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A PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS, NOS RESULTADOS E NA GESTÃO DA EMPRESA Trabalho: Participação nos lucros - Participação nos resultados - Participação na Gestão da Empresa AMÉRICO LUÍS MARTINS DA SILVA 2ª Edição Revista e Atualizada A PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS, NOS RESULTADOS E NA GESTÃO DA EMPRESA: Trabalho: Participação nos lucros - Participação nos resultados - Participação na Gestão da Empresa. 2ª Edição Revista e Atualizada AMÉRICO LUÍS MARTINS DA SILVA 1ª Edição (livro impresso): 05.07.1996 [Editora Lúmen Juris]. Copyright © 2016 Américo Luís Martins da Silva A obra foi registrada, em 28.03.96, no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional, junto ao registro n° 110.039, do Livro 163, à fl. 264 (protocolo 1996/RJ-2509). A publicação da primeira edição da obra foi averbada, em 10.07.1996, no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional, junto ao registro nº n° 110.039, Livro 172, fl. 119 (protocolo 1996RJ/6166). Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei federal brasileira n° 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais). E-mail do Autor de atendimento ao público leitor 913724rb.rj@uol.com.br ISBN: 9781977029256 SOBRE O AUTOR Américo Luis Martins da Silva (1955-) nasceu no Rio de Janeiro, Brasil. É Procurador Federal; Professor de Direito Econômico, de Direito Empresarial, Direito Imobiliário, Direito Civil e Planejamento Tributário da Escola de Pós-Graduação em Economia - EPGE da Fundação Getúlio Vargas - FGV; Professor de Direito Societário da Escola Brasileira de Administração Pública - EBAP da Fundação Getúlio Vargas - FGV; Professor de Direito Societário da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro - EMERJ; Professor de Direito Tributário do Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário da Universidade Cândido Mendes - UCAM; Professor de Direito Comercial do Curso de Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá. É Especialista em Direito Empresarial, pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília - CEUB. É pós-graduado em Direito Civil pela Escola Superior da Magistratura do Distrito Federal. É Mestre em Direito Empresarial, pela Universidade Gama Filho - UGF do Rio de Janeiro. É autor das seguintes obras jurídicas: 1) AS AÇÕES DAS SOCIEDADES E OS TÍTULOS DE CRÉDITO [2ª edição]; 2) A ORDEM CONSTITUCIONAL ECONÔMICA [3ª edição]; 3) A PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS, NOS RESULTADOS E NA GESTÃO DA EMPRESA [2ª edição]; 4) DIREITO DE FAMÍLIA E COSTUMES ALTERNATIVOS: ESTUDO JURÍDICO, ANTROPOLÓGICO E SOCIAL DA FAMÍLIA (2 VOLUMES) [3ª edição]; 5) CUMPRIMENTO DE SENTENÇA E EXECUÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR CONTRA A FAZENDA PÚBLICA: PRECATÓRIO-REQUISITÓRIO E REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR (RPV) [5ª edição]; 6) DIREITO DAS LOCAÇÕES IMOBILIÁRIAS [4ª edição]; 7) O DANO MORAL E SUA REPARAÇÃO CIVIL [5ª edição]; 8) INTRODUÇÃO AO DIREITO EMPRESARIAL [3ª edição]; 9) A EXECUÇÃO DA DÍVIDA ATIVA DA FAZENDA PÚBLICA [4ª edição]; 10) INTRODUÇÃO AO DIREITO ECONÔMICO [2ª edição]; 11) REGISTRO PÚBLICO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL (2 volumes) [2ª edição]; 12) CONTRATOS EMPRESARIAIS (2 volumes) [3ª edição]; 13) DIREITO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS (3 volumes) [2ª edição]; 14) SOCIEDADES EMPRESARIAIS (2 volumes) [2ª edição]; 15) DIREITO AERONÁUTICO E DO ESPAÇO EXTERIOR (4 volumes) [2ª edição]; 16) DIREITO DOS MERCADOS FINANCEIROS (3 VOLUMES) [2ª edição]; 17) DIREITO DA CONCORRÊNCIA EMPRESARIAL; 18) CONDOMÍNIO: DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA; e 19) DIREITO DA PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. É também autor das seguintes obras não jurídicas: 1) O VOO-SOLO E OUTROS CONTOS [categoria: contos]; 2) UMA ODISSÉIA PELOS MARES ORIENTAIS [categoria: romance]; 3) O RESGATE DE ALLAJI [categoria: romance]; 4) A SAGA DE BARTOLOMEU BRASILEIRO [categoria: romance]; 5) BARTOLOMEU BRASILEIRO, O BUCANEIRO [categoria: romance]; 6) O IMIGRANTE PORTUGUÊS [categoria: romance]; 7) DESCONHECIDO CAVALEIRO DA ORDEM DE CRISTO [categoria: romance]; 8) UM CONTINENTE LONGE DEMAIS [categoria: romance]; 9) A ÉPOCA DE BUENO MACHADO, DANÇARINO E CABARETIER [categoria: crônica]; 10) POESIAS REUNIDAS DE UM POETA EVENTUAL [categoria: poesias]; 11) OS MAIS FAMOSOS ATORES DE HOLLYWOOD - DE 1940 A 1960 - VOLUME 1 [categoria: biografia]. Visite os sites: http://www.americoluismartinsdasilva.com.br (site pessoal) http://www.amazon.com/author/americo.silva (pagina de autor de livros na amazon.com) DEDICATÓRIA Dedico este livro à Eulália de Souza Nascimento e à memória de Francisco José do Nascimento. ÍNDICE SOBRE O AUTOR DEDICATÓRIA ÍNDICE AGRADECIMENTOS PREFÁCIO CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO CAPÍTULO 2 – A EMPRESA, O EMPREGADOR, O TRABALHADOR E O EMPREGADO 2.1 DEFINIÇÃO DE EMPRESA 2.2 DEFINIÇÃO DE EMPREGADOR 2.3 DEFINIÇÃO DE EMPREGADO E DE TRABALHADOR CAPÍTULO 3 – OS LUCROS E OS RESULTADOS DA EMPRESA 3.1 DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DO LUCRO 3.2 LUCRO BRUTO, LUCRO LÍQUIDO, LUCRO LÍQUIDO DO EXERCÍCIO E LUCRO FINAL 3.3 LUCRO OPERACIONAL E LUCRO NÃO OPERACIONAL 3.4 LUCRO REAL, LUCRO TRIBUTÁVEL, LUCRO PRESUMIDO, LUCRO ARBITRADO, LUCRO INFLACIONÁRIO E LUCRO DA EXPLORAÇÃO 3.5 RESULTADO DA GESTÃO ADMINISTRATIVA DA EMPRESA CAPÍTULO 4 – TEORIA GERAL DA PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS E NOS RESULTADOS DA EMPRESA 4.1 DEFINIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS 4.2 DEFINIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS RESULTADOS 4.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E FUNDAMENTOS DA PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS E NOS RESULTADOS DA EMPRESA 4.4 DISTRIBUIÇÃO FACULTATIVA E DISTRIBUIÇÃO OBRIGATÓRIA DOS LUCROS AOS EMPREGADOS 4.5 COMPATIBILIDADE DA PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS COM O CONTRATO DE TRABALHO 4.6 NATUREZA JURÍDICA DA PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E DA PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS DA EMPRESA 4.7 AS FORMAS DE PARTICIPAR NOS LUCROS OU NOS RESULTADOS DA EMPRESA CAPÍTULO 5 – A PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS OU NOS RESULTADOS DAS EMPRESAS NO BRASIL E NO DIREITO COMPARADO 5.1 A PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1946 5.2 A PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS NA CONSTITUIÇÃOFEDERAL DE 1967 E NA EMENDA CONSTITUCIONAL N° 1, DE 1969 5.3 A PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E NOS RESULTADOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 5.4 A PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS NA LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA BRASILEIRA 5.4.1. A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT 5.4.2. Constituição Federal 5.4.3. Lei n° 2.004, de 03.10.1953 5.4.4. Lei n° 3.115, de 16.03.1957 5.4.5. Decreto n° 59.832, de 21.12.1966 5.4.6. Decreto-Lei n° 1.971, de 30.11.1982 5.4.7. Medida Provisória n° 794, de 29.12.1994 5.4.8. Lei n° 10.101, de 19.12..2000 5.4.8.1 Alcance da Lei n° 10.101, de 19.12..2000 5.4.8.2 Não cumulação de benefícios 5.4.8.3 Procedimentos de negociação para participação nos lucros ou resultados 5.4.8.4 Instrumentos de negociação 5.4.8.5 Vedação de encargos trabalhistas e tributação pelo imposto de renda 5.4.8.6 Impasse na negociação 5.4.8.7 Participação nos lucros e resultados por trabalhadores em empresas estatais 5.5 O PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL - PIS E O PROGRAMA DE FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO DO SERVIDOR PÚBLICO - PASEP 5.6 A PARTICIPAÇÃO DOS TRABALHADORES NOS LUCROS À LUZ DA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA CAPÍTULO 6 – A PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NA GESTÃO DA EMPRESA 6.1 DEFINIÇÃO DE GESTÃO 6.2 COGESTÃO, PARTICIPAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÃO EXCEPCIONAL NA GESTÃO 6.3 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA COGESTÃO E O DIREITO COMPARADO 6.4 FINALIDADES DA PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NA GESTÃO DA EMPRESA BIBLIOGRAFIA AGRADECIMENTOS À Eudélia Fialho De Lima Guerra, não apenas pela trabalhosa e paciente revisão do texto, mas, também, pelo incentivo e apoio que sempre me ofereceu durante longos anos e à Cristina Maria Cesar Martins da Silva pelas sugestões apresentadas na elaboração final da obra. PREFÁCIO O tema – A Participação dos Empregados nos Lucros, nos Resultados e na Gestão da Empresa – tão bem cuidado nesta obra pelo Professor Américo Luís Martins da Silva, foi tratado pela primeira vez em sede constitucional na Carta Magna de 1946, passando pelo texto de 1967, pela Emenda Constitucional n°1, de 1969, até chegar ao inciso XI, do artigo 7° da Constituição Federal de 1988. Matéria das mais complexas em sede trabalhista, já que envolve interesses do mais alto nível da empresa como lucro, resultado ou até mesmo a co-gestão pelos empregados tem sido fruto desde 1988 da edição de inúmeras Medidas Provisórias por parte do Governo Federal, no afã de regulamentar sua aplicação, porém, sem nenhum êxito, até o presente momento, como nos dá notícias o Autor da obra. A dificuldade do legislador em equacionar o assunto, por si só demonstra a importância da obra de Américo Luís Martins da Silva, que não é a primeira, mas que com certeza muito contribuirá para elucidar não apenas o legislador, mas todos aqueles que se preocupam com as relações denominadas trabalhistas. Analisando a evolução histórica do instituto, a sua compatibilização com o contrato do trabalho, as formas pelas quais o empregado pode participar nos lucros ou nos resultados, até a participação na administração da empresa, Américo Luís Martins da Silva, faz um passeio no Direito Comparado e no Direito Pátrio, desde os textos constitucionais até a legislação ordinária, e tenho certeza que o esforço desenvolvido será de grande valia para o esclarecimento do tema e de sua regulamentação. A este trabalho do Autor, de quem me orgulho ter sido professora e colega de estudos nos Cursos de Mestrado e de Doutorado da Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro, outros se seguirão, com o mesmo sucesso do primeiro intitulado “As Ações das Sociedades e os Títulos de Crédito”, editado, pela primeira vez, em 1995. Américo Luis Martins da Silva é um batalhador, tem procurado vencer e vencerá, pois desenvolve um trabalho sério e profícuo, como é o que está nesta obra, onde enfrenta uma temática que constitui um verdadeiro desafio. Por tudo isso, posso afirmar que tenho o prazer e a honra de prefaciar tão importante trabalho. Zoraide Amaral de Souza CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO Através dos séculos a questão social tem sido tema inesgotável dos pensadores, economistas, juristas, políticos etc. Ou como menciona o jurista e professor universitário de Direito do Trabalho e Seguridade Social das faculdades de direito da Universidade Federal de Pelotas e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, MOZART VICTOR RUSSOMANO (Pelotas, 05.07.1922 – 17.10.2010), os filósofos, desde Platão (Atenas, 428/427 – Atenas, 348/347 a.C.) e Aristóteles (Estágira, Grecia, 384 a.C. – Calcis, Grécia, 322 a.C.) até Karl Marx (Tréveris, 05.05.1818 - Londres, 14.03.1883), Lenin (Ulianovsk, Russia, 22.04.1870 – Gorki, 21.01.1924), Leão XIII (Carpineto Romano, 02.03.1810 – Roma, 20.07.1903) e Jacques Maritain (Paris, 18.11.1882 – Toulouse, 28.04.1973) “se têm atirado, pelos mares desconhecidos do pensamento e dos séculos, no devaneio dos argonautas, à procura do velocino de ouro de uma solução definitiva e humana para o problema social”. Segundo ele, “cada gênio queima, na pira da sociedade, alguns grânulos do incenso de suas teorias”. Todavia os homens, as instituições, as ideias, as doutrinas e os sonhos passam e desaparecem no passado. Sempre resta apenas a questão social. A má distribuição das riquezas, a miséria da classe operária e a injustiça da vertiginosa concentração do dinheiro circulante na mão de muito poucos tem sido o germe de revoltas, revoluções, guerras e de reformas no mundo capitalista. Enfim, a questão social, sob o aspecto dinâmico, tem sido uma luta intensa, que, na opinião de MOZART VICTOR RUSSOMANO, vez por outra, abala os alicerces da sociedade humana, colocando em risco a paz política do Estado e a paz de consciência dos cidadãos. [1] Lembra ainda MOZART VICTOR RUSSOMANO que a questão social decorre de um fato incontestável: o capital todo poderoso oprime o trabalho desprotegido. Diz ele que, daí, extraímos, pelo raciocínio e pelo sentimento, um roteiro de ação: é necessário fazermos a defesa eficiente, serena e vigorosa do trabalho contra o capital, pois o trabalho é o único elemento humano da produção econômica e, portanto, o mais digno. Menciona ainda ele que, em regra, o trabalhador vive do fruto do seu esforço pessoal, isto é, vive do seu salário. A humanidade, por outro lado, é constituída, na proporção de 90%, de assalariados. Por isso os legisladores protegem a remuneração do proletariado contra os desmandos possíveis ou verificados do empregador menos honesto. Como sabemos, é velha a luta pela conquista de um salário justo, que não há de ser o salário que corresponde, tão matematicamente quanto possível, à quantidade de trabalho desenvolvido pelo empregado, mas, sim, o salário humano, o salário vital defendido pela doutrina social da Igreja, que, como dizia o Papa Pio XI (Desio, 31.05.1857 - Vaticano, 10.02.1939), em sua encíclica “Quadragesimo Anno” se deve revestir, quando possível, do caráter de salário vital familiar.[2] Todavia, se o operário é um complemento digno e indispensável na vida social, por outro lado, cairiam no mesmo erro em que caíram os donos do capital no século passado ao formar um grupo unido e compacto, com características de força poderosa e temível, para abusar do seu poder. Devemos lembrar que até mesmo os revolucionários, quando se tiranizam, são engolidos pela própria revolução que eles mesmos desatam. Os Impérios romano e árabe caíram pelo abuso que cometeram com seu poderio e pela debilidade em que os deixou o vício que sustentavam. O feudalismo foi enterrado pelo mesmo abuso de poder; era impossível continuar tolerando que aqueles grandes senhores fossem donos de vidas e bens de seus vassalos. Luís XVI (Versalhes, 23.08.1754– Paris, 21.01.1793) e Maria Antônia Josefa Joana de Habsburgo-Lorena (Viena, 02.11.1755 - Paris, 16.10.1793), deixando de ouvir os gritos da multidão faminta e abusando de seu poder político, organizavam suntuosas festas nas quais fortunas eram dispendidas, no mesmo instante em que o povo carecia dos alimentos mais indispensáveis para seu sustento. O resultado foi que o povo oprimido se sublevou (Revolução Francesa) e enviou os Reis à guilhotina. Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (Arras, 06.05.1758 - Paris, 28.07.1794), principal indutor desta Revolução, tanto abusou de seu poder político, que a Revolução, que ele mesmo organizou, acabou com ele, guilhotinando-o. Surgiu o líder político e militar durante os últimos estágios da Revolução Francesa, Napoleão Bonaparte (Ajaccio, 15.08.1769 - Santa Helena, 05.05.1821), jovem militar de trinta anos, culto e extremamente ambicioso, que não se conformando com ser soberano apenas da França, empreendeu a conquista da Europa e tanto abusou de seu poder militar que a final foi vencido, feito prisioneiro e abandonado à morte como um vulgar malfeitor em Santa Helena. Na época da industrialização, abusou-se tanto do poder econômico que provocou-se a formação do marxismo, organizando-se as massas para sua defesa, ao que não teríamos nada que opor, se não acabássemos por presenciar como o abuso passou depois às mãos das organizações operárias de tipo comunista e afins, tão somente pelo fato de que estas se consideravam força envolvente à qual a sociedade, criam eles, devia render-se, pelo poderio que a massa operária representava. Os abusos de poder político do Czar levantaram o povo em massa na ocasião da derrota militar causada à Rússia pelo marechal alemão Paul Ludwig Hans Anton von Beneckendorff und von Hindenburg, mais conhecido como Paul von Hindenburg (Posen, 02.10.1847 - Neudeck, 02.08.1934), quando da 1ª Guerra Mundial, dando origem à Revolução Comunista e por ordem do intelectual marxista, revolucionário bolchevique e organizador do Exército Vermelho, Leon Trotsky (Ianovka, 07.11.1879 - Coyoacán, 21.08.1940), importante dirigente revolucionário russo, foi o Czar e toda a sua família mortos a tiros no porão de uma casa vulgar para onde haviam sido levados por revolucionários. Leon Trotsky, por sua vez, foi morto violentamente em sua própria casa no México por um sicário de Josef Vissarionovitch Stalin (Gori, 18.12.1878 - Moscou, 05.03.1953), seu companheiro de Diretório Revolucionário. Os milhões de judeus exterminados pelo político da Alemanha Nazista e tenente-coronel da SS, Otto Adolf Eichmann (Solingen, 19.03.1906 – Ramla, 31.05.1962), puseram-se um dia de pé para enforcá-lo. E se as atuais organizações operárias insistirem em ultrapassar o ponto de tolerância social resistível, serão um dia privadas do nível alcançado e anatematizadas pela opinião pública por causa justamente do abuso de poder exercido por suas massas.[3] Daí conclui ALFONSO MARTIN ESCUDERO que o abuso de poder tem vida curta e intranquila e que sua natureza íntima encerra o germe de sua própria destruição.[4] Todavia devemos ressaltar que a ganância indiscriminada pelos donos do capital a custa da miséria absoluta, tão bem retratada na obra “O germinal” do consagrado escritor francês, considerado criador e representante mais expressivo da escola literária naturalista além de uma importante figura libertária da França, Emílè Zolá (Paris, 02.04.1840 - Paris, 29.09.1902), parece ter sido de maior tendência no século passado, pois, no atual, várias reformas vem ocorrendo para acrescentar uma maior socialização do mundo capitalista, a fim de amenizar as dificuldades das classes trabalhadoras, no sentido de ser proporcionada à força do trabalho condições condignas de sobrevivência e interesse suficiente para a busca da formação individual de patrimônio nas camadas menos privilegiadas da sociedade. Na verdade, o incipiente capital reunido em mãos de pessoa que, além do espírito de economia demonstrado, possui senso comercial, aumenta estas economias, aproveitando o tempo que seu emprego lhe deixa livre para inverter seu dinheiro naquilo em que sua observação o aconselhasse como negócio rendoso, e assim, girando com ele, chega a possuir um capital e uma perspectiva para estabelecer uma empresa, que a princípio pode atender sozinho, porém que mais adiante exige a tomada de empregados para que mediante o salário em vigor, com horário e normas de trabalho que as condições sociais impõem e as autoridades públicas sancionam, o ajudem em trabalhos auxiliares, para atender-se àquilo que o desenvolvimento do negócio é reclamado. Assim, tem por formada uma empresa com capitalista e empregados, ou seja, capital e trabalho unidos dentro de uma mesma empresa.[5] Vamos supor que, transcorrido um ano, a empresa realiza o balanço para verificar se houve perdas ou lucros: no primeiro caso, o capitalista perderia sozinho, vendo diminuir seu capital, se as perdas fossem parciais, ou retirando-se arruinado, à procura de um emprego, se fossem totais. Se ao contrário, tivesse havido lucros líquidos, parece que surgiria a dúvida quanto a quem moralmente devem pertencer esses lucros. Na atualidade, encontramos 3 (três) posições distintas a respeito da distribuição dos lucros de uma empresa. A primeira sustenta que os lucros devem ser inteiramente atribuídos ao capitalista, no máximo com participação da diretoria. Esta posição é defendida sob o argumento de que o lucro é o prêmio sagrado de quem conseguiu reunir com seu próprio sacrifício o capital necessário para o sucesso do empreendimento, de quem soube manejá-lo e de quem se submeteu a jornadas exaustivas em busca não de salário mas de retorno com acréscimos de seu capital aplicado no empreendimento. Segundo esta posição, de qualquer forma, o dinheiro acaba vindo em benefício de operários. A primeira intenção do empresário é certamente estabelecer-se para melhorar seus meios de vida, de forma que possa permitir-se suficiência e conforto. É verdade que o dinheiro serve para pagar serviços, com lucro para quem os realiza, mas a partir do momento em que a empresa obtém os grandes lucros, os operários, sem o saber, começam a desfrutar, gratuitamente e em medida excepcional, do empresário, já que todos os lucros que produz, todo o novo capital que cria, não pode empregar senão em benefício dos empregados e operários: montando indústrias, comércio, navegação, bancos, exploração agrícola, exploração minerativas, academias, institutos, universidades etc., a serem projetados e realizados por engenheiros, gerentes, funcionários, operários etc., que são os que realmente absorverão, em cadeia sem fim, tudo quanto idealizar a mente do empresário. Daí o advogado, escritor e jurista brasileiro FÁBIO KONDER COMPARATO (Santos,08.10.1936 -) dizer que “se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa”.[6] A segunda posição sustenta que os lucros devem ser inteiramente absorvidos pelo Estado. Todavia, neste caso, o Estado, que está representado por políticos de permanência arbitrária nos cargos ou, em todo caso, de maior limitação cronológica do que o período necessitado pela empresa privada para sua formação e desenvolvimento, não tem o interesse que dão ao empresário a paternidade do negócio e o conceitode propriedade, fatores de capital importância para o êxito, porque provocam constantemente, ânsia de superação para sua obra, o que não há razão para suceder, nem se pode esperar dos provisionais funcionários do Estado. Assim, nenhum homem de empresa renderia tanto, trabalhando sob os ditames de um funcionário do Estado como o faria por sua própria iniciativa, segundo foi possível comprovar nos países comunistas com o fracasso de sua agricultura que, apesar de desenvolver-se em terras fertilíssimas, de produção comum superior ao consumo em tempos antigos, obrigou a ir buscar as quantidades volumosas que faltavam nos países capitalistas, nos quais, por imperar o regime de iniciativa privada, a produção superou, amplamente, o consumo em suas respectivas nações. Ademais, restou provado que não há conveniência para os habitantes de uma nação em suprimir todos os empresários capitalistas para criar um só, o Estado, sempre propenso aos abusos.[7] A terceira e última posição sustenta que os lucros devem ser repartidos entre todas as pessoas que compõem a empresa, inclusive os empregados. Os que defendem esta posição dizem que a principal justificativa para que os benefícios das empresas devam ser distribuídos entre funcionários e operários reside no fato de que estes trabalham e, portanto, colaboram e ajudam para que a empresa os obtenha, ou seja, os lucros devem ser também distribuídos entre os empregados em virtude do fato de que trabalham na empresa que os produzem, e sem a sua colaboração eles não se produziriam. Esta participação na distribuição dos lucros seria um prêmio pelo esforço produtivo para o sucesso do empreendimento. Outros acreditam que seja uma das formas encontradas na sociedade capitalista para diminuir a diferença gritante entre o dono do capital e o operariado. Para muitos autores, esta participação, por outro lado, consiste também na mais justa forma de melhor remunerar a classe trabalhadora sem transferir ao empregado o que o empregador administrativamente não pode proporcionar. Entre eles, o economista e professor da Faculdade de Economia Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, HÉLIO ZYLBERSTAJN, em defesa do sistema de participação dos empregados nos lucros da empresa, diz que a experiência de outros países tem mostrado que, se houver na remuneração dos empregados um ponto que possa estar atrelado ao melhor ou pior desempenho da empresa, há mais garantia de emprego nos momentos de recessão, ou seja, o empregador tem estímulos para manter o mesmo quadro de pessoal, já que seus gastos podem ser diminuídos. Os empregados, por sua vez, como é óbvio, manterão seus empregos, embora com uma remuneração menor.[8] Na realidade, embora o Brasil esteja no meio do caminho, em sua busca de um salário justo para nosso trabalhador, tendo fixado os índices salariais mínimos de retribuição e lançado normas ordinárias em torno do princípio do salário familiar, essa preocupação subsiste e é uma constante no pensamento dos legisladores nacionais. Acentua, porém, MOZART VICTOR RUSSOMANO que todas as medidas de melhoria e salvaguarda do salário não envolvem uma defesa exclusiva dos interesses do trabalhador. Não se tem em mira favorecer determinada classe, à custa do empregador. O Estado interfere nos contratos individuais em nome do interesse coletivo.[9] De modo que, antes de constituírem uma defesa despótica do empregado, aquelas medidas constituem, como disse o notável jurista alemão radicado no Brasil EGON FELIX GOTTSCHALK, a defesa do nível de vida da própria comunidade, de que depende o grau de bem-estar, saúde físico-moral, poder econômico, civilização e cultura de uma nação. O mínimo, geralmente garantido ao indivíduo, é, na realidade, expressão de um fator econômico-social, interessando, por isso, antes de tudo, à coletividade.[10] Segundo MOZART VICTOR RUSSOMANO, foi, certamente, dentro da moldura dessas ponderações que o legislador constituinte brasileiro de 1946, ao repor o país nos trilhos da democracia, que é a sua tradição, e ao sintetizar os preceitos fundamentais inspiradores do Direito do Trabalho, estabeleceu, entre eles, pela primeira vez em uma Constituição brasileira, o de participação dos empregados nos lucros das empresas, que, para MOZART VICTOR RUSSOMANO, é um instituto jurídico de duas faces: a) importa, de um lado, na majoração salarial do obreiro; e b) de outro lado, interessa o trabalhador na maior produtividade da empresa, facilitando os negócios e a prosperidade do empregador.[11] Mas, como disse HÉLIO ZYLBERSTAJN, por outro lado, não se deve obrigar o empregador a pagar salários que, em alguns momentos da vida econômica nacional, não poderiam ser suportados pelas condições financeiras da empresa, por isso a participação nos lucros apresenta-se como melhor forma de remuneração dos empregados, tanto nos momentos de prosperidade como nos momentos de dificuldades da empresa. Ademais, a participação nos lucros ou resultados constitui, segundo o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo OCTÁVIO BUENO MAGANO (1928-2005), poderosíssimo instrumento de incentivo ao aprimoramento das organizações econômicas, no sentido de melhor habilitá- las a enfrentar a concorrência, que, no mundo atual, tendente a se converter numa global village (aldeia global - globalização da economia), torna-se cada vez mais aguçada. No seu entender, foi, sem dúvida, para habilitar as empresas a buscarem o aumento da respectiva produtividade, sem gravames, que o constituinte de 1988 houve por bem considerar as participações em lucros ou resultados como benefícios desprovidos de natureza salarial (sem os encargos sociais que normalmente pesam sobre o salário), sujeitando, porém, a matéria à lei regulamentadora.[12] Destacamos que o acirramento da concorrência em virtude da globalização da economia é muito mais real do que se possa imaginar. O processo de reestruturação da economia brasileira, imposto pela necessidade de competir para sobreviver no mercado globalizado, faz diariamente, e continuará fazendo, muitas vítimas, aumentando substancialmente o número de falências e do desemprego no país. Na opinião de JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS, os custos dessa reestruturação, a curto prazo, são elevadíssimos, uma vez que muitas empresas não conseguirão sobreviver ao ajuste à eficiência e produtividade. A maior prova de que a globalização da economia impõe muitos sacrifícios ao setor produtivo está em números estatísticos confiáveis. Até abril de 1995, o número de falências manteve-se estável. A partir de então, os pedidos começaram a disparar, batendo o primeiro recorde em agosto (o número mais alto registrado desde a recessão de 1992), superado agora em fevereiro de 1996, com 1.358 processos.[13] É certo que boa parte do número de falências se deve, também, as medidas de restrição ao crédito, impostas pelo governo, desde 1995, para combater a inflação, mas, ainda assim, transparece o esforço de reestruturação no setor produtivo para fazer frente à competição no mercado globalizado. Outrossim, ainda analisando esta terceira hipótese de distribuição dos lucros, no sentido de que devem ser repartidos entre todas as pessoas que compõem a empresa, muitas vezes os empregados conservam em ações da empresa os lucros que lhes correspondem, com o que o capital continua íntegro, ou seja, neste caso os lucros distribuídos mantêm-se agregados ao capital para que este se encontre fortalecido e em melhores condições para atendimento das reposições de maquinário, deficitárioou obsoleto, assim como instalações de novas empresas a fim de baratear os preços e oferecer novos empregos a tantos trabalhadores quanto são os que, constantemente, buscam colocação, sem que sempre tenham a oportunidade de encontrá-la. A participação nos lucros faz parte, pois, de um conjunto de medidas renovadoras que aos poucos vão sendo adotadas visando, evidentemente, a sobrevivência não apenas da classe trabalhadora mas do próprio capitalismo. Procurando deixar para o passado os focos de trabalho onde o operário recebe por longas jornadas de trabalho, incluindo horas extraordinárias, salários miseráveis, insuficientes para manter a vida, quer mesmo em sua forma mais primária. Por outro lado, esta participação persegue também a contenção ideal aos desmandos petitórios exagerados que possam fazer os operários, que, como simples homens mortais que são, podem, quando se consideram fortes ou em situação vantajosa, cometer o erro de ter excessivas ou caprichosas pretensões sem imaginar que, se as obtivessem, poderiam colocar em perigo o equilíbrio necessário que o desenvolvimento do empreendimento precisa manter, inclusive para sua própria sobrevivência. Lembramos que, concretamente, não raras vezes, ocorrem coações exercidas por meio de greves, muitas vezes violentas, para tratar de conseguir aparentes melhorias, tais como: a) aumento exorbitante de salários; b) diminuição de horas de trabalho; c) pouca idade para a aposentadoria; etc. Querendo ou não, estas algumas melhorias sociais encaminham-se para a mesma finalidade: encarecer a produção, ou seja, situar os preços adiante das sucessivas elevações concedidas, fato que desorganiza a economia. Se os salários são elevados, na mesma porcentagem aumentado, eleva-se a coisa produzida. Se menos horas se trabalha, com o mesmo salário que quando se trabalhava mais, a remuneração que se recebe, sem trabalhar, repercute sobre a menor produção, encarecendo-a; dar-se aposentadoria aos trabalhadores em idade baixa, por exemplo, 55 (cinquenta e cinco) anos, tem que ser aumentados os impostos, para pagar aos que antecipadamente não produzem e o aumento de impostos ao gravitar como maior gasto sobre a produção, também a encarece. Esclarece ainda ALFONSO MARTIN ESCUDERO que a orientação geralmente é, pois, encarecer a vida, torná-la insuportável, fazê-la de tal maneira, que a massa de operários e de funcionários comprem cada dia menos com salários que sempre ficam para trás pela alta imediata de preços que os dirigentes operários tratam, como quer que seja, de impor. Diminuindo o poder aquisitivo, são despedidos operários e fábricas chegam a ser fechadas, aumentando o número de desempregados que, por sua vez, são geradores de novas despedidas e de novos desempregos. Como o que ainda produzimos, o produzimos caro, não encontramos comprador no estrangeiro; não podemos exportar e, portanto, não temos para pagar o que de fora necessitamos. E assim, por estes processos, desemboca-se no caos.