia. Compreensao dos pressupostos epistemologicos relativos as diferentes perspectivas em relagao ao conceito de normal e patologico, na Psicologia e na Psiquiatria. Psicopatologia Descritiva. 0 exame psiquico. Psicopatologia Psicanalitica. Psicopatologia Geral e Psicopatologia Psicanalitica. 0 diagnostic° estrutural: Neurose e Psicose. PRATICO Declaragao de Caracas, 1990. Presidencia da Republica. Casa Civil. Lei no. 10.216 de 06/04/2001 que dispoe sobre a protegao e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em sailde mental. 0 movimento pela reforma psiquiatrica no Brasil. Reabilitagao Psicossocial no Brasil. As oficinas terapeuticas. A clinica e o acompanhamento terapeutico. Tratamentos em Saude Mental. V - ESTRATEGIA DE TRABALHO Propiciar ao aluno o contato direto corn os usuarios dos equipamentos de Saude Mental que compaem a rede de atendimento no Brasil. 0 contato com os usuarios sera acompanhado por professores e monitores. Ate a 6a semana, o cronograma das aulas teoricas se articula corn o cronograma das aulas praticas em 4 horas. A partir da 7a semana as aulas teoricas sao de 2horas, realizadas no campus, e as aulas praticas (2 horas) realizam-se nos equipamentos de Saude Mental. Fornecer substrato teOrico atraves das aulas teoricas para reconhecimento das patologias. Utilizar recursos diversos — textos, filmes, contos, acontecimentos atuais para ampliar e integrar conceitos. Correlacionar teoria/pratica. Desenvolver projetos de oficina terapeutica junto aos usuarios. Funcoes psiquicas compostas e suas alteracoes: consciencia e valoracao do eu, esquema corporal e identidade 21 PSICOPATOLOGIA E SEMIOLOWA UUS l HANSTORNOS hl ENT.11N l J 1 It prio eu. corporal e psiquico, a carencia da cons- (Is tres capitulos seguintes dizem respeito as func5es psiquicas, que, mais do que as an- teriormente estudadas, resultam de um comple- xo, de urn somatorio de atividades e capacida- des mentais. 0 desenvolvimento estrutural de tais funeties compostas, ocorrendo de forma mais ou menos harmonica, resulta na conscien- cia e na valoragao do eu, no sentimento de iden- tidade, na inteligencia e na personalidade. Assim. por exemplo, a inteligencia nao pode ser compreendida como uma fungao psiquica ele- mentar, ja que ela inclui o conjunto de habilida- des, dotes e capacidades cognitivas de urn indivi- duo. Da mesma forma, a personalidade 6, por de- finigao, o somat6rio das caracteristicas psicologi- cas individuais. dos =cos de carater, relativamente estaveis no tempo e formados ao longo do desen- volvimento mental e fisico do individuo. CONSCIENCIA E VALORACAO DO EU E SUAS ALTERAOES DEFINIOES BASICAS Origem e desenvolvimento do eu (ontogenia do eu) A maior parte dos autores acredita que no inicio do desenvolvimento psiquico da crianca nao ha discriminagao e delimitacao claras; en- tre o eu e o mundo exterior; o eu do bebe esta- ria como que "fundido” corn o de sua mae. Os dois pianos da realidade, interno e extern°. con- fundem-se na mesma vivencia. Nao ha. portan- to. diferenciacao entre o eu e o nao-eu. Tal di- ferenciagao vai sendo construida ao longo do primeiro ano de vida. No final desse period°, a crianca torna-se apta a perceber e a representar objetos autOnomos e estaveis em sua mente. Do ponto de vista psicanalitico. o eu (ou ego) surge como uma diferenciacao adaptativa do aparelho psiquico, a partir do contato da crian- ca corn a realidade. A crianca formara gradati- vamente o seu eu por meio: Do contato CO111111110 can a realidade e consequence submissao as suas vicissitudes (principio de realidade). Para Jaspers, a reali- dade é aquilo que oferece resistencia ao indivi- duo, opondo-se aos seus desejos, possibilitan- do que urn mundo externo e objetivo seja reco- nhecido corn o tempo. Do investimetzto amoroso e narcisico dos pais sobre a crianca. Daprojectio dos desejos inconscientes dos pais sobre a crianca e conseqUente assimilacao desses desejos pela propria crianca. Das identifica0es da propria crianca, via mecanismos conscientes e inconscientes de in- trojecao, no relacionamento corn as figuras pa- rentais primarias. Dessa forma, os "pais psico- logicos" sao tornados como modelos de identi- ficacao e assim introjetados. assimilados a per- sonalidade da crianca. A crianca busca ser como o pai e a mae, copia-los, agir e sentir como eles. A nogdo de que algo existe "fora" (o exter- no a crianca) marcara o instante de singular sig- nificacao para a formacao do que se entende por "consciencia do eu". Surge o sentimento de oposicao entre o eu e o mundo, constituindo-se progressivamente as dimensoes subjetiva e ob- jetiva da experiencia humana. A consciencia do eu pressupOe a tomada de consciencia do proprio corpo, do "eu fisico". A esse eu corporal, psiquico e somatic° a urn so tempo, a psicologia moderna denominou esque- ma on imagem corporal (Schilder, Ajuriaguer- ra, Hecaen). Se a consciencia do eu abrange tambem o corpo, entao nela se entrelacam o psiquico e o somatic° (o ego para Freud e, antes de tudo, urn ego corporal). Portanto, por exemplo, na chamada despersonalizagao ocorrem alteragOes canto do eu psiquico quanto do corporal. CARACTERISTICAS DO EU SEGUNDO JASPERS Consciencia de atividade do eu. Consciencia de unidade do eu. Consciencia da identidade do eu no tempo. Consciencia de oposicao do eu em rela- cao ao mundo. ciencia do fazer proprio, o distanciamento Jo mundo perceptive, a perda da consciencia do sentimento do eu. Para Jaspers, o curioso deste fenomeno é a condicaona qual o homem exis- tindo ja niio poder sentir a sua existencia. Os doentes relatam que se sentem modifica- dos, estranhos a si mesmos. "Eu sou apenas t una maquina, um automato". "Ezt me sinto come urn nada, como um morto". CONSCIENCIA DE ATIVIDADE DO EU E a consciencia intima de que em todas as atividades psiquicas que ocorrem é o proprio eu que as realiza e presencia. No individuo nor- mal, tudo o que o eu faz a vivenciado como per- tencente a esse eu. 0 "en penso, sinto, desejo, etc." acompanha todas as percepgOes, represen- tacoes, pensamentos. Jaspers chama de perso- nalizaciio ao fenOmeno no qual em todas as ati- vidades psiquicas, sejam elas percepgaes, sen- sacoes corporaii,, lembrangas, representacoes, pensamentos, sentimentos, ha urn tom especial de "meu", de "pessoal", daquilo que é feito e vivenciado por mim mesmo. Jaspers subdivide as alteragOes da conscien- cia de atividade do eu em dois grupos; altera- goes da consciencia da existencia e alteracOes da consciencia de execuedo. ALTER/WAD DA CONSCIENCIA DA EXISTENCIA E a suspensao da sensacao normal do pro ALTERAcA0 DA CONSCIENCIA DE EXECUcA0 Na naturalidade da agao diaria nao se nota quao essential é a unidade da vivencia de exc- cued°. E, para cada sujeito, evidence que, quan- do se pensa, se sente e se deseja, é o eu prOprio que o faz. Na alteragao da consciencia de exc- elled°, o doente, ao pensar ou desejar alguma coisa, sente, porem, que de fato foi um outro que pensou ou desejou tais pensamentos ou de- sejos e lhos imp& de alguma maneira. Nao apenas deixa de sentir-se senhor de seus pensamentos, como passa a sentir-se possuido por urn poder estranho, externo e inapreensi- vel. Os pensamentos podem ser vivenciados como feitos e impostos por alguenz ou algo ex- terno ao paciente, ou como roubados, extrai- dos, arrancados do paciente. 0 doente nao R.) nao se sente mais senhor de seus pensamentos, como passa a viver sob a violencia e julgo de urn poder desconhecido (pensamentos feitos, pensamentos inzpostos, roubo do pensamento, segundo K. Schneider). A sensacao de "alga feito" por uma forgo externa pode abarcar todos os tipos de ativida- de psiquica, nao apenas o pensamento, mas tam- bem o falar, o fazer, o caminhar, o querer, os impulsos (inclusive sexuais). Os doentes pas- sam a sentir-se inibidos ou contidos, mas nao por algo interno e sim por alguma coisa exter- na, totalmente desconhecida. CONSCIENCIA DE UNIDADE DO EU A cada momenta o eu a sentido como algo uno e indivisivel. Esta a uma qualidade da vi- vencia do eu sentida como natural e esponta- PSICOPATOLOGIA E SEMIOLOGIA Dos I KAna I kitiNVZI 152 PAULO DALGALAttor4D0 nea. Na alteracao da unidade do eu nao se trata de dissociacao da personalidade ou expressOes metaforicas referidas como "moron! em mein peita duns almas" ou "razcio e sentimento se acham em luta no met! interior", etc. Nao se trata de tomar consciencia de conflitos ou aspectos mul- tifacetados da propria personalidade. 0 que esti em jogo é algo mais radical e decisivo. A vivencia radical de cisao do eu so existe, segundo Jaspers, quando ambas as series de pro- cessos anfmicos desenvolvem-se de forma ab- solutamente simultanea, uma ao lado da outra. De ambos os lados existem conjuntos de senti- mentos que se ()poem como estranhos. 0 indi- viduo sente-se radicalmente dividido, sente-se anjo e dem6nio ao mesmo tempo, ou homem e mulher simultaneamente. Corresponde ao que Bleuler denominava ambivalencia. CONSCIENCIA DA IDENTIDADE DO EU NO TEMPO E a consciencia de ser o mesmo na sucessao do tempo. Mudam aspectos de nossa personali- dade, mas o nosso eu nuclear é vivenciado como mesmo ao longo do tempo. Alguns pacientes relatam que atualmente. em comparacao a sua vida anterior (principalmente "antes do infcio da psicose"), nao sao a mesma pessoa. "Ao des- crever a minim historia, tenho consciencia de que apenas tuna parte do men en atual viven- ciou tudo isso que aconteceu no passado", "0 eu de entao parece-me unt atzeio dentro de mint". Alguns doentes chegam a usar a terceira pessoa para se referirem ao seu eu do passado. CONSCIENCIA DE OPOSICAO DO EU EM RELAcii0 AO MUNDO E a consciencia da clara oposicao do eu ao mundo externo, a percepcao evidence da sepa- raga° entre o eu subjetivo e o espaco exterior. A alteracao dessa dimensao da consciencia do eu é a perda da sensacao de oposicao e fron- teira entre o eu e o mundo. Os pacientes identi- ficam-se completamente corn os objetivos do mundo externo. 0 individuo sente que sett en se expande porn a 'nuncio exterior e ran mais DESPERSONALIZACAO E DESREALIZA0,0 A despersonalizaglio é o sentimento de per- da ou de transformacao do eu. Para Lopez Ibor, 6 um transtorno da atividade do eu. Hi a perda da relacao empatica basica, da familiaridade ine- quivoca do eu consigo mesmo. E uma vivencia profunda de estranhamento e infamiliaridade consigo mesmo. 0 doente sente-se estranho a si mesmo, vive uma marcante transformacao, corn sentimentos angustiosos de profunda perplexi- dade. Tern frequentemente a sensacao de que vai enlouquecer, perder o controle. A desperso- nalizacao abarca canto o eu psfquico quanto 0 ALTERACOES DO EU CORPORAL (ALTERAOES DO ESQUEMA CORPORAL) DEFINIcOES BASICAS Define-se a imagem corporal ou o esquema corporal como a rvresentagao que cada indivi- duo faz de seu pr6prio corpo. Essa percepcao do pr6prio corpo a construfda e organizada tan- to pelos sentidos corporais externos e internos quanto pelas representacoes mentais referentes ao corpo fornecidas pela cultura e pela historia individual de cada sujeito (para uma revisao sobre a psicopatologia do esquema corporal, ver Lopez-Ibor e Lopes-Ibor Aline', 1974; Rix e Snaith. 1988). 0 psicopat6logo espanhol Carmelo Mone- dero (1973) afirma que o corpo a um objeto peculiar: percebe e e percebido: objeto por de- mais importance para o ser humano, pois "o homent no mundo é um corpo lidando con: as corpo a essencial da experiencia corporal refere-se a re- lacao do corpo sexuado do eu corn os corpos sexuados dos outros. 0 corpo a urn dos principals palcos de nos- sas vidas. Lugar de dor, de prazer, de preocupa- cao, de medo e desejo. Assim Drummond fala destas dimensoes da experiencia corporal: Clara que o corpo nao e feito s6 para sofrer; Mas para sofrer e gozar Na inocencia do sofrintento como na inocencia do gozo, corpo se realiza, vulnercivel e solene. Que o corpo, sadio ou doente, ocupa urn Lu- gar central na medicina a algo indiscutfvel. En- tretanto, cabe lembrar que nao apenas o corpo real, mas a relac5o do individuo corn seu corpo. sua forma de percebe-lo. de corn ele se relacio- nar. cuidando-o ou destratando-o. amando-o ou odiando-o, é tambem um porno crucial para a pratica medico. Plata° afirma. em seu precioso se diferencia deste. A ausencia do sentimento de oposicao do eu ao mundo exterior 6 o que leva os enfermos a buscarem identificacoes em objetos ou coisas do mundo inanimado. Proje- tam macicamente (na escola kleiniana identifi- cacOes projetivas macicas) seus estados subje- tivos no proximo, transladando-se para um eu alheio ou para o corpo de urn animal, E a expe- riencia de sentir-se transformado em urn ani- mal, denominada tratzsitivismo ou licantropia. A vivencia de publicaccio do pensamento, que pacientes esquizofrenicos experimentam, relatada de varias maneiras: "Setts pensamen- tos se extravasam", "fazem-se conhecidos de Coda a gente", sao como que "publicados" (pu- blicacao do pensamento, difusao do pensamen- to. de Kurt Schneider). A publicacao do pensa- mento muitas vezes vem associada a vivencias de sonorizaccio do pensamento (o individuo tem a experiencia de "ouvir" os proprios pensamen- tos,no exato momento em que os persa e ao eco do pensamento (fenomeno no qual urn pen- samento original a percebido de forma repeti- da, segundos ape's haver lido pensado por pri- meira vez, como se fosse urn eco). Ocorre, assim, a queda da barreira divisoria fundamental entre o eu e o nao-eu. A perda da consciencia de oposicao entre o eu e o mundo pode ocorrer nas psicoses (mais comumente na esquizofrenia), nas intoxicacOes por drogas (principalmente alucinogenos), em fenomenos culturais como o extase religioso, estados de trance, possessao, meditacao profunda, etc. eu corporal. Na despersonalizaceio corporal ha uma sensacao intensa de estranhamento e perda da familiaridade do individuo corn o seu proprio corpo. Comumente associada a despersonalizacao, pode ocorrer a desrealizaceio, que e a transfor- magao e a perda da relaccio de familiaridade corn mundo commit, no sentido de uma relacao de profunda estranheza daquilo que no dia-a-dia é comum e familiar. 0 doente refere que o mundo, antes familiar, "caseiro", esti estranho, muda- do. As pessoas e os lugares parecem estranhos, os sons sao percebidos corn urn timbre novo, as cores tern caracterfsticas diferentes. Geralmen- te tanto a despersonalizacao quanto a desreali- zacao sao vivenciadas corn muita angastia. Segundo Nobre de Melo (1979), o desperso- nalizado seria. entao, nada mais que "o homem que pealett a seguranga de tuna relaccio familiar corn o !mind°, condenado, assim, ao frto de tuna terra estranha, de tun pais descotzhecido". Nao a infreqUente a ocorrencia de desperso- nalizacao e de desrealizacao nas crises intensas de ansiedade, nas crises de panico, nas psicoses toxicas por alucinogenos, nos episodios agudos de esquizofrenia e em formas graves de depressao. coisas e corn outros homers. 1...) Somos nosso corpo e sent ele nao seria concebtvel nenhuma forma de existencia. Existir é tuna peculiar re- ferencia a corporeidade" (Monedero. 1973). A percepcao do corpo refere-se mais a cons- tituicao e a organizacao de uma imagem sobre corpo do que a uma percepcao objetiva pro- priamente dita. 0 modo como as pessoas per- cebem subjetivamente o seu corpo difere bas- tante do que se encontra nos livros de anatomia ou fisiologia. Para Paul Schilder (1935), a ima- gem corporal esta sempre ligada a uma expe- riencia afetiva, imposta pela relacao corn o ou- tro. A imagem corporal corresponde a totalida- de da organizacao psicologica do individuo. Urn atleta. urn bailarino, urn trabalhador bra- cal e urn intelectual percebem e representam o corpo de forma bastante diferenciada, havendo indfcios de que os diferentes grupos sociais per- cebem e representam o corpo de forma bastan- te diferenciada (Boltanski, 1984). As duas di- mensOes basicas do eu corporal referem-se a in- timidade e a privacidade (distincao eu/mundo) e a sexualidade. 0 eu corporal é antes de tudo urn eu-corporal-sexuado. 0 eu que busca a sua realizacao corn o outro nao a outra coisa que o tu ando como ser sexuado. A dinamica FSICOPATOLUiiiA t JEntiva.vum tow., • Alguns pacientes esquizofrenicos experi- nado, tendo que se esforgar constantemente para mentam diversas e profundas alteragoes do es- limps-lo, purifica-lo ou protege-lo da contami- quema corporal. Aqui tern destaque as viven- nagao. cias de influencia sobre o corpo. 0 paciente tern 0 hipocondriaco vive seu corpo de forma a sensagao de que alguem, algo ou uma forga muito peculiar; ele e o lugar de todo o seu sofri- externa desconhecida age sobre seu corpo, ma- mento, investido intensamente por toda a sua nipulando-o ou controlando-o. Nao 6 infreqtlen- atengao e libido. Ha no hipocondriaco uma re- te a sensagao de que uma entidade ou uma pes- lacao ambigua corn o seu corpo: teme os seus soa esta manipulando seus genitais, aplicando pressagios, fica a adivinhar os seus misterios e agulhadas, beliscoes, toques, tendo relacoes se- perigos, mas nao deixa por urn so momento xuais corn ele ou ela contra a sua vontade. Sen- (como faz o homem comum) de voltar-se para tem, eventualmente, que seus movimentos sao ele, de observe-lo e mesmo cultivar suas sensa- controlados por essas for-gas externas. Tambem goes corporais pretensamente mOrbidas. pode ocorrer a experiencia de esvaziamento ou As pacientes cam anorexia nervosa revelam roubo de partes do corpo, como o cerebro ou as uma alteracao marcante do esquema corporal. vfsceras. Delirios de negacao ou de apodreci- Apesar de muito emagrecidas. percebem-se gor- mento dos Orgaos sao tambem observaveis. Al- das, "corn barriga", "corn nadegas e coxas enor- guns pacientes esquizofrenicos referem que sen- mes", etc. Devido a tal percepcao erronea, sub- tem que ha pequenos animais ou objetos dentro metem-se a dietas e exercicios fisicos que as de seus corpos, como, por exemplo, uma cobra, emagrecem mais e mais, ocorrendo em alguns urn rato, um sapo ou uma fruta. casos estados extremos de caquexia. Os pacientes corn psicoses toxicas, produzi- Os pacientes corn dismotfofobia (ou trans- das por alucinogenos (LSD, mescalina, harmi- torno dismatfico corporal) percebem distorci- na, psilocibina, etc.), podem ter experiencias de damente, como horriveis e dignos de uma enor- deformagao do esquema corporal. Urn brago ou me vergonha, partes de seu corpo (nariz. ore- a cabeca é vivenciado como enorme, crescendo lhas, face. seios, nadegas, maos, etc.), ou pe- ou encolhendo. 