[14] Outrossim, também não se deve permitir que a participação nos lucros acabe minando a vontade pessoal de progressão. O operário ou empregado que dentro de seus salários e gratificações não logra economizar uma pequena parcela para comercializá-la, mostra sinal evidente de que carece das condições mínimas exigíveis para tornar-se independente: neste caso, deve continuar como empregado sujeito às ordens de quem nasceu com as aptidões necessários para esses destinos, entendendo-se que qualquer inversão que aqueles fizessem estaria fadada a terminar em inevitável fracasso. Deve, pois, esta espécie de pessoas, preparar-se para ingressar em uma organização e aspirar a merecer as possíveis promoções. Assim, a participação nos lucros não deve eliminar a possibilidade de melhoria pessoal ao longo da vida laboral do empregado. É lógico que a necessidade de haver uma perfeita regulamentação legal sobre a matéria, não basta apenas a garantia constitucional para a participação nos lucros, como é sabido, principalmente entre nós. Regulamentação esta que venha determinar a distribuição justa do lucro e, ao mesmo tempo, evite afugentar o capital dos meios de produção. Todavia, desde 1946, quando pela primeira vez se promoveu a constitucionalização da participação nos lucros em nosso país, até muito recentemente, o tema nunca foi efetivamente regulamentado e manteve-se adormecido e abandonado, enquanto que a participação dos trabalhadores nos lucros apurados e, por vezes, no capital da sociedade constitui objeto de regulamentação por lei ordinária em vários outros países. Em algumas ocasiões tínhamos notícias isoladas de que um empresário ou outro haviam tido a iniciativa de distribuir uma parcela dos lucros aos empregados da sociedade, porém apenas como mera liberalidade do empregador. No entanto, após a edição da Medida Provisória n° 794, de 29.12.94 (dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas e dá outras providências), publicada no DOU de 30.12.1994, o tema veio novamente à tona. E medidas provisórias editadas a partir de então, que dispõem sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou nos resultados das empresas, têm provocado inúmeros debates e mantido em foco o interesse de se regulamentar definitivamente a matéria, desde que, é claro, o Congresso Nacional algum dia resolva votar a lei ordinária que colocará efetivamente em vigência as normas mantidas a custa de edições mensais e sucessivas dessas medidas provisórias. Como alerta o político brasileiro JOSÉ SEGADAS VIANNA (Rio de Janeiro, 01.07.1906 - Rio de Janeiro, 17.10.1991), trata-se certamente de um dos temas mais polêmicos no campo do Direito do Trabalho. Tempos houve em que aqueles que procuravam estudar a matéria, ou até mesmo a ela se referiam, eram olhados com visos de socialistas e, em razão disso, poderiam sofrer graves conseqüências face ao regime de exceção instalado no país. Segundo ele, até a bem pouco tempo, para muitos, a questão da participação causava arrepios e chegava a trazer o sabor de mentalidade subversiva. Explica JOSÉ SEGADAS VIANNA que é porque ainda não foi possível arraigar os conceitos de que a empresa representa apenas “capital” e que frente a ela, como antagonista, se encontra o “trabalho”.[15] Diz ele que, de um lado o empreendedor, o capitalista, aplicando o próprio capital ou de terceiros associados, como no caso das sociedades anônimas, visando mas o lucro, e, mesmo quando olhada a finalidade social da empresa, os que parecem um pouco mais evoluídos entendem que essa finalidade social se restringe aos interesses do desenvolvimento econômico, à criação de mais empregos, à expansão dos meios de produção, mas sempre olhando o trabalhador como um dos fatores dessa produção e que deve ser mantido dentro dos limites que separam capital e trabalho. Segundo JOSÉ SEGADAS VIANNA, o sentido social da empresa não deve, para eles, ir além de pagar ao trabalhador um salário justo com sentido retributivo, de assegurar determinadas garantias ao exercício de seu trabalho contra os acidentes e as enfermidades ocupacionais, de lhe dar tranqüilidade extensiva à sua família e para ele próprio, na velhice, através dos diversos planos de seguridade social. Concedidos esses direitos, os que estão ainda aferrados aos conceitos de empresa, “capital e trabalho”, entendem que o dever está cumprido e que a dívida decorrente da contraprestação do trabalho está saldada.Para esses, o sentido do “salário retido”, que está além da contraprestação salarial, representa uma parte do capital que se deve acumular para crescimento constante da empresa e isso virá a beneficiar o próprio trabalhador.[16] E este pensamento deve representar a grande maioria dos empresários e das autoridades, haja vista a notória má vontade de tratar a respeito do tema. Mesmo agora, quando o Poder Executivo mostra- se disposto a por em vigência normas que regulamentam o texto constitucional no tocante a participação dos empregados nos lucros das empresas, o Congresso Nacional coloca-se desinteressadamente distante da questão, obrigando a buscar-se a vigência da norma através do mecanismo absurdo de edições mensais, por tempo indefinido, de medidas provisórias contendo textos idênticos. De qualquer forma, vale destacar que, como enumerou o advogado, jornalista e deputado brasileiro o Paulo Sarasate Ferreira Lopes (Fortaleza, 03.11.1908 - Rio de Janeiro, 23.06.1968), em 1947, como relator na Comissão de Legislação Social, a regulamentação da participação nos resultados do empreendimento implica a necessidade de definir alguns conceitos, como por exemplo, o que é empresa; o que se deve admitir como capital; a taxa de remuneração do capital; a percentagem dos lucros atribuída aos empregados; o prazo para aquisição do direito de participação; os elementos a considerar na distribuição pelos empregados da sua parte nos lucros; o mecanismo da distribuição; a limitação das quantias a receber e a destinação dos excedentes; e a forma de efetuar o pagamento. Por isso, um estudo da participação nos lucros deve abordar cada um desses conceitos e requer inicialmente a abordagem dos termos individualmente considerados: a empresa, o estabelecimento, o empregador, o empregado, o lucro e o resultado. CAPÍTULO 2 – A EMPRESA, O EMPREGADOR, O TRABALHADOR E O EMPREGADO 2.1 DEFINIÇÃO DE EMPRESA Antes de entrarmos no estudo sobre a participação dos trabalhadores nos lucros e nos resultados da empresa, necessário é que preliminarmente abordemos algumas questões relacionadas aos conceitos de empresa, de empregador, de trabalhador e de empregado. Como se sabe, é muito antigo o debate levado a efeito pelos mais notáveis juristas em torno de tais conceitos. Evidentemente, o esforço da doutrina para estabelecer esses conceitos ainda não foi concluído; o debate ainda encontra-se em andamento. Todavia, para se poder saber ao certo que circunstância é atingida pelos mandamentos da norma constitucional e das normas legais é imprescindível se estabelecer previamente esses conceitos. A respeito desse problema, o procurador-geral de justiça e professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, PAULO SALVADOR FRONTINI, por exemplo, menciona que, em face da legislação, a figura da empresa é uma realidade. Por que a empresa é uma realidade perante a lei? Responde ele que, simplesmente os textos legais, nos mais variados níveis, usam, a todo momento, o substantivo “empresa”. Se essa entidade, a quem a lei se refere como empresa, é alcançada pelas normas jurídicas, ela necessariamente existe para o Direito. E, se existe, há de ter um certo contorno, suficientemente nítido para proporcionar segurança jurídica a respeito de quem sofre a ação de uma norma, por ser empresa, e de quem não sofre, por não se enquadrar nesse conceito.[17] Assim, pois, iniciaremos nossos estudos pelo conceito de empresa, que tem se mostrado um dos mais complexos assuntos a desafiar a doutrina e a jurisprudência, na incessante busca desses seus precisos contornos. Inclusive, esta complexidade deve-se ao fato de, além de quase toda a vida econômica de um país girar em torno da empresa, ela é o meio natural onde se desenvolve o trabalho humano subordinado. Os economistas clássicos, no século passado, observaram razoavelmente bem as organizações econômicas destinadas à produção. Entre eles, o economista francês e formulador da chamada a Lei de Say, JEAN-BAPTISTE SAY (Lyon, 05.01.1767 - Paris, 15.11.1832), por exemplo, demonstrou que a figura do empresário é o eixo a um tempo da produção e da repartição, aquele que adapta os recursos sociais às necessidades sociais, e que remunera os colaboradores da obra cujo chefe é.[18] Na reação socialista dos reformadores, o filósofo e economista francês, um dos fundadores do socialismo moderno e teórico do socialismo utópico, CLAUDE HENRI DE ROUVROY, conde de Saint-Simon (Paris, 17.10.1760 - Paris, 19.05.1825), colocou no centro da sociedade a figura dos grandes empresários.[19] Desde então, a Economia Política passou a considerar, o papel da empresa, como organização dos fatores da produção. No entanto, em Economia Política, o termo “empresa” é, na realidade, aplicado em dois sentidos bem distintos um do outro: a) no sentido restritivo; e b) no sentido extensivo. No sentido restritivo, esclarece economista francês e professor da Universidade de Lyon e da Universidade de Paris, FRANÇOIS PERROUX (Saint-Romain-en-Gal, 19.12.1903 – Stains, 02.06.1987) que o termo é utilizado para designar a empresa capitalista, que essencialmente se caracteriza pelo recurso ao trabalho alheio e pelo móvel lucrativo que determina sua atividade. Segundo esta acepção, a empresa é uma forma de produção pela qual, no seio de um mesmo patrimônio, combinam-se os preços dos diversos fatores da produção trazidos por agentes distintos do proprietário, em vista de vender no mercado um bem ou um serviço para obter um lucro monetário, que resulta da diferença entre duas séries de preços.[20] Inclusive, FRANÇOIS PERROUX esclarece que a empresa, encarada como organização capitalista, apresenta as seguintes características: a) combina os fatores da produção; b) obtém produto destinado ao mercado, isto é, à satisfação de estranhos, o que distingue a empresa da economia particular; e c) visa ao lucro e não, à satisfação moral, o que a distingue das organizações de assistência social.[21] Já no sentido extensivo, mencionam ORLANDO GOMES DOS SANTOS e ELSON GOTTSCHALK que o termo é utilizado para designar toda organização cujo objeto é prover à produção, à troca ou à circulação dos bens e dos serviços. A empresa é, sem sombra de dúvida, a unidade econômica e jurídica na qual são grupados e coordenados os fatores humanos e materiais da atividade econômica.[22] Inclusive, alguns autores, entre eles o jurista francês e professor da Faculté de Droit de Paris HENRY TRUCHY (1864-1950) [23] e EMILE JAMES, acrescentam ainda o caráter da independência financeira em relação a qualquer outra organização. EMILE JAMES, ao construir seu conceito econômico de empresa, diz, ainda, que ela é todo organismo que se propõe essencialmente produzir para o mercado certos bens ou serviços, e que independe financeiramente de qualquer outro organismo”.[24] Assim, como se pode observar, a acepção restritiva se opõe à acepção extensiva. A diferença entre uma acepção e outra é que na extensiva não se faz qualquer referência ao móvel lucrativo da atividade e muito menos à eventual separação entre o capital e o trabalho. No campo econômico, podemos ainda citar o conceito de JOSÉ PINTO ANTUNES e de ANA MARIA FERRAZ AUGUSTO. O primeiro menciona que empresa é um regime específico de produção, característico do sistema liberal na fase de expansão e universalização, típico do século XIX, que sucedeu aos regimes de economia familiar assalariada e manufaturas reais.[25] E a segunda, partindotambém dessa visão liberalista, diz que empresa é um dos regimes de produzir onde alguém (empresário), por via contratual, utiliza os fatores da produção sob sua responsabilidade (riscos), a fim de obter uma utilidade, vendê-la no mercado e tirar da diferença, entre o custo da produção e o preço de venda, o maior proveito monetário possível.[26] Apesar dos esforços da Economia Política, devemos ressaltar que, a bem da verdade, a ideia de empresa parece ter surgido no âmbito do Direito Comercial. Tanto é que vamos encontrar no Código francês de 1807 essa ideia de maneira bem distinta. O art. 632 desse Código incluiu entre os atos de comércio “todas as empresas de manufaturas, de comissão, de transporte por terra e água” e “todas as empresas de fornecimento, de agência, escritórios de negócios, estabelecimentos de vendas em leilão, de espetáculos públicos”. De qualquer forma, é indiscutível que a palavra “empresa” tem, pelo menos, dois sentidos: um, econômico e o outro, jurídico. Após analisar os conceitos de economistas e de juristas, JOSÉ TAVARES fixou-se em ambos. Segundo este jurista português, no sentido econômico, empresa é o organismo produtor coletivo que reúne em si todas as forças econômicas necessárias para o exercício lucrativo de determinada indústria e, no ponto de vista do Direito Empresarial, empresa é o organismo industrial, singular ou coletivo, que se propõe a realizar uma série de atos destinados à especulação mercantil.[27] Para o Direito Empresarial nem todo os aspectos econômicos da empresa interessam para se construir a noção jurídica de empresa. Assim é que o fenômeno produtivo em si, a transformação técnica da matéria-prima em produto manufaturado, pronto para o consumo, escapa evidentemente ao interesse e à regulamentação jurídica, sendo próprio da cogitação do economista. Por isso o jurista italiano e professor da Università di Urbino, Padova, Pavia e Macerata, autor do famoso Manuale di Diritto Commerciale, GIUSEPPE FERRI (Norcia, 27.09.1908 – Roma, 1988) enumera os aspectos mais expressivos da empresa, os quais são de interesse do Direito Comercial: a) a empresa como expressão da atividade do empresário, ou seja, a atividade do empresário está sujeita a normas precisas, que subordinam o exercício da empresa a determinadas condições ou pressupostos ou o titulam com particulares garantias; são as disposições legais que se referem à empresa comercial, como o seu registro e condições de funcionamento; b) a empresa como ideia criadora, a que a lei concede tutela; são as normas legais de repressão à concorrência desleal, proteção à propriedade imaterial (nome comercial, marcas, patentes etc.); c) a empresa como um complexo de bens, que forma o estabelecimento comercial, regulando a sua proteção (ponto comercial), e a transferência de sua propriedade; d) as relações com os dependentes, segundo princípios hierárquicos e disciplinadores nas relações de emprego, matéria que hoje se desvinculou do Direito Comercial para se integrar no Direito do Trabalho.[28] Assim, para o Direito Comercial, a empresa, na sua acepção jurídica, não é nada mais que uma atividade exercida pelo empresário. E quando se fala de empresário pretende-se referir àquele que, segundo o professor da Universidade de São Paulo WALDÍRIO BUGARELLI (04.03.1930 – 05.10.2006), exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada de produção ou circulação de bens ou serviços para o mercado. O empresário engloba em si o agente e o agir, e certamente é assim considerado quem assim age e, portanto, a atividade surge como elemento qualificador básico, inclusive como critério objetivo.[29] Já o nosso Código Comercial considera empresa o ato de comércio, ou seja, aqueles que servem para que circulem as mercadorias ou aqueles que tem por característica o intuito de lucro ou intento especulativo (atos de comércio subjetivos ou por natureza), bem como aqueles assim considerados por imposição legal (atos de comércio objetivos ou por força da lei). Como se vê, o nosso Código Comercial deixou assinalado que era a noção de ato a mais importante em matéria de comercialidade, relegando, desta maneira, a plano secundário a noção de empresa como organização integrada de vários fatores. O legislador de 1850, ao promover a inclusão da empresa entre os atos, como figurativas ou componentes da mercancia, utilizou o termo empresa tal como o fez o jurista francês e professor da Faculdade de Direito de Paris JEAN ESCARRA (Paris, 10.04.1885 - Paris, 14.08.1955), na doutrina francesa, ou seja, utilizou-a como repetição de atos praticados a título profissional.[30] Por sinal, no mesmo sentido, o professor, advogado, político, jornalista e escritor brasileiro HERCULANO MARCOS INGLEZ DE SOUZA (Óbidos, 28.12.1853 - Rio de Janeiro, 06.09.1918) opina que por empresa devemos entender uma repetição de atos, uma organização de serviços, em que se explore o trabalho alheio, material ou intelectual. Segundo ele, a intromissão se dá, aqui, entre o produtor do trabalho e o consumidor do resultado desse trabalho, com o intuito de lucro.[31] Porém ressalta que o que constitui a empresa não é tanto a ideia de associação a que o vocábulo “empresa”, a primeira vista parece estar ligado, mas a importância do serviço ou indústria que faz o seu objeto, a repetição dos atos e a organização de serviços em que se explora a atividade de outrem. Ela constitui, sim, a reunião de esforços, sem que seja necessária a forma de sociedade, porque o empresário pode ser um indivíduo, contanto que empregue, utilize e explore o trabalho de várias pessoas na execução de serviço comercial, industrial ou público.[32] Para o jurista italiano FRANCESCO MESSINEO (Reggio di Calabria, 1886 - Appiano Gentile, 1974), empresa é, verdadeiramente, o desenvolvimento profissional de uma atividade econômica organizada para um determinado fim, ou seja, uma forma particular ou desenvolvimento de atividade por parte de um sujeito; é uma força que opera (conceito dinâmico) servindo-se de determinados meios. Portanto, não pode ser definida optando entre a categoria dos sujeitos e dos objetos, para colocá- la em uma ou outra. Empresa nada mais é do que atividade.[33] Todavia a tendência dos autores mais modernos é de dissociar a noção de empresário da noção de empresa, ou seja, tende a despersonificação da empresa, tal como se vêm fazendo na doutrina francesa, a partir das observações do jurista francês e professor da Faculdade de Direito de Toulouse MICHEL DESPAX. Diz este laureado autor que, de mais a mais, com efeito, o Direito considera a empresa como uma entidade autônoma distinta da pessoa do empresário, e, em certos casos, até mesmo opõe o interesse desta ao interesse daquele.[34] Na Itália, o jurista italiano, considerado o maior doutrinador de direito privado de todos os tempos, tanto no âmbito do direito civil como do direito comercial, CESARE VIVANTE (1855-1944) opina no sentido de que a empresa é um organismo econômico que sob o seu próprio risco recolhe e põe em atuação sistematicamente os elementos necessários para obter um produto destinado à troca; a combinação dos fatores “natureza”, “capital” e “trabalho”, que, uma vez associados, produzem resultados impossíveis de conseguir se fossem divididos, e o risco, que o empresário assume ao produzir uma nova riqueza, são os requisitos indispensáveis a toda empresa.[35] O político e jurista italiano ALFREDO ROCCO (Nápoles, 1875-1935) apresentou o instituto ora em foco sob outro aspecto. Ele encontrouem todos os atos, pelo Código Italiano do Comércio havidos como de empresas, um elemento específico: o da organização do trabalho alheio. Acrescenta ALFREDO ROCCO que, sendo a empresa, no sentido econômico, o ordenamento da produção, nela se acham implícitos todos os fatores dela, o trabalho inclusive. Indiferente é o modo de angariamento dos outros fatores. Pouco importa se adote o trabalho próprio ou o de outrem. Economicamente, tanto é empresa a do operário ou artejano, que produza, com seu próprio trabalho, assumindo os riscos dele decorrentes, quanto a do industrial ou empreiteiro, que empregue centenas de operários. Diante do Código Italiano do Comércio, outro é o sentido do vocábulo. Também é para ele indiferente a proveniência do capital empregado pelo empresário. Pode existir empresa que pertença ao empresário o capital nela invertido, como o do fabricante que se serve da matéria-prima colhida em sua propriedade, e pode existir empresa sem que pertença ao empresário o capital nela invertido, quando o capital é tomado por empréstimo, como no caso do artejano que compra a matéria-prima ou obtém a crédito o dinheiro necessário para comprá-la. Bem ao contrário, em face da lei, é de importância decisiva a proveniência do trabalho empregado. Existem, nos termos do Código Italiano do Comércio, empresas, cujos atos são de comércio somente quando a produção resulta do emprego do trabalho alheio pelo empresário e ele o angaria, organiza-o, fiscaliza e remunera, dirigindo-o para o fim da produção. Se, ademais, as empresas do Código também são econômicas, em face do seu texto nem todas as empresas econômicas como tais se entendem, mas apenas as em que o trabalho é dado, não por quem cuida da produção, ou, ao menos, não exclusivamente por ele, senão também por colaboradores organizados e pagos.[36] E por falar em Código Italiano do Comércio, lembra o jurista e historiador do direito, famoso estudioso do Direito Comercial, WALDEMAR MARTINS FERREIRA (Bragança Paulista, 02.12.1885 - 1964), que o Código Civil que o substituiu, dedicou o título segundo do seu livro quinto (“Del Lavoro”) ao trabalho na empresa. Estabeleceu a disciplina desta e das relações dela decorrentes. Se não lhe exprimiu o conceito, disse, pelo menos, quem é o empresário: “o que exercita atividade econômica organizada para o fim da produção ou das trocas de bens e de serviços”. O Código Civil houve como pequenos empresários os cultivadores diretos da terra, os artejanos, os pequenos comerciantes e os que exercem atividade profissional organizada principalmente com o trabalho próprio e dos componentes da família (empresa domiciliária ou familiar). O empresário, portanto, é o chefe da empresa e dele dependem hierarquicamente os seus colaboradores. Ademais aquele Código subordinou-a a regime rígido, posto sob a tutela ou o controle do Estado.[37] Por outro lado, o renomado jurista português LUIZ DA CUNHA GONÇALVES (1875-1956), após analisar as disposições do Código Comercial português, foi levado a ver a empresa como a organização capitalista de diversos fatores econômicos tendo por fim exercitar um determinado ramo de negócio de modo estável e sistemático, regular e permanente, bem como dizendo-se empresário a própria entidade singular ou coletiva que tem por fim exercitar as operações relativas ao objeto da empresa, de modo contínuo e, portanto, profissional. Segundo LUIZ DA CUNHA GONÇALVES, para que a empresa tenha caráter mercantil, é essencial que estejam conjugados dois elementos: a) a organização capitalista; e b) o intuito profissional do empresário. O fato de ser a empresa complexo de negócios não impede que ela, em si, como ato de comércio, seja considerada como ato único e isolado, insuficiente para constituir o fundamento da qualidade de comerciante, se o seu exercício não tiver certa duração, fixa ou indefinida, e caráter de especulação habitual.[38] O jurista italiano e professor da Universidade de Florença GIUSEPPE VALERI, por sua vez, esclarece, oportunamente, que, para se formar o conceito de empresa não se pode deixar de considerar quatro elementos fundamentais, uns em relação aos outros, isto é: a) a organização; b) a atividade econômica; c) o fim lucrativo; d) a profissionalidade. Após isso, escreve ele que somos direcionados a considerar empresa como a organização da atividade econômica destinada à produção de bens ou de serviços, realizada profissionalmente.[39] Já o jurista e político italiano ALBERTO ASQUINI (Tricesimo, 12.08.1889 – Roma, 25.10.1972) opina no sentido de que a empresa econômica é um fenômeno poliédrico. Por isso esse fenômeno apresenta, perante o Direito, aspectos jurídicos diversos, não devendo, pois, o intérprete operar com o preconceito de que o mesmo caiba, forçosamente, num esquema jurídico único. Daí ALBERTO ASQUINI distingue quatro diferentes perfis da empresa: a) o perfil subjetivo, que vê a empresa como empresário; b) o perfil funcional ou dinâmico, que vê a empresa como atividade empreendedora; c) o perfil patrimonial ou objetivo, que vê a empresa como estabelecimento; e d) o perfil corporativo, que vê a empresa como instituição.[40] Esclarece ainda ALBERTO ASQUINI que o conceito de empresa, segundo o seu perfil subjetivo, emerge da definição de empresário, prevista no Código Italiano, pelo qual empresário é quem exercita profissionalmente uma atividade econômica organizada com o fim de produção ou de troca de bens ou de serviços (art. 2.082). Nessa definição encontram-se claramente os quatro elementos: a) o sujeito de direito (quem exercita); b) a atividade peculiar; c) a finalidade produtiva; e d) a profissionalidade.[41] Quanto ao perfil funcional ou dinâmico da empresa econômica, explica ALBERTO ASQUINI que a empresa aparece como aquela particular força em movimento que é a sua atividade dirigida a um determinado fim produtivo. Quanto ao perfil patrimonial ou objetivo, isto é, a empresa vista apenas como estabelecimento, ela resulta da projeção do fenômeno econômico sobre o terreno patrimonial, que dá lugar a um patrimônio especial distinto para o seu fim, do remanescente patrimônio do empresário.[42] Todavia o próprio ALBERTO ASQUINI apressa-se em advertir que não se deve confundir empresa com estabelecimento ou azienda, ou seja, como alerta o professor da Universidade de Pádua e da Universidade Católica de Milão MARIO ROTONDI, a empresa, conceitualmente, se distingue do estabelecimento, embora, na prática, costuma-se, vez por outra, utilizar ambos os termos no mesmo sentido.[43] Esta confusão se deu porque os autores não conseguiram chegar a um entendimento quanto ao critério distintivo das duas noções. Até mesmo o jurista italiano e professor da Università Luigi Bocconi di Milano LEONE BOLAFFIO (Padova, 1848 – Bologna, 1940),[44] menciona que, em seu tempo, a lei, a jurisprudência, a prática e a doutrina utilizavam a expressão estabelecimento como sinônimo de empresa. Tanto é que o também jurista italiano LORENZO MOSSA (Sassari, 29.08.1886 – Pisa, 19.04.1957) opinava que a empresa seria, apenas, a denominação moderna e dominante do estabelecimento.[45] Existem, sem dúvida, muitos pontos de contato entre a empresa e o estabelecimento comercial (azienda). O traço que fundamentalmente distingue um do outro está em prevalecer na empresa o elemento dinâmico e predominar no estabelecimento o elemento estático, como conjunto de forças e de elementos patrimoniais, reduzidos a unidade, universitas, e que podem ser objeto de relações jurídicas. [46] Todavia,lembram os jurista francês ANDRÉ ROUAST (Lyon, 09.02.1885-Paris, 06.05.1979) e o professor da Faculdade de Direito de Nancy PAUL DURAND (Alger, 1908 – Agadir, 1960) que a empresa é a unidade econômica e o estabelecimento é a unidade técnica de produção. Estabelecimento é o complexo de bens corpóreos e incorpóreos, por isso se diz que é a unidade técnica de produção.[47] O estabelecimento, que já se contém na ideia de organicidade (ligada estreitamente ao da atividade) teve o seu conceito também expresso por WALDÍRIO BUGARELLI, como o complexo de bens organizado pelo empresário para o exercício da atividade, valorado o seu aspecto instrumental e também o da sua unidade de bens pela destinação.[48] O estabelecimento encontra-se situado na categoria dos objetos, apesar de não ser palpável, pois é considerado pelo conjunto de bens, pela universalidade do patrimônio e não por cada um individualmente considerado, enquanto que, como esclarece o ilustre jurista italiano ROBERTO DE RUGGIERO, a empresa traduz, antes de mais nada, a atividade profissional do empresário, considerada no seu aspecto funcional mais do que no instrumental, por isso, a rigor, não cabe nem na categoria de sujeito nem na categoria de objeto do direito[49]. Enquanto o estabelecimento se refere a universalidade dos bens, a empresa é a organização do trabalho e disciplina da atividade econômica. Tudo isso, porém, subordinado à vontade e às diretrizes traçadas pela pessoa natural ou jurídica, sujeito ativo ou passivo das relações jurídicas, tecidas pela empresa no funcionamento do estabelecimento produtor dos lucros pelo comerciante, como empresário, procurados e obtidos. WALDEMAR MARTINS FERREIRA, eliminando as dúvidas e resolvendo a questão, ressalta que tem-se, partindo do centro para sua periferia, o estabelecimento, circunscrito pela empresa, e esta pela pessoa natural e jurídica, mercê de cuja vontade aqueles se constituem e movimentam-se. O complexo de bens, corpóreos e incorpóreos, constitui o estabelecimento como universalidade. A empresa, propriamente dita, como organização do trabalho e disciplina da atividade no objetivo de produzir riqueza, a fim de pô-la na circulação econômica. Concorda WALDEMAR MARTINS FERREIRA que, não pouco o estabelecimento se confunde com a empresa, notadamente quando mais que um inexiste. Porém, acrescenta que basta se desdobre ele em sucursais, filiais, agências, para que a noção de empresa se desprenda do estabelecimento e o envolva, emprestando-lhe halo ou coifa, superposta e bem visível, a despeito de profundamente abstrata e imaginária, por não ser mais que criação jurídica, social e, nos dias atuais, política.[50] Da mesma forma, FRANCESCO FERRARA JUNIOR opina que, fora dos casos em que a palavra “empresa” é usada no sentido figurado e impróprio de empresário ou estabelecimento, e que o intérprete deve retificar, a única significação certa é a de atividade econômica organizada, com pessoal e bens, ou só pessoal ou só bens. Acrescenta ele que fica, assim, firmada a relação entre o estabelecimento e a empresa. Aquele é a organização produtora que constitui um capital; esta, a atividade profissional do empresário. Diz FRANCESCO FERRARA JUNIOR que os dois conceitos estão intimamente ligados, porque a organização produtora é posta em marcha pela atividade profissional do empresário, isto é, pelo exercício da empresa. Mas, segundo ele, esta supõe, por sua vez, uma organização por meio da qual se exercita a atividade. Para ele, o importante na distinção é que o conceito de empresa não tem, realmente, relevância jurídica. A atividade profissional se resolve, com efeito, em um momento ou situação pessoal do sujeito, de sorte que os efeitos da empresa não são senão efeitos a cargo do sujeito que a exercita. De modo que as figuras em torno das quais se polarizam os efeitos jurídicos são, respectivamente, o empresário e o estabelecimento.