0 corpo e sentido como excessi- quenos defeitos fisicos que passariam, na maio- vamente leve ou pesado, como se estivesse vo- ria das pessoas, despercebidos. Sentem tais par- ando ou afundando, e assim por diante. tes do corpo como se fossem enormes, muito Pacientes corn quadros nettraticos tern fre- desproporcionais, marcadamente disformes. De- qiientemente uma experiencia corporal relacio- vido a essa percepcao distorcida insistem junto nada a sentimentos de inferioridade ou de cas- aos cirurgioes plasticos e dermatologistas para tracao. Seu corpo e sentido como impotente, fra- que esses os operem (e, as vezes. conseguem), co ou doente. Sente-se corporalmente como uma reduzindo, por intermedio de repetidas cirurgias, crianga ou como urn velho. o tamanho do nariz, das orelhas. etc. Os pacientes histericos mas, a erotizar 0 fenOmeno do membro fantasmaocorre em intensamente o corpo todo, mas. em contrapar- uma grande proporgao de pacientes amputados. tida, podem sentir seus genitais e atividade ge- 0 paciente ap6s a cirurgia de amputacao conti- nital como insensiveis ou perigosos. Parado- nua sentindo "como se o membro ainda esti- xalmente a erotizacao excessiva de todo o corpo, vesse la", podendo sentir parestesias e mesmo nao e incomum haver frigidez e anestesia genital. dores intensas no membro ausente. Corn o tern- Os pacientes corn quadros ansiosos graves po, o membro parece mudar de tamanho, geral- sentem o corpo como que comprimido, asfixia- mente "encolhe". Alern de ocorrer em bragos e do, como se existisse uma pressao externa sobre pernas amputados, o fenomeno pode tambem ele. Nas crises de plinico e freqiiente a desper- ser observado nas amputacoes de olhos, do reto, sonalizagao corporal e a sensacao de morte imi- da laringe e de outras partes do corpo. No caso nente; sensacao de que o corpo ire entrar em da mastectomia, podem ser verificadas altera- colapso, desorganizar-se. goes marcantes do esquema corporal; a mulher 0 paciente corn quadro obsessive-compul- sente que corn a transformagao de seu corpo sivo pode sentir o corpo como sujo ou contami- perdeu sua feminilidade. sente-se como um ho- 154 PAULO n —ALGALARKONDO estudo sobre o amor, intitulado "0 banquete", que: "E coin efeito a medicina, para falar ern resumo, a ciencia dos fenOmenos de amor, pro- prios ao corpo..." No final do seculo XIX denominava-se ce- nestesiaao conjunto de sensacOes internas oriundas de todos os pontos do corpo, que se di- rigem e terminam no cortex cerebral, principal- mente pelas vias vegetativas. A cenestesia nor- mal produz um sentimento de existencia agrada- vel, de bem-estar. Em contraposigao a cenestesia normal tern-se a cenestopatia, que é o conjunto de sensagoes incomodas, de mal-estar difuso, as- sociadas a ansiedade, que frequentemente esta presence nos quadros depressivos, neurOticos, psicossomaticos e, mesmo, psicOticos. As conexoes corticais intra e inter-hemisferi- cas conferem ao lobo parietal urn papel central na integracao sensorial somato-sensitiva e vesti- bular, que irao permitir a sontatognosia ou cons- ciencia do corpo (Bernard e Trouve, 1977). Em lesoes (vasculares, tumorais, etc.) da regiao pa- rietal direita nao é infrequente a perda da cons- ciencia do hemicorpo do lado oposto (esquerdo), denominada sindrome de heminegligencia ou hemiassomatognosia. 0 individuo passa a nao reconhecer mais a existencia de seu hemicorpo esquerdo. Em alguns casos o paciente reconhece a existencia do hemicorpo esquerdo. porem nao reconhece que este lado do corpo esta paretic° ou plegico, apresentando assim uma anosogno- sia, ou seja, per& 4:14 capacidade de reconheci- mento da doenga ou do deficit naquele dimIdio (hemianosognosia esquerda). A neurologia denomina estereognosia ao conjunto de impressoes sensoriais organizadas e integradas principalmente pelas regiOes asso- ciativas dos lobos parietais. A asteriognosia a perda, geralmente por lesao do lobo parietal, da capacidade de reconhecimento tail de obje- tos familiares ou significativos (urn lapis, uma chave. urn cadeado, etc.), sem haver, entretan- to, a perda das fungoes perceptivas Weis ele- mentares, como a sensagao termica, de pressao, dolorosa, etc. Assim, apesar da perda da capa- cidade de reconhecimento tatil complexo, nao ha uma anestesia propriamente dita. 0 lobo parietal intervern nao apenas na in- tegracao perceptiva que produz a imagem do corpo. mas tambem no estabelecimento de es- quemas de agao, da atividade gestual comple- xa, que C. enfim, a concatenacao das percep- cOes corporals integradas e das agOes do corpo dirigidas ao mundo e ao espago externo. Assim artificial a separagao entre uma dimensao re- ceptiva. perceptiva, do corpo e suas sensagoes, e uma dimensao ativa, motora. relativa ao cor- po agindo no mundo. Percepgao corporal e atu- acao motora formam, do ponto de vista neuro- logic° e neuropsicologico, uma unidade indi vi- sivel. Um exemplo disso é a apraxia construti- va, ou incapacidade de desenhar um model° (um cubo, uma casa, etc.) de montar um quebra-ca- becas, de construir formas simples corn cubos, etc. A apraxia construtiva surge, corn freqiiencia, como resultante de lesoes dos lobos parietais. ALTERAcOES DA IMAGEM OU ESQUEMA CORPORAL EM ALGUNS TRANSTORNOS MENTAIS ty i 0 deprimido vive seu corpo como algo pe- sado. lento, dificil, fonte de sofrimento e nao de prazer. Sente-se fraco, esgotado, incapaz de fazer frente as exigencias da vida. 0 seu corpo ja nao tern vida, é urn peso morto. A astenia refere-se a esse tipo de vivencia corporal dos pacientes deprimidos. Pacientes deprimidos gra- ves podem ter serias alteracoes do esquema cor- poral. Nestes casos pode ocorrer o delirio de negactio de orgiios, no qual o individuo sente que seu figado, cerebro ou coracao nao estao mais la, ou apodreceram. Sente que nao tern mais sangue, que seu corpo secou, que os mem- bros estao se esfarelando como areia, que esta fisicamente morto, etc. (sindrome de Cottard). 0 paciente maniac° vive seu corpo como algo extremamente ativo, poderoso e vivo. Sen- te-se forte e agil, e nao consegue parar e repou- sar por urn period° mais longo. Quando inqui- rido sobre como se sente corporalmente, mui- tas vezes responde que esta muito bem, cheio de vigor. "melhor do que 'wilco". Ha mesmo, freqUentemente, uma incapacidade de perceber as limitacoes reais do corpo. Muitos pacientes maniacos idosos atuam corporalmente ate a exaustao, podendo, inclusive, vir a falecer em decorrencia desse excesso de agao motora (por exemplo. por infarto do miocardio). PSICOPATOLOGIA E SENHOLOGIA DOS l RANSTOKNOS Witri Ars •✓ r Nunca conheci quern tivesse levado porrada Todos os 'netts conhecidos tent sido cam- pe5es em tudo. E eu, tantas vezes reles. tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelnzente parasita, Indesculpavelmente sujo, Toda a genre que eu conheco e que fala contigo Nunca teve um ato ridiculo, nunca sofreu en.rovallto, Nunca foi senao principe —todos eles prin- cipes— na vida... Arre, estou farto de semideus! Onde d que ha genre no mundo? No transtorno de personalidade narcisica temos o melhor exemplo de manutencao de urn modo de funcionamento mental e de investimen- to da libido no qual predomina o narcisismo. Tambem verifica-se corn freqiiencia aspectos narcfsicos na histeria, nos transtornos de perso- nalidade sociopatico, em pacientes parandicos e manfacos. DimiNuicAo DA VALORACAO DO EU Em muitos pacientes deprimidos encontram- se sentimentos profundos de naenos-valia, de re- ducao da auto-estima e de autodepreciacao. De fato. o processo de autodepreciacao é considera- do central na depressao. 0 individuo sente-se sem valor. nao merece viver e ser amado. deve morre para deixar de incomodar aos outros. Aqui toma- cuidar de si mesmo e, tambem, para poder amar outras pessoas. 0 fundamental aqui é o grau, a intensidade com que o amor é investido sobre si mesmo ou sobre as outras pessoas. 0 indivi- duo totalmente narcisico nao se relaciona, de fato, corn o mundo, e, corn isso, se empobrece. 0 individuo sem qualquer amor narcisico sen- te-se vazio, sem valor, sem qualidades minimas que o facam ser amado e digno de viver neste mundo. Escrevendo sobre a dialetica do narci- sismo e da autodepreciacao, Fernando Pessoa assim se expressa: 156 PAULO DALCALAKRONDO mem. sente urn vazio em seu corpo, alem de muitas vezes desenvolver quadros de depress-do e de di(ninuicao da auto-estima. A VALORAcA.0 DO EU: OS CONCEITOS DE NARCISISMO E DE AUTO-ESTIMA DEFINICOES BASICAS Segundo a lenda grega, Narciso era urn jo- vem para quern nada era mais agradavel do que ver sua propria imagem refletida sobre urn lago. Admirava e amava ao extremo sua propria ima- gem: ao final, acabou cometendo o suicidio e transformou-se em uma flor, que passou entao a levar o seu nome. Freud denominou inicial- mente de narcisismo ao tipo de escolha de ob- jeto amoroso que ocorre na homossexualidade. 0 homossexual, nessa visa°, amaria a algum igual a si mesmo. Posteriormente, o termo oar- cisismo passa a se referir a urn estagio do de- senvolvimento psicossexual da crianca, no qual o individuo toma a si mesmo, ao seu eu, como objeto de amor. Atualmente. o termo narcisismo refere-se, de modo geral, ao direcionamento do amor do individuo para si pr6prio. A libido volta-se para proprio eu, deixando de investir no mundo e nas pessoas deqe mundo. Nesse estado de nar- cisismo, o eu percebe o prazer como oriundo sempre de seu interior e o desprazer como pro- veniente do mundo externo. Ha, assim, no nar- cisismo, uma ilusao de auto-suficiencia. um sen- timento de poder, de grandiosidade, de despre- zo pelo mundo exterior. 0 pr6prio eu é tornado pelo individuo como a sua grande paixao, o seu principal objeto de amor. 0 narcisismo primario seria a ausencia total de relacilo corn o meio ambiente, uma indife- renciacdo do eu corn o id. 0 narcisismo secun- ddrio seria o retorno do amor. da libido, para prOprio eu, depois de haver sido direciona- do em algum momento a algum objeto do mundo externo. Entretanto. o narcisismo nao énecessaria- mente positivo ou negativo. patologico ou sau- davel. Todo individuo necessita investir amo- rosamente o seu proprio eu para sobreviver. para se patente a dimensao de fracasso existencial, re- lativo a realizacao de urn destino pessoal. Alern da depressao, em indmeras situagOes relacionadas a doenca mental, tern-se a vivencia de autodepreciacao. Muitos individuos corn di- ficuldades psicologicas e sociais crOnicas, desa- daptados, desengoncados na vida social. corn dificuldades serias no campo do trabaiho do es- tudo, da farrulia, sentem-se profundamente desmo- ralizados. Pacientes corn dependencia cronica ao alcool e outras drogas tambem podem desenvolver um sentimento marcante de autodepreciacao. Tambem a doenca crOnica, ffsica e/ou men- tal, pode implicar urn seri° processo de desmo- ralizacao cr6nica e autodepreciacao. 0 indivi- duo limitado ffsica e/ou mentalmente tende a sentir-se sem valor. como urn peso para sua fa- milia, um fracassado, urn instil, o que, muitas vezes, vem associado a um descuido cronico de si mesmo, autonegligencia, falta de higiene e, mesmo, atos e condutas suicidas. 0 CONCEITO DE IDENTIDADE PSICOSSOCIAL Erik Erikson (1985) define identidade psi- cossocial como o sentimento que proporciona a capacidade para experienciar o pr6prio eu como algo que tem coritinuidade e unidade, per- mitindo que o individuo se insira no meio so- ciocultural de maneira coerente. 0 sentimento de identidade refere-sea sensacao de pertencer a alga, de ser parte de alga. A identidade psi- cossocial permite que o individuo oriente-se em relagao as outras pessoas e ao,seu meio ambien- te, estabeleca e delineia as fronteiras do eu cor- poral e do eu mental. A identidade é formada a partir do conjunto de identificacOes consciences e inconscientes que a crianca faz ao longo de seu desenvolvimento. Por meio desse processo de identificacao, a crian- ca vai introjetando (incorporando ao seu eu) as- pectos diversos dos adultos (pais. avos, tios, pro- fessores. amigos. etc.) e tambem das outras crian- gas (irmaos. amigos, etc.) corn quem convive. A identidade psicossocial total é, portanto, composta de mdltiplas identidades parciais, canto a identidade sexual (na qual o individuo identifica-se corn o papel de seu genero. for- CR1SE DE IDENTIDADE A crise de identidade. descrita e estudada por Erik Erikson (1976), refere-se as dificuldades in- tensas e de surgimento em um curto perfodo de tempo de uma sensacao de inseguranca e confu- sao em relaciio a identidade sexual, a escolha e aos paddies de amizade, filiacao religiose, siste- ma de valores morais, papel relacional perante os pais e professores. etc. A crise de identidade mais marcante, em nossa cultura, é a que ocorre em adolescentes. A case de identidade pode ser sufl- cientemente intensa a ponto de causar muita an- gdstia e interferir na vida do adolescente. Toda a profunda transforrnacao da adolescencia é capta- da neste hai-kai do poeta japones Buson: Merluza ',ludo, Convertida ern miller Jci se perfiuna. mas de atuar, sentir e desejar, valores, etc.), a identidade etnica ou racial, a identidade religio- sa, a identidade professional, a identidade rela- tiva a nacionalidade, etc. Tambem estao aqui incluidas as identidades relatives ao sentimen- to de pertencer a pequenos grupos: identidade de ser estudante de medicina, de psicologia. etc.. identidade de ser membro de urn clube, de urn time de futebol, de urn grupo de jovens, e assim por diante. A identidade psicossocial é uma fon- te basica e significativa de amor proprio, de re- conhecimento social e de prestigio. OS TRANSTORNOS DE IDENTIDADE Transtornos e problemas corn a identidade psicossocial estao relacionados a confusao de identidade, a uma desorientacao em relacao ao que o individuo e no contexto sociocultural. ao que esperam dele, como se sente, qual o seu lugar no mundo, e assim por diante. ESTADOS DE POSSESSAO Os estados de possessao podem ocorrer tan- to em individuos corn transtornos mentais (no • 158 Pm.u.o DALGALARRONDO histeria. por exemplo) quanto naqueles sem transtornos. sendo geralmente nesses casos pro- duzidos. organizados e conformados dentro de um determinado contexto religioso-cultural. Ito entrar no estado de possessao, o indivkluo tern uma perda temporaria de sua identidade pes- soal, que é substitufda por uma entidade que "toma conta" do sujeito. Normalmente, o indi- vicluo permanece consciente em relacao a per- il' cepcao do ambiente. Os estados de possessao ocorrem freqUen- temente associados a estados de transe que du- ram minutos ou horas. Tais estados sao via de regra desencadeados por contextos rituais, nos quais a danca, o ritmo, os cantos, as rezas, en- firn todo o contexto ritual, "guia" o sujeito no sentido de alterar momentaneamente o seu es- tado de consci8ncia e permitir que uma entida- de tome posse do sujeito. E comum, nesses ca- sos, que o indivIcluo apresente movimentos rft- micos do tronco, tremores, gestos, atitudes e mfmica estereotipada e fala alterada (infantil, agressiva, etc.). Pode ou nao haver amnesia para ocorrido durance o estado de possessao. 22 Funceks psiquicas compostas: a personalidade e suas alteracoes ) 31 menino é o pai do homem. Machado de Assis (Memos-kit port tunas de Bras Cubas, 1881) DEFINICOES BASICAS Bastos (1997) apresenta uma definicao de personalidade bastante elucidativa. Para ele a personalidade e o "conjunto integrado de tra- cos pslquicos, consistindo no total das carac- teristicas individuals, en, sua relaciio coin o meio, incluindo todos os fatores fisicos, Nolo- gicos, psIquicos e socioculturais de sua fornta- cifo, conjugando tendencias inatas e experien- cias adquiridas no curso de sua existencia". Ele ressalta ainda uma dimensao essencial do con- ceito de personalidade, que e o seu duplo as- pecto; relativamente estavel ao longo da vida do individuo e relativamente dinamico, sujeito a de- terminadas modificacpes, dependendo de mudan- gas existenciais ou atteracoes neurobiologicas; a estrutura da personalidade, em sua opiniao, "mos- tra-se essencialmente diner' mica, podendo ser nnuovel — sent ser necessariamente instavel — e encontra-se ent constante desenvolvitnento". A origem etimologica da palavra perso- nalidade ilumina de modo interessante a di- mensao complexa do conceito. Personalida- de provern do termo persona, que significa a mascara dos personagens do teatro. E aquela mascara que cobria o rosto dos comicos em Roma. ao representarem os diferentes perso- nagens de uma pep. Em latim. por sua vez, personare significa tambem ressoar por meio de algo. Assim, segundo Lopez Ibor (1970), as duas conotacoes etimologicas do termo personalidade apontam para urn sentido co- mum; o autor/ator faz ressoar a sua voz, a sua versao da historia, pelas diversas mascaras, dos diversos personagens que cria. Acrescen- tarfamos a interessante nota de Lopez Ibor, que o autor teatral, ao fazer ressoar sua voz pelas mascaras que cria, isto 6, ao mesmo tem- po em que se esconde, revela-se, pois seus personagens. suas mascaras denunciam dia- leticamente meandros do que busca esconder. 0 poeta Fernando Pessoa exprime de forma sumamente elegante essa dialetica constante da personalidade, dialetica do esconder-se e do revelar-se simultaneamente: 0 poeta e it,,, fingidor. Finge tt o completatnente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras setae. Assim. ao nos introduzimos ao escudo da personalidade, estaremos atentos a complexida- de do tema, a sua dimensao multifacetada e facilidade corn que se cometem erros e simpli- ficacOes inadequadas ao se tentar desvendar os misterios da personalidade humana. Segundo distinguem-se basicamente Mira y Lopez (1943), osseguintes aspectos relaciona- dos a personalidade e a sua expressao; consti- tuicao corporal, temperamento e carater (nests linha, ver tambern Cloninger e Gottesman. 1987: Livesley e cols.. 1993). 11} 11.1!. 