[51] E quanto ao perfil corporativo, no qual a empresa econômica é considerada uma organização de pessoal, formada pelo empresário e seus colaboradores, esclarece ainda ALBERTO ASQUINI que estes não constituem simplesmente uma pluralidade de pessoas, ligadas entre si por uma soma de relações individuais de trabalho com fins individuais; antes, formam um núcleo social organizado, em função de um objetivo comum, no qual se fundem os fins individuais do empresário e dos colaboradores singulares do melhor resultado econômico da produção.[52] Por este perfil se considera a empresa como uma verdadeira instituição, isto é, como um grupamento de pessoas, reunidas em torno de uma ideia, com o fim de realizá-lo por meio de uma organização permanente.[53] No Brasil, o advogado de grande saber jurídico JOSÉ XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA (Recife, 1861 – Santos, 1930), adotando a postura de Cesare Vivante e englobando o conceito econômico ao jurídico, chegou a conclusão de que empresa é a organização técnico-econômica que se propõe a produzir a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realização de lucros e riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob sua responsabilidade. Tendo em vista que esse conceito foi construído sobre o conceito econômico de empresa, JOSÉ XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA esclareceu que “este conceito econômico é o mesmo jurídico, em que pese a alguns escritores, que os distinguem sem fundamento”. E acrescenta que o Direito Comercial considera a empresa que se apresenta com caráter mercantil. Desse modo, o empresário, organizado e dirigindo a empresa, realiza, como todo comerciante, uma função de mediação, intrometendo-se entre a massa de energia produtora (máquina, operários, capitais) e os que consomem, concorrendo destarte para a circulação de riqueza. Para ele, são, pois, pressupostos da empresa os seguintes elementos: a) uma série de negócios do mesmo gênero de caráter mercantil, continuados e produtivos de bens ou de serviços destinados à troca, servindo às necessidades dos consumidores e, portanto, o exercício de uma atividade profissional desses atos, nunca um só isolado; este exercício é indispensável para caracterizar a comercialidade da empresa; b) o emprego de trabalho ou capital, ou de ambos combinados; o empresário organiza, assim, os fatores necessários para obter resultado econômico; e c) a assunção do risco próprio da organização, isto é, no risco técnico e econômico. Para JOSÉ XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA, não vem ao caso indagar o destino que o empresário dê aos lucros, podendo até em certos casos destes se desinteressar.[54] Enquanto o Direito Comercial procura colocar em primeiro plano a figura do comerciante ou os atos de comércio que ele realiza, o Direito do Trabalho evidencia as relações individuais e coletivas que se formam entre os empregados e o empregador. Menciona o jurista brasileiro ORLANDO GOMES DOS SANTOS (Salvador, 07.12.1909 – Salvador, 29.07.1988) e ELSON GOTTSCHALK que a atividade de uma empresa industrial ou comercial propicia a formação de relações individuais do trabalho, que unem o empregador a cada um dos membros de seu pessoal. Mas, segundo eles, ao lado dessas relações individuais, o direito contemporâneo conhece outra realidade sócio-jurídica mais alta, na qual os liames individuais vêm a se fundir: as relações coletivas no seio da empresa. Porém, é de se registrar que nem toda empresa no sentido econômico o é, também, no sentido trabalhista. Por exemplo, a empresa unipessoal ou do produtorautônomo, que trabalha sem a ajuda de empregados, interessando à economia política e ao Direito Comercial, é, ao contrário, estranha ao Direito do Trabalho, porquanto não recorre ao trabalho subordinado. Assim, o Direito do Trabalho não se exaure na disciplina das relações humanas que se travam numa empresa. O conceito de empresa não abrange todas as situações em que, no mundo das atividades civis, uma instituição de cunho não comercial ou industrial representa fonte permanente de trabalho subordinado. De fato, ilustram ORLANDO GOMES DOS SANTOS e ELSON GOTTSCHALK que uma associação civil de proprietários urbanos ou rurais; um sindicato, uma associação profissional; um clube recreativo; uma associação educativa ou científica; uma instituição beneficente de qualquer natureza; uma cooperativa de qualquer gênero; um escritório de profissional liberal, apresentam formas de organização interna do trabalho humano subordinado, que são tutelados pelo Direito do Trabalho. Entretanto, essas formas de trabalho organizado extralimitam as fronteiras do conceito técnico de empresa.[55] Esclarecem ORLANDO GOMES DOS SANTOS e ELSON GOTTSCHALK que, do ponto de vista do Direito do Trabalho, 3 (três) elementos são suficientes para caracterizar o quadro das relações que ele regula: a) uma tarefa a executar; b) uma autoridade que dirige esta execução; e c) um pessoal que assegura a realização. Acrescentam eles que, do ponto de vista trabalhista, interessa, em primeiro lugar, que a instituição, econômica ou não, desenvolva certa atividade. Em seguida que haja e seja exercido um poder de direção, que é autoridade organizativa, encarnada no seu chefe. Por fim, a formação de um pessoal. Portanto, a empresa unipessoal, a artesanal ou a familiar, que não possuem empregados, não interessam ao Direito do Trabalho, embora sejam relevantes para a ciência econômica e para o Direito Comercial.[56] No mesmo sentido, o jurista francês, membro do Instituto da França e professor da Faculdade de Direito de Paris GEORGES RIPERT (La Ciotat, 1880 — Paris, 1958), escreveu que ao Direito do Trabalho interessa mais a noção de estabelecimento do que a de empresa, ou seja, o conceito de empresa é irrelevante, uma vez que os efeitos jurídicos se polarizam em torno do empresário e do estabelecimento. Daí GEORGES RIPERT dizer que a definição de empresa, juridicamente falando, nada significa para o Direito do Trabalho, a não ser se entendida no sentido impróprio de “empresário”.[57] Face a tudo isso, segundo o conceito elaborado por ORLANDO GOMES DOS SANTOS e ELSON GOTTSCHALK, empresa, que está sujeita ao Direito do Trabalho, é a organização na qual há um certo número de empregados, desenvolvendo uma atividade comum, sob a autoridade de um chefe investido do poder de direção.[58] Já para PAUL DURAND, a empresa é a unidade econômica da produção explorada com o risco do empresário. A empresa, no seu ponto de vista, apresenta também, como parte no contrato de trabalho, algumas peculiaridades, tais como: a) é uma sociedade hierárquica, tendo um chefe com prerrogativas extensas; b) tem empregados que não exercem papel meramente passivo; c) a empresa deve assegurar o bem comum de todos os seus membros, isto é, empregados e empregadores; e d) a empresa, como o estabelecimento, não tem personalidade jurídica.[59] O advogado e Juiz aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região CHRISTOVÃO PIRAGIBE TOSTES MALTA, discorrendo sobre a evolução do conceito de empresa, lembra que, a princípio, prevaleceu a ideia de empresa como plena propriedade de um dono, que orientava a produção, admitia e dispensava empregados a seu inteiro critério. Hoje, mesmo nos regimes capitalistas, prevalece a ideia da propriedade como função social. Assim, se, por um lado, nos regimes capitalistas, o Estado respeita a propriedade privada, a livre iniciativa individual e a livre concorrência, por outro, impõe normas imperativas de caráter social onde sente ao desamparo o interesse coletivo. O Direito do Trabalho, a seu turno, transformou a própria natureza da empresa. Menciona CHRISTOVÃO PIRAGIBE TOSTES MALTA que o simples laço que ligava o patrão ao empregado e que consistia apenas nas obrigações de pagar salários e prestar serviços, modificou-se em uma série de direitos e obrigações dirigidos contra a empresa. A estabilidade, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, o seguro social, a determinação legal das condições de trabalho protegem o trabalhador, por exemplo, contra a vontade do empregador. O trabalhador não é mais apenas aquele instrumento de que se valia a empresa para obter a produção desejada.[60] Daí o sentido de empresa como instituição, tal como mencionado por ALBERTO ASQUINI. A teoria da instituição, também conhecida como anticontratualista, atualmente, é, sem dúvida, a mais conhecida das teorias que procuram explicar a natureza jurídica da empresa. Na realidade, não se deve confundir o anticontratualismo radical da teoria, de origem alemã, da relação de emprego ou relação de ocupação, com o anticontratualismo atenuado, consistente na teoria institucionalista, de origem francesa, que na opinião de muitos defensores se exprime pela adesão à instituição, mediante um ato não propriamente contratual. A teoria da instituição foi criada, em 1910, pelo político, jurista, sociólogo e professor francês MAURICE HAURIOU (Ladiville, Charente, 17.08.1856 - Toulouse, Alto Garona, 12.03.1929), e desenvolvida depois pelo jurista e autor do institucionalismo francês GEORGES RENARD (1867-1943),[61] o jurista francês e professor do Curso de Legislação Industrial da Faculté de Droit de Grenoble PAUL CUCHE (1868-1943),[62] o jurista e professor da Universidade de Bourgogne EMMANUEL GOUNOT (1885-1960),[63] o jurista francês e professor de direito GEORGE SCELLE (Avranches, 19.03.1878 – Avranches, 08.01.1961),[64] ALFREDO LEGAL e o jurista e professor da Faculté de Droit et des Sciences Économiques de Bordeaux JEAN BRÉTHE DE LA GRESSAYE (1895- 1990),[65] seus discípulos, dentre outros. Na Itália, a teoria da instituição foi defendida pelo jurista italiano SANTI ROMANO (Palermo, 31.01.1875 - Palermo, 11.03.1947)[66] e, atualmente, é sustentada por MARIANO PIERRO[67] e ANTONIO PALERMO,[68] que vêem na empresa uma verdadeira instituição. Para MAURICE HAURIOU a instituição é todo elemento da sociedade cuja duração não depende da vontade subjetiva de indivíduos determinados. São, segundo ele, de três ordens os fins primordiais de toda a instituição organizada: a) a ideia de obra a realizar num grupo social; b) o poder organizado posto a serviço dessa ideia; e c) as manifestações que se produzem no grupo social a respeito da ideia de sua realização.[69] Por isso, GEORGES RENARD concluiu que a teoria institucionalista da empresa originou-se da doutrina otimista do bem comum.[70] Além disso, PAUL CUCHE, partindo dos princípios estabelecidos por Maurice Hauriou, classifica as instituições em: a) instituições-regras (convenções coletivas, regulamentos de fábrica etc.); b) instituições-mecanismos; c) instituições-organismos (sindicatos, empresas etc.).[71] Segundo o centenário acadêmico da Academia Brasileira de Letras, advogado, escritor membro do Ministério Público e professor brasileiro EVARISTO DE MORAES FILHO (Rio de Janeiro, 05.07.1914 -), as linhas gerais dessa teoria da instituição são as seguintes: a) uma instituição é uma ideia de obra ou de empreendimento que se realiza e dura juridicamente em um meio social; b) para a realização dessa ideia, um poder seorganiza, proporcionando-lhe os órgãos necessários; c) por outro lado, entre os membros do grupo social interessado na realização da ideia, produzem-se manifestações de comunhão dirigidas pelos órgãos do poder.[72] No mesmo sentido, o jurista alemão ERWIN JACOBI (Zitau, 05.01.1884 – Leipzig, 05.04.1965), também favorável à compreensão da empresa como uma instituição, sustenta que a empresa é um conjunto de bens materiais, morais e pessoais, visando a um determinado fim e realizando a coletividade orgânica que é a instituição.[73] Inclusive, somos forçados a concordar que a participação dos empregados no lucro, coloca a empresa próxima a qualidade de instituição, caracterizando-a um pouco mais como bem comum. Todavia, procurando não nos deixar iludir, CHRISTOVÃO PIRAGIBE TOSTES MALTA, ressalta que, atualmente, encara-se a empresa, ainda, na prática, como instrumento de que se vale o empregador para atingir seus fins, onerados, é bem verdade, com inúmeras obrigações legais para com o Estado e os empregados.[74] Portanto, se a participação dos empregados no lucro aproxima a empresa da situação de “comunhão dos membros do grupo”, ela, por outro lado, não deixa de ser propriedade do dono do capital. Evidentemente, uma propriedade com função social. Ademais, a teoria da instituição não tem sido recebida tão pacificamente assim. Muitos a condenam enfaticamente, entre eles LODOVICO BARASSI (Milano, 03.10.1873 – Milano, 06.02.1961), jurista italiano, que afetou de maneira fundamental “na formação e consolidação das estruturas do Direito do Trabalho”. Lembra ele que os que tentam definir empresa como uma instituição dão-lhe como um dos elementos caracterizadores “a comunhão dos membros do grupo”. Porém pergunta LODOVICO BARASSI se haverá, no estabelecimento, efetivamente esta comunhão? Ressalta ele que as greves são freqüentes e aí estão para contrariar esta colocação, ou seja, no campo das relações do trabalho, o direito de greve dificilmente poderia ser admitido como “manifestação de comunhão”. Sustenta ainda LODOVICO BARASSI que, não obstante o dever jurídico de colaboração, que é, aliás, próprio de qualquer contrato, existe no estabelecimento uma antítese entre trabalhadores, de um lado, e empregador, de outro. Negá-lo seria fechar os olhos à realidade das coisas. Ainda hoje, os antagonismos, revelando uma verdadeira luta de classes, constituem uma realidade que não pode ser desconhecida. Nenhum ordenamento jurídico tem a “virtude taumatúrgica” de suprimir esta “realidade invencível”; pode, apenas, discipliná-la.[75] Por isso muitos sustentam que não há lei, nem doutrina, nem doutrinadores e nem jurisprudência que possa, como por um passe de mágica, fazer desaparecer esta realidade. Tal realidade, segundo esta concepção, se opõe, frontalmente, à ideia de descobrir, no estabelecimento atual, uma instituição “como manifestação de comunhão dos membros do grupo”. Tal sinonímia incide na mesma crítica a que se não pode furtar a teoria da “subjetivação” do estabelecimento: contrasta com os fatos. É preciso, pois, nunca perder de vista que vivemos num regime capitalista, sob pena de não guardarem as categorias jurídicas aquela necessária correspondência com a vida econômica, tal como nos falam André Rouast e Paul Durand. Dizem eles que “as categorias jurídicas devem corresponder às realidades da vida econômica”. Assim, sem essa necessária correspondência, qualquer trabalho de construção jurídica consistirá em mera obra de ficção.[76] Menciona o ilustre jurista DÉLIO BARRETO DE ALBUQUERQUE MARANHÃO (26.04.1915 - ) que, de acordo com o nosso direito positivo, ajustado à realidade econômica, o estabelecimento é propriedade de alguém e esse alguém é o empregador. A “institucionalização nominal do estabelecimento”, sem a modificação real da estrutura econômico-social, é mero expediente político, próprio dos regimes fascistas, visando à abolição, no papel, daquele antagonismo, a que se refere Lodovico Barassi. A participação dos empregados nos lucros, como havíamos dito, no fundo, não altera absolutamente nada os termos da equação, porque essa participação, sem a co-propriedade e a co- gestão, segundo DÉLIO MARANHÃO, como é mais conhecido, é simples acréscimo salarial, ou seja, sem isto a participação nos lucros não perde a sua essência de natureza salarial e não deixa de constituir uma das formas de remunerar a prestação do serviço subordinado. A natureza das relações entre empregado e empregador subsiste inalterada, configurando este como o proprietário do estabelecimento. [77] Daí GEORGES RIPERT menciona que os juristas, sem grande êxito, tentam estabelecer o estatuto da “empresa”, porém o legislador fica de mãos completamente atadas pelas forças capitalistas “que temem ver os dirigentes privados de sua autoridade e de seus lucros”.[78] E conclui MICHEL DESPAX que somos forçados a reconhecer que o princípio da unidade do patrimônio constitui, ainda, um sério freio à dissociação entre empregador e empresa. Diz ele que estamos “somente na presença de um sujeito de direito nascente, cujo corolário será uma integração muito acentuada dos trabalhadores na empresa dentro do quadro de uma economia dirigida de funções análogas àquelas dos clássicos serviços públicos, de implicação política evidente”.[79] Vimos, assim, três ciências sociais distintas (Economia Política, Direito Comercial e Direito do Trabalho) que consideram a empresa sob prismas ou perspectivas diferentes. A Economia Política nela estuda o organismo de produção, estabelecendo as leis que a regem, tais como a lei da especialização e a lei da concentração. O Direito Comercial, como foi dito, considera a empresa mais pelo prisma do comerciante e dos atos do comércio. E o Direito do Trabalho, por sua vez, a considera pelo prisma das relações individuais e coletivas entre empregados e empregador. Daí ORLANDO GOMES DOS SANTOS e ELSON GOTTSCHALK destacarem que essa diversidade de perspectivas e a freqüência dos estudos modernos sobre a empresa revelam as dificuldades de sua conceituação e o interesse que desperta seu conhecimento na ciência jurídica contemporânea.[80] Não devemos esquecer que, no campo da legislação ordinária, são várias as leis que tratam a respeito de empresa. Inclusive elas definem o termo “empresa” para cada fim específico. Entre essas leis, podemos citar o art. 6° da antiga Lei n° 4.137, de 10.09.1962,[81] que tratava da repressão ao abuso do poder econômico, o qual dispunha literalmente que empresa é toda organização de natureza civil ou mercantil destinada à exploração por pessoa física ou jurídica de qualquer atividade com fins lucrativos. Assim, como podemos observar, apesar da grande variedade de significados do termo “empresa”, em quase todos eles parece estar presente o elemento comum referente à finalidade de lucro. Daí geralmente se falar em “entidades sem fins lucrativos” e não, “empresas sem fins lucrativos”, da mesma forma que “entidade beneficente” e não, “empresa beneficente” etc. Segundo o advogado FUGIMI YAMASHITA, a característica dessas instituições, embora não deixe de ser empreendimento, é a ausência da finalidade de lucro e, geralmente, elas não têm um capital, mas sim um patrimônio, propondo-se a reinvestir eventuais sobras de caixa na própria organização.[82] Em razão disso, conclui ANTÔNIO LOPES DE SÁ que “o lucro é finalidade nas empresas e meio nas entidades”.[83] Lembra FUGIMI YAMASHITA que certos tipos de organização, embora em seus estatutos não conste o objetivo de lucro no sentidocomercial, na realidade, elas operam como verdadeiras empresas. Melhores exemplos desse tipo de organização são as fundações que, em geral, atuam na área de serviços, notadamente no campo da educação, saúde etc. Esclarece ele que estas entidades, em princípio, operam com uma margem sobre seus custos, o que não deixa de ser um lucro, com o objetivo de desenvolver e expandir as atividades com o reinvestimento desse superávit (lucro), mesmo porque, em não havendo proprietário, como regra, é proibida a distribuição de lucro. Estas instituições, todavia, contratam empregados, como outra empresa qualquer, para desenvolvimento das suas atividades previstas nos seus estatutos.[84] Assim, apesar de não visarem o lucro destinados a proprietários, elas geram sobras que, a princípio, sobre as quais se poderia reservar uma parcela para ser distribuída aos empregados, a título, por exemplo, de premiação pela eficiência e produtividade que permitiram a ocorrência de sobras. Um outro exemplo desse tipo de organização refere-se às sociedades cooperativas. Dispõe o art. 4° da Lei n° 5.764, de 16.12.1971 (define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências)[85] que as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica própria, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas diversas características relacionadas na própria lei, dentre as quais se citam: adesão voluntária, variabilidade do capital social representado por quotas-partes, incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade, retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado etc. Estabelece o art. 3° da mesma da Lei n° 5.764, de 16.12.1971,[86] que “celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”. Como se vê, a sociedade cooperativa não visa o lucro. Assim, a rigor, as fundações e as sociedades cooperativas não são verdadeiramente empresas, uma vez que não visam lucro propriamente dito. No entanto, a legislação estabelece que elas se igualam às demais empresas em relação a seus empregados, para fins de legislação trabalhista e previdenciária (art. 90 e 91 da Lei n° 5.764, de 16.12.1971).[87] Após tudo isto, devemos apenas acrescentar que certo é, pelo consenso geral dos tratadistas, serem elementos constitutivos da empresa: a) a organização dos fatores produtivos (natureza, capital e trabalho) para o exercício profissional de indústria ou do comércio; como observa o economista francês PIERRE PAUL LEROY-BEAULIEU (Saumur, 09.12.1843 – Paris, 09.12.1916), não operam espontaneamente, separados uns dos outros, necessitam coordenar-se, combinar-se, obrar em conjunto, isto é, organizar-se, obedientes a um pensamento e na consecução de um programa;[88] b) a realização de negócios mercantis, de molde a satisfazer às necessidades dos consumidores, exercitando a empresa o seu papel de intermediária entre os fatores da produção e os consumidores; e c) a aceitação do risco técnico e econômico, próprio da empresa, inerente ao ajuste dos elementos necessários para a produção. [89] Por isso, o conceito que mais se aproxima daquele que devemos utilizar para o deslinde do instituto, que é o tema central deste trabalho, é aquele esboçado por CHRISTOVÃO PIRAGIBE TOSTES MALTA, no sentido de que empresa significa o conjunto de atividades organizadas pelo seu titular, pessoa física ou jurídica,[90] ou o conceito de José Martins Catharino, jurista, professor da Universidade Federal da Bahia e autor de várias obras de Direito do Trabalho, no sentido de que, empresa é o conjunto de bens materiais, imateriais e pessoais para a obtenção de um fim, ou seja, é uma universalidade, compreendendo duas univeralidades parciais, a de pessoas (personarum) e de bens (bonorum), funcionando em direção a um fim.[91] Daí, apesar das dificuldades e mesmo não sendo o conceito mais perfeito, adotaremos, para fins de nossos estudos e por melhor se coadunar com as disposições da Medida Provisória n° 794, de 29.12.94 (dispunha sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas e dá outras providências), e suas sucessoras, o entendimento de que empresa é toda organização de natureza civil ou mercantil destinada à exploração por pessoa física ou jurídica de qualquer atividade com fins lucrativos ou, ainda, aquelas organizações destinadas ao exercício de atividades sem fins lucrativos por pessoa exclusivamente jurídica,[92] com exceção daquela que, cumulativamente: a) não distribui resultados, a qualquer título, ainda que indiretamente, a dirigentes, a administradores ou empresas vinculadas; b) aplica integralmente os seus recursos em sua atividade institucional e no país; c) destina o seu patrimônio a entidade congênere ou ao poder público, em caso de encerramento de suas atividades; e d) mantem escrituração contábil capaz de comprovar a observância dos demais requisitos desta alínea e das normas fiscais, comerciais e de direito econômico que lhe são aplicáveis. 2.2 DEFINIÇÃO DE EMPREGADOR A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT define empregador como sendo “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”. A CLT confunde equivocadamente empresa com empregador. Aqui também a categoria jurídica não corresponde à realidade da vida econômica. A lei conceitua empregador como empresa. Mas os fatos são o que são e não podem ser pura e simplesmente modificados. Não basta, portanto, que assim a lei o considere para que o empregador passe a ser realmente uma empresa. A definição legal, pois, se encontra, sem dúvida alguma, eivada pelo erro técnico. No mesmo sentido, WALDEMAR MARTINS FERREIRA diz que a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT ao definir os sujeitos do contrato de trabalho ou melhor, de emprego, houve como empregador à empresa. Os qualificativos, segundo ele, denunciam ausência de conceito científico. E conclui que o empregador somente pode ser, no sistema do Direito positivo brasileiro, a pessoa, natural ou jurídica, que explora a atividade econômica numa ou mais empresas ou estabelecimentos.[93] À primeira vista, parece desnecessário demonstrar o equívoco do legislador trabalhista ao conceituar empregador, todavia a Constituição Federal de 1988, tanto quanto as suas antecessoras, e agora também outras normas emitidas pelo Poder Executivo, estabelecem que os trabalhadores têm direito de participar nos lucros e resultados da empresa em que trabalham. Assim sendo, daí emerge a necessidade de se saber sobre qual sujeito de direito recairá a obrigação de distribuir parte dos lucros a esses trabalhadores. Para se ter, com precisão, uma boa noção de quem terá sobre si a responsabilidade jurídica de distribuir os lucros ou resultados apurados em período financeiro, não há como fugir ao problema de identificar o sujeito do contrato de trabalho, que em razão disso tem o dever de atender ao comando legal. Por isso, passaremos a buscar uma conceituação de empregador mais próxima da realidade. O empregador encontra-se situado na categoria dos sujeitos, porque é um dos sujeitos do contrato de trabalho. Empresanão é a mesma coisa que empregador, pois somente a pessoa física (o dono do capital) ou jurídica (a sociedade) podem contratar e empresa não é pessoa física nem jurídica. O empregador só pode ser o dono do capital (empresário) ou a sociedade. Eles constituem o sujeito de direito, enquanto a empresa, mesmo como exercício de atividade, constitui o objeto de direito. Sem sombra de dúvida, o dono do capital ou empresário, quando formado apenas pelos cabedais de uma única pessoa, e a sociedade constituem, respectivamente, pessoa física e pessoa jurídica, capazes de direitos e obrigações. O executivo ou dirigente somente coincide com a figura do empresário ou empregador, quando participa da direção do empreendimento e, ao mesmo tempo, é dono do capital ou de parte do capital investido naquele. O empresário tem poderes jurídicos para comandar a empresa, mas pode ou não fazê-lo. Ele pode entregar a direção do empreendimento a um executivo (administrador profissional). Não é possível encontrar em pleno funcionamento empresas em cujo ativo há bens que, embora a serviço da atividade empreendida, não são de propriedade da pessoa física ou jurídica titular da empresa. Todavia é possível encontrar empresas sendo dirigidas por executivos que não tenham participação em seu capital. Assim, a figura do empresário não se confunde com a figura do dirigente ou executivo. Vimos que são componentes da organização-empresa: a) a ideia do empreendimento, a iniciativa em pô-lo em marcha, a liderança, o tino empresarial (fatores subjetivos inerentes ao empresário); b) recursos financeiros e o crédito (o capital); c) a arregimentação de colaboradores (recursos humanos, outro fator da produção); d) instrumentos materiais e imateriais (instalações, equipamentos e congêneres; direitos, como patentes, grifes etc., cujo todo forma uma universalidade - o chamado fundo de comércio). [94] Esse complexo, formado por partes tão díspares, somente se mantém aglutinado, em constante evolução e desenvolvimento porque, à frente dele, dirigindo-o e coordenando-o, dando-lhe unidade e vocação para um fim, como verdadeiro elemento catalizador, encontra-se o administrador ou o executivo, que pode ser proprietário do capital ou não. O executivo, a nosso ver, só assume riscos se for, também, empresário ou proprietário do capital, uma vez que somente este absorve prejuízos, que basicamente são descontados do montante de capital existente, que se encontra investido na empresa. Como melhor exemplo para se distinguir bem a figura do empresário ou proprietário da empresa e a figura do administrador ou executivo citamos o que vem ocorrendo com a fábrica de trens Santa Matilde. Esta fábrica, cujo capital é exclusivamente de propriedade do empresário Humberto Fonseca (dono do capital), começou a enfrentar dificuldade em 1986 e já em 1987 paralisou as atividades por dois anos. Em 1992, os empregados obtiveram na Justiça do Trabalho o usufruto da fábrica como pagamento de dívidas trabalhistas. Naquela ocasião, os salários estavam atrasados há dez meses e a empresa não tinha credibilidade. Por isso, contrataram um executivo, com credibilidade no mercado, para dirigir a empresa. Espera-se que, até 1998, as dívidas trabalhistas estejam totalmente pagas. A partir daí, a empresa estará disponível para voltar às mãos de seu proprietário.[95] Por outro lado, já vimos que o art. 2.082 do Código Civil italiano dispõe que empresário é quem exercita profissionalmente uma atividade econômica organizada para o fim de produção ou troca de bens ou de serviços. Assim, a sociedade é também empresário, jamais empresa. E como tal exerce a atividade produtiva. Empresa e empregador somente poderiam confundir-se no caso de a empresa ter personalidade jurídica. Todavia isso não ocorre. A lei em momento algum confere personalidade jurídica a empresa, fato que por si só impede de ser ela empregador. A empresa, de um modo geral, não possui personalidade jurídica. Quem possui personalidade jurídica é o empresário ou a sociedade. Inclusive, doutrina e jurisprudência não admitem a empresa como sujeito de direito, isto é, consideram a empresa pessoa jurídica. A empresa é meramente o exercício da atividade profissional, nada mais além disso. Ela pode ser o exercício da atividade individual de pessoa natural (empresário individual), o exercício da atividade coletiva (empresa coletiva) ou o exercício da atividade de pessoa jurídica (da sociedade). Portanto, o verdadeiro e legítimo empregador é a pessoa física (o empresário) ou pessoa jurídica (a sociedade) proprietária do patrimônio empresarial. Esclarece CHRISTOVÃO PIRAGIBE TOSTES MALTA que, com efeito, os contratos, inclusive o de trabalho, processam-se entre pessoas. Assim, se a empresa não tem personalidade jurídica, é preciso procurar-se a pessoa com quem o trabalhador contrata para prestar serviços à empresa. Essa pessoa com quem se processa o contrato é que será efetivamente o empregador. A empresa é mero instrumento de atividade comercial ou industrial.[96] RUBENS REQUIÃO nos dá o melhor exemplo de que apenas o empresário individual ou a sociedade possuem personalidade jurídica e a empresa é mera atividade profissional destes. Lembra ele que pode haver sociedade comercial sem empresa. Duas pessoas juntam seus cabedais, formam o contrato social e o registram na Junta Comercial. Eis aí a sociedade, porém, enquanto estiver inativa, a empresa não surge.