141 fq If 11JII U1.0 1,GALAHRONDO PSICOPATOLOGIA E SEMIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS 161 Constituicou corporal: E o conjunto de pro- priedades morfologicas, metabolicas, bioqufmi- cas. hormonais, etc., transmitidas ao individuo principalmente (mas nao apenas) pelos mecanis- mos genericos. Muitos autores, desde ha secu- los, procuraram identificar urn possivel paralelo entre a constituicao corporal e o temperamento e carater dos seres humanos. A constituicao cor- poral determina, em boa pane, o aspecto do indi- vicluo, sua aparencia ffsica, o perfil de seus ges- tos. sua voz. o estilo de seus movimentos, tendo significativa influencia sobre as experidncias psicolOgicas do indivicluo ao longo de sua vida, seu modo de reacao corn os outros e vice-versa. Tempercnento: E o conjunto de particulari- dades psicofisiologicas e psicologicas inatas, que diferenciam urn individuo de outro. Os tern- peramentos sao determinados por fatores gene- ticos ou constitucionais precoces produzidos por fatores endocrinos ou metabolicos. Assim os in- divicluos nascem corn temperamentos astenicos, corn uma tendencia a passividade. a hipoativi- dade, a "vida mansa":outros nascem corn tern- peramentos estenicos, ativos, corn forte tendert- cia a iniciativa, a reagir prontamente aos esti- mu los ambientais, e assim por diante. A identi- ficacao. entretanto. de tracos e configuracties congenitas individuais é tarefa muito diffcil, ja que o que se tern sao individuos que sempre tra- zem consigo a combinacao dos aspectos inatos aos aspectos adquiridos, aprendidos, incorpo- rados pela interacao constante corn os pais e a sociedade. A apreensao do temperamento de uma pessoa, em estado puro, original, é extre- mamente diffcil. Carciter: Embora o termo carater• tenha, na linguagem comum, uma conotacao moral, indi- cando fora. vontade, perseveranca, uma perso- nalidade bem demarcada e estavel, nao é essa exatamente a definicao psicopatolOgica do ter- mo =titer. Para a psicopatologia o carter é a soma de tracos de personalidade. expresses no modo basic° do individuo reagir perante a vida. seu estilo pessoal, suas formas de interacao so- cial, gostos, aptidoes, etc. 0 carater reflete o temperamento moldado. modificado e inserido no meio familiar e sociocultural. E a resultante. ao longo da historia pessoal. da interacao cons- tante entre o temperamento e as expectativas e exigencias conscientes e inconscientes dos inch- vicluos que criaram determinada pessoa. 0 cara- ter resulta do modo como o individuo equacio- nou, conscience e inconscientemente, o seu tern- peramento corn essas exigencias e expectativas. 0 temperament° ado deve ser confunclido coin o carater, pois o temperamento e algo ba- sic° e constitutivo do individuo, enquanto o ca- rater traduz-se pelo tipo de reacao predominan- te do individuo frente as diversas situagOes e estfmulos do ambiente. Mira y Lopes afirma que é compreensfvel que freqUentemente nao coin- cidam o temperamento (tendencias inatas ini- ciais) e o carater (conjunto de reacaes fmalmente exibidas pelo individuo), ja que entre ambos se interpoe o conjunto de functies intelectuais (dis- criminativas, crfticas e judicativas), assim como as inibicties e habitos criados pela educacao. Em certos casos, o carater se desenvolve no senti- do °post° do temperament°, por sobrecompen- sacdo pslquica; muitas vezes urn individuo corn corker exibicionista e teatral esconde um tem- peramento timid° e fobico, ou urn carater agres- sivo e audaz encobre urn temperamento medro- so e angustiado. TIPOLOGIAS HUMANAS OU TIPOS DE PERSONALIDADE A primeira tipologia desenvolvida na hist& ria da medicina e da psicologia foi a resultante das concepcOes da escola hipocratica-galdnica. A medicina hipocratica é essencialmente uma medicina ambientalista. Os elementos da natu- reza (agua, ventos, solo, umidade do ar, alimen- tos, etc.) interagem permanentemente corn o or- ganismo para determinar a sadde ou a doenca. Nesse sentido, codas as questeies medico repou- sam sobre a teoria dos quatro elementos do fi- losofo pre-socratico Empedocles (500-430 a C.), a saber: agua, terra, ar e fogo. A estes quatro elementos correspondem quatro qualidades: quente, frio. seco e timido. HipOcrates de Cds (cerca de 460-377 a.C.), ao utilizar esta con- cepcao quaternaria da natureza, ira desenvol- ver uma concepcao correspontlente do organis- mo, corn quatro fluidos ou humores basicos. Os tipos Inunanos bcisicos e o surgimento da doenca ou manutencao da satide dependerao intimamente da convivencia harmonica dos qua- tro humores essenciais do organismo humano; sangue, a bflis, o fleuma (ou linfa) e a atrabi- lis (ou bilis negra, que alguns historiadores su- gerem que tenha sua origem na observacao do sangue coagulado). A cada humor especifica- mente corresponde urn orgao do corpo; ao san- gue o coracao, a bilis o ffgado, ao fleuma o cd- rebro e a atrabfl is o baco. A sadde e a harmonia do ser provem do equilibrio dos quatro humo- res, ou seja, daeucr•asis; enquanto a doenca ori- gina-se da retencao, desequilfbrio, ou Kati de- leteria de algum dos quatro humores, denomi- nada discrcisis. Os tipos humanos ou tempera- mentos basicos se referem, portanto, aos qua- tro humores e aos demais elementos quaterna- rios da seguinte forma: Os aspectos psicologicos mais caracterfsti- cos dos quatro temperamentos sao, segundo re- sumo de Gaillat (1976): Sangiilneo: De facies rosada, porte atleti- co e musculatura consistente e firme. 0 sangtli- neo é urn tipo expansivo e otimista, mas tam- bent irritavel e impulsivo. Submete-se de born grado ao clamor dos seus instintos. Fletunatico ou linfatico: De facies formas arredondadas, olhar dote e vago. 0 fleumatico é sonhador, pacific° e 061, subor- dina-se a determinados habitos e tende a levar uma existencia isenta de paixoes. Coterico ou billow: De olhar ardente e protuberancias musculares evidences, possui uma vontade tenaz e muitas vezes poderosa, tende a demonstrar ambicao e desejo de domi- nio, tern propensao a reacifies abruptas e explo- sivas. Melancolico E urn tipo nervoso, de olhar Criste e mtisculos pouco de- senvolvidos. Seu carater é muito excitavel, ten- dendo ao pessimismo, ao rancor e a solidao. Ainda na concepcao de Hipocrates, as for- mas basicas de doenca mental sao a melanco- lia, isto é, uma forma discreta e retraida de lou- cura, a mania. uma forma exuberante e furiosa de loucura e a frenitis, a chamada loucura corn febre. A melancolia, por exemplo, resulta da retencao no organismo e acao maligna da bilis negra, que delta forma é vista como urn princf- pio agressivo e instavel. A tipologia hipocrati- ca-galenica sobreviveu no Ocidente por mais de 2.500 anos, orientando os medicos e erudi- tos na classificacao dos tipos humanos basicos. suas personalidades e doencas. A TIPOLOGIA DE CARL GUSTAV JUNG (1875-1961) Jung foi urn dos mais ilustres discipulos de Freud e de Bleuler. Desenvolveu, ao longo de seus 86 anos, uma concepcao extremamente ori- ginal sobre a estrutura e funcionamento da alma humana. Criou e aprofundou concertos hoje uti- lizados e discutidos amplamente em psicologia e psicopatologia, como o de complexos, incons- ciente coletivo, arquetipos, self, etc. A totalida- de da personalidade. segundo Jung, é constitui- da de varias instancias, a saber: A persona: E a dimensao exterior e relacio- nal da personalidade; a mascara social adotada pelo indivicluo nas relaceies sociais. Correspon- de em pane aquilo que os sociOlogos denomi- nam "papel social". Nise daSilveira, uma das mais importantes estudiosas e pesquisadoras do pensamento junguiano no Brasil, utiliza o con- to de Machado de Assis, "0 Espelho", para ilus- trar o que seria apersona junguiana. Em tal con- to, Machado propete uma teoria de que o ho- mem teria duas almas; "unto que olha de den- Quadro 22.1 Os temperamentos na escola hipocrtitica-galenica Temperamentos Sangiiineo Unpile° ou fleumatico Coterie(' Melancedico ou urrnGiliririo Humor (fluidal Sangue Linfa ou fleuma Bilis Atrabilis ou bilis negra Orgao Corac5o Cerebro Figado Baco Qualidodes Quente Frio Seco Omido Elentenios do natureza Terra Ar Fogo Agua 1,11 ZI.OL•1 40,/ 162 P _ AUL° DALCALAHRONDO fro para fora, outra que ollia de fora para den- Fro". Antecipa-se, de certa forma, Machado a Jung, na delimitagao dos homens em extrover- tidos e introvertidos. Machado descreve a persona junguiana ao relatar o caso de urn jovem que, ao ser nomea- do alferes (posicao hierarquica militar) da Guar- da Nacional, tanto se identificou coin a patente que "o alferes eliminou o homem". Todos nos conhecemos individuos que se identificam tan- to corn seus postos, status ou fungao social, que perdem totalmente a nogao de que sao algo alem e aquem desse papel social; é o caso do "su- perstar" que elimina o homem, do "brilhante professor e intelectual" que elimina o homem, do "supermedico" que elimina o homem, do "grande politico" que elimina o homem. do "po- deroso empresario" que elimina o homem, e as- sim por diante. Machado relata que o alferes foi urn dia obrigado a ficar sozinho em uma casa de campo onde nao havia ninguem para prestar lou- vagoes, deferencias, para "reconhecer" a sua importancia e posicao hierarquica. Nesse momen- to, o pobre alferes sentiu-se completamente va- zio; no espelho nao via sua imagem, estava esfu- mada, sem contornos nitidos, entrou em panico... A nogao de Eu (ou Ego) nas concepcOes psi- canaliticas da escola lacaniana (de Jacques La- can) tern uma curiosa semelhanca corn a nocao de persona da psicologia analitica de Jung; é uma imagem construida a partir do exterior, in- trojetada inconscientemente por meio de multi: plas identificacoes corn o desejo dos outros. E a mascara que "colocam" sobre nos e que ao final acreditamos ser nos mesmos. A sombra: sao os elementos inconscientes e inaceitaveis da personalidade, reprimidos pela consciencia. Aspectos de nossa propria pessoa que freqUentemente nos repugnam e que rejei- tamos veementemente. A sombra sobretudo inconsciente, estando. de certa forma, no polo oposto a. persona. A tendencia mais comum é projetar a nossa sontbra sobre o outro. seja ele urn inimigo conhecido, urn colega qualquer de trabalho, urn vizinho. urn grupo social ou etni- co (participando entao tal mecanismo na for- macao do racismo), ou uma figura simbolica como o demonic). urn mito ou urn fantasma. Anima e Animus: Jung denomina anima ao conjunto de elementos femininos inconscientes presentes em todos os hornens. A anima surge das experiencias que o homem teve corn a mu- lher ao longo da hist6ria, a relagao do homem corn o ente feminino, "residuo de codas as im- pressOes fornecidas pela mulher". 0 primei- ro e mais fundamental representante da ani- ma é a mae; depois surgem as grandes mu- lheres, a Virgem, fadas, bruxas, feiticeira, sereia, grandes atrizes, Iemanja, a figura da enfermeira, da primeira professora, da "fem- me fatale", etc. Ja o animus é o conjunto de elementos masculinos existentes no psiquis- mo feminino, de forma principalmente incons- ciente. 0 primeiro e fundamental represen- tante do animus é o pai, depois vem o mestre, o ator de cinema, o camped° esportivo, o guer- reiro, o heroi politico, o lider religioso, o ca- cique da tribo, o "poderoso chefao", etc. 0 Self: Este é um conceito bastante comple- xo da psicologia analitica de Jung. 0 self rid() é propriamente algo que exists, mas algo a que o individuo se destina no seu desenvolvimento in- terior. Nao é apenas o centro profundo da per- sonalidade, mas tambem a sua totalidade. 0 de- sabrochar do self resulta do reconhecimento da prOpria sombra. da resolucao mais ou menos fe- liz dos diversos complexos, da assimilacao e in- tegragao de aspectos parciais e cindidos do psi- quismo individual. 0 desenvolvimento e auto- conhecimento pessoal produz urn alargamento do mundo interior e possibilita que o self passe a ocupar o centro da personalidade, o individuo aproxima-se de urn perspectiva totalizante e in- tegrada de si mesmo e supera fragmentacoes in- teriores de sua personalidade. OS TIPOS HUMANOS BASICOS SEGUNDO JUNG Segundo o movimento e direcao da energia psiquica (libido) temos: an-oversew: Aqui a libido flui sem emba- rag° ou dificuldade em diregao aos objetos ex- ternos. Os extrovertidos sao pessoas que par- tern rapida e diretamente em direcao ao mundo externo, tern as suas referencias e buscam suas satisfagoes no ambiente externo. introversao: Aqui a libido recua perante os objetos do mundo externo, voltando-se para seu interior; o mundo externo 6 ameacador ou sem importancia, as satisfacOes e referencias provem do proprio mundo interno. Segundo as funcOes psiquicas adaptativas basicas temos: 0 pensamento, que esclarece o devido sig- nificado dos objetos, a racionalidade e logica dos processos da vida. 0 sentimento na con- cepgao de Jung relaciona-se a capacidade de estimar afetivamente o mundo, de decidir que valor afetivo e emocional tern determinado fe- nomeno para nos. A sensopercepgao capta e identifica corn precisao os objetos do mundo externo e permite o contato objetivo corn a rea- lidade. A innticiio e uma percepcao inconscien- te. uma apreensao imediata de como os objetos do mundo se comportam. de como os fenome- nos ocorrem. Segundo Jung, uma dessas fun- goes sera sempre a principal para cada indivi- duo, uma outra sera auxiliar a principal, atuan- do conjuntamente corn ela. Uma terceira sera muito rudimentar, quase silenciosa, e a quarts. chamada funcao inferior, permanece inconscien- te e totalmente adormecida. Estas quatro fungoes dispaem-se duas a duas. em pares de oposigao. 0 primeiro par 6 o doper/- same/Ito versus sena/nem°. Assim. o pensamento esforca-se por conhecer cognitivamente as coisas sua logica e racionalidade, desinteressando-se por seu valor afetivo. 0 sentimento valoriza priorita- riamente o valor afetivo dos objetos e fenorne- nos, nao se interessando por sua racionalidade. 0 segundo par 6 o da sensopercepgao ver- sus intuicao. A sensopercepgao concentra-se sobre o exame descritivo, detalhado dos obje- tos. particular e analiticamente, focando os seus detalhes. A intuicao apreende as coisas em seu conjunto, de forma global e imediata. nao se prende a detalhes, capta o clima geral do que acontece e nao depende da constatacao externs para seu funcionamento. Assim. a partir desses dois niveis de polari- dades (extroversao e introversao, pensamento e sentimento, sensopercepgao e intuigao). Jung prop& uma tipologia humana corn oito tipos fundamen.ais: Jung organiza a sua tipologia a partir de dois aspectos fundamentais da personalidade; o mo- vimento e direcdo da libido ou energia que irao caracterizar duas atitude basicas; a saber, a extroversao e a introversao. Ao lado desse aspecto de movimentacao e direcao da li- bido estao as finvies psiquicas bdsicas que o individuo usa para se adaptar ao mundo, a sa- ber: a sensopercepgao. o pensamento, o senti- mento e a intuicao. Quadro 22.2 Tipologia humana segundo Jung Tipo sentimento Predomina a subjetividade, volta-se para si mesmo, pars seu mundo afetivo interno, suas introvertido riquezas e nuancas Tipo sentimento Mais sensivel aos valores sociais e respostas afetivas dos outros. adaptavel afetivamenteextrovertido as instituiceies. costumes e habitos sociais Tipo pensamento Predomina o pensamento centrado em objetos internos e esquemas intelectuais pessoais. introvertido '40 pensamento comeca no interior do sujeito. da voltas. mas termina nele Tipo pensamento Orientado para o ambiente, visando sempre a ordenacao conceitual dos dados objetivos: extrovertido apreende o ambiente de forma rational e ordenadora. Tipo intuicao Volta-se para experiencias e intuicries internas. da, mais importancia as suas ilusoes, introvertido sonhos e fantasias. envolve-se em experiencias misticas pessoais Tipo intuigao Dirige-se ao mundo externo, apreendendo-o de forma intuitive; atento ao surgimento de extrovertido novas realidades Tipo percepcao Aprofunda-se no sensivel. sobretudo em urn modo pessoal e interno de captar o mundo. introvertido Vive atento a tonalidade afetiva daquilo que sense. tern certa dificuldade de adaptacao ao mundo externo Tipo percepcao Observador acurado da realidade concreta; um empirista. pouco preocupado com sinteses extrovertido racionais ou interpretacoes daquilo que observa PSICOPATOLOGIA E JEAIR/LUtilA inPJ & KArI3 I trItNUN 1,11.1, A I, .v.. 164 P AU1.0 DALGALARNONDO A PERSONALIDADE E SEU DESENVOLVIMENTO SEGUNDO SIGMUND FREUD (1856-1939) Resumir, sem deturpar muito, a nocao freu- diana de sujeito, como ele ve o ser humano em seu desenvolvimento e maturidade. nao 6 tare- fa facil. Para Freud, a constituicao da persona- lidade passa estrategicamente pelas vicissitudes da libido (compreendida como energia "vital", "sexual"), pelo seu desenvolvimento em diver- sas fases, pelo modo como se estrutura o desejo inconsciente e os modos como o eu lida corn seus conflitos e frustracoes libidinais. Freud (1905) diz que "as pulthes sexuais arra- vessam urn complicado curso de desenvolvimen- to e so em seu final o 'primado da zona genital' atingido. Antes disso, lid varias "organizacties pre-genitais" da libido — pontos em que ela pode ficar 'fixada' e aos quais retornard, na ocorre'n- cia de represscio subseqiiente ('regresseio')". Assim, segundo a psicanalise, as "fixacifies" infantis da libido e a tendencia a regressao (a es- ses "pontos" de fixacrio) acabam por determiner tanto os diversos tipos de neuroses, como o per- fil de personalidade do adulto. Particularmente importante, na concepcao freudiana, é a trama estrutural inconsciente de amor, &Ho e temor de represalia em relacao aos pais, o complex° de Edi- po. Assim, a personalidade do adulto forma-se pela introjecao (sobretudo inconsciente) dos relaciona- memos que se estabelecem no interior das relacOes familiares, em particular da crianca pequena corn os seus pais, e desses corn ela. A primeira forma de organizacao do desejo libidinal da crianca relaciona-sea chamada fuse oral, estendendo-se ao longo do primeiro ano de vida. Aqui a zona e o modo corporal de maior fonte de prazer é a boca e o ato de succao: a libido concentra-se no mamar; assim, "o ato que consiste em chttpar o seio ',latent° torna-se o ponto de partida de toda a vida sexual, o ideal jamais atingido, ideal a que a imaginageio aspi- ra nos momentos de grande necessidade e de gran- de privaccio" (Freud, 1905). 0 indivIduo fixado em urn modo oral de organizacao da libido (tipo oral) tende a avidez no tomar e no receber; nao suporta a privacao e tern dificuldades corn a rejei- can. Tende a ser passivo e exigentemente recepti- vo em relacao as pessoas que ama. 0 exagero do • A BIOTIPOLOGIA DE KRETSCHMER A tentativa de aproximar tipos anatomicos, fisiolOgicos ou endOcrinos de determinados pa- droes de carater psicologico tern sido empreen- dida desde Hipocrates, corn sucesso bastante discutfvel. Uma das biotipologias mais marcan- tes na historia da psicopatologia foi a do psi- quiatra alemao Ernest Kretschmer, o qual bus- cou dividir os tipos humans em tees especies morfologicas e psicologicas distintas: os bre- velineos, os longilfneos e os atleticos. Os /ongilineos ou leptossomicos sao indivf- duos nos quais predomina o diametro longitu- dinal, vertical, sobre todos os outros; tern cor- pos delgados, ombros estreitos, peito aplaina- do, o rosto a alargado e estreito, os membros, maos e pes sao longos e delgados. A personali- dade tenderia a esquizoidia. Hiper-racional, o leptossomico tende a pri- vilegiar o cerebral em contraposicao ao vital, o logic° em contraposicao ao afetivo, o esquema- tico em contraposicao ao dinamico. 0 leptos- somico tern muita dificuldade no contato afeti- vo, direto e espontaneo corn as pessoas. Tende a desconfianca e as fantasias persecutorias. Pre- fere os esquemas teoricos, as arquiteturas ra- cionais, o mundo das categorias a vida real, corn sabor, odor e movimento constante. Don Quijote de la Mancha, o leptossomico exemplar, mergulha de tal modo em leituras fan- tasticas, aderindo integralmente a esquemas ar- tificiais (o heroi, o vilao. a donzela indefesa) a ponto de sua vida transformar-se em urn enor- me e maravilhoso delirio. 0 leptossOmico ao adoecer mentalmente tern a propensao a esqui- zofrenia, a personalidades esquizoides ou es- quizotfpicas. Nos brevelbleos Ott ptcnicos predomina o diametro antero-posterior do tronco, principal- mente do abdome. k!) rosto a arredondado e os membros. curtos. Tenderiam a ciclotimia ou a sintonia. Teriam a caracterfstica de "sintonizar" afetivamente corn as pessoas circundantes, li- gados ao suceder historic° dos acontecimentos, a vida real, as emocoes e ao colorido geral do mundo. 0 tipo classic° representante dos pfcnicos cicloamicos e o escudeiro Sancho Parica; bo- nachao, amante da culinaria e do vinho, tran- qiiilo, voltado para a esfera emocional, em cons- tante sintonia afetiva corn seu meio ambience. Sancho Panga quer saborear a vida, nao quer entende-la. quer a festa, o jtibilo, as pessoas TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE CONCEITO 0 transtorno de personalidade foi, ao longo dos CrItimos dois seculos, nomeado de diversas formas: insanidade moral ("moral insanity" de Prichard), monomania moral, transtorno ou neu- rose de carater, etc. Entretanto, o termo que mais se popularizou entre os profissionais de satide mental foi psicopatia. Tal termo foi, infelizmen- te, utilizado de modo muito impreciso, ora se identificando "psicopatia" corn personalidade sociopatica, ora corn transtornos de personali- dade em geral. 0 psiquiatra alemao Kurt Schneider defi- niu os transtornos de personalidade de forma muito oportuna; para ele o element° central dos transtornos de personalidade (por ele de- nominados de "personalidades psicopaticas") que o individuo apresenta as seguintes ca- racterfsticas basicas: sofre e faz softer a sociedade, assim como "tipo oral" 6 descrito tradicionalmente como de- pendente. sem iniciativa, passivo e acomodado. A segunda forma de organizacao da libido, chamada fase anal, caracteriza-se pelo marcado interesse e prazer da crianca ern reter e expelir as fezes, compreendendo o desenvolvimento da libido do segundo ao terceiro anos de vida. 0 tipo anal pode ter seu prazer tanto concentrado no reter seus afetos, atos e pensamentos, como no expelir, expulsar abruptamente esses elemen- tos psiquicos. E, sobretudo, urn tipo ambivalen- te em relacao a essas duas atitudes basicas "re- ter" e "expelir', podendo ser extremamente "contido" e abruptamente explodir ern ataques de colera. Os tracos de carater obsessivo e com- pulsivo, a tendencia a avareza, ao desejo de con- trolar a si mesmo e aos outros. assim como ten- dencias a fantasias de onipotencia e pensamento magic° sao associados a esse "perfil anal". Na terceira fase (dos 3 aos 5 anos), denomina- dafase fdlica, as criancas de ambos os sexos inte-ressam-se crescentemente pelos seus proprios ge- nitais. Nessa fase, segundo .a formulacao freudia- na, a libido dirige-se ao phalus do menino e, de certa forma. a "ausencia" do phalus na menina. Ha urn intenso investimento narcisico sobre esse phalus (que 6 anatOmico/real e simbolico, ao mes- mo tempo). Nesse contexto do complexo de Edi- po a conflitiva da crianca a marcada pelo amor e desejo dirigidos ao genitor do sexo oposto e 6dio e rivalidade ao genitor do mesmo sexo. Assim. a crianca, que inconscientemente hostiliza o geni- tor do mesmo sexo, tambem inconscientemente aguarda a represalia, sob a forma de castracao, de destruicao daquilo que julga ser o mais vali- oso em seu sec 0 tipo fcilico pode tender a urn exibicionismo ffsico e mental. a urn narcisismo de suas qualidades, atributos e "poderes", ou a uma inibicao amedrontada em desejar qualquer coisa que the seja de valor. Alem de exibicio- nista. o tipo falico pode ser descrito como "agressivo", intrometido, julgando-se narcisis- ticamente merecedor de "penetrar" em qualquer "espaco" que considera como seu de direito. reais, nao o livro, as teorias, os grandes esque- mas que categorizam a vida. 0 picnic° ao adoe- cer mentalmente tende ao transtorno afetivo bipo- lar, a depressao e as timopatias de modo geral. 0 tipo calitico ou muscular seria uma for- ma intermediaria entre o picnic() e o leptosso- mica. 0 sistema Osseo e o muscular sao desen- volvidos. Ha predominio do diametro transver- sal; ombros largos, cadeiras estreitas e pescoco grosso. Os atleticos, tenderiam, assim como os leptossomicos, a esquizofrenia ou a epilepsia. segundo a visa° de Kretschmer. ...nao aprende coin a experiencia. Isto quer dizer que no transtorno de perso- nalidade ha uma marcante desarmonia que se reflete tanto no piano intrapsiquico como no piano das relacoes interpessoais. Os transtor- nos de personalidade, embora de modo geral produzam conseqiiencias muito penosas para o indivfduo, familiares e pessoas proximas, nao e 166 PAULO DALGALARRONDO facilmente modifictivel por meio das experien- cias da vida; tende antes a se manter estavel ao longo de toda a vida. Segundo a classificacao atual de transtornos mentais da OMS, a CID-10, os transtornos de personalidades sao definidos pelas seguintes caracteristicas: Geralmente surgent na infancia ou ado- lescencia e tendem a permanecer relativamente estavel ao longo da vida do individuo ("0 me- Milo é o pai do homem"). Manifesta urn conjunto de conzportamen- tos e rengdes afetivas claramente desarmoni- cos. envolvendo varios aspectos da vida do in- dividuo, como, por exemplo, a afetividade, o controle de impulsos, o modo e estilo de rela- cionamento corn os outros, etc. 0 padrao anormal de comportamento e de respostas afetivas e volitivas 8 permanence, de longa duracdo e nao limitado ao episodio de ma doenca mental associada (como por exemplo uma fase manfaca ou depressiva, urn surto esquizofrenico, etc.).. 0 padrao anormal de comportamento in- clui muitos aspectos do psiquismo e da vida social do individuo, nao sendo restrito a apenas urn tipo de reagao ou uma area do psiquismo. 0 padrao comportamental é mal-adapta- tivo, produz uma serie de dificuldades para o individuo e/ou para as pessoas que corn ele con- vivem. Sao condicties. tzdo-relacionadas direta- mente lesdo cerebral evidente ou a outro trans- torno psiquidtrico (embora tenhamos alteracoes de personalidade secundarias a lesao cerebral). 0 transtorno de personalidade leva a al- gum grau de sofrimento (angdstia, solidao, sen- saga° de fracasso pessoal, dificuldades no rela- cionamento vividas corn amargura, etc.). Entre- tanto. salienta a CID-10, tal sofrimento pode se tornar aparente para o individuo apenas tardia- mente em sua vida. Geralmente o transtorno de personalida- de contribui para um nzazt desempenho ocupa- ciottal (no trabalho. estudos, etc.) e social (corn familiares, amigos, colegas de trabalho ou es- tudo). Entretanto. tal desempenho precario nao condicao obrigatoria. Segundo a CID- 10 (corn Iigeiras modificagoes do autor), os transtornos de personctlidade TRANSTORNO DE PERSONALIDADE PARANOIDE Sensibilidade excessiva a rejeicoes e a contratempos. Tendencia a guardar rancores persisten- temente. Desconfianca excessiva e uma tendencia exagerada a distorcer as experiencias por inter- pretar erroneamente as acties neutras ou amis- tosas de outros como hostis ou depreciativas. Obstinado senso de direitos pessoais e sen- saga° de estar sendo injustigado em relacao a esses direitos, em desacordo corn a situacao real. Suspeitas recorrentes, sem justificativa, corn respeito a fidelidade sexual do parceiro. Tendencia a experimentar uma autovalo- rizacao excessiva. manifesta em uma atitude persistente de auto-referencia. Preocupacao corn explicacties "conspira- torias", nao baseadas em dados reais. xico em psicopatologia polemic°, sempre dis- cutivel. E urn transtorno ou uma doenca, urn modo de ser ou uma categoria merlin arbitra- ria? Sao perguntas que ainda estao em aberto. Segundo a tradigao psicopatologica, os socio- patas sao pessoas incapazes de uma interagao afetiva verdadeira e amorosa. Nao tern consi- deracao ou compaixao pelas outras pessoas, mentem, enganam, trapaceiam, prejudicam os outros, mesmo quem nunca lhes fez nada. Sao popularmente conhecidos como "mau miter", "tranqueira", "canalha", etc. Eis aqui como a CID-10 os descreve: Indiferenga e insensibilidade pelos senti- mentos alheios. Irresponsabilidade e desrespeito por nor- mas, regras e obrigaciies sociais. Incapacidade de manter relacionamentos, embora nao haja dificuldade em estabelece-los. Muito baixa tolerancia a frustracties e urn baixo limiar para descarga de agressao, inclusi- ve violencia. Incapacidade de experimentar culpa e de aprender corn a experiencia, particularmente corn a punigao. Propensao marcante para culpar os ou- tros ou para oferecer racionalizagOes plausiveis para o comportamento que gerou seu conflito corn a sociedade. Crueldade e sadismo sao frequentes nes- se tipo de personalidade. Encontra-se no magnifico conto "A Causa Secreta", de Machado de Assis, uma das me- lhores descrigOes de urn individuo sociopata. No personagem Fortunato. Machado descreve de forma genial a que ponto pode chegar o sadis- mo e a crueldade db,um honiem. 