[97] Em apenas um caso a empresa se confunde com a pessoa jurídica, tornando-se sujeito de direito, e, desta forma, corresponde à definição legal de empregador; falamos das empresas públicas, regidas pelo Decreto-Lei n° 200, de 25.02.1967 (dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências), com as alterações do Decreto-Lei n° 900, de 29.09.1969, pois, trata-se de um patrimônio de afetação personalizado, ou seja, este patrimônio afetado ou destinado a determinado fim, assim considerado, tem autonomia como sujeito dos direitos dele decorrentes. Somente neste caso a empresa corresponde à definição legal de empregador. Devemos acrescentar que o §1° do art. 2° da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-Lei n° 5.452, de 01.05.1943)[98] dispõe que se equiparam ao empregador, para os efeitos da “relação de trabalho”, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem empregados. Ressalta DÉLIO MARANHÃO que o legislador, partindo da falsa premissa que o empregador é a “empresa”, resolveu “equiparar” tais entes jurídicos ao empregador. Diz ele que não se trata disso. Se um profissional liberal ou uma associação recreativa admitem empregados, não se equiparam ao empregador; eles são empregadores. Para ele, o legislador pensou que a atividade econômica supusesse, necessariamente, a ideia de lucro. Mas não é assim. Esclarece DÉLIO MARANHÃO que a atividade econômica traduz-se na produção de bens ou de serviços para satisfazer às necessidades humanas. Em um regime capitalista, as noções de atividade econômica e de lucro vêm, geralmente, associadas, porque este é o incentivo para o exercício daquela. No entanto, segundo ele, isto não importa que se confunda uma coisa com outra. Desde que haja uma atividade econômica (produção de bens ou serviços), na qual se utiliza a força do trabalho alheia como fator de produção, existe a figura do empregador.[99] “CONTRATO DE TRABALHO - EMPREGADOR - CONTRATO REALIDADE. Sendo o contrato de trabalhoum contrato realidade, empregador há de ser, assim considerado, aquele que pretensamente usa o trabalho do empregado”.[100] Por isso OCTÁVIO BUENO MAGANO (1928-2005), professor de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, definiu empregador como toda entidade que se utiliza de trabalhadores subordinados.[101] E DÉLIO MARANHÃO diz que empregador, juridicamente, como um dos sujeitos do contrato de trabalho, é a pessoa, física ou jurídica, que, assumindo os riscos da atividade econômica, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.[102] Daí pode-se dizer que são requisitos para a qualificação de empregador: a) assumir os riscos da atividade; b) não trabalhar por conta alheia; c) arcar com os lucros e perdas do empreendimento; d) ser quem admite o trabalhador, isto é, quem decide sobre as condições e a contratação deste; e) possuir o poder de dirigir, ou seja, de utilizar a força de trabalho que o empregado põe à sua disposição, respeitados os direitos deste; e f) possuir o poder de disciplina, ou seja, de aplicar penalidades.[103] É de se notar que os poderes de admitir, de decidir sobre as condições e a contratação, de dirigir e de disciplina podem ser exercidos pelo próprio empregador ou por outra pessoa com delegação desses poderes. Em suma, empregador é a pessoa física ou jurídica que contrata o trabalho subordinado, o dirige e paga salários em contraprestação aos serviços prestados. Achamos por bem lembrar que além dos profissionais liberais, entidades de beneficência, as fundações e associações civis (pessoas jurídicas de direito privado destinadas a fins religiosos, morais, científicos ou culturais, assistenciais ou de beneficência, recreativos ou desportivos ou, ainda, de representação profissional ou sindical) e condomínios residenciais, a União Federal, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias são empregadores sempre que seus servidores não estejam amparados por um sistema de proteção próprio, ou seja, sempre que não tenham adotado o regime único estatutário, previsto no art. 39 da Constituição Federal de 1988, e no caso de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (inciso IX do art. 37 da Constituição Federal). “O Estado, quando se transmuda em empregador, nos moldes da lei, não escapa às responsabilidades atinentes àquela condição, aplicando-se-lhes os princípios que norteiam o Direito”.[104] As locadoras de mão-de-obra são empregadoras dos trabalhadores que colocam, trabalhando ou à disposição, em outras empresas. Todavia o dono do imóvel, construído para seu próprio uso, sem objetivo de lucro, desde que não explore qualquer negócio, não pode ser considerado empregador. Também não pode ser considerado empregador os Estados estrangeiros, representados pelas embaixadas, missões ou representações. Outra questão importante para a qualificação de empregador é o instituto da solidariedade de empresas. Estatui o §2° do art. 2° da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-Lei n° 5.452, de 01.05.1943) que “sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”. É de se assinalar que “grupo empresarial” é todo conjunto mais ou menos estável de empresas em que a tomada das mais importantes decisões técnicas, comerciais, administrativas e financeiras é ditada pelos interesses de lucro do conjunto e não, necessariamente de cada empresa em particular.[105] Aliás é de se esclarecer que “trust” é a reunião de várias empresas sob uma direção comum, constituindo um monopólio, visando a dominação do mercado. “Cartéis” são agrupamentos que se propõem à limitação da concorrência, ou seja, é um tratado de aliança entre produtores, colocados em pé de igualdade, com independência conservada em tudo, menos nos pontos que formam objeto de pacto.“Holding company” é uma sociedade financeira que efetivamente adquire a maioria das ações das sociedades a unir; reúne a direção de várias empresas, procurando o controle, mas não a propriedade. E “concern” ocorre quando várias sociedades combinam a criação de uma nova, com poderes de decisão e de gestão sobre os integrantes do grupo, que não perdem, entretanto, sua personalidade jurídica.[106] Como se verifica, no caso do cartel não há que se falar em grupo empresarial e no caso do trust, pode ou não se configurar um grupo. Já no caso da Holding e da concern configura-se indiscutivelmente um grupo empresarial, uma vez que as empresas estão reunidas em grupo, sob a direção e controle de uma só empresa, com o objetivo do aumento das utilidades e lucros e a eliminação de perdas, portanto tornam-se solidárias nas obrigações assumidas por qualquer das integrantes do grupo para com seus empregados. “Relação de emprego - Provada a interligação dos setores da administração pública, empregador é aquele que se beneficia diretamente da prestação de serviços, pouco importando que a admissão tenha sido efetivada por outro”.[107] Vimos a definição de empresa, de empresário e, depois, a definição de empregador. Contudo entendemos de bom alvitre abordarmos rapidamente a definição de estabelecimento ou de azienda. O estabelecimento é o instrumento da atividade do empresário, ou seja, é com ele que o profissional se aparelha para exercer a sua atividade. Menciona RUBENS REQUIÃO que o estabelecimento é a base física da empresa. Por sinal, o Código italiano o define como o complexo dos bens organizados pelo empresário, para o exercício da empresa. Acrescenta RUBENS REQUIÃO que o estabelecimento compõe-se de elementos corpóreos e incorpóreos, que o empresário comercial une para o exercício de sua atividade. Na categoria dos bens, por outro lado, é classificado como bem móvel. Não é consumível nem fungível, malgrado a fungibilidade de muitos elementos que o integram. Sendo objeto de direito constitui propriedade do empresário ou da sociedade, que é o seu dono, sujeito de direito.[108] Em suma, o estabelecimento é o conjunto de bens materiais, imateriais e pessoais, organizados para fins técnicos de produção em torno de certo lugar por uma pessoa física ou jurídica.[109] Se a empresa é o conjunto de atividades organizadas pelo empresário, logicamente o estabelecimento é um dos seus elementos. Exemplifica CHRISTOVÃO PIRAGIBE TOSTES MALTA que, se uma organização tem várias lojas, cada uma delas é um estabelecimento e o conjunto é a empresa. [110] Isto é, a empresa é uma atividade que pode contar com a estrutura de vários estabelecimentos em diversos bairros e cidades ou com a estrutura de apenas um estabelecimento. Entendem alguns autores que a importância de distinguir empresa e estabelecimento para fins de participação nos lucros reside no fato de que o empregado poderá participar no lucro da empresa em geral ou poderá ele participar nos lucros do estabelecimento em que trabalha, conforme fique acertado em acordo. No primeiro caso, temos a denominada “participação geral”e, no segundo, a “participação parcial”. Este assunto será efetivamente abordado quando tratarmos das formas de distribuição dos lucros da empresa aos empregados. Assim, resumindo tudo que foi analisado, com efeito, temos que o empregador é o sujeito de direito (pessoa jurídica ou física), aempresa é atividade e o estabelecimento é o objeto de direito. Quanto à participação nos lucros e resultados, veremos que empresas e que empregadores são atingidos pelos efeitos desse instituto quando examinarmos o lucro e o resultado. 2.3 DEFINIÇÃO DE EMPREGADO E DE TRABALHADOR Há também que se distinguir empregado de empregador para que melhor se compreenda o instituto trabalhista da participação nos lucros. Como já vimos, existe imperfeições na definição legal de empregador. Empregador, na realidade, é a pessoa física ou jurídica, que assumindo os riscos da atividade econômica, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Enquanto que empregado é toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste mediante salário (art. 3°, CLT). Para CHRISTOVÃO PIRAGIBE TOSTES MALTA, empregado é a pessoa física que presta pessoalmente e de forma subordinada serviços a outra pessoa, física ou jurídica, o empregador, não eventualmente e recebendo remuneração ou salário.[111] O empregador pode ser pessoa física ou jurídica no exercício empresarial, enquanto que o empregado só pode ser pessoa física em decorrência da natureza do contrato de trabalho, pelo qual se contrata a prestação pessoal de serviços, fato que, por si só, afasta a possibilidade de empregado pessoa jurídica. Daí se dizer que uma das características do contrato de trabalho é ser intuitu personae em relação ao empregado, não, porém, em relação ao empregador. Inclusive, não se pode, portanto, substituir os serviços prestados pelo empregado titular da relação de trabalho pelos serviços prestados por terceiros. No caso de o empregador concordar com esse estado de coisas, ou seja, concordar com a suposta substituição, legalmente a conseqüência será o surgimento de um novo contrato de trabalho com o terceiro substituto, sem qualquer prejuízo da continuidade do contrato com o substituído, a não ser os descontos normais pelos dias em que ocorreram a ausência deste. “CONTRATO DE TRABALHO - RELAÇÃO DE EMPREGO - PESSOALIDADE NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. A prestação de serviços há de ser pessoal, vinculando o contratado à empresa e subordinando-o juridicamente a esta última. Contrato que encerre a possibilidade de o prestador de serviços se fazer substituir por outrem, estranho ao contratante, não atende aos requisitos indispensáveis ao reconhecimento do vínculo empregatício”;[112] e “RELAÇÃO DE EMPREGO - SUBSTITUIÇÃO - TEMPO LIMITADO - PRESTAÇÃO PESSOAL - SALÁRIO - SERVIÇO NÃO EVENTUAL - SUBORDINAÇÃO - VÍNCULO EMPREGATÍCIO - CARACTERIZAÇÃO. O substituto, ainda que prestando trabalho por tempo limitado, é empregado, caracterizando-se o vínculo pela pessoalidade da prestação, pelo salário, pela não eventualidade e pela subordinação”.[113] Por outro lado, o Direito do Trabalho protege somente os prestadores de trabalho humano individual, isto é, somente a pessoa natural pode ser o destinatário da proteção assegurada pelas normas sociais que constituem o Direito do Trabalho. Portanto, em hipótese alguma, os serviços prestados por pessoa jurídica são amparados pela legislação trabalhista, isto é, os serviços de pessoa jurídica não podem ser considerados como prestados por um empregado. Nota o jurista italiano e professor da Accademia Nazionale dei Lincei FRANCESCO SANTORO PASSARELLI (Altamura, 19.07.1902 – Roma, 04.11.1995) que as pessoas jurídicas são inábeis para produzir um trabalho próprio sob dependência de outra pessoa. Elas são absolutamente privadas da capacidade jurídica de trabalho e, por isso, não podem assumir a posição de devedoras de trabalho subordinado.[114] O empregador assume os riscos da atividade empreendida, enquanto que o empregado, em circunstância alguma, assume os riscos da atividade econômica na qual participa apenas como mero prestador de serviços. Enquanto o empregador é o sujeito contratante e dirigente de uma relação de trabalho, o empregado é o sujeito contratado e subordinado de uma relação de trabalho, protegido pelo Direito do Trabalho. Em face da definição legal de empregado podemos dizer que para que a prestação de um determinado serviço possa ser considerada prestação de trabalho, isto é, possa ser caracterizada como trabalho oriundo do estado de empregado, é necessário atender aos seguintes requisitos: a) a pessoalidade, através da qual a obrigação de fazer do empregado não é fungível, isto é, não pode ser satisfeita por terceiros, mas tão-somente por quem é titular do contrato de trabalho; b) a onerosidade, através da qual a prestação do empregado contratado não pode ser gratuita, ou seja, para que a prestação seja objeto de contrato de trabalho tem que ser remunerada; c) a continuidade ou não eventualidade, através da qual a prestação de serviço do empregado não pode ter caráter eventual, ocasional ou esporádico; a prestação de serviço tem que ser permanente ou por tempo previamente determinado;[115] d) a exclusividade ou impedimento da pluralidade de empregos, através da qual o empregado não pode prestar serviços a mais de um empregador, durante o mesmo espaço de tempo, com incompatibilidade nas prestações, isto é, não é possível se considerar empregado uma pessoa que apenas presta, por exemplo, metade, um terço ou um décimo da atividade profissional a um empregador; e e) a subordinação, que é a condição sine qua non para o efetivo reconhecimento da relação de emprego, protegida pelo Direito do Trabalho, que regula apenas a prestação de trabalho subordinado; a subordinação é caracterizada pelo fato de o empregador poder dirigir e controlar o cumprimento da prestação de serviços do empregado e penalizá-lo, quando em desacordo com as obrigações assumidas no contrato de trabalho e as normas internas da organização. “CONTRATO DE TRABALHO - RELAÇÃO DE EMPREGO - INEXISTÊNCIA DE DEPENDÊNCIA FINANCEIRA E DE SUBORDINAÇÃO. Não há que se falar em vínculo empregatício, quando inexistem dependência financeira e subordinação hierárquica”;[116] “Aquele que, mediante retribuição pecuniária por períodos sucessivos, embora descontínuos, trabalha na venda (ou revenda) a terceiros dos produtos de uma granja, ainda que de pequeno porte, pertencente a pessoa que assumiu os riscos da atividade econômica (art. 2°, caput, CLT), é empregado deste para todos os efeitos da legislação trabalhista”;[117] “Quando o empregado exerce atividade indispensável aos fins da atividade econômica desenvolvida pela empresa, mediante pagamento mensal, que não importa seja decorrente de produção, com subordinação e cumprimento de horário determinado, não resta dúvida tratar-se de empregado, nos termos da legislação consolidada e não de trabalhadora autônomo”;[118] e “Não é empregado aquele que integra uma equipe, equivalente a uma sociedade de fato, que dirige e fiscaliza sua atividade, presta serviço a terceiro, sem qualquer traço de subordinação”.[119] Uma situação não muito comum e que tem, às vezes, deixado a doutrina em dúvida a respeito de sua qualificação refere-se a pessoa que é sócio e empregado ao mesmo tempo na mesma empresa (sócio- empregado). As sociedades, de um modo geral, tem personalidade própria, a não ser no caso das sociedades pessoais, que caminha para a completa extinção. Ela não se confunde com a personalidade dos sócios. Os sócios, por sua vez, a nosso ver, podem, em princípio, ser empregados da sociedade, apesar da relutância de alguns autores em aceitar tal fato, entre elesORLANDO GOMES DOS SANTOS e ELSON GOTTSCHALK, ao dizerem que o empregado-sócio seria empregado de si mesmo.[120] CHRISTOVÃO PIRAGIBE TOSTES MALTA, a seu turno, menciona que a personalidade da sociedade não se confunde com as das pessoas que a compõem. Assim, nada impede a coexistência das situações de sócio e de empregado, tudo dependendo da natureza da sociedade e da participação que nela tem o sócio. Há casos em que o indivíduo é nominalmente sócio, mas, realmente, trata-se de empregado. Participa do contrato social, mas trabalha como os outros empregados, com direito a uma retirada mensal equivalente ao salário de um empregado categorizado, e com as mesmas obrigações. Esta situação é mais fácil de ser encontrada nas sociedades de capital e indústria. O sócio de indústria é, freqüentemente, autêntico empregado, principalmente quando não participa das perdas. Portanto, nas sociedades de capital é perfeitamente compatível uma coisa com a outra, o que, segundo CHRISTOVÃO PIRAGIBE TOSTES MALTA, já não ocorre em relação às sociedades em nome coletivo, cujos sócios são solidária e ilimitadamente responsáveis pelas dívidas sociais.[121] Outra situação que muitos autores julgam aparentemente confusa face as duas condições de empregado e sócio se verifica nas empresas, sob a forma de sociedade anônima, nas quais os empregados possuem ações, mas trabalham sujeitos a horário e fiscalização. Ao contrário, desses autores, não vislumbramos qualquer propósito de fraudar à lei ou simulação do contrato de trabalho em tal situação, desde que o empregado não tenha o controle da sociedade e não participe diretamente da administração da empresa. Isto é, a nosso ver, nada impede que o empregado seja acionista minoritário. Ademais, na atualidade, com o processo de desestatização em andamento, o que mais vemos é os governos motivando os empregados das empresas estatais a participarem da compra de lotes oferecidos para a sua privatização. Uma vez consumada a compra, nada mais restará além de um verdadeiro sócio- empregado ou empregado e acionista minoritário ao mesmo tempo. No entanto, quando o sócio-empregado assume o controle da sociedade anônima, a nosso ver, este deixa de ser qualificado como empregado. Da mesma forma, enquanto o empregado torna-se apenas um sócio quotista da sociedade limitada, não participando da gerência do empreendimento, acreditamos ser aceitável tal situação sem descaracterizar a condição de empregado. Mas quando o empregado assume o controle da sociedade anônima ou participa da gerência da sociedade por quotas de responsabilidade limitada desaparece inapelavelmente a condição de empregado e configura-se a simulação do contrato de trabalho ou fraude à lei. “Empregado que assume comprovadamente a sociedade de fato com seu ex- empregador a tal ponto, que logo depois o exclui, ficando sozinho no comando do empreendimento não é mais empregado”;[122] e “RELAÇÃO DE EMPREGO - VÍNCULO EMPREGATÍCIO - PEQUENO COTISTA - DIRETOR - VENDA DAS COTAS - MANDATO PRÉVIO - EMPREGADO - PROVA - QUALIDADE DEMONSTRADA. Empregado, pequeno cotista da empresa, assumindo o cargo de diretor, não teve descaracterizada sua condição, porque houve exigência prévia, pelos demais sócios, de procuração para venda das cotas que possuía. Matéria fática comprovando que jamais deixou de ser empregado. Revista desprovida”.[123] De tudo que já vimos podemos dizer que qualquer um pode ser empregado, desde que preenchidos os requisitos necessários à configuração da relação de emprego. No entanto, de ante mão alertamos para o fato de que o trabalhador autônomo não é empregado, uma vez que não está sujeito a contrato de trabalho. Da mesma forma, também não são empregados o trabalhador eventual, o trabalhado avulso (que presta serviço a inúmeras empresas, agrupado em entidade de classe, por intermédio desta e sem vínculo empregatício, bem como tem direitos regulados em legislação especial), o funcionário público estatutário, o diretor de sociedade anônima e o empregado brasileiro em embaixada estrangeira. “Engenheiro que trabalha para a Petrobrás em regime de trabalho por ela determinado e presta serviços a terceiro, como autônomo, firmando recibos próprios de quem se acha habilitado para tanto, é evidente que não pode ser havido como empregado daqueles aos quais presta serviços, ainda que constantes. O paternalismo do Direito do Trabalho deve ser levado na devida conta”;[124] “Vendedora que compra os produtos, suportando prejuízos decorrentes do não pagamento, ou recusa das mercadorias pelos clientes, exerce atividade autônoma, não sendo considerada empregada”;[125] “A pessoa que presta serviço à empresa reclamada, através de representação tipicamente comercial e, como tal, transmite ao representado o resultado das tarefas de que fora incumbido, inclusive executando negócios de natureza mercantil, não reúne os requisitos configuradores da relação empregatícia. Trata- se, na realidade, de trabalhador autônomo, detentor de representação comercial. Recurso improvido”;[126] “O transportador de leite que trabalha em veículo próprio, cuja manutenção é de sua responsabilidade, podendo ser substituído por terceiro, na execução de seus serviços, não é empregado e sim, trabalhador autônomo”;[127] “Aquela que exerce a profissão de lavadeira, para diversas pessoas, estando inscrita na Previdência Social como autônoma, não tem direito a Carteira de Trabalho anotada como doméstica. Recurso ordinário conhecido e provido, para julgar-se improcedente a reclamação”;[128] “Corretor de imóveis que administra o trabalho de outros corretores, promovendo reuniões, dando-lhes instruções e tomando contas, não é autônomo, mas empregado”;[129] “CONTRATO DE TRABALHO - RELAÇÃO DE EMPREGO - VENDEDOR AUTÔNOMO - NÃO CONFIGURAÇÃO. Se a prova demonstra que os reclamantes, no período anterior ao registro e diferentemente da situação posterior, não eram obrigados a relatórios, não recebiam ajuda de custo e sujeitos estavam apenas a itinerários e prestação de contas, configurada ficou a condição de vendedor autônomo, o que, conseqüentemente, descaracteriza a relação de emprego. O simples cumprimento de diretivas do representado não induz subordinação já que orientações são inerentes a todo contrato de representação”;[130] “É empregado e não trabalhador eventual quem emprega suas atividades em serviço essencial da empresa”;[131] “RELAÇÃO DE EMPREGO - EXTRAS - TRABALHO EVENTUAL - NÃO CONFIGURAÇÃO. Trabalho eventual prestado por figurante para participar como complementação de certas cenas de um filme não pode configurar relação de emprego”;[132] “Inexiste vínculo empregatício entre os trabalhadores avulsos e os armadores, pois seus serviços a estes não tem continuidade, eis que duram, somente, enquanto seus navios estão atracados no porto, carregando ou descarregando”;[133] “Em se tratando de trabalhadores portuários, a relação de trabalho é regida por lei especial, não tendo aplicabilidade à espécie o art. 468, da CLT, sob invocação de alteração das condições de trabalho, por aplicar-se referido dispositivo aos contratos individuais de trabalho onde haja vínculo empregatício”;[134] e “A aferição da natureza eventual dos serviços prestados há de ser feita tendo em vista os fins normais da empresa (Délio Maranhão). O plantonista, que trabalha na venda de imóveis não pode ser validamenterotulado de eventual ou de autônomo, pois presta serviços que decorrem precipuamente da existência da empresa vendedora de imóveis. Inteligência e aplicação do art. 3° da CLT”.[135] Outra questão que merece ser objeto de nossa investigação refere-se a distinção entre trabalhador e empregado. Trabalhador é a mesma coisa que empregado ou são termos utilizados para designar sujeitos circunscritos a situações diferentes? Trabalhador, em sentido amplíssimo, é aquele que trabalha, que exerce uma atividade humana qualquer, profissional ou não, remunerada ou não, por conta própria ou não. Nesse sentido, trabalhador pode significar desde o indivíduo que esforça-se para fazer ou alcançar alguma coisa até o empregado, o operário etc. Como podemos observar, o empregado nada mais é do que uma das espécies do gênero “trabalhador”. A distinção entre a espécie “empregado” e as demais espécies de trabalhador reside, como vimos, exatamente no fato de que o empregado caracteriza-se pelo trabalho não eventual, subordinado e remunerado. Portanto, são esses três elementos, que combinados, fixam a diferença entre as muitas espécies de trabalhador. Quando o trabalho não é remunerado, o indivíduo que o executa não deixa de ser trabalhador, porém jamais será empregado. Quando o trabalho é remunerado, subordinado e eventual, estamos diante do trabalhador avulso ou do trabalhador eventual, mas nunca de um empregado. Quando o trabalho é remunerado, eventual ou não eventual e não subordinado, estamos diante de um trabalhador autônomo, porém não diante de um empregado. Assim, para efeito de participação nos lucros da empresa apenas o trabalhador empregado fará jus a tal direito estabelecido na Constituição. Ademais, como bem observa FUGIMI YAMASHITA, quanto à participação nos lucros da empresa, existem dois polos: de um lado, a empresa, e, do outro, o empregado. Portanto, se o outro polo é “empresa”, não teria sentido falar-se em trabalhador no sentido genérico, sem vínculo de emprego, visto que o objetivo da lei é integrar o empregado na empresa e incentivar a produtividade, dando-lhe, em contrapartida, participação nos lucros ou resultados.[136] CAPÍTULO 3 – OS LUCROS E OS RESULTADOS DA EMPRESA 3.1 DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DO LUCRO O Lucro, na linguagem popular, é, simplesmente, um ganho, uma vantagem ou um benefício que se obtém de alguma coisa ou com uma atividade qualquer, ou seja, como diz IÊDO BATISTA NEVES, é o ganho resultante de toda a atividade especulativa[137]ou, ainda, o proveito econômico auferido em virtude de uma operação especulativa.[138] Porém, para a Economia Política, lucro é o benefício livre de despesas que se obtém na exploração de uma atividade econômica[139]ou o fruto apreciável do trabalho economicamente organizado. Diz-se, também, que lucro é o crédito verificado numa operação mercantil isolada, ou num total de operações, dentro de certo exercício financeiro, por ocasião do balanço geral.[140] No entanto, nem sempre lucro foi assim considerado. A própria Economia Política nos noticia que, na economia primitiva, ou seja, na fase rudimentar da produção, o lucro era a relação entre o custo da produção e a utilidade do bem produzido. Toma-se, no caso, o exemplo do homem que derruba uma árvore e constrói uma canoa com a madeira obtida, para transportar mercadorias através de vias aquáticas. Existe o lucro apenas quando a utilidade da causa for maior que os esforços aplicados pelo homem na sua construção.[141] Na fase monetária da economia (economia monetária), sob a influência da compra-e-venda, o lucro continua sendo uma relação, porém levando-se em conta novos aspectos. Há lucro sempre que se obtém na venda valores maiores que o preço de custo da produção. O lucro, portanto, é a parte da venda que ultrapassa o preço de custo. No entanto, partindo-se do valor final do produto, o lucro pode ser também considerado como um dos elementos do custo de produção, ou seja, além da mão-de-obra ou salários e outros, o lucro é um dos elementos que determinam o custo da produção. Há de se ressaltar que os economistas sempre trataram de conceituar “lucro” sob os mais variados aspectos, defendendo ou combatendo a legitimidade de sua persecução quando para benefício do dono do capital. Entre eles, citamos o filósofo e economista britânico JOHN STUART MILL (Londres, 20.05.1806 - Avinhão, 08.05.1873) que menciona ser o capital o resultado da abstenção de pessoas (capitalistas), cujo valor deve ser suficiente para adiantar a remuneração de toda mão-de-obra requerida e a remuneração das diversas categorias de trabalhadores necessárias ao empreendimento, além da aquisição de ferramentas, matérias-primas, construções etc. O retorno da abstenção do capitalista é o lucro. E o lucro não é exclusivamente o que sobra ao capitalista depois de lhe serem compensados os gastos que teve, senão que constitui, na maioria dos casos, uma parte não pouco importante do próprio gasto. JOHN STUART MILL ilustra suas argumentações dizendo que o fiandeiro de linho, cujas despesas consistem em parte na compra do linho e das máquinas, teve, por exemplo, que pagar, no preço do linho e das máquinas, não somente os salários da mão-de-obra que cultivou o linho e fez as máquinas, mas também os lucros do cultivador, do preparador, do mineiro, do fundidor de ferro e do fabricante de máquinas. Por sua vez, todos esses lucros, juntamente com os do próprio fiandeiro, foram adiantados pelo tecelão, no preço do material que processa, o fio de linho, e juntamente com isso também os lucros de uma nova série de fabricantes de máquinas, e dos mineiros e operários metalúrgicos que lhes forneceram sua matéria-prima metálica. Todos esses adiantamentos constituem parte do custo de produção do tecido de linho. Por isso, diz JOHN STUART MILL, os lucros, tanto quanto os salários, fazem parte do custo de produção que determina o valor do produto.[142] Sobre as afirmações de JOHN STUART MILL, devemos chamar a atenção para o real significado deste processo, uma vez que, encarado sob o ângulo da sociedade global, o lucro é um dos mais importantes fatores responsáveis pela repartição da renda. O valor gerado pela produção social divide-se entre as classes de acordo com a forma na qual participam desse processo. Os trabalhadores participam da renda recebendo salários; aos donos dos recursos naturais ou imóveis cabe a renda da terra ou os aluguéis; os proprietários do capital financeiro recebem juros; e os proprietários do capital produtivo (isto é, das empresas), os lucros.[143] Assim, sob este ponto de vista, a empresa é o sustentáculo não apenas do proprietário do capital produtivo, mas de uma gama de indivíduos envolvidos direta ou indiretamente com o empreendimento. Daí o interesse social que pesa sobre o funcionamento e desenvolvimento da empresa. Com a fase monetária da economia, os valores de uso e o lucro de qualquer transação simples, portanto, não podem ser considerados apenas como o fim real do capitalista. Ressalta o filósofo, economista, sociólogo, jornalista e revolucionário socialista KARL HEINRICH MARX (Tréveris, 05.05.1818 - Londres, 14.03.1883) que o incessante e interminável processo de obter lucro é o seu objetivo.[144] Assim, pois, a aquisição de lucro como incentivo da produção é motivada por uma característica inata da natureza humana: o chamado “desejo de lucro”. [145] Todavia, muitos autores, entre eles RUBENS REQUIÃO, assinalam que Karl Heinrich Marx e outros confundem fim com objetivo. Para RUBENS REQUIÃO o fim da sociedade comercial é a obtenção do lucro.Como se vê, é comum a confusão entre fim social e objetivo social, porém, segundo ele, não há razão para tanto. O objetivo social, definido de forma precisa e completa no estatuto ou no contrato social, indica a espécie de atividade produtiva da sociedade, ao passo que o fim social é justamente a persecução de lucro. Daí RUBENS REQUIÃO conceituar lucro como o sobrevalor que a sociedade pode produzir, como resultado da aplicação do capital e outros recursos na atividade produtiva.