0 medico Gar- cia, ao observar a crueldade de seu amigo For- tunato, assim pensa: - Castiga sear raiva, pensou o medico, pela necessidade de achar uma sensacclo de prazer, que so a dor alheia the pode dar: é o segredo deste homent. No final do conto, Fortunato experimenta o maior prazer ao observar como seu amigo (ami- go?) Garcia sofre desesperadamente ao se des- pedir da mulher secretamente amada, recem- morta, beijandb-a: Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para bei- jar outra vezo cadaver; teas eta& tzdo pode 0 betjo rebentou em sohtcos, e os olhos tido pu- deram canter as lagrimas, que vieram em borbo- tdes, lagrimas de antor calado, e irremedicivel desespero. Fortunato, a porta, °tide ficara, sabo- reou tratzqiiilo essa explosdo de dor moral que foi longa, nutito longa, deliciosanzente longa. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE Instabilidade emocional intensa. Sentimentos cronicos de vazio. Relacionamentos pessoais intensos mais muito instaveis, oscilando em curtos periodos de uma grande "paixao" ou "amizade" para "oclio" e "rancor" profundos. Esforgos excessivos para evitar abandono. Dificuldades serias e instabilidade corn referencia a auto-imagem, aos objetivos e pre- ferencias pessoais (inclusive a sexual). Atos repetitivos de autolesao. envolven- do-se em atuagOes perigosas (por exemplo, guiar muito embriagado evelozmente, intoxicar-se corn muitas drogas, etc.). Atos suicidas repetitivos. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ESQUIZOIDE Distanciamento afetivo. afeto embotado, aparente frieza emocional. Capacidade limitada para expressar sen- timentos calorosos, ternos ou raiva para corn os outros. Indiferenca aparente a elogios ou criticas. Poucas atividades produzem prazer. Pouco interesse em ter experiencias se- xuais com outra pessoa. Preferencia quase invariavel por ativida- des solitarias. Preocupacao excessiva corn fantasias e introspeccao. Falta de amigos intimos ou de relaciona- mentos confidences. Insensibilidade marcante para corn nor- mas e convencOes sociais. TRANSTORNO DE PERSONTALIDADE ANTI-SOCIAL (SOCIOPATIA) Os sociopatas sao individuos que, embora reconhecidos por todos. tern urn status nosota- TRANSTORNO DE PERSONALIDADE TIPO IMPULSIVO Tendencia marcante a agir impulsivamen- te, sem consideragao pelas conseqUencias. Instabilidade afetiva intensa. Acessos de raiva intensos. Explosoes comportamentais. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE HISTRIONICO Dramatizacao. teatralidade, expressao exagerada das emogiaes. Sugestionabilidade aumentada, facilmente influenciado por outros ou pelas circunstancias. Afetividade superficial, pueril e labil. Busca continua de atencao e apreciacao pelos outros, quer ser o centro das atenciies. Sedugao inapropriada em aparencia (ves- timenta. maquiagem. etc.) e comportamento. PSICOPATOLOGIA ,,,,,,, .Itla • 168 PAULO DALGALARRONIM Quadro 22.3 Semiotecnica da personalidade Verificar pela observacao cuidadosa e prolongada do paciente e pelo relato de familiares e conhecidos. quais dos tracos abaixo sao mais claramente presentee no paciente. Peca para os familiares descreverem como ele(a) a no dia-a-dia. como é seu "jeito de ser", seu estilo pessoal, seu modo de reagir, de sentir e de atuar ao longo dos anos. nas diversas situacoes de vida. Erotizacao de situacoes a principio nao estritamente "eroticas" (uma consulta ao den- tista, uma audiencia corn o juiz, etc.). Infantilidade. tendencia a reacoes infan- tis, pouca tolerancia a frustracao. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANANCASTICA OU OBSESSIVA Preocupacao excessiva corn detalhes. re- gras. listas, ordem. organizacao ou esquemas. Perfeccionismo que interfere na conclu- sao de tarefas. Davidas excessivas sobre assuntos irrele- vances. Cautela excessiva. Rigidez e teimosia. 1nsistencia incomum de que os outros se submetam exatamente a sua maneira de fazer as coisas. Excesso de escrupulos e preocupacao in- devida coin detalhes da vida. A rigidez impede ou anula o prazer nas relacoes interpessoais. Aderencia excessiva as convencOes so- ciais e certo pedantismo. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANSIOSA OU DE EVITAc AO Estado constante de tensao e apreensao. Crenca de ser socialmente incapaz, de- sinteressante ou inferior aos outros. Preocupacao ou medo excessivo em ser criticado ou rejeitado. Restricoes na vida diaria devido a neces- sidade de seguranca fisica ou psiquica. Evitacao de atividades sociais e ocupa- cionais que envolvam contato interpessoal sig- nificativo. principalmente por medo de criticas, desaprovacao ou rejeicao. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE DEPENDENTE I. Subordinacao da prOprias necessidades e desejos aqueles de quem e dependente. Solicitacao constantemente para que ou- tros (dos quais depende) tomem as decisties im- portantes em sua vida pessoal. Sentimento de desamparo, quando sozi- nho, por causa de medo exagerado de ser inca- paz de se cuidar. Preocupacao ou/e medo exagerado de ser abandonado pelas pessoas das quais depende. Capacidade limitada de tomar decisaes cotidianas sem urn excesso de conselhos e re- asseguramento pelos outros. Relutancia em fazer exigencias ainda que razoaveis as pessoas das quais depende. 0 sistema norte-americano de classifica- cao dos transtornos mentais, DSM-IV, acres- centa ainda dois tipos de transtornos de per- sonalidade que julgamos relevante mencionar devido ao seu interesse e importancia clini- ca. sao eles: Desconfianca constante Sensivel as decepcOes e criticas Rancoroso, arrogante Culpa os outros Rely indicativo Sense-se freqUentemente prejudica- do nas relacOes IMPULSIVA Explosivo, nao contem os impulsos lmprevisivel Nao sabe esperar Nao tolera frustrac6es Nao faz pianos para o futuro Nao pensa antes de agir Nao consegue refletir. ANANCASTICA Rigid°. metodico. minucioso Nao tolera variacoes ou improvisa- goes Perfeccionista e escrupuloso Muito convencional. segue rigoro- samente as regras Controlador (dos outros e de si) Indeciso ESQUIZOTIPICA Ideias e crencas estranhas e de au- tore ferenc ia Desconforto nas relacoes interpes- soais Pensamento muito vago e excessi- vamente metaforie,o, Aparencia fisica exceritrica Etticilia era tuna esquisita, para LiSa17110S a lin- guagem da nine, on romanesca, para empirgar- mos a definicao dos amigas. Tinha, em verdade, tuna singular organizactio. Scutt ao pai. 0 pai nascera com a amor do enigmatico, do arriscado e do obscuro; ',Jarrett quando aparelhava tuna expeclicao para it a Bahia descobrir a "cidade abandonada". Etrlcilia recebeu essa heranga mo- m!, modificada ot«tgrctvada pela natureza femi- Irresponsavel. inconsecitiente Frio. insensivel, sem compaixao Agressivo. cruel Nao sente culpa ou remorsos Nao aprende corn a experiencia Mente de forma recorrente Aproveita-se dos outros HISTRIONICA Dramatiza. a muito teatral Sugestionavel e superficial Necessita de atencao e excitacao Manipulativo Deseja atencao constante Infantil e pueril Erotizacao de situacoes nao conven- cionalmente "erotizaveis" DEPENDENTE Depende extremamente de outros Necessita muito agradar Desamparado quando sozinho Sem iniciativa Sem energia Sem autonomia pessoal EPILEPTICA Irritabilidade. impulsividade Desconfianca Prolixidade. circunstancialidade Viscosidade Hipergrafia Hiperreligiosidade Hipossexualidade nil. Nela dominava principalmente a content- placcio. Era na cabega que ela descobria as ci- dades abandonadas. Tinha os olhos dispostos de maneira que tido podiam apanhar integral- ntente os contornos dct vida. Contecou ideali- zando as coisas, e, se ncTo acabou negando-as, é certo que o sentimento da realidade esgar- cou-se-lhe ate chegar is transpcirencict fina cm que o tecida parece conFiutrlir se cam a at: TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ESQUIZOTIPICO Desconforto e incapacidade importance para ter relacoes interpessoais Intimas. Freqiientes ideias de autoreferencia ("tudo que acontece no mundo se refere a ele"). Ideias e crencas estranhas, tendendo ao pensamento magic°. Experiencias perceptivas incomuns, in- cluindo ilusoes corporais. Pensamento e discurso incomuns, estra- nhos. como, por exemplo. pensamento vago, exageradamente metaforico. hiperelaborado ou estereotipado. Ideacao parandide, muito desconfiado. Afetos inapropriados ou muito reduzidos. Comportamento e/ou a aparencia fisica (inclusive vestimenta) estranhos, os pacientes parecem excentricos ou muito peculiares. Ausencia de amigos Intimos ou confiden- tes, alem dos parentes de primeiro grau. Ansiedade excessiva em situacoes so- ciais, que nao diminui com a familiaridade em relacao a tal situacao, ou é colorida com idea- cao paran6ide. Descrevendo um personagem que muito lembra uma personalidade esquizotipica, assim se expressa Machado de Assis: PARANOIDE ESQUIZOIDE SOCIOPATICA Frio (indiferente) Distante, sem relacoes Intimas Esquisito (estranho) Vive no seu prOprio mundo Solitario (isola-se) Nao se emociona (imperturbavel)
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