[146] É importante esclarecer também que, até o século passado, não havia qualquer diferença entre juro e lucro, formas de ganho relativas, respectivamente, ao capital e à atividade empresarial. Somente a partir de então é que a ideia de lucro passou a estar ligada à diferença positiva de valor medido em moeda, na compra e venda de bens ou serviços. Modernamente, pois, como escreve ANA MARIA FERRAZ AUGUSTO, resultou o reconhecimento de que a distribuição da riqueza opera-se por instrumento diferentes para cada um dos fatores de produção ou prestação de serviços.[147] Daí todos os elementos empregados na produção auferirem indubitavelmente compensações. De forma que o salário é obtido através do trabalho; da aplicação do capital se obtém o juro e a renda; e o lucro é conseguido através da atividade ou organização empresarial. O juro, portanto, não é lucro, ele é, nada mais nada menos, que o preço da locação do dinheiro ou a remuneração fixa concedida ao capital. Também não se pode confundir lucro com renda. A renda é gênero e lucro uma das espécies de renda. A renda, em sentido geral, é o produto periódico de propriedades urbanas ou rurais dadas de aluguel; de exploração comercial ou industrial; da aplicação de capitais em títulos ou empréstimos; de salários, subsídios, emolumentos, gratificações, pensões e remuneração de serviços sob qualquer título. Enquanto, sob esse prisma, podemos dizer que lucro seja a renda gerada pela atividade empresarial, quer comercial quer industrial. Todavia, no campo econômico dá-se geralmente à renda, sentido mais restrito, ligado à propriedade do solo. Tanto é que o economista e político britânico DAVID RICARDO (Londres, 18.04.1772 - Gatcombe Park, 11.09.1823) define renda como “a porção do produto da terra que se paga ao seu proprietário pelo uso e exploração das faculdades produtoras, originárias e perpétuas do solo”. Inclusive, na ocasião, reclamava ele que a renda era confundida freqüentemente, com juros e com o lucro do capital, e, na linguagem popular, o termo era aplicado ao que quer que seja que o agricultor pague anualmente ao dono da terra em que trabalha.[148] De qualquer forma, considerando a definição econômica de renda, conclui-se que o lucro não pode, sob esse ponto de vista, ser considerado uma de suas espécies. Assim, na organização atual da vida econômica, a compra e venda das utilidades é realizada em primeira mão pelas empresas comerciais e industriais. O empresário ou dono da empresa fabrica ou compra as mercadorias para revender, calculando um excedente sobre o preço de custo. A este excedente se dá o nome de lucro. Consequentemente, como menciona LUIZ SOUZA GOMES, uma vez verificado o lucro num dado período de negócios, vem ele aumentar, pelo menos teoricamente, o capital da empresa. Diz-se “teoricamente”, porque nem sempre o lucro é incorporado ao capital da empresa, de maneira a tornar visível na contabilidade o acréscimo feito. Muitas vezes o lucro incorpora-se aos bens particulares do proprietário ou capitalista, em forma de dinheiro, bens imóveis ou mobiliários.[149] Todavia, quando o lucro é incorporado diretamente à empresa, permite a esta abranger maior raio de ação, aumentar e melhorar a produção. Podemos dizer ainda que lucro é o resultado econômico das operações de uma empresa capitalista. Em geral, ele constitui a diferença entre a receita e a despesa da firma em certo período: um ano, um semestre etc.[150] Há de se ressaltar que, como se vê, o lucro está ligado irremediavelmente ao conceito de empresa e empresa ao conceito de lucro. Para ANA MARIA FERRAZ AUGUSTO, lucro é, sinteticamente, a remuneração do empresário pelos resultados positivos de sua atividade econômica. O lucro, segundo ainda ela, corresponde à diferença entre o montante das despesas de produção e a receita obtida pela empresa com a venda do produto no mercado ou a prestação de serviço. É, pois, a diferença entre o preço de venda e o custo de produção ou operacional.[151] Na verdade, existem muitas teorias econômicas do fato econômico “lucro”. A tal ponto que o economista e político francês RAYMOND BARRE (Saint-Denis, 12.04.1924, - Paris, 25.08.2007) chegou a agrupar tais teorias econômicas sobre os lucros em duas grandes categorias. Segundo ele, na primeira categoria, encontram-se reunidas várias teorias sob a denominação geral de “teorias subjetivas”, que consideram os aspectos relacionados com a pessoa do empresário. Entre elas, podemos citar a “teoria do salário da fadiga do empresário”, a “teoria da remuneração das aptidões do empresário”, a “teoria da recompensa pela inovação do empresário” (execução de combinações novas) e a “teoria da recompensa pelos riscos”. Na segunda categoria, encontram-se reunidas várias teorias sob a denominação geral de “teorias objetivas”, nas quais o lucro é explicado a partir da consideração de “fatores institucionais” (“teoria da exploração”), “fatores estruturais” (“teoria das formas do mercado”) e “fatores conjunturais” (“teoria dos excessos”).[152] Como é sabido, o lucro é o melhor mecanismo para a efetiva concentração de riqueza. Por isso mesmo, não raras vezes, é objeto de acentuadas considerações filosóficas, que procuram dar um significado à atividade empresarial mais subordinado ao bem comum e a justiça social que aos interesses diretos dos empresários e objetivam a atenuação da concentração da riqueza em favor da indigência, até agora sempre multiplicada. A encíclica Rerum novarum, de 15.05.1891, do PAPA LEÃO XIII, por exemplo, ao definir a posição da Igreja Católica frente as relações entre empregados e empregadores, conclamou à união das classes e fixou o início de uma nova era na qual a distribuição da riqueza deve inspirar-se na interdependência do capital e do trabalho.[153] Adotando os mesmo princípios, a encíclica Quadragesimo anno, do PAPA PIO XI, por sua vez, reconheceu que “é necessário que as riquezas, em contínuo incremento com o progresso da economia social, sejam repartidas pelos indivíduos ou pelas classes particulares de tal maneira que se salve sempre a utilidade comum, de que falava LEÃO XIII, ou, por outras palavras, que em nada se prejudique o bem geral de toda a sociedade. Esta lei de justiça social proíbe que uma classe seja pela outra excluída da participação dos lucros”. [154] Dito isto, devemos ainda lembrar que as situações de equilíbrio na economia não permitem flutuações de grande amplitude nos lucros. Esclarece LUIZ SOUZA GOMES que é mesmo compreensível que, se o perfeito equilíbrio das forças econômicas se verificasse, desapareceria o lucro. Nas épocas anormais, ao contrário, o lucro sofre alterações profundas; ou se apresenta negativo, levando à ruína inúmeras empresas, ou se eleva vertiginosamente, dando a impressão de prosperidade geral muitas vezes ilusória. Segundo ele, o lucro, como o salário e o juro, sofre a influência numa Economia livre, da lei da oferta e da procura. As empresas que dão grandes lucros encontram logo imitadores dos seus artigos, que desejam participar dos benefícios que o gênero de negócio proporciona. Aparecem,pois, os concorrentes, os preços caem e os lucros começam a diminuir.[155] Apenas à título de curiosidade, lembramos ainda que os socialistas não admitem o lucro, que atribuem a uma vergonhosa exploração do operário pelo capitalista. KARL HEINRICH MARX criou a teoria da mais-valia, pela qual quis provar que o lucro pertence ao operário, tendo sido ilicitamente apropriado pelo capitalista em seu benefício. Menciona ele que o capitalista entra no mercado com dinheiro e compra maquinaria, material e força de trabalho. Combina-os num processo de produção que resulta em certa massa de mercadorias que são novamente lançadas no mercado. KARL HEINRICH MARX supõe que o capitalista faz suas aquisições pelos valores de equilíbrio e realiza suas vendas pelo valor de equilíbrio do produto que vende. E não obstante, no final das contas, tem mais dinheiro do que no início. Em algum ponto do processo, maior valor (ou mais-valia) se criou.[156] Esclarece PAUL MARLOR SWEEZY que a mais-valia, evidentemente, não pode nascer do simples processo de circulação de mercadorias. Se todos tentassem colher lucro aumentando o preço, digamos em 10%, o que ganhassem como vendedores perderiam como compradores, e o único resultado seriam preços mais altos generalizadamente, sem que ninguém se beneficiasse com isso. Parece também evidente que o material que participa do processo produtivo não pode ser a fonte da mais-valia. O valor que o material tem no início do processo se transfere para o produto na conclusão, mas não há razão para supor que o material possua o poder oculto de aumentar seu próprio valor. O mesmo ocorre, embora talvez menos evidentemente, com os edifícios e máquinas utilizados no processo de produção. O que diferencia edifícios e máquinas do material é o fato de que os primeiros transferem seu valor para o produto final mais lentamente, ou seja, numa sucessão de períodos de produção, ao invés de todo o seu valor, imediatamente, como no caso do material. É sem dúvida certo que o material e as máquinas podem ser considerados fisicamente produtivos no sentido de que o trabalho, operando com eles, pode produzir um resultado maior do que produziria sem eles, mas a produtividade física nesse sentido não deve, em nenhuma circunstância, ser confundida com a produtividade do valor. Do ponto de vista do valor, não há razão para supor que o material ou as máquinas possam transferir finalmente para a mercadoria mais do que aquilo que encerram. Assim, resta apenas uma possibilidade, isto é, que a força do trabalho seja a fonte da mais-valia.[157] O capitalista compra a força de trabalho pelo seu valor, ou seja, paga ao trabalhador como salário uma soma correspondente ao valor dos seus meios de subsistência. Suponhamos que esse valor seja o produto de seis horas de trabalho. Isso significa que depois de seis horas de produção, o operário acrescentou ao valor do material e maquinaria consumidos (valor este que aparece no produto) um valor adicional suficiente para cobrir seus meios de subsistência. Se o processo se interrompesse nesse ponto, o capitalista só poderia vender o produto pela soma capaz de reembolsá-lo das despesas. Mas o trabalhador vendeu-se ao capitalista por um dia, e não há nada na natureza das coisas que determine seja o dia de trabalho limitado a seis horas. Suponhamos que seja de doze horas. Então, nas últimas seis horas o trabalhador continua a acrescentar valor, mas já será então um valor excedente e superior ao necessário para cobrir seus meios de subsistência; é, em suma, a mais-valia que o capitalista pode embolsar.[158] Acrescenta PAUL MARLOR SWEEZY que a lógica desse raciocínio pode ser expressa de uma maneira simples. Num dia de trabalho o operário produz mais do que o necessário para um dia de subsistência. Conseqüentemente, a jornada de trabalho pode ser dividida em duas partes, trabalho necessário e trabalho excedente. Nas condições da produção capitalista, o produto do trabalho necessário retorna ao trabalhador na forma de salários, ao passo que o produto do trabalho excedente fica em poder do capitalista, na forma de mais-valia. O trabalho necessário e o trabalho excedente como tais são fenômenos presentes em todas as sociedades onde a produtividade do trabalho humano se elevou acima de certo mínimo muito baixo, ou seja, em todas as sociedades, com exceção das mais primitivas. Além disso, em muitas sociedades não-capitalistas (por exemplo, na escravista e feudalista) o produto do trabalho excedente fica em poder de uma classe especial que, de uma forma ou de outra, mantém seu controle sobre os meios de produção. O que é específico ao capitalismo é, portanto, não o fato da exploração de uma parte da população pela outra, mas a forma que essa exploração assume, ou seja, a produção da mais-valia.[159] Por essa análise, PAUL MARLOR SWEEZY conclui que torna-se claro que o valor de qualquer mercadoria produzida em condições capitalistas pode ser decomposto em três partes constituintes.[160] A primeira, que representa apenas o valor do material e maquinaria usados, sendo denominada, segundo KARL HEINRICH MARX, “capital constante”, porque não sofre, no processo de produção, qualquer alteração quantitativa de valor. A segunda parte, que substitui o valor da força de trabalho, sofre de certa forma uma alteração no valor pelo fato de que tanto reproduz o equivalente de seu próprio valor como também produz excesso, uma mais-valia, que pode variar, pode ser mais ou menos de acordo com as circunstâncias. Essa segunda parte é denominada “capital variável”. E a terceira parte é a mais-valia em si.[161] Essa teoria, como outras do célebre criador do marxismo, está hoje abandonada e merece citação apenas como uma curiosidade da história econômica do lucro. De resto, as condições do século passado, com referência ao trabalho, eram tão diferentes das de hoje, que certas doutrinas se tornaram obsoletas e não podem mais ocupar o pensamento dos economistas e sociólogos. De qualquer forma, mesmo no mundo atual, a produção de excedente caracteriza vários sistemas econômicos, mas somente no capitalismo ela assume a forma de lucro. Lucro e capitalismo coexistem interligados. Não se pode imaginar capitalismo, ou qualquer outro subsistema econômico dele derivado, sem a existência do lucro e vice-versa. Quanto à natureza jurídica dos lucros, podemos dizer que ele comporta-se semelhante ao salário. Ambos são uns dos diferentes instrumentos da repartição ou distribuição da riqueza. O pagamento de salário, como remuneração do empregado, pode ter a natureza de obrigação legal ou contratual, correspondente, no primeiro caso, à obrigação de pagar o mínimo ou de respeitar o teto máximo, ambos estipulados por lei, e, no segundo caso, à de pagar o valor combinado pelas partes, respeitado aquele limite mínimo. O juro também é outro instrumento da repartição ou distribuição da riqueza e apresenta a mesma natureza jurídica, que transparece como resultado da constatação na ordem jurídico-econômica de limites à sua cobrança ou sua liberalização. Assim é que se fala em juro legal e juro contratual. Para ANA MARIA FERRAZ AUGUSTO, esta duplicidade de natureza dos ganhos pode ser reconhecida também quanto aos lucros, em razão de sua proveniência. Sob este prisma, temos os negócios em que o rendimento da atividade empresarial é definido contratualmente ou pelo livre jogo do mercado, quando a aferição de lucro decorre do próprio sistema competitivo. Consequentemente, originando-se de um contrato, não eivado de nulidade pela inclusão de cláusula leonina, ou do jogo de mercadoconsentido legalmente, o lucro pode ser considerado, de igual maneira, como lucro contratual ou como lucro legal. Assim, menciona ainda ANA MARIA FERRAZ AUGUSTO que tomando o nosso sistema jurídico-econômico como base, podemos reconhecer que os limites legais de lucros estão definidos exclusivamente por um critério de legalidade dúbio ou vago, qual seja, o do “aumento arbitrário”.[162] Tal limite inclusive está expresso na Lei que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, Lei n° 12.529, de 30.11.2011, que, através de seu art. 36, dispõe constituir “infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II- dominar mercado relevante de bens ou serviços; III- aumentar arbitrariamente os lucros; IV- exercer de forma abusiva posição dominante”. Dada a dubiedade do texto legal, somente através da apuração de órgãos governamentais de regulamentação e fiscalização é que se poderá delimitar certa margem de lucro para determinadas situações específicas. Todavia, ressalta ANA MARIA FERRAZ AUGUSTO que, fora dessas limitações, os lucros são lícitos sempre que adequados à margem de rentabilidade inerente ao próprio sistema capitalista, desde que da manipulação do mercado de competição não resulte o “aumento arbitrário”.[163] De certa forma, se ocorre a atuação de órgãos governamentais no sentido de regulamentar o texto legal e efetivamente fiscalizar as margens de lucro praticadas nos diversos setores da economia, isto configura, sem sombra de dúvida, a execução de uma política de controle de lucros. Daí conclui ANA MARIA FERRAZ AUGUSTO que, nos sistemas neocapitalistas, os lucros legais correspondem à margem de rentabilidade inerente ao próprio sistema de mercado competitivo. Por outro lado, os lucros contratuais são os provenientes de ato de produção ou de prestação de serviços, em que no preço combinado se inclui livremente a parcela de remuneração do empresário, situação que fica restrita às hipóteses não alcançadas pelo tabelamento de preços dos sistemas de acentuada intervenção estatal.[164] Por isso é que John Stuart Mill ressaltou que os lucros, tanto quanto os salários, fazem parte do custo de produção que determina o valor do produto. Até há algum tempo atrás a matéria relacionada a atribuição e a eventual restrição de lucros era estipulada apenas pelo Direito Civil e pelo Direito Empresarial, que dispõem, de um modo geral, sobre às formas e a estrutura da organização da empresa. Modernamente, porém, o Direito Econômico e o Direito Tributário também passaram a sujeitar os lucros das empresas à regulamentação, antes relegada apenas ao âmbito da vontade contratual. Mas, com a inclusão dos trabalhadores no processo de distribuição de lucros, esta matéria também acabou sendo abrangida pelo Direito do Trabalho, fato que pode representar um efetivo ou ilusório instrumento de realização da justiça social, dependendo da maneira que serão aplicados, através da legislação ordinária, os condicionamentos à atribuição de lucros definidos constitucionalmente. E por falar em Direito Tributário, merece menção o fato de vários autores tributaristas procurarem também conceituar lucro e as suas várias espécies. FÁBIO FANUCCHI, por exemplo, diz que lucros são os resultados positivos auferidos em empresa individual ou coletiva. Esses resultados positivos aparecem quando a receita do empreendimento supera os seus dispêndios (custos e despesas operacionais) não efetuados para aquisição de patrimônio estável (bens de ativo imobilizado ou fixo). [165] Como se vê, a diversidade dos conceitos é grande, variando sempre em função do enfoque dado por cada campo do conhecimento científico. Além dessa diversidade, ANA MARIA FERRAZ AUGUSTO anota que a ordem jurídico-econômica de cada país consubstancia preceitos relativos aos lucros, regulamentando-os de acordo com os princípios básicos da ideologia adotada constitucionalmente. Ao indicar estes princípios, a Constituição brasileira vigente conservou a ideologia, adotada desde a Constituição de 1946, em que se situa o aumento arbitrário de lucros como ato ilícito econômico e se assegura aos trabalhadores a participação nos lucros da empresa, quando regulamentada juridicamente.[166] Este posicionamento ideológico, ora repressivo, ora atributivo, proporciona ao Direito Econômico, ao Direito Tributário e, agora, ao Direito do Trabalho um campo próprio de incidência, em que a regulamentação dos lucros aparece como objeto de repressão (aumento arbitrário dos lucros), de estímulos (incentivos fiscais e deduções aumentando a margem de lucro) ou de instrumento de concretização da justiça social (participação do empregado nos lucros da empresa). 3.2 LUCRO BRUTO, LUCRO LÍQUIDO, LUCRO LÍQUIDO DO EXERCÍCIO E LUCRO FINAL O lucro em sua noção primitiva (diferença entre as despesas realizadas e a receita disponível) evoluiu para formas mais complexas de avaliação, tais como: lucro bruto, lucro líquido, lucro de exercício ou lucro líquido do exercício, lucro final, lucro operacional, lucro não operacional, lucro presumido, lucro puro, lucro real, lucro arbitrado, lucro inflacionário, lucro da exploração etc. No âmbito da empresa, ou seja, pelo ângulo comercial e industrial, o lucro geralmente é desdobrado em lucro bruto e lucro líquido. O lucro bruto é a diferença entre a receita obtida pela venda de mercadorias (preço de venda) e o custo de sua produção ou aquisição, ou seja, como diz IÊDO BATISTA NEVES, lucro bruto é aquele representado pela diferença atual favorável, demonstrada pela conta de mercadorias, entre o preço da aquisição e o da venda,[167] ou, ainda, diferença entre o preço da aquisição e o da venda, sem levar em consideração as despesas havidas com a transação.[168] Esses gastos compreendem: a) o pagamento de insumos de terceiros (matérias-primas, energia elétrica, material de embalagem etc.); b) o desgaste do capital fixo; e c) a remuneração da força de trabalho. O valor da produção, deduzidos os insumos de terceiros, constitui o valor adicionado pela empresa, isto é, a parcela do produto social que foi gerado por ela. Este valor adicionado é dividido em duas partes: a) de um lado, os salários, que pagam a força de trabalho utilizada e a soma necessária para compensar a depreciação; e b) de outro, o lucro bruto. O pagamento da força de trabalho e o desgaste do capital fixo são considerados custos necessários à produção do novo valor produzido pela empresa. O lucro bruto constitui o excedente econômico, isto é, o valor gerado além dos custos necessários.[169] Daí se dizer, também, que lucro bruto é a diferença entre preço de venda e o preço de compra, sem dedução de despesas operacionais.[170] O lucro líquido é o próprio lucro bruto deduzido das despesas e encargos não embutidos nos custos. Segundo IÊDO BATISTA NEVES, diz-se, também, que lucro líquido é a diferença a mais, apurada entre o preço da aquisição, acrescido das despesas necessárias realizadas até o momento da venda, e o preço alcançado nesta ou, ainda, o excesso favorável do lucro bruto sobre a soma das despesas feitas durante o exercício financeiro que findou.[171] Para HUMBERTO PIRAGIBE MAGALHÃES e CHRISTOVÃO PIRAGIBE TOSTES MALTA, lucro líquido é o proveito real cujo montante se obtém adicionando ao valor da compra o de todas as despesas havidas para aobtenção da diferença.[172] Em outras palavras, no sistema capitalista, a produção do excedente efetiva-se no interior da empresa e é apropriado em primeiro lugar por seu proprietário, que depois transfere parte dele: a) paga impostos ao governo; b) paga juros aos credores; e c) paga aluguéis aos proprietários dos imóveis que a empresa utiliza. Após todas essas deduções sobre o lucro bruto, a parcela que fica com o dono da empresa é o lucro líquido, ou seja, é a parte residual do produto derivado da atividade empresarial destinada a remunerar o capital investido na empresa. Vale lembrar que parte do lucro líquido é pago em dinheiro, como, por exemplo, retiradas do empresário individual (firma individual ou pessoa física) ou de sócios (em sociedades de um modo geral ou pessoa jurídica) ou, ainda, dividendos (em sociedades anônimas). Outra parcela (os lucros retidos) destina-se a ampliar o capital da empresa.[173] São colocados em fundo de reserva e, num momento oportuno, incorporados ao capital. Quando isso ocorre, os sócios das sociedades recebem um aumento correspondente na cota de capital. Os acionistas das sociedades anônimas, por sua vez, ganham uma bonificação, isto é, um número adicional de ações. Em dinheiro ou capital, o lucro líquido é apropriado pelos donos das empresas.[174] Assim, se o lucro é considerado aquela mencionada diferença entre as despesas realizadas e a receita disponível, o lucro líquido constitui, pois, como a própria expressão diz, o resultado líquido obtido, após as deduções autorizadas, para a remuneração da atividade empresarial e para a remuneração do capital. Evidentemente, a finalidade básica de uma empresa capitalista é produzir lucro líquido para seus proprietários. Todas as decisões importantes (o quê, quando e como produzir) têm por critério supremo maximizar o lucro por unidade de capital investido. A taxa de lucro, isto é, a relação entre lucro líquido e o capital da empresa, revela em que medida ela alcançou esse objetivo. Essa taxa também determina a eficiência apresentada pela unidade econômica. Quando a empresa atua num mercado competitivo, não estabelece o preço dos produtos. Como o lucro resulta da diferença entre receita de vendas e despesas de produção, a única forma de elevá-lo é incrementar o volume de vendas e, concomitantemente, reduzir ao mínimo os custos. Nessas circunstâncias, a taxa de lucro mede o desempenho da empresa. Todavia, quando a empresa dispõe de monopólio do produto que vende, ou integra um oligopólio (um número muito reduzido de empresas que oferecem certo produto), ela tem relativa liberdade de fixar o preço de venda. Isso lhe permite assegurar uma adequada margem de lucro, a chamada “renda de monopólio”. Por isso, as empresas monopolistas costumam apresentar taxas de lucro mais elevadas do que as que trabalham em mercados concorrenciais. Diga-se de passagem que empresas desse tipo têm menos necessidade de baixar seus custos. Assim, sua eficiência deixa de ser expressa pela taxa de lucro. Esse fenômeno leva alguns especialistas a afirmar que o monopólio e o oligopólio tendem a desfavorecer a procura da eficiência máxima. Conseqüentemente, na maioria dos países capitalistas, a legislação proíbe essas situações. Tem sido demonstrado, contudo, que as empresas industriais modernas (apesar de quase sempre usufruírem de situações de oligopólio) conseguem alcançar custos muito baixos, devido a seu grande tamanho. Para restaurar o caráter competitivo dos mercados, seria necessário grande número de empresas de tamanho menor, o que levaria a custos mais elevados e, portanto, ocasionaria menor eficiência.[175] O objetivo de definirmos lucro bruto e lucro líquido, apresentando as suas diferenças é, a nosso ver, fundamental para o estudo da participação dos empregados nos lucros da empresa, em virtude da necessidade de se saber ao certo sobre qual espécie de lucro incidirá o direito de participação. O empregado deve participar do lucro bruto ou do lucro líquido? A espécie de lucro que deve incidir a participação dos empregados é uma questão importante, a qual merece que façamos alguns comentários. A opção que se faz em relação a uma das espécie de lucro, para fins de participação dos empregados, determina o lucro dedutível. Ou seja, lucro dedutível é, segundo o jurista, filósofo, matemático, advogado, sociólogo, professor universitário, magistrado e diplomata brasileiro FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA (Maceió, 23.04.1892 - Rio de Janeiro, 22.12.1979), o lucro de que se vai deduzir o quanto participável (“portion to be shared”), isto é, de que se subtrai o quanto destinado a solver a quota de participação de cada empregado legitimado.[176] Assim, lucro dedutível é o lucro sobre o qual vai incidir o percentual ajustado para compor o montante a ser distribuído aos empregados e quanto participável é justamente este montante que se separa do lucro dedutível e vai ser dividido em quotas destinadas a cada um dos empregados que tem direito ao benefício da participação. Esclarece, ainda, FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA que o problema da determinação do quanto participável tem de vir após a determinação do que são lucros dedutíveis, como o da determinação da quota de participação há de vir após a solução daquele. Segundo ele, a ordem é, portanto, a seguinte: 1°) determinação do lucro dedutível; 2°) determinação do quanto participável; 3°) determinação de quem participa; e 4°) determinação da quota de participação.[177] Já a determinação do lucro dedutível pode ser: a) antes do pagamento dos tributos; b) antes do pagamento dos tributos e de certa percentagem, mínima, aos que têm ações; c) antes do pagamento dos tributos, da percentagem mínima dos acionistas e das verbas de previdência social não-contributórias (isto é, só do empregador) ou das verbas de beneficência; d) antes do pagamento dos tributos, da percentagem mínima dos acionistas, das verbas de previdência social não-contributórias, ou das verbas de beneficência e da discriminação dos dividendos destinados a fins de economia individual ou permanentemente a fins de assistência social e valorização do próprio trabalho; e) depois do pagamento dos tributos e de certas percentagem mínima aos acionistas; e f) depois do pagamento dos dividendos destinados a fins permanentes de assistência social e valorização do próprio trabalho.[178] Todavia o mais recomendado é a determinação do lucro dedutível, pelo menos, depois de se pagarem os tributos. Outrossim, FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA menciona, ainda, que, para apuração do lucro dedutível, é aconselhável a dedução do que é percentagem mínima dos acionistas como emprego de capital, a fim de que não se diminua o lucro, a ponto de emigrar das indústrias para outros ramos improdutivos o capital empregado, ou de afastar das indústrias a iniciativa privada. Lembra ele que não se investe, sem esperança de maior lucro do que o juro dos depósitos bancários, o capital disponível. Destaca, também, que esse inconveniente não é só de ordem econômica; ele é também de ordem jurídica, uma vez que a redução do lucro apto ao pagamento dos dividendos pode ser tal que importe desapropriação sem indenização.[179] No entanto, tudo isto que foi dito não passa de meros comentários e sugestões, em virtude de a norma regulamentadora, hoje em vigor no Brasil, deixar aos empregados e ao empregador decidirem, via acordo, sobre que espécie de lucro incidirá o quanto participável, a fim de que sejaapurado o valor da cota de cada empregado. Assim, cumpre-nos, aqui, neste trabalho, apenas trazer alguns esclarecimentos a respeito das espécies de lucros sobre as quais poderá incidir o quanto participável. Visto isto, acrescentamos que, sob o ponto de vista legal, o lucro pode ser: lucro final e lucro de exercício ou lucro líquido do exercício. Diz RUBENS REQUIÃO que o lucro final é o que se verifica no momento da liquidação da sociedade, depois de pago todo o passivo e restituídos o capital e os resultados remanescentes aos sócios. E conclui que o produto líquido, expressão tão do agrado dos antigos fisiocratas, constitui o lucro final que a sociedade gerou no curso de sua existência.[180] Por outro lado, vimos o que é lucro líquido. Porém antes de se apurar o lucro líquido é necessário se apurar o lucro de exercício ou lucro líquido do exercício. O lucro de exercício, segundo RUBENS REQUIÃO, é o que resulta do balanço contábil das contas no fim do exercício social.[181] O legislador ordinário preferiu se referir a essa espécie de lucro utilizando o termo “lucro líquido do exercício”. Inclusive, o art. 191, combinado com os arts. 189 e 190,[182] ambos da Lei n° 6.404, de 15.12.1976 (dispõe sobre as Sociedades por Ações), conceitua lucro líquido do exercício como o resultado do exercício que remanescer depois de deduzidos, em primeiro lugar, os prejuízos acumulados e a provisão para o imposto sobre a renda e também deduzidas, em segundo lugar, as participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias. Inclusive, a companhia somente pode pagar as participações dos administradores e das partes beneficiárias à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados e de reserva de lucros e à conta de reserva de capital, no caso das ações preferenciais, sob pena de responsabilidade solidária dos administradores e fiscais, que deverão repor à caixa social a importância distribuída indevidamente (parágrafo único do art. 190 combinado com o caput e o §1° do art. 201).[183] De qualquer forma, após tais deduções chega- se, portanto, ao lucro líquido do exercício. Todavia, para se chegar ao lucro líquido é necessário proceder outras deduções do “lucro líquido do exercício” apurado. Assim é que o art. 193 da Lei n° 6.404, de 15.12.1976,[184] determina que “do lucro líquido do exercício, 5% (cinco por cento) serão aplicados antes de qualquer outra destinação, na constituição da reserva legal, que não excederá de 20% (vinte por cento) do capital social”. Do lucro líquido do exercício também serão deduzidas as reservas de capital,[185] as reservas estatutárias,[186] as reservas para contingências,[187]e a reserva de lucros a realizar.[188] No entanto, devemos destacar que o art. 198 da Lei n° 6.404, de 15.12.1976,[189] determina que a destinação dos lucros para constituição das reservas estatutárias não poderão ser aprovadas, em cada exercício, em prejuízo da distribuição do dividendo obrigatório.[190] O saldo das reservas de lucros, exceto as para contingências e de lucros a realizar, não poderá ultrapassar o capital social; atingido esse limite, a assembléia deliberará sobre a aplicação do excesso na integralização ou no aumento do capital social, ou na distribuição de dividendos (art. 199 da Lei n° 6.404, de 15.12.1976).[191] Outrossim, a constituição de reservas estatutárias, de reservas para contingências, de reserva de lucros a realizar e de reserva de capital, bem como a retenção de lucro não podem prejudicar o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade, inclusive os atrasados, se cumulativos (art. 203 da Lei n° 6.404, de 15.12.1976).[192] Em resumo, a nosso ver, o lucro líquido do exercício deve ser aquele tal como definido no art. 191 da Lei n° 6.404, de 15.12.1976, e o lucro líquido, por eliminação, deve ser aquele equivalente ao que for distribuído aos acionistas (dividendo) ou equivalente ao dividendo obrigatório, isto é, equivalente à parcela de lucro que corresponde a cada uma das ações que representam o capital da sociedade e que deverá ser integrado, pelo pagamento do dividendo, ao patrimônio individual do acionista. Inclusive a definição de lucro líquido encontra-se prevista no §2° do art. 202 da Lei n° 6.404, de 15.12.1976.[193] Dentro do universo do lucro bruto e do lucro líquido, outras distinções podem ser feitas, como, por exemplo, a relativa a business profit e a pure profit. O primeiro caso é representado pela simples diferença entre a receita e os custos explícitos da empresa. O segundo caso, por sua vez, é representado pela diferença entre a receita e os custos explícitos ou implícitos, compreendendo-se aí o juro do capital aplicado e a remuneração pelo trabalho do chefe da empresa.[194] 3.3 LUCRO OPERACIONAL E LUCRO NÃO OPERACIONAL Sob o ponto de vista comercial e industrial, podemos dizer que o lucro sofre, também, outro desdobramento, ou seja, ele pode ainda se dividir em lucro operacional e lucro não operacional. Para FUGIMI YAMASHITA, lucro operacional é o lucro gerado ou proveniente da atividade fim para a qual foi constituída a empresa. Por exemplo, se uma empresa tem por finalidade fabricar e vender geladeiras, o ganho proveniente dessa atividade seria o lucro operacional. Todavia, esclarece ele que, se esta mesma empresa obtivesse um ganho na venda de parte do terreno ocioso da sua fábrica, que está escriturado no ativo permanente (imobilizado), este já não seria operacional, mas sim lucro não operacional. Desta forma, como há o lucro operacional, poderá haver o prejuízo operacional, quando o resultado for negativo.[195] Daí podemos dizer que lucro não operacional é o lucro gerado ou proveniente de atividades estranhas aos objetivos sociais previstos em estatuto ou em contrato social, ou seja, é o lucro oriundo de negócios paralelos bem-sucedidos. Nunca é demais lembrar que o objetivo social, definido de forma precisa e completa no estatuto ou no contrato social, indica a espécie de atividade produtiva da sociedade, ao passo que o fim social é justamente a persecução de lucro. Assim, não é absurdo dizer, também, que o lucro operacional identifica-se exclusivamente com o objetivo social previsto em estatuto ou contrato social e o lucro não operacional não tem qualquer identidade com o objetivo real da sociedade, porém identifica-se com o fim social, que é a persecução de lucro. Para JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA, professor do Curso de Direito Empresarial da Fundação Getúlio Vargas, o lucro ou prejuízo operacional exprime o efeito da atividade própria da sociedade. Segundo ele, a receita bruta representa o faturamento da sociedade. Do seu montante deduzem-se abatimentos e impostos, chegando-se à receita líquida. Desta, retiram-se os custos das mercadorias e serviços vendidos, de modo a alcançar-se o lucro bruto. Vêm então as despesas com as vendas, os encargos financeiros e as despesas gerais e administrativas, chegando-se ao lucro ou prejuízo operacional.[196] Entretanto acrescenta JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA que, para se chegar ao resultado do exercício a fim de ser calculado o imposto de renda, ao lucro ou prejuízo operacional se somam e se deduzem, respectivamente, as receitas e despesas não operacionais, vale dizer, aquelas que não provierem da atividade normal da empresa, mas sim de negócios paralelos, como acontece, por exemplo, com os rendimentos que foram obtidos no antigo open-market. O saldo da conta de correção monetáriaé igualmente acrescentado ou diminuído ao lucro operacional, a fim de chegar-se ao resultado do exercício antes do imposto de renda. Prossegue ele esclarecendo que calculado o imposto de renda e feita a respectiva provisão, tem-se o resultado depois do imposto de renda. Cumpre agora subtrair do resultado os prejuízos acumulados, caso existam. Passa-se, subseqüentemente, ao cálculo das participações estatutárias de empregados, as quais deverão ser subtraídas do resultado, apurando-se, sobre o que restar, as participações dos administradores, a serem também diminuídas do resultado, para afinal aplicar-se, ao que sobrar, o percentual conferido às partes beneficiárias. Contribuições devidas a fundos de assistência e previdência de empregados serão ainda descontadas. Declarar-se-á, finalmente, em função do que remanescer, qual foi o lucro ou prejuízo líquido do exercício.[197] Devemos esclarecer, ainda, que na terminologia do Direito Tributário, lucro operacional é o formado pela diferença a maior que apresentam as receitas em relação aos custos, despesas, encargos, provisões e perdas autorizadas pela legislação e por prejuízo operacional entende-se aquele formado pela diferença a menor que apresentam as receitas em relação aos dispêndios relativos aos custos, despesas, encargos, provisões e perdas autorizadas pela legislação.[198] Como se vê, há bastante divergência entre os conceitos a respeito de lucro operacional e prejuízo operacional. Há que se esclarecer, ainda, para melhor entendimento dos conceitos de lucro operacional e prejuízo operacional, que, como menciona FÁBIO FANUCCHI, custos operacionais são os dispêndios relacionados diretamente com o objeto do empreendimento da pessoa jurídica (matéria-prima, mercadoria, etc.); despesas operacionais são os dispêndios não relacionados diretamente com o objeto do empreendimento da pessoa jurídica, porém necessários à manutenção de suas fontes de produção (propaganda, juros, aluguéis etc.); encargos e provisões, por sua vez, são dedutibilidades admitidas pela legislação com base em acontecimentos presumidos, ou futuros e incertos, porém prováveis, todos capazes de ocasionar perdas para a pessoa jurídica (fundo para devedores duvidosos, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS de não optantes etc.); e perdas são os prejuízos ocasionados em bens da pessoa jurídica por acontecimentos fortuitos, por força maior ou por ato criminoso de terceiros (roubo, enchente, fogo, destruição para preservação de patrimônio alheio etc.).[199] De qualquer forma tudo leva a crer que, ainda que no âmbito da doutrina tributária não seja integralmente aplicado neste sentido, o termo “operacional” diz respeito a atividades ou ocorrências exclusiva e diretamente relacionadas com o objeto da empresa e o termo “não operacional” ligados a atividades ou ocorrências estranhas ao objeto da empresa. 3.4 LUCRO REAL, LUCRO TRIBUTÁVEL, LUCRO PRESUMIDO, LUCRO ARBITRADO, LUCRO INFLACIONÁRIO E LUCRO DA EXPLORAÇÃO O lucro real é um termo que surgiu recentemente na legislação ordinária tributária. Com o advento do art. 6° do Decreto-Lei n° 1.598, de 26.12.1977,[200] que alterou a legislação do imposto sobre a renda, conceituou-se lucro real, em contraste com o lucro presumido e o lucro arbitrado, ou seja, lucro real é aquele que efetivamente a empresa alcançou, constatados através de todas as operações contábeis que indicam as verdadeiras atividades desenvolvidas pela empresa. Inicialmente, o lucro real era conhecido como o lucro tributável. “IMPOSTO DE RENDA - PESSOA JURÍDICA - LUCRO REAL - FALTA DE ENTREGA DA DECLARAÇÃO - LANÇAMENTO EX-OFFICIO. O lucro real, apurado na escrituração mantida de acordo com as leis comerciais e fiscais, independentemente da realização em moeda das receitas contabilizadas, sujeita- se à tributação mediante lançamento ex-officio, se a pessoa jurídica não entregou a declaração de rendimentos correspondente”.[201] Inclusive, devemos assinalar que existiam vários projetos de lei arquivados no Congresso Nacional, outros em lenta tramitação, versando sobre a participação nos resultados da empresa. Um deles definia lucro, para esses efeitos, como sendo os tributáveis pela legislação do imposto de renda, deduzidos o montante do imposto de renda (excluídas as multas); os juros de 8 (oito) por cento sobre o capital da empresa, para sua remuneração; as quantias correspondentes ao aumento do valor do ativo resultante de vendas ou reavaliações efetuadas no respectivo exercício; e a importância necessária à amortização de prejuízos verificados nos três últimos exercícios até o máximo de trinta por cento dos lucros. Outro projeto, que também tramitava pelo Congresso Nacional, apontava o lucro como sendo os que fossem tributáveis pelo imposto sobre a renda, deduzidos de seu montante, além do imposto, 12% (doze por cento) do capital realmente aplicado, inclusive reservas, a título de remuneração do capital; não sendo dedutíveis dos lucros as reservas feitas no exercício. Como a tendência da doutrina e dos projetos de lei em análise no Congresso Nacional era de utilizar a definição de lucro elaborada pelo Direito Tributário, consideramos, portanto, importante apresentarmos em nossos estudos alguns esclarecimentos sobre lucro real, lucro tributável, lucro presumido e lucro arbitrado, que são figuras já bastantes consagradas no âmbito fiscal. Como vimos, se antes o lucro real era chamado de lucro tributável, hoje, apesar de muitos autores preferirem o termo “lucro tributável”, predomina em nossa legislação o termo “lucro real”. Citamos, inclusive, como exemplo, a Lei n° 9.249, de 26.12.1995, cujo o §1° do seu art. 3°, com a redação dada pela Lei n° 9.430, de 27.12.1996,[202] prescreve que “a parcela do lucro real, presumido ou arbitrado, que exceder o valor resultante da multiplicação de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) pelo número de meses do respectivo período de apuração, sujeita- se à incidência de adicional de imposto de renda à alíquota de 10 (dez) por cento”. Todavia, a nosso ver acertadamente, nem todos os autores empregam a palavra lucro real para designar o lucro sobre o qual incidirá tributo (lucro tributável). Entre esses autores, encontra-se FÁBIO FANUCCHI, que entende por lucro tributável o lucro real acrescido ou diminuído de parcelas que a legislação não considere, respectivamente, dedutíveis ou tributáveis e por lucro real o resultado positivo verificado na contabilidade da empresa, em face de operações habituais por ela realizadas, acrescido ou diminuído dos resultados líquidos (positivos, no primeiro caso, ou negativos, no segundo) de transações eventuais que ela realize.[203] Por exemplo, a lei não considera como lucro tributável o que for apurado em função de: a) lucros e dividendos sujeitos à tributação em poder de firmas e sociedades que os distribuírem (diante do princípio de não incidência dobrada do mesmo imposto sobre idêntica base de cálculo); b) rendimentos e prêmios de títulos ao portador (subentendendo-se a incidência do imposto, se houver, somente na fonte); c) capital das apólices de seguro ou pecúlio em favor da pessoa jurídica, pago por morte de sócio segurado; d) reajustamento de valor de títulos para os quais a lei estipule correção monetária, desde que não distribuídos aos sócios ou acionistas da pessoa jurídica; e) exportação de produtos manufaturados (caso de isenção); e f) outras receitas. Em contrapartida, a lei também não considera dedutíveis do lucro, embora otenham diminuído na contabilidade empresarial, as parcelas de custos ou despesas operacionais que: a) tendo beneficiado partícipes de sociedades ou titular de firma individual, não correspondam a serviços por eles prestados (considerando que eles só devem ser pagos pela empresa se prestarem serviços); b) excedam a certos limites fixados em lei como de remuneração de dirigentes e conselheiros empresariais e como de gratificação a empregados (considerando o excesso como lucro real); c) beneficiarem a dirigente empresarial residente no exterior (considerando não ser lícito que a empresa nacional remunere atividade desenvolvida por esta pessoa, fora de nosso território); d) representem juros pagos ao aplicador de capital; e) formem fundos de reserva, previsões ou provisões não admitidas na lei como dedutíveis, expressamente; f) se destinem a gratificar ou quitar participações de dirigentes nos lucros; g) inobservem as exigências legais sobre dedutibilidade do lucro; e h) outros dispêndios que a lei enumere. Daí, conclui FÁBIO FANUCCHI que, como ponto de partida para estabelecimento do montante que sofrerá a incidência do imposto de renda sobre lucros, vale o lucro apurado em balanço de receita e despesas ou custos operacionais (lucro real). Verificado este lucro, ele será diminuído de parcelas tais como as enunciadas acima e acrescido de parcelas como as também enumeradas acima, tendo-se formado, assim, o lucro tributável ou a base de cálculo do imposto de renda.[204] Em outra oportunidade, no mesmo sentido, FÁBIO FANUCCHI acrescenta que os rendimentos das pessoas jurídicas são apurados, de início, pelos lucros, verificados em sua contabilidade (lucro real), quer ele tenha se formado apenas por operações normais da empresa (lucro operacional), quer tenha se formado, inclusive, por operações eventuais por ela realizadas (lucro não operacional, como por exemplo, venda de um bem do ativo fixo). Todavia, como a legislação não admite a diminuição do lucro por efeito de certas despesas ou custos que, embora realizados, não são reconhecidos como dedutíveis e, de outro lado, como ela também não computa certas receitas como tributáveis, o lucro real será acrescido ou diminuído dessas verbas, formando o que chama de “lucro tributável”.[205] De forma que, face ao que a própria lei impõe, lucro real não se confunde com lucro tributável, uma vez que, como vimos, são espécies bem distintas. Ainda a respeito de lucro real, da mesma forma que Fábio Fanucchi o fizera, FUGIMI YAMASHITA menciona que ele tem seu ponto de partida no lucro líquido apurado com observância da legislação comercial, porém, a lei fiscal impõe uma série de ajustes, determinando uma série de acréscimos de valores que o fisco não admite como despesas ou custos dedutíveis ou a diferença excedente dos limites estabelecidos em lei, e deduções das receitas e proventos considerados isentos de tributação, processando toda essa mecânica por meio de um livro próprio chamado Livro de Apuração do Lucro Real - LALUR, criado pela Instrução Normativa SRF n° 28/78.[206] De forma que, atualmente, o máximo que podemos dizer a respeito do lucro tributável resume-se a que trata-se do lucro efetivamente alcançado durante o exercício financeiro, calculado conforme os métodos e determinações impostos pela legislação fiscal, com o objetivo de se apurar o imposto de renda devido pela sociedade ou pelo empresário individual (firma individual). Como vimos, a tributação não é só calcada em lucros reais do contribuinte mas, também, em lucros arbitrados pelo fisco ou presumidos por sinais indicativos de sua existência e montante. O lucro presumido e o lucro arbitrado são termos que surgiram na terminologia do Direito Tributário e, hoje, já estão consagrados. Diz o art. 44 do Código Tributário Nacional que “a base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis”. Esclarece ALIOMAR BALEEIRO, professor emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Federal de Brasília, que, para permitir ao legislador ordinário meios de enfrentar a complexidade das situações, o art. 44 diz que a base de cálculo será não apenas o montante real ou efetivo e apurado da renda ou proventos, mas também aquele que for arbitrado ou presumido, segundo standards legais e regulamentares. Um desses parâmetros é o coeficiente sobre o valor global das operações da firma para determinar o lucro, se ela não tem contabilidade ou esta não merece fé.[207] Daí FUGIMI YAMASHITA dizer que, na realidade, o chamado lucro presumido é uma instituição exclusivamente fiscal e se constitui numa opção alternativa, facultada pela legislação do imposto de renda, para que as empresas de menor porte que não queiram apurar o lucro com base na escrituração contábil normal (lucro real) paguem o imposto de renda baseado somente no valor da receita bruta, mediante aplicação de percentuais próprios previstos em lei, conforme o tipo de atividade (o limite para essa opção, a partir de 1995, era de 12.000.000 UFIR [208] de receita bruta no calendário anterior).[209] Com o fim da Unidade Fiscal de Referência – UFIR o limite para a opção de tributação pelo lucro presumido passou a ser medido em reais. De maneira que, atualmente, o lucro presumido ainda é a forma de tributação simplificada do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ e Contribuição Social sobre o Lucro – CSLL. A sistemática de tributação pelo lucro presumido é regulamentada pelos arts. 516 a 528 do Regulamento do Imposto de Renda – RIR (Decreto n° 3.000, de 26.03.1999). De maneira que a pessoa jurídica cuja receita bruta total, no ano-calendário anterior, tenha sido igual ou inferior a R$ 48.000.000,00 (quarenta e oito milhões de reais), ou a R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais) multiplicado pelo número de meses de atividade do ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses, poderá optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido. Observe-se que o primeiro requisito é não estar obrigada ao regime de tributação pelo lucro real. Assim, por exemplo as empresas de factoring e as que usufruam de benefícios fiscais, não poderão optar pelo lucro presumido. No entanto, a partir de 01.01.2014, o limite de receita bruta total passou a ser de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais), ou a R$ 6.500.000,00 (seis milhões e quinhentos mil reais) multiplicado pelo número de meses de atividade do ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses, poderá optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido (Lei n° 12.814, de 16.05.2013). Como se vê, pelo lucro presumido, as empresas de pequeno e médio porte ficam dispensadas de contabilidade completa com vistas à legislação do imposto de renda. Inclusive, o critério de tributação dessas empresas sobre base presumida é o de mais fácil aferição e fiscalização.[210] Todavia o lucro presumido não constitui apenas um benefício para as pequenas e médias empresas, algumas vezes ele constitui também alternativa de penalização. Por isso FÁBIO FANUCCHI opina que lucro presumido é o calculado por um coeficiente legal aplicado sobre a receita bruta da pessoa jurídica, constituindo um montante que se admite como sendo o lucro que poderia ser o auferido efetivamente pela empresa.[211] Assim, as pequenas e médias empresas podem optar pelo lucro presumido, que é determinado mediante aplicação de percentuais previstos em lei sobre a parcela da receita bruta oriunda das suas atividades previstas em seu objetivo social (receita operacional)e aplicação de percentuais diferenciados sobre a parcela da receita bruta proveniente das demais atividades (receita não operacional). É de se ressaltar que, nesse caso, apenas o lucro é presumido, porém a receita bruta não é presumida. Lembramos que a tributação por rendimentos ou lucros presumidos está sempre calcada em elementos materiais de convicção da existência dos rendimentos e de seu possível montante. Por isso o lucro das pessoas jurídicas de pequeno capital e baixa receita bruta anual é presumido por uma porcentagem fixa, considerada habitual no exercício de comércio, aplicável sobre a receita bruta do período que fornece elementos para a incidência; os rendimentos das pessoas físicas se presumem pelo movimento de entradas em suas contas bancárias, pelos gastos individuais que o contribuinte tenha realizado no período objeto da tributação; por suas aquisições patrimoniais no mesmo período etc.[212] A regra geral na legislação fiscal é no sentido de que o imposto de renda deve incidir sobre o lucro tributável, verificado a partir do lucro real. Todavia, vimos que o imposto de renda pode incidir, também, sobre o lucro presumido, ao invés de incidir a partir do lucro real. Além disso, o imposto de renda pode incidir, ainda, sobre o chamado “lucro arbitrado”, em substituição ao lucro real e ao lucro presumido. O lucro arbitrado, segundo FUGIMI YAMASHITA,[213] é, na realidade, uma alternativa penalizante de tributação e ocorre, como regra, via lançamento de ofício, havendo exceção para o contribuinte poder optar por essa modalidade, quando conhecida a receita bruta (§1° do art. 47 da Lei n° 8.981, de 20.01.1995).[214] FÁBIO FANUCCHI, por sua vez, conceitua lucro arbitrado como aquele obtido pelo fisco através de aplicação de coeficientes legais sobre a receita bruta, o ativo disponível, realizável e imobilizado ou o capital da pessoa jurídica. Também para ele, o lucro arbitrado deve se constituir, sempre, em medida de penalização para o contribuinte inadimplente.[215] A esse respeito destacamos, inclusive, que não é em todos os casos que a presunção se manifesta como forma de penalização. Com referência à pessoa jurídica ela está autorizada pela lei, como faculdade de que o contribuinte pode se utilizar. Todavia, em todos os casos, o arbitramento se manifesta como forma de penalização de inadimplentes de obrigações de imposto de renda. Por esta razão, lembra FÁBIO FANUCCHI, que se manifestaram verdadeiramente absurdas certas práticas antigas de contribuintes do imposto de renda como pessoa jurídica, face a tolerância das autoridades fazendárias. Por exemplo, as repartições da Receita Federal admitiam a possibilidade de “auto-arbitramento”, baixando tabelas dentro das quais, conforme o montante de suas receitas brutas anuais, os contribuintes inadimplentes da obrigação de manter escrituração contábil poderiam “arbitrar” o seu lucro sujeito à tributação, foi comum verificar-se que certas pessoas jurídicas, embora mantendo escrituração mercantil, a inutilizavam ou escondiam se “auto-arbitrando” dentro da tal tabela. E o faziam por uma simples razão: o lucro real era maior do que o extraído do “auto-arbitramento”. Economizando imposto substancial, prêmio reservado por seu descumprimento de obrigação tributária acessória, o contribuinte se colocava conforme a legislação.[216] Acrescenta, ainda, FUGIMI YAMASHITA que a taxação sobre o lucro arbitrado é muito “pesada”, conforme seja ou não conhecida a receita bruta e de acordo com o tipo de atividade exercida pelo contribuinte (arts. 49 a 51 da Lei n° 8.981, de 20.01.1995).[217] Devemos esclarecer, ainda, que a tributação pelo lucro arbitrado ocorre quando: a) o contribuinte obrigado à tributação com base no lucro real não mantiver escrituração na forma regular; b) a escrituração mantida pelo contribuinte contiver vícios, erros ou deficiências que a tornem imprestável para determinar o lucro real ou, ainda, revelar evidentes indícios de fraude; c) o contribuinte se recursar a apresentar os livros e documentos à autoridade fiscal; d) o contribuinte optar indevidamente pela tributação com base no lucro presumido; e e) outros motivos relacionados em lei.[218] “IMPOSTO DE RENDA - ESCRITA COM FALHAS MATERIAIS - ARBITRAMENTO DO LUCRO. As falhas materiais encontradas na escrita do contribuinte, de modo a tornar inconfiável a apuração do lucro real, autorizam seu abandono e o conseqüente arbitramento dos lucros”;[219] “IMPOSTO DE RENDA - ARBITRAMENTO DO LUCRO - FUNDAMENTO LEGAL. O arbitramento do lucro é uma conseqüência da falta de escrituração que prova o lucro real. O fundamento legal do arbitramento é a Portaria 22/79, do Ministério da Fazenda. É ela legítima, porquanto foi expedida para regulamentar os arts. 7° e 8° do Decreto-Lei n° 1.648/78”;[220] IMPOSTO DE RENDA - PESSOA JURÍDICA - ARBITRAMENTO DE LUCRO - IRREGULARIDADES SANÁVEIS. Escrituração contábil com irregularidades sanáveis ou não-escrituração do Livro Registro de Inventário, se a pessoa jurídica pela sua atividade industrial não forma estoque de matérias-primas, são fatos que não têm o condão de justificar o arbitramento de lucros”;[221] “IMPOSTO DE RENDA - PESSOA JURÍDICA - FALTA DE ESCRITURAÇÃO - ARBITRAMENTO DOS LUCROS. Cabe o arbitramento de lucros se a empresa não mantém escrituração, na forma da legislação fiscal e comercial, que permita a apuração com base no lucro real”;[222] “IMPOSTO DE RENDA - PESSOA JURÍDICA - FALTA DE ESCRITURAÇÃO DO LIVRO DIÁRIO - ARBITRAMENTO DE LUCROS. A falta de escrituração do diário, livro obrigatório de escrituração formalmente exigida, sem atualização no prazo assinado pela autoridade, justifica o arbitramento dos lucros”;[223] e “IMPOSTO DE RENDA - PESSOA JURÍDICA - LUCRO ARBITRADO - TRIBUTAÇÃO NA CÉDULA “F”. O lucro arbitrado na pessoa jurídica é considerado distribuído aos sócios e tributado na Cédula F da declaração de rendimentos de cada um, na proporção de sua participação no capital social, excluída, porém, a quantia correspondente ao valor do imposto exigido no processo-matriz”.[224] Lembramos, também, que, no arbitramento, dentro de limites que a legislação estabelece, a Fazenda Nacional escolhe, ao seu talante, aquele que julgue ser o montante dos rendimentos ou lucros do contribuinte, valendo-se, ou não, de evidências relacionadas com as efetivas fontes de produção com que o sujeito passivo conte. O arbitramento do lucro das pessoas jurídicas, dentro de percentuais bem maiores do que os normais em comércio, pode se fixar: a) na receita bruta do sujeito passivo (que é indicativo de renda produzida); b) no capital empresarial; e c) no valor do ativo da empresa (os dois últimos, nem sempre relacionados com a produção de rendas). O arbitramento dos rendimentos das pessoas físicas poderá se fixar, por exemplo, no valor do patrimônio, mesmo sabendo-se, de antemão, que nem todos os seus itens são capazes de produzir renda.[225] Em resumo, a tributação pelos rendimentos ou lucros arbitrados pelo fisco ou dos que decorram de simples presunção de sua existência e montante, verifica-se: a) junto às pessoas jurídicas, quando elas não estejam obrigadas à escrituração mercantil (as de pequeno capital e receita bruta anual, estão dispensadas de apurar a base de cálculo do imposto por contabilidade), ou, quando obrigadas à escrituração, não a realizem; e b) junto às pessoas físicas, quando não apresentem declaração de seus rendimentos ou o façam incompletamente, e o fisco supra a falta do contribuintearbitrando ou presumindo rendimentos por indícios que evidenciem a existência deles (chamada “tributação por sinais exteriores de riqueza” ou “tributação indiciária”). Outra espécie de lucro criada pela legislação tributária é o chamado “lucro da exploração”. Pela definição legal, o lucro da exploração é aquele do período-base, antes de deduzida a provisão para o imposto de renda, ajustado pela exclusão dos seguintes valores: a) a parte das receitas financeiras que exceder as despesas financeiras; b) os rendimentos e prejuízos das participações societárias; e c) os resultados não operacionais. Assim, pois, o lucro da exploração é o resultado líquido verificado no exercício financeiro, após a exclusão das despesas e das receitas financeiras, do resultado financeiro de participações em outras sociedades e dos resultados não operacionais. É de se ressaltar, também, que, no cálculo do lucro da exploração, é tomado por base o lucro líquido apurado, depois de deduzida a contribuição social instituída pela Lei n° 7.689, de 15.12.1988 (institui contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas). O lucro da exploração é definido pelo art. 19 do Decreto-Lei n° 1.598, de 26.12.1977 (altera a legislação do imposto sobre a renda)[226] e demais alterações posteriores. O texto legal visa, segundo RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA, segregar, dentro do lucro líquido total da pessoa jurídica, o lucro da exploração de determinada atividade que seja submetida a algum regime especial de tributação ou seja beneficiado por isenção. Acrescenta ele que a definição legal de lucro da exploração pode não ser completa e ideal, mas seguramente se aproxima do objetivo de identificar e separar o resultado líquido total da pessoa jurídica num determinado período. Esclarece RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA que, nesse sentido, pode ocorrer, inclusive, de haver lucro líquido no período, mas ser negativo o lucro da exploração da atividade que se quer destacar. Ou, ao contrário, pode haver prejuízo no período, considerada a movimentação total da pessoa jurídica, mas haver lucro da exploração daquela atividade em destaque. Estas alterações decorrem exatamente do fato de que a pessoa jurídica pode ter, além dos resultados da atividade econômica que ela efetivamente explora, ganhos ou perdas de natureza financeira, ou em participações em outras pessoas jurídicas, ou nas vendas ou baixas de ativos permanentes, ou em outras mutações patrimoniais não operacionais. Inclusive, anota RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA que nas hipóteses em que a pessoa jurídica tenha mais de uma atividade sujeita a regimes fiscais diferenciados e a contabilidade não tenha condições para apurar segregadamente o lucro da exploração de cada uma delas, é reconhecido pelo fisco federal (Parecer Normativo/CST n° 49/79), e tem sido aceito pela jurisprudência do Conselho de Contribuintes, que a determinação do lucro da exploração de cada uma dessas atividades seja feita pela aplicação, sobre o lucro da exploração total, da porcentagem que a receita dessa atividade representar sobre o total das receitas das atividades sujeitas a regimes fiscais especiais.[227] 3.5 RESULTADO DA GESTÃO ADMINISTRATIVA DA EMPRESA Rétido na empresa comercial, segundo HILÁRIO FRANCO, professor da Escola de Comércio Alvares Penteado, da Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo e do Instituto Pedagógico do Ensino Industrial, é o resultado da gestão administrativa, concorrendo para a variação do patrimônio. A gestão produz a movimentação de todos os componentes do patrimônio, permutando-os, aumentando-os ou diminuindo-os, de forma a modificar a composição e o volume patrimonial em determinado período. Assim, pois, prossegue aquele contabilista, o rétido é o produto, o resultado da atividade administrativa, que tem como objetivo o aumento da riqueza patrimonial. Não obstante, o rétido poderá ser negativo, produzindo diminuição do patrimônio. Embora o rétido seja o resultado da movimentação e da variação de todos os componentes patrimoniais, a modificação da riqueza patrimonial, como conseqüência do rétido, manifesta-se no patrimônio líquido, aumentando-o ou diminuindo-o. É o capital próprio da empresa, portanto, que sofre variação aumentativa ou diminutiva como conseqüência do rétido, embora nem toda variação do capital seja conseqüência do resultado da gestão administrativa.[228] Após estas considerações, sabemos que o rétido positivo é o lucro e o rétido negativo é a perda ou prejuízo. Apurado o resultado contábil da diferença entre o preço de custo e o preço de venda, por exemplo, das mercadorias vendidas, encontramos o que se denomina lucro bruto do exercício. Esclarece HILÁRIO FRANCO que, para que se obtenha o rétido do exercício financeiro da empresa (lucro ou perda), adiciona-se ao lucro bruto outras receitas, não decorrentes da atividade principal da empresa, e se deduz as despesas operacionais.[229] Assim, resultado, no âmbito da Contabilidade, é empregado como sinônimo de rétido, ou seja, significa variação patrimonial, positiva ou negativa. Pelo que dispõe o art. 187 da Lei n° 6.404, de 15.12.1976 (dispõe sobre as Sociedades por Ações),[230] demonstração do resultado do exercício, nada mais é do que apuração do lucro ou prejuízo do exercício financeiro. Diz este dispositivo legal que “a demonstração do resultado do exercício discriminará: I- a receita bruta das vendas e serviços, as deduções das vendas, os abatimentos e os impostos; II- a receita líquida das vendas e serviços, o custo das mercadorias e serviços vendidos e o lucro bruto; III- as despesas com as vendas, as despesas financeiras, deduzidas das receitas, as despesas gerais e administrativas, e outras despesas operacionais; IV- o lucro ou prejuízo operacional, as outras receitas e as outras despesas; V- o resultado do exercício antes do imposto de renda e a provisão para o imposto; VI- as participações de debêntures, empregados, administradores e partes beneficiárias, mesmo na forma de instrumentos financeiros, e de instituições ou fundos de assistência ou previdência de empregados, que não se caracterizem como despesa; e VII- o lucro ou prejuízo líquido do exercício e o seu montante por ação do capital social. Portanto, também para o Direito Empresarial, o resultado, na qualidade de gênero, é a variação patrimonial, enquanto que o lucro (resultado positivo) e o prejuízo (resultado negativo) são as suas espécies. Diz o caput e o inciso XI do art. 7° da Constituição Federal de 1988 que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social ... participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”. É evidente que o conceito de resultado adotado pela Lei n° 6.404, de 15.12.1976, não se aplica ao termo “resultado” utilizado pelo legislador constituinte ao elaborar os direitos sociais dos trabalhadores urbanos e rurais. Caso contrário, os trabalhadores urbanos e rurais acabariam participando tanto dos lucros como dos prejuízos, já que, como vimos, resultado, segundo a legislação comercial significa qualquer variação patrimonial (lucro ou prejuízo). A participação do empregado somente se dará quando os resultados da empresa forem positivos. Ademais, vale destacar que somente em caso de sociedade do empregado com o empregador é que aquele pode participar nas perdas. Além disso o art. 2° da Consolidação das Leis do Trabalho é claríssimo: “considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividadeeconômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”. Como se vê, somente o empregador assume os riscos da atividade econômica. Em hipótese alguma o empregado assume os riscos da atividade econômica, a não ser que torne-se, também, proprietário de uma parte do capital da sociedade. Portanto, para efeito de direitos sociais dos trabalhadores urbanos e rurais, especialmente de participação nos lucros ou resultados da empresa, o termo “resultado” não é sinônimo do termo “rétido” e também não se identifica com os resultados do exercício, previstos na Lei n° 6.404, de 15.12.1976. Da mesma forma, os termos “trabalhadores urbanos e rurais”, como vimos, só se referem aos trabalhadores com vínculo empregatício, ou seja, aos trabalhadores-empregados. Tanto a Medida Provisória n° 794, de 29.12.1994, como suas sucessoras, inclusive a Medida Provisória n° 1.982-77, de 2000, que foi finalmente convertida na Lei n° 10.101, de 19.12.2000 (dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa) logo em seu art. 1°, dispõe que [esta Media Provisória/Lei] “regula a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa como instrumento de integração entre o capital e o trabalho e como incentivo à produtividade, nos termos do art. 7°, inciso XI, da Constituição Federal”. Portanto, nela também se adota a mesma terminologia utilizada pelo legislador constituinte. Assim, dúvida não resta que resultado, para efeito de participação do empregado, não significa participação no rétido ou nos lucros e nas perdas, mas, sim, como ressaltam OCTÁVIO BUENO MAGANO e ESTÊVÃO MALLET, a conseqüência, o efeito, o produto de uma operação, o aumento de riqueza decorrente da atividade exercida.[231] Procuramos no capítulo anterior e neste capítulo examinar os conceitos sobre a empresa, o empregador, o trabalhador, o empregado, o lucro e o resultado. Com isso, parece-nos encerrada a primeira fase de nossos estudos, na qual procuramos proporcionar esclarecimentos preliminares a respeito de institutos sobre os quais sustentam-se a participação dos empregados no lucro e a participação dos empregados no resultado da empresa. Nesse momento de nossos estudos, acreditamos que o caminho para um exame mais aprofundado a respeito da participação dos empregados no lucro e no resultado da empresa já encontra-se aberto o suficiente para podermos prosseguir na abordagem dos pontos mais importantes abrangidos pelo tema central da obra. De forma que, no capítulo seguinte procuraremos reunir dados suficientes para a construção de uma teoria geral da participação dos empregados nos lucros e nos resultados da empresa, abordando a definição de ambas as participações, previstas no texto constitucional, a evolução histórica desses institutos, o seu fundamento, natureza jurídica, formas e demais generalidades. CAPÍTULO 4 – TEORIA GERAL DA PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS E NOS RESULTADOS DA EMPRESA 4.1 DEFINIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS No capítulo anterior vimos as definições de lucro e suas várias modalidades. Assim, dando seqüência aos nossos estudos, agora trataremos a respeito da participação nos lucros, que é o tema central de nosso trabalho. Iniciaremos o estudo da participação nos lucros pela sua definição, a fim de que, conforme for evoluindo nossas citações e comentários, não surjam muitas dúvidas a respeito desse instituto. Antes de tudo, devemos recordar as palavras do professor catedrático de Direito do Trabalho da Universidade Federal da Bahia e ex-Ministro do Trabalho JOSÉ MARTINS CATHARINO. Para ele a participação nos lucros corresponde a espécie do gênero salário associativo. Seja qual for a origem da participação, em todos os casos exerce função associativa. Inclusive, ele estabelece uma escala, com quatro etapas, ou seja, uma escala contendo quatro espécies distintas de salário associativo: a) participação do trabalhador nos resultados brutos por si obtidos, ou a participação nos produtos da empresa; b) participação nos lucros; c) participação no capital empresário; e d) participação do trabalhador na direção da empresa.[232] Já no Congresso Internacional de Participação nos Lucros, realizado em Paris, no ano de 1889, procurou-se definir participação nos lucros. Naquela ocasião cogitou-se que a participação nos lucros nada mais era do que convenção, livremente feita, pela qual os empregados recebem parte, prefixada, dos lucros (agreement freely entered into, by which the employees receive a share, fixed in advance, of the profits). O Congresso Internacional de Participação nos Lucros já concebia o direito e o dever, a pretensão e a obrigação, resultantes do acordo; porém não excluía o acordo no plano somente moral. Daí a sua política de juridicizar esses acordos fora do mundo jurídico. Posteriormente, a Comissão do Senado dos Estados Unidos da América, em 1939, procurou ver mais de perto os fatos da vida industrial, a que chamou de “participação nos lucros”, para definir profit-sharing (divisão do lucro ou participação nos lucros) como todos os planos de benefício ao empregado para o qual o empregador contribui com alguma soma, ou devido ao qual o empregador acarreta com alguma despesa. Se, por um lado, essa definição apanha fatos que a definição do Congresso Internacional de Participação nos Lucros de 1889 não atingia, por outro lado, abrange outros fatos, que não cabem no conceito de participação nos lucros. Por exemplo, essa definição alcança também as verbas distribuídas discricionariamente pelos diretores e gerentes, sem fixação prévia de quota para os beneficiados.[233] OCTÁVIO BUENO MAGANO e ESTEVÃO MALLET, ao comentar a respeito desse instituto, destacam que participar significa ter parte em alguma coisa. Participar em lucros quer dizer, então, ter parte na atividade econômica do empresário. Acrescentam eles que, uma vez pagos por este os fatores da produção (capital, natureza e trabalho), o remanescente constitui o lucro a ser objeto de partilha. Esta geralmente é feita entre os sócios de um empreendimento. Trata-se, portanto, de remuneração própria do contrato de sociedade. Não obstante a sua compatibilidade com o contrato de trabalho, segundo eles, deve ser reconhecida, desde que se apresente com caráter supletivo. A ressalva explica-se pela impossibilidade de ser a remuneração totalmente aleatória.[234] O jurista e político brasileiro ARNALDO LOPES SÜSSEKIND (Rio de Janeiro, 09.07.1917 – Rio de Janeiro, 09.07.2012) entende que participação nos lucros da empresa constitui método de remuneração com o qual se assegura ao beneficiário uma parcela, percentualmente fixada, dos lucros obtidos pelo empreendimento econômico. Para ele, tal como na remuneração à base da comissão, os mencionados proventos corresponderão a salário variável se o beneficiário for empregado da empresa; se, ao contrário, resultarem da existência de um contrato caracteristicamente de sociedade, não poderão ser conceituados como salário.[235] O jurista afro-brasileiro e professor da Universidade de São Paulo – USP ANTÔNIO FERREIRA CESARINO JÚNIOR (16.03.1906 – 10.03.1992), por sua vez, prefere a participação acionária do empregado ao invés de participação nos lucros. Todavia, ainda assim, por participação nos lucros entende que é a atribuição facultativa ou obrigatória pelo empregador ao empregado, além do justo salário legal ou contratual a ele devido, de uma parte dos resultados líquidos exclusivamente positivos da atividade econômica da empresa.[236] Muitas vezes a definiçãode participação nos lucros varia conforme é constituída a expectativa ou o direito de participar. Sabemos que a participação nos lucros pode ser: a) a líbito dos empregadores, ou seja, por faculdade dos empregadores (distribuída como bonificação de fim de ano, nas indústrias); b) por dever moral; c) por ato unilateral ou convenção, isto é, em virtude de negócio jurídico; ou d) como eficácia de fato jurídico, em virtude de incidência de regra jurídica sobre suporte fático em que há os elementos “empresa”, “empregadores”, “empregados” e “lucros”.[237] Todavia, nem todos concordam integralmente com isto. Por exemplo, ARNALDO LOPES SÜSSEKIND opina que a participação nos lucros não se confunde com os prêmios ou bonificações arbitrariamente outorgados pelo empregador, já que decorre de ajuste contratual, convenção coletiva ou imposição legal, não podendo, assim, ser suprimida ou reduzida.[238] Considerando participação nos lucros apenas como convenção, no II Congresso de Direito Social, reunido em São Paulo, no mês de maio de 1956, concluiu-se que por participação nos lucros da empresa é de entender-se a convenção tácita ou expressa, no contrato de trabalho, segundo a qual o trabalhador, além do salário pessoal convencionado, fixo ou não, costumeiro ou profissional, tem direito a receber uma parte variável, conforme os resultados da empresa. O advogado e jurista clássico NÉLIO REIS, em uma ocasião, opinou no sentido de que participação nos lucros é a convenção, no contrato, pela qual o trabalhador tem direito a receber salário consistente em uma parte fixa e outra variável, previamente determinada e calculada sobre o lucro da empresa. Em outra ocasião, NÉLIO REIS emitiu definição válida apenas para os países em que existam legislação específica em vigor. Por esta definição, participação nos lucros seria “a determinação em lei segundo a qual todo assalariado terá direito a uma quota em dinheiro, correspondente a percentagem determinada por lei e aplicada ao resultado líquido da empregadora de cada exercício, e obrigatoriamente paga dentro do prazo estabelecido”.[239] Todavia, JOSÉ MARTINS CATHARINO, rejeita a primeira definição de NÉLIO REIS em virtude de não ser sempre necessário haver salário fixo, para que a participação seja parcela retributiva e, também, que o salário invariável pode ser garantido por lei e não por convenção contratual propriamente dita. Por isso, ele define participação nos lucros como o salário condicionado, suplementar e incerto, determinado, expressa ou tacitamente, seja no momento da celebração do contrato de trabalho, seja durante sua vigência, e cujo valor depende de lucro empresário.[240] De qualquer forma é de se destacar que tanto NÉLIO REIS como JOSÉ MARTINS CATHARINO definiram participação nos lucros como convenção ou negócio jurídico e o mesmo NÉLIO REIS emitiu uma segunda definição considerando a participação compulsória, como imposição legal. Definindo participação nos lucros como obrigação legal, o advogado e professor paranaense JOÃO RÉGIS FASSBENDER TEIXEIRA (1936-1998) diz que é “a determinação em lei segundo a qual todo assalariado terá direito a uma quota em dinheiro, correspondente a percentagem determinada por lei e aplicada ao resultado lucro da empregadora de cada exercício, e obrigatoriamente paga dentro do prazo estabelecido”.[241] Sobre o direito “a uma quota em dinheiro”, esclarecemos que por quota de participação deve ser entendido o que cada participante percebe do quanto participável (montante equivalente a um percentual do lucro líquido destinado à distribuição entre os empregados). Há uma grande variedade de métodos para se determinar a quota de participação dos empregados no quanto participável, que se separou do lucro líquido apurado no exercício financeiro. Esses métodos vão desde o critério afetivo ou discricionário, em que o empregador, a comissão ou o agente dele distribui o quanto participável, até o critério da verificação da parcela com que o empregado, por sua eficiência e produtividade, concorreu para o lucro. Aí também se inclui o critério da participação igualitária, através do qual se distribui quota exatamente igual para todos os empregados participantes. Ao abordar o conceito de participação nos lucros o advogado, jornalista e político brasileiro PAULO SARASATE FERREIRA LOPES (Fortaleza, 03.11.1908 - Rio de Janeiro, 23.06.1968) cita a opinião de vários autores. Entre eles, a de GEORGES BRY no sentido de que “é a modalidade do contrato de trabalho segundo o qual o trabalhador recebe do patrão, além do seu salário, uma parte nos benefícios da empresa, não como associado desta, senão como trabalhador que coopera na produção. Cita, também, o conceito de CHARLES ROBERT, no sentido de que “a participação nos lucros é uma convenção livre, expressa ou tácita, conforme o caso, pela qual um patrão dá ao seu empregado, além do salário normal, uma parte dos seus benefícios, sem participação nas perdas”; o conceito do advogado alemão HANS FRANK (Karlsruhe, 23.05.1900 - Nuremberg, 16.10.1946) no sentido de que “é o direito concedido a numerosas categorias ou ao total dos assalariados, a uma quota do lucro líquido da empresa, distribuída segundo princípios estabelecidos por compromisso livre ou por lei”; e o conceito formulado pelos juristas espanhóis GASPAR BAYON CHACÓN e EUGENIO PEREZ BOTIJA no sentido de que participação nos lucros “é o direito de os trabalhadores receberem uma compensação proporcional aos lucros obtidos pela empresa, sem contribuir, se for o caso, para compensar as perdas”.[242] No momento, há também que se distinguir o “direito ao lucro” e o “direito a participar do lucro”. Esses dois institutos são inteiramente distintos e não se confundem em momento algum. Esclarece VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA que o direito ao lucro é um direito primário, que resulta diretamente do status de sócio, acionista ou titular da empresa (aquele que exercita a livre iniciativa econômica), enquanto que o direito a participar do lucro é um direito secundário, que resulta indiretamente de lucros terem sido apurados, verificados apenas por quem possa fazê-lo, e ter sido convencionada participação neles.[243] A nosso ver, a participação dos empregados nos lucros da empresa pode ser definida como o benefício de natureza pecuniária recebido pelo empregado, desvinculado e sem prejuízo da sua remuneração pessoal convencionada, correspondente a distribuição de parte prefixada do lucro líquido da empresa apurado ao final do exercício financeiro, em virtude de liberalidade do empregador, de contrato, de convenção coletiva ou de determinação legal. 4.2 DEFINIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS RESULTADOS No capítulo anterior, vimos a definição de resultado. Vimos, também, que o conceito de resultado previsto na Lei n° 6.404/1976 Lei n° 6.404, de 15.12.1976, não se aplica ao termo “resultado” utilizado pelo legislador constituinte ao fixar os direitos sociais do trabalhador urbano e rural. Assim, como dito anteriormente, resultado, para efeito de participação do empregado, não significa participação no rétido ou nos lucros e nas perdas, mas, sim, como ressaltam OCTÁVIO BUENO MAGANO e ESTÊVÃO MALLET, a conseqüência, o efeito, o produto de uma operação, o aumento de riqueza decorrente da atividade exercida.[244] Por isso, uma coisa é certa, logo se percebe que participação no lucro não é a mesma coisa que participação no resultado. Para a legislação francesa, em especial oart. 2° da Ordenação 86-1134, de 21.10.86, a participação no resultado está mais ligada ao aumento de produtividade.[245] Isto é, a participação no resultado tem a natureza de incentivo direto por maior produção ou maior rendimento do trabalho. Diga-se de passagem que o inciso XI do art. 7° da Constituição Federal foi o primeiro dispositivo constitucional que incluiu a participação dos empregados nos resultados da empresa. Antes, só havia previsão da participação dos empregados nos lucros da empresa. Como não poderia deixar de ser muita confusão tem surgido do termo “resultado”, ao ponto de se confundir lucros com resultados. Por sinal, eminente jurista ARION SAYÃO ROMITA concorda que uma leitura apressada ou desavisada poderia sugerir a ideia de sinonímia, mas esta seria uma interpretação errada. Esclarece ele que a lei, qualquer lei, inclusive a Constituição, não contém palavras inúteis, de sorte que cabe ao intérprete detectar o significado do vocábulo “resultados”, necessariamente distinto do significado de “lucros”.[246] ORLANDO GOMES DOS SANTOS e ELSON GOTTSCHALK, a respeito do mencionado texto constitucional, entendem que a Constituição de 1988 ao falar em participação nos lucros ou resultados desvinculada da remuneração, parece expressar que o constituinte pretendeu separar a participação em dinheiro ou espécie da participação nos frutos ou in natura. O quinhão no frete, que é forma de participação usual no setor marítimo, é, também, modalidade de participação nos resultados da atividade econômica. A comissão sobre os negócios levados a bom termo pelo empregado é forma de participação nos resultados, mas não é participação nos lucros, por isso não se desvincula da remuneração. Para eles, o texto constitucional cria embaraçosa interpretação pela sua dúbia redação. Participação nos resultados pode ser, segundo eles, até, o salário utilidade, quando esta resulta da produção da empresa, por exemplo: o pão da padaria em que trabalha o empregado.[247] O art. 2° da Lei n° 10.101, de 19.12.2000 (dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa e dá outras providências), dispõe que “a participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo: I- comissão paritária escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria; II- convenção ou acordo coletivo”; e o seu §1° estabelece que “dos instrumentos decorrentes da negociação deverão constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo, podendo ser considerados, entre outros, os seguintes critérios e condições: I- índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa; II- programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente”. Como se vê, este texto legal permite a interpretação no sentido de que a participação dos empregados nos resultados da empresa depende de pactuação de metas previamente ajustadas, que ao serem atingidas os empregados fazem jus a benefícios de natureza pecuniária, também previamente ajustados. Daí, OCTÁVIO BUENO MAGANO dizer que participar nos lucros é ter parte na atividade produtiva depois de pagos, pelo empresário, os fatores da produção (natureza, capital e trabalho), enquanto que a participação nos resultados, segundo a Lei n° 10.101, de 19.12.2000, constitui o recebimento de benefício decorrente de operação relacionada com índices de produtividade, qualidade de produto ou realização de metas previamente programadas.[248] Assim, nesta hipótese, a participação nos resultados diz respeito pura e simplesmente a produtividade, ao contrário da participação nos lucros, que diz respeito exclusivamente a rentabilidade da empresa. Lembramos que o empreendimento pode ser extremamente rentável com baixa produtividade ou pode ser pouco rentável com alta produtividade, tudo depende muito, entre outros fatores, da situação econômica do país e até mesmo do volume de receitas não operacionais da empresa. No mesmo sentido, diz ARION SAYÃO ROMITA, professor de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que o teor do inciso II do §1° do art. 2° da Medida Provisória n° 955, de 24 de março de 199 Lei n° 10.101, de 19.12.2000 Lei n° 10.101, de 19.12.2000, relaciona claramente a expressão “participação nos resultados” a programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente. No desenvolvimento da atividade econômica da empresa, determinado objetivo pode ser fixado, previamente, para certo setor. Estabelecida a meta para a produção, ela poderá ser, ou não, atingida. Uma vez que seja alcançado o alvo predeterminado, o empregado participará do resultado, consoante o ajuste previamente celebrado. Segundo ele, esta participação independe do lucro que a empresa obterá, ou não, no exercício e poderá ocorrer mesmo na hipótese de o balanço anual registrar prejuízos. Conclui ARION SAYÃO ROMITA que, se a meta setorial foi alcançada, pouco importa que o balanço da sociedade não registre lucros, pois, neste caso, a participação dos trabalhadores se dará não nos lucros, mas sim nos resultados.[249] Além dele, FUGIMI YAMASHITA também diz que nada impede que o empregado participe de uma campanha de produtividade em determinadas circunstâncias, ganhando um plus (participação no resultado de um determinado programa), independentemente de ter ou não dado lucro naquele exercício. Segundo ele, tem-se notícia que algumas empresas que operam no ramo de “fast food” adotam um método de incentivo à produtividade tipo: atendimento de “x” clientes por minuto. As modalidades de incentivo à produtividade utilizadas pelas empresas são múltiplas.[250] Acrescenta ARION SAYÃO ROMITA que outra possível interpretação da participação no resultado prevista no texto constitucional é a que resulta de planos de participação adotados em diversos países. Nos Estados Unidos, por exemplo, muitas empresas se recusam a aceitar a participação e muitas delas abandonaram planos anteriormente adotados por entenderem que a participação nos lucros é muito menos eficaz como incentivo do que os sistemas de pagamento sobre os resultados, com remuneração diretamente relacionada com a produção do trabalhador, mesmo porque este recebe imediatamente a recompensa por seu esforço, enquanto a participação nos lucros é remota, exigindo a apuração geral do exercício anual. Segundo ele, na Alemanha, a terceira lei sobre incentivo à formação do patrimônio do trabalhador, de 1975, com as alterações de 16 de agosto de 1977, prevê, nos arts. 7° a 11, uma forma de participação nos resultados que pressupõe economia de material, redução do desperdício e melhor aproveitamento do tempo, além da melhoria dos métodos de trabalho etc. Esta participação nos resultados pode ser estipulada mediante contrato individual, acordo de empresa ou convenção coletiva de trabalho.[251] Destacamos que, dentre os critérios de participação nos resultados (eficiência, produtividade individual ou coletiva, tempo de serviço, freqüência, encargos de família etc.), o que mais atende à finalidade da instituição da participação dos empregados nos resultados é a eficiência ou a produtividade,depois, a freqüência. Tanto é que, aqui mesmo no Brasil, nos recentes acordos acertados entre os metalúrgicos e as cinco grandes montadoras de São Paulo, o pagamento do valor da participação nos resultados está condicionado ao cumprimento de metas, principalmente do aumento da produção (critério da produtividade), da qualidade (critério da eficiência) e do fato de as faltas e atrasos não poder ultrapassar a 4,7% das horas trabalhadas (critério da frequência). Por outro lado, na maioria dos países, a realidade mostra que a participação nos lucros está longe de se integrar definitivamente aos costumes inerentes à relação de trabalho. A participação nos lucros, na maior parte das vezes, sob a forma de gratificação de balanço, serve apenas para beneficiar altos empregados ou aos prepostos que atuam na orientação geral dos negócios. Para os empregados comuns, de um modo geral, prefere-se incentivá-los através da participação nos resultados, expressa em valor fixo, não dependente do total dos lucros auferidos pela empresa. Considerando a participação nos resultados como incentivo à produtividade, muitas vezes é difícil distinguir entre esta espécie de retribuição não vinculada a remuneração e o prêmio e bonificações que integram o salário. “SALÁRIO - PRÊMIO ASSIDUIDADE - INTEGRAÇÃO. O prêmio assiduidade instituído sem o implemento de qualquer condição integra o salário do obreiro”; [252] e “PRÊMIO-PRODUÇÃO - NÃO INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO. Só se justifica a integração do prêmio-produção nas parcelas ligadas à rescisão contratual e nos repousos remunerados quando tenha caráter de habitualidade”.[253] Daí acreditarmos que é possível haver diferença entre uma e outra espécie de retribuição à produtividade, residindo esta diferença no implemento de condição e na eventualidade ou no que a lei prescrever. Menciona, ainda, ARION SAYÃO ROMITA que esta não é a única interpretação possível, compatível com o texto constitucional. Segundo ele, outras formas de resultado podem ser identificadas no contexto. O texto citado alude a lucros, ou resultados. Não se trata de termos sinônimos. Há empregados cuja atividade não visa lucros. Os chamados “empregados equiparados” a que se refere o §1° do art. 2° da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, por exemplo, não auferem lucros. Mas sua atividade apresenta resultados financeiros, dos quais os empregados podem participar.[254] No mesmo sentido, PAULO SALVADOR FRONTINI, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, destaca, a seu turno, que existem entidades que, apesar de exercerem atividade econômica organizada, perseguem resultado, que não se enquadra no conceito de lucro. Na sua opinião, eis aí o objetivo da referência do texto constitucional não apenas a lucros, mas também a resultados. Ele também crê que a expressão “resultados” se justifica, por si só, pelo fato do regime jurídico próprio das entidades cooperativas. As cooperativas são entidades que exercem atividade econômica organizada mas não perseguem o lucro, mas sim, o resultado. Segundo ele, outras situações equivalentes poderão ser vislumbradas, como ocorre com a massa falida, na hipótese de continuação do negócio do falido, cujo resultado, quando positivo não deixa de ser um proveito econômico equiparável ao lucro. Para ele, peculiar atenção merecem as empresas estatais que, por desenvolverem função altamente social, operam subsidiadas pelo Tesouro, o que não é raro encontrar, por exemplo, no setor de transportes coletivos. Segundo PAULO SALVADOR FRONTINI, neste caso, a referência constitucional a resultados ganha especial relevo, a ser considerado quando da elaboração de normas próprias para as empresas que operam sob controle do Estado.[255] Também OCTÁVIO BUENO MAGANO e ESTEVÃO MALLET seguem o mesmo entendimento. Segundo ele, ao se ler o texto constitucional, descarta-se logo a ideia de que o termo “resultados” tivesse apenas valor enfático, porque, em princípio, cada elemento componente da regra jurídica possui significado próprio (ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit). Balda-se a possibilidade de que o vocábulo em tela devesse significar produtividade, porque não é certamente esse o seu sentido no vernáculo e sim, o de produto, efeito, conseqüência. Daí concluem eles que se trata, então, de superavit ou aumento de riqueza resultante de atividade não lucrativa. As entidades respectivas (instituições de beneficencia, associações recreativas e outras do mesmo gênero), conquanto não almejem lucros, podem se beneficiar da atividade exercida. Segundo eles, pelo fato de não serem os benefícios distribuídos, não quer dizer que não sejam benefícios. É esse aumento de riqueza que constitui o resultado a ser distribuído entre os trabalhadores. Justificam eles esse entendimento argumentando que, se isso não ocorresse, os trabalhadores vinculados a tais entidades ficariam desfavorecidos, em comparação com outros subordinados a empresas lucrativas.[256] É de se ressaltar que, para OCTÁVIO BUENO MAGANO e ESTÊVÃO MALLET chegarem a essa conclusão, valeram-se do argumento de que às vezes a atividade desenvolvida pela entidade não é lucrativa, porém trata-se de atividade que traz indiscutivelmente benefícios econômicos para ela e esses benefícios econômicos constituem resultados nos quais devem os empregados participar. Tal ponto de vista foi levantado anteriormente por JOSÉ SERRANO CARVAJAL, ao opinar no sentido de que a especialidade da instituição da participação em benefícios repousa em que, como sistema retributivo, constitui uma das formas mais interessantes que tem, por meio da retribuição, fazer com que o trabalhador genericamente se interesse mais pelo resultado de seu próprio trabalho, diferenciando-se de outras formas retributivas em que toma como módulo de cálculo os benefícios econômicos obtidos pela empresa.[257] Como se vê, vários juristas parecem adotar o entendimento no sentido de que a participação dos empregados no resultado constitui uma alternativa aplicada aos casos de organização sem fins lucrativos. Todavia, a nosso ver, este entendimento não se harmoniza com o teor do inciso II do §1° do art. 2° da Lei n° 10.101, de 19.12.2000, que literalmente dispõe “programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente” e não, em participação nos resultados da entidade sem fins lucrativos. No entanto achamos válidas as ponderações a favor desse entendimento. Assim, entendemos que a participação dos empregados nos resultados pode ser compreendida como o benefício de natureza pecuniária recebido pelo empregado, desvinculado e sem prejuízo da sua remuneração pessoal convencionada, correspondente a retribuição pelo aumento da produtividade individual ou coletiva, pela economia de material, pela redução de desperdício, pelo melhor aproveitamento do tempo, pela melhoria dos métodos de trabalho etc., ou seja, por ter atingido as metas, resultados ou prazos, pactuados previamente. Participação nos resultados pode ser ainda o benefício de natureza pecuniária recebido pelo empregado, desvinculado e sem prejuízo da sua remuneração pessoal convencionada, correspondente a distribuição de parte prefixada dos benefícios econômicos, superavit ou aumento de riqueza resultante da atividade não lucrativa da entidade ou organização, apurada ao final do exercício financeiro, em virtude de liberalidade do empregador, de contrato, de convenção coletiva ou de determinação legal. Devemos aqui consignar que, após a edição da Medida Provisória n° 794, de 29.12.1994, que regulamentou a participaçãodos trabalhadores nos lucros ou nos resultados, várias empresas concluíram acordos visando a implantação desse sistema, principalmente beneficiando as categorias organizadas, tais como os metalúrgicos das montadoras de veículos automotores. Todavia como se verá, mais adiante, a modalidade adotada predominantemente é a da participação nos resultados independentemente do lucro que for apurado, como por exemplo, o pagamento de um prêmio se forem cumpridas metas de qualidade e produtividade. A participação nos resultados parece ser a modalidade preferida pelas empresas para incentivar seus empregados. Por sinal, FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA já dizia que a participação dos empregados nos lucros, sem seleção e sem encorajamento do aperfeiçoamento técnico dos empregados, é expediente de bis in idem dos salários, sem qualquer significação econômica, social, psicológica, política ou técnica e de prováveis conseqüências prejudiciais.[258] Acrescenta ele que, no tocante à participação dos trabalhadores nos lucros, não se poderia atribuir ao texto constitucional o propósito de bis in idem, em matéria de salário: seria de mau gosto dedicar-se regra jurídica constitucional, em sistema que acolhe o negócio jurídico coletivo de trabalho e certas medidas protetivas em assunto de salário, à compulsoriedade de salário adicional. O que o texto constitucional estatui é a participação dos trabalhadores nos lucros como incentivo da produção, aliado à repercussão psicológica, que dela se espera, concernente à maior solidariedade e confiança entre os empregadores e empregados. Para ele, essa repercussão não deve ser difusa ou indireta: daí, a psicologia individualista, em que se baseou o legislador constituinte, tê-la concebido como direito; há de ser repercussão em cada trabalhador, no que se promete, e nos participantes, no que participam e mostram, como exemplo, aos outros. O que acima se disse exclui, fundamentalmente, que seja adequada ao sistema jurídico brasileiro, a lei de participação dos trabalhadores nos lucros, que, em vez de servir de incentivo, não tenha efeitos nos empregados, pela distribuição por todos eles, sem seleção e sem valor sugestivo por parte do pouco que cada um receba, e tenha a eficácia negativa de diminuir a atração dos capitais ou de lhes determinar a evasão.[259] As palavras de FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA não foram ditas sem base fática, muito pelo contrário, elas mostram-se como produto da observação da realidade. Menciona ele que a técnica ordinária de remuneração é a do salário contraprestação correspondente ao trabalho, “juros” (interesse) correspondentes ao capital e excedente, que se atribui ao que é do empresário ou ele distribui a si mesmo e aos capitalistas. Donde terem de ser tirados aos lucros a remuneração do capital como tal, e as comissões dos que são empresários (ditos, nas sociedades, diretores, administradores, sócios-gerentes), se não foram computadas nas despesas; o que se entrega aos acionistas, acima do interesse do capital, é pela iniciativa e risco das indústrias e do comércio. Segundo ele, a rigor, o salário estando pago, nenhum direito tem o empregado sobre o resto: a sua atitude, nas uniões e sindicatos, em prol da elevação dos salários e contra a participação, mostra que é esse o seu modo de ver; reputa injusto ou justo o salário e não, indevida ou devida a participação, que era presente de Natal ou de Ano-Bom e do liberalismo econômico do século XIX, com as suas nítidas distinções políticas entre empregadores e empregados, onde insuficiente a igualdade perante a lei. Na opinião de FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, é preciso, portanto, para que a participação nos lucros surta bons efeitos, que se combata, nos trabalhadores, esse resto de mentalidades superadas, que se acentue a política, a que ela visa, de oferta de iguais oportunidades a todos e se lhes mostre como pode crescer a porção de lucro participável e qual o papel de cada um para o atingir e lograr, em consequência, o aumento do que percebe ou pode perceber como participante.[260] Após estas considerações de FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, não é difícil se perceber a razão pela qual as empresas, de um modo geral, atualmente preferem incentivar a produtividade e a eficiência de seus empregados através da distribuição de participação nos resultados condicionada ao cumprimento de metas previamente estabelecidas através de acordo. 4.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E FUNDAMENTOS DA PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS E NOS RESULTADOS DA EMPRESA A mais antiga tentativa de se promover a participação dos empregados nos lucros da empresa que se tem notícia, segundo PAULO SARASATE FERREIRA LOPES,[261] refere-se ao caso do político, diplomata, etnólogo e linguista suíço, naturalizado norte-americano, Abraham Alfonse Albert Gallatin [Genebra, República de Geneva (atual Suíça), 29.01.1761 – Astoria, New York, 12.08.1849], servindo ainda como congressista, senador, embaixador e antigo Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos, sob a presidência de Jefferson Madison (no período de 14.05.1801 – 08.02.1814), que, em 1794, instituiu um plano próprio de participação dos empregados nos lucros, aplicado nas suas indústrias de vidro em New Geneve, na Pensilvânia.[262] Há notícias também de uma determinação legal nesse sentido, que vigorou na França em 1812. Trata-se de um decreto procedente do Quartel General de Moscou, datado de 15.10.1812, firmado pelo líder político e militar durante os últimos estágios da Revolução Francesa Napoleão Bonaparte (Ajaccio, 15.08.1769 - Santa Helena, 05.05.1821), regulando a participação dos atores da Comédie Française [263] nos lucros das atividades teatrais. Na realidade, visando reerguer o interesse dos membros da Comédie Française, que encontrava-se bastante abalado naquela ocasião, Napoleão Bonaparte concedeu a estes a participação efetiva nos resultados da organização, que seriam divididos em 24 (vinte e quatro) quotas, sendo uma destinada a um fundo de reserva para despesas imprevistas, meia quota para um fundo de embelezamento e restauração, outra meia quota para um fundo de pensão e as outras vinte e duas para serem divididas entre os atores. Este fato, na época, provocou imensa surpresa, uma vez que, como diz o Procurador-Geral de Justiça professor catedrático de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade do Paraná OMAR GONÇALVES DA MOTTA (Curitiba, 06.12.1910 – Rio de Janeiro, 11.12.1972), o “governo do grande Imperador que entre o Consulado e o Império encheu dois lustros, não muito favorável aos trabalhadores”.[264] Menciona, ainda, PAULO SARASATE FERREIRA LOPES que 3° Barão Wallscourt,[265] teria realizado, na Irlanda, uma experiência de participação dos empregados nos lucros de seu empreendimento, por volta de 1820 ou 1832.[266] Além desses indícios históricos, FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, por sua vez, escreve que o primeiro plano de distribuição de parte dos lucros surgiu na França, em 1820, porém, havia, na ocasião, o princípio da seleção, ou seja, a distribuição dos lucros era seletiva, somente alguns empregados tinham direito a participação. PONTES DE MIRANDA informa, também, que a este primeiro plano seguiu-se a inversão de lucros distribuídos em fundo de pensão.[267] Todavia, a participação de empregados nos lucros foi concedida, como experiência pioneira e efetivamente concreta, apenas no ano de 1843, por exclusiva iniciativa do economista e empresário francês Monsieur Edmé-Jean Leclaire (14.05.1801 – 13.07.1872), em Paris. Monsieur Edmé-Jean Leclaireera proprietário de um pequeno atélier de pinturas e de uma vidraçaria, empregando de 60 (sessenta) a 80 (oitenta) trabalhadores Em 28.09.1838, ele fundou a Société de la Providence et de L'Aide Mutuelle des Travailleurs et Employés de la Entreprise Leclaire, sendo esta autorizada pelo Ministério do Interior francês.[268] Após encerrar o balanço do ano de 1842, ele desenvolveu um sistema precoce de participação dos seus empregados nos lucros. Com efeito, ele apurou os seus lucros, reuniu seus empregados e, sem maiores explicações, entregou-lhes uma significativa parcela dos lucros obtidos, que atingiu, naquele ano, o total de doze mil francos-ouro, em moeda corrente. A iniciativa de assegurar aos empregados a participação nos lucros da empresa foi um gesto do espírito de colaboração de Monsieur Edmé-Jean Leclaire, ou seja, na ocasião, foi justificado como uma atitude de solidariedade para com seus empregados e visava estreitar os laços entre estes e o destino da empresa. Monsieur Edmé-Jean Leclaire, dessa forma, criou uma nova maneira de remunerar o trabalho. Há notícias, entretanto, de que, por obra dos adversários do sistema, Leclaire foi intimado a comparecer perante as autoridades policiais e posteriormente preso, por ser considerado elemento nocivo à coletividade, perigoso à ordem social, um revolucionário disposto a ultrapassar os limites tradicionais da sociedade de então, conforme escreve PAUL BUREAU.[269] A intervenção da polícia no caso Edmé- Jean Leclaire, segundo GEORGES ERNEST BRY, foi justificada porque a questão do regulamento do salário “não deve ser estimulada e que é, mesmo, vedada pelas leis - o operário deve permanecer inteiramente livre para fixar e acertar seu salário, não deve pactuar com o patrão”. Assim, lembra ainda GEORGES ERNEST BRY que “Edmé-Jean Leclaire foi percursor no duplo sentido: tanto quanto à participação dos empregados no lucro da empresa como quanto à subversão à ordem vigente”.[270] Para sermos mais exatos, 3 (três) industriais franceses, na realidade, foram pioneiros, em torno da revolucionária participação nos lucros: a) Monsieur Edmé-Jean Leclaire, 1842; b) Jean Godin, adepto de François M. C. Fourrier; e c) Charles Robert, em 1878. No entanto, CHARLES ROBERT foi quem efetivamente preparou o movimento a favor dos planos de participação dos empregados nos lucros. [271] Apesar da adversidade encontrada pelo sistema de participação nos lucros, vários autores defenderam esta forma de remuneração dos empregados. Entre eles, Miguel Chevalier, cinco anos após Monsieur Edmé-Jean Leclaire ter pela primeira vez distribuído efetivamente os lucros da empresa aos seus empregados, escreveu um opúsculo de defesa do “sistema de participação salarial nos lucros da empresa”. O ideia introduzida por Edmé-Jean Leclaire foi advogada calorosamente de tal forma que acabou por ganhar, com o tempo, boa aceitação em vários países e, daí, se universalizou. O político e industrial francês EDMOND-JEAN LAROCHE-JOUBERT (Beauvais, La Couronne, 12.01.1820 – Escalier, La Couronne, 23.07.1884), dono de uma papelaria em Angoulême, na França, que aplicou em sua empresa o sistema de participação nos lucros a partir de 1944, nos diz que, na Prússia, este sistema foi adotado na prática, já em 1847. Na Inglaterra, outros planos de distribuição dos lucros aos empregados surgiram em 1850.[272] Por sinal, um dos primeiros planos ingleses, iniciado em 1860, durou 10 (dez) anos e terminou por uma greve dos empregados e, em 1884, conforme informa LUDWIG HEINRICH ADOLPH GECK, a Industrial Corpartnership Association não apenas tomava posição em favor de uma participação dos trabalhadores nos lucros apurados mas, também, em favor de uma participação destes no capital das sociedades.[273] Em 1932, haviam, na Grã-Bretanha, 469 planos de diferentes tipos de participação nos lucros, porém mais de 350 haviam sido abandonados. Nos Estados Unidos, em 1869, surgiram os primeiros planos de participação nos lucros, que chegaram a somar oito dezenas logo após alguns anos, mas, em 1896, baixaram para 12 e voltaram a ascender a 23 planos, em 1899. Há de se destacar, também, que, em 1889, haviam 120 planos de participação nos lucros na França e, em 1899, esse montante subiu para 322 planos, porém, em 1924, este número não passava de 75. Em 1899, na Grã-Bretanha, existiam 94 planos; na Alemanha, 43 planos; e, na Suíça, 14 planos. De forma que, no fim do século passado, estes eram os países mais afeiçoados ao sistema de distribuição dos lucros aos empregados. Lembramos, ainda, que, no início, principalmente na Alemanha, via-se na participação nos lucros a “simetrização do empregado com o empregador”,[274] ao tempo em que tentava-se combinar o cooperativismo com a participação nos lucros. Acreditava-se que a participação seria preventivo contra as greves, sem que a experiência o comprovasse. Por outro lado, aliava-se a técnica da participação nos lucros à de acesso à propriedade das ações, apesar de alguns entenderem que o acesso à direção, e não à propriedade das ações, é que poderia estabelecer o interesse comum entre empregados e empregadores. Como exemplo disso, é de se destacar que, em 1894, apareceu o primeiro plano de participação nos lucros com pagamento metade em dinheiro e metade em ações (concedido em 1889): o plano de participação nos lucros da South Metropolitan Gas Company. Os empregados dessa companhia, em 1932, possuíam meio milhão de libras em ações.[275] A bem da verdade, alerta FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA que a reação psicológica dos empregados não foi a que se esperava. Os trabalhadores organizados e os seus líderes viam na técnica da participação nos lucros expediente político para evitar a solidarização dos empregados em suas uniões e sindicatos, disfarce para manter os salários baixos e propósitos de igualização dos empregados para atenuar as diferenças entre eles, no tocante a qualidades pessoais. Acrescenta PONTES DE MIRANDA que observou-se mesmo, em algumas empresas, que a participação nos lucros, em vez de aproximar os empregados e de apagar suspeitas de classe a classe, afastou-os e tornou-os mais desconfiados.[276] Por isso, constata-se uma significativa queda no número de planos de participação nos lucros das empresas no final do século passado e no início deste século. Inclusive, o engenheiro norte-americano que introduziu o conceito da chamada Administração Científica, revolucionando todo o sistema produtivo no começo do século XX e criando a base sobre a qual se desenvolveu a atual Teoria Geral da Administração, FREDERIC WINSLOW TAYLOR (Germantowon, Filadélfia, Pensilvânia, 20.03.1856 – Filadélfia, Pensilvânia, 21.03.1915), criador do taylorismo, em carta publicada após a sua morte, apontou como causas do fracasso da participação dos empregados nos lucros: a) os maus trabalhadores que sabotavam o trabalho e, não obstante, participavam dos lucros, acabavam por contaminar os bons; b) a recompensa do esforço vinha depois de muito tempo (de ordinário, no fim do ano); c) era muito difícil repartir equitativamente o quanto participável; e d) os trabalhadores estavam prontos a partilhar nos lucros, não nas perdas, e nem tinham com que as partilhassem.[277] Devemos ressaltar, como o fez FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, que a crítica de FREDERIC WINSLOW TAYLOR somente alcança a participação pura nos lucros, ela não atende às possíveis combinações. Por outro lado, ele postulava que todos fossem legitimados a participar. FREDERIC TAYLOR somente acreditava na remuneração imediata, inclusive adicional.Diz ele, literalmente, que “o único meio de aumentar o bem-estar material do mundo é o crescimento das riquezas, ou seja, a soma das coisas materiais úteis ao homem. Não olvidemos que dezenove vigésimas partes da riqueza produzida no mundo pertencem aos pobres e não, aos que chamamos ricos. Assim, todo aumento no rendimento de cada indivíduo acrescenta proporcionalmente a riqueza do mundo e a quase totalidade desse acréscimo volve diretamente aos pobres”. Por sinal, na opinião de FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, a visão de FREDERIC WINSLOW TAYLOR é unilateral, porém contém algumas verdades tautológicas. Estas verdades são: a) é preciso produzir para se elevar o nível de todos; e b) toda medida que diminui, artificialmente, a produção é errada, se essa produção era necessária. Porém sua visão teria de ser corrigida por depoimento mais concreto, como o da Ford Motor Company, sobre o seu plano de participação nos lucros, iniciado em 1914, com cerca de 15% (quinze por cento) a 20% (vinte por cento) de aumento voluntário da produção e a conseqüência de fazer “o empregado querer ser proprietário do seu lar”.[278] Da mesma forma que FREDERIC WINSLOW TAYLOR, um substancial número de economistas, entre eles sociólogo e economista político judeu alemão FRANZ OPPENHEIMER (Berlim, 20.03.1864 – Los Angeles, 30.09.1943), também veem a participação nos lucros como um expediente politicamente errado ou ilusório, uma vez que tem como consequência o seguinte: a) ainda que se distribuam lucros a empregados, o resultado psicológico e econômico, que se espera, nunca é atingido; b) o empregado recebe a sua quota como parte (em separado) dos seus salários; c) a relação empregador-empregado é irredutível; d) a empresa não é pessoa coletiva de empregadores e empregados, e nunca o será; e e) a participação nos lucros (labour-copartnership, profit sharing, participation aux bénéfices ou gewinnbeteiligung) apenas seria esperança, augúrio de empregadores.[279] Como se vê, não raras vezes, dizia-se que a participação nos lucros era impraticável. Aludia-se ao abandono dela, a cada momento, em todos os países. Maior responsabilidade do que considerá-la necessária é estabelecê-la em termos que levem à demonstração do seu fracasso. Menciona FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA que têm razão os que o atribuem a não se ter planejado com os princípios certos (correct principles), inclusive o não se ter resguardado o lucro daquele que “arriscou” o capital e o não se atender a que a participação dos empregados nos lucros não importa participação deles nas perdas e era preciso assegurar-se a cobertura dessas perdas eventuais, antes dos dividendos e das quotas de participação.[280] Por outro lado, apesar de, a partir da metade do século XIX, a participação nos lucros vir sendo praticada em diversos países, somente em 1917 foi este sistema de remuneração elevado a categoria de norma constitucional, com a vigência da Constituição mexicana de 1917. Na realidade, nas vésperas e após as revoluções, ordinariamente pensa-se sempre em participação nos lucros. Por exemplo, na França, pensou-se em participação nos lucros, em 1820, posterior a uma revolução e, em 1842, anterior a outra revolução. De qualquer forma, os reformistas do século XIX vinham procurando tornar obrigatória (compulsória, congente) a participação dos empregados nos lucros da empresa até que, no início do século XX, foi encontrado terreno fértil para isto no ambiente revolucionário do México, cujo povo estava, na ocasião, mergulhado em grave estado de miserabilidade. Assim é que, no Título VI, que trata “Do Trabalho e da Previdência”, da Constituição daquele país, o legislador constituinte mexicano de 1917, incluiu o inciso VI no art. 123, o qual estabelece que “o salário mínimo, do qual deverá desfrutar o trabalhador, será aquele que se considerar suficiente, conforme as condições de cada região, para a satisfação das necessidades normais da vida do operário, à sua educação e ao descanso e lazer convenientes, considerando-o como pai de família. Em toda empresa agrícola, comercial, manufatureira ou mineira, os trabalhadores terão direito a uma participação nos lucros, a qual será regulada como é indicado no § IX”. Dispõe, por sua vez, o § IX, do art. 123, que “a fixação do tipo de salário mínimo e da participação nos lucros, visando o contido no § VI, será feita por comissões especiais que se formarão em cada município e que serão subordinadas à Assembléia Central de Conciliação, que será instalada em cada Estado”. Apesar do pioneirismo da Constituição mexicana de 1917, quanto à previsão do direito de participação dos empregados nos lucros da empresa, é de se ressaltar que esse instituto, elevado a preceito constitucional, não conquistou, todavia, o caráter obrigatório. O texto constitucional não foi devidamente regulamentado, muito embora vários projetos terem sido apresentados sem que tivessem logrado se transformar em lei ordinária. Informa WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA que, no México, apenas se permite, por força da lei geral das sociedades mercantis, de julho de 1934, que a sociedade emita, a favor dos que trabalham, ações especiais.[281] De qualquer forma, a partir do advento da Constituição mexicana de 1917, a tendência de, pelo menos, se tentar incluir a participação dos lucros em regra jurídica ordinária, acentuou-se, então, até o ano de 1924, tanto na França (1919) como na Tcheco-Eslováquia (1920), na Itália (1921), na Noruega (1922), em Portugal (1923), na Colômbia (1923), na Nova Zelândia (1924) e em outros países, tais como Bélgica e Inglaterra. Em alguns desses países a pretensão de estabelecer a participação obrigatória nos lucros não passou de projeto de lei, mas em outros países chegou-se a legislar nesse sentido. No entanto, o certo foi que este sistema, apesar de no início deste século ter ensejado esperanças no sentido de que poderia solucionar, de fato, a questão social, segundo ARNALDO SÜSSEKIND, não logrou a consecução de suas finalidades. Imposto por lei em poucos países e aplicado, por força de convenções coletivas e contratos individuais, em outras nações (principalmente na França e na Itália), o fato é que os patrões, de um modo geral, não o desejavam, e, salvo engano, continuam não desejando, pois, explica ARNALDO SÜSSEKIND, não querem discutir os seus lucros com os respectivos empregados. Os empregados, por sua vez, em grande parte, não se interessam, também, pela participação, já que preferem extrair dos seus salários qualquer condição aleatória.[282] CARLOS GARCIA OVIEDO observa que o aparecimento do regime de participação nos lucros se deu, precisamente, no momento de transição entre o salariato, de índole capitalista, e o regime de cooperação de natureza socialista.[283] A participação nos lucros sempre foi combatida pelo capitalismo conservador, que vê nela uma substancial diminuição nos rendimentos do capital. Como dito, os seguidores do capitalismo conservador defendem o salariato e olham, com desespero, o advento da nova era, onde não há lugar para os lucros fabulosos, que se tornam ilícitos e afrontosos pelo seu volume. Todavia, simultaneamente, a participação nos lucros também é combatida pelos defensores do socialismo marxista e sindicalismo revolucionário, que entendem não contribuir ela em nada para a eliminação do conflito permanente das classes. Por sinal, os primeiros adiantam ser injusto que o obreiro participe das vantagens do capital, sem suportar seus riscos e sem oferecer garantias recíprocas, enquanto os segundostemem que a parte destinada ao trabalhador seja descontada, pelo empresário, do consumo, através do encarecimento progressivo do preço das mercadorias.[284] No entanto, este sistema é defendido pelos seguidores do socialismo científico, pelos reformistas sociais e pelos neo-liberais, que vêem nele uma solução intermediária e pacífica para a questão social e a redução das diferenças entre as classes sociais. Não constitui qualquer novidade o fato de o instituto da participação nos lucros ter sido, ao longo da história dos séculos XIX e XX, um dos principais assuntos de reformistas sociais, filantropos e políticos. Inclusive diversos reformistas sociais viam na participação dos lucros uma forma de manter a empresa, embora reformada, como célula fundamental de um sistema econômico de decisões descentralizadas e, ao mesmo tempo, atender aos reclamos de promoção e de emancipação da classe assalariada, que outros entendiam serem somente viáveis mediante uma radical alteração de todo o sistema econômico. Por outro lado, segundo FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, a participação nos lucros apresenta-se aos empregadores de boa formação moral e aos reformadores sociais como um dos mais sedutores ideais de auto-organização humana. Por ela seria possível, a priori, mais do que conciliar capital e trabalho, isto é, seria possível, ao longo do tempo, apagar-lhes os limites, fundi-los. Para ele, a participação do empregado nos lucros atuaria para o acesso ao capital ou aos seus proveitos, como, por exemplo, a escola para o acesso às camadas técnicas e às profissões técnicas da participação nos lucros. Com a participação nos lucros, diz PONTES DE MIRANDA, busca-se reinteressar o empregado na produtividade; inseri-lo na empresa industrial, para que o lucro, que conduz aos dirigentes e aos que invertem capitais, também os conduza. Em verdade, porém, segundo ele, não se trata de recuperar esse impulso; trata-se de criá-lo. Em vez do impulso-orgulho ou do impulso-temor de perder o emprego, o impulso-lucro, na ordem capitalística e à semelhança dos capitalistas. Todavia, esclarece PONTES DE MIRANDA que cumpre advertir-se em que a participação nos lucros pode não ser participação futura no capital. Então, “se o propósito político foi apagar as linhas discriminativas das classes, conciliar ou, ao longo do tempo, fundir capital e trabalho, o plano de participação nos lucros falha”. Os empregados continuam só empregados, talvez mais hostis ao sistema da empresa privada e organizam-se à parte, sem a reaparição da colaboração, que se fundara, em séculos passados, no impulso-orgulho e, nos decênios de abundância da mão-de-obra, no impulso-temor. Daí, conclui PONTES DE MIRANDA que a participação nos lucros não é impraticável quando apenas visar o incentivo ao aumento da produtividade e não fazendo com que os empregados deixem de ser empregados. [285] Escreve FÁBIO NUSDEO, professor livre docente de Direito Econômico da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que, de fato, a participação nos lucros é a solução preconizada por correntes ideológicas e doutrinárias de matiz diverso, como a dos socialistas democráticos, da democracia cristã e até de alguns neoliberais,[286] apesar de cada corrente visar a solução de problemas diferentes. Por sinal, os adeptos da doutrina social católica (cristianismo social) encaram também a participação nos lucros como solução de problemas sociais, porém no sentido de se utilizar a participação nos lucros como meio de apagar as linhas discriminativas das classes e fundir, ao longo do tempo, capital e trabalho, ou seja, a participação nos lucros, para a doutrina social católica, seria válida como uma transição entre o regime capitalista do assalariado e o regime socialista da cooperação. No entanto, o entendimento acima não foi sempre o ponto de vista da Igreja. JOSÉ SEGADAS VIANNA, por exemplo, informa que costumava-se fazer ouvidos surdos à pregação dos estudiosos da chamada “questão social” e a própria voz da Igreja dava pouca ressonância aos novos conceitos. Esta, ainda aferrada a princípios tradicionais de sua origem, ia, entretanto, procurando compreender que o chamado “salário justo” não importava só na devolução aos trabalhadores dos resultados de sua atividade, pois apenas recebera uma parcela. Lembra JOSÉ SEGADAS VIANNA que existindo, embora, os que viam o problema social com mais esclarecimento e apontavam falhas no sistema de relacionamento entre as forças do capital e do trabalho, a Igreja, ainda que combatendo a luta de classes, mantinha-se dentro do princípio de que deveriam elas se conjugar harmonicamente.[287] É, inclusive, o que se vê na encíclica Rerum Novarum, de 1891, escrita pelo PAPA LEÃO XIII, quando afirma que “entre os deveres principais do patrão, é necessário colocar em primeiro lugar o de dar a cada um o salário que lhe convém”. É evidente que, para se fixar a justa medida do salário há inúmeros pontos de vista a considerar, mas a referida encíclica não vai muito além, quando prescreve que “a eqüidade manda, pois, que de todos os bens que eles proporcionarem à sociedade, lhes seja dada uma parte razoável, como habitação e vestuário, e que possam viver à custa de menos trabalho e privações”.[288] Menciona, ainda, JOSÉ SEGADAS VIANNA que, não obstante a simpatia com que alguns autores examinam os pronunciamentos da Igreja, cumpre notar que o próprio Código Social de Malines, de 1920, não se referiu à participação dos trabalhadores nos lucros das empresas e apenas acentuou, no § 127, que cumpria “incentivar todas as tentativas que, completando o regime do salariado, com elementos tirados do contrato de sociedade, realizam uma melhor justiça social”.[289] A doutrina social da Igreja, portanto, passou a defender a ideia da participação dos empregados nos lucros da empresa, como instrumento de atenuação das lutas sociais, a nosso ver, somente a partir da encíclica Quadragesimo Anno, do insigne PAPA PIO XI, eleito em 1922, através da qual opinou no sentido de que “nas hodiernas condições sociais, julgamos seja mais prudente que, na medida do possível, o ajuste do trabalho venha a ser temperado um pouco com o contrato de sociedade, conforme já se principiou a fazer, de diversas maneiras, com não poucas vantagens para os mesmos operários e patrões. Destarte, os operários se tornam co-interessados ou na propriedade ou na administração e compartes em certa medida nos lucros auferidos”. Todavia não podemos perder de vista que o PAPA PIO XI, na encíclica Quadragesimo Anno, ressaltou a legitimidade do salário, tal como o fizera a encíclica Rerum Novarum, do PAPA LEÃO XIII, por isso defendeu a conveniência de “mitigar os contratos de trabalho combinando-os com os de sociedade”.[290] Em nosso país, a primeira tentativa de tornar obrigatória a participação nos lucros, ou seja, de incluir na legislação ordinária dispositivo regulando a participação nos lucros, foi através de projeto de lei apresentado à Câmara dos Deputados, em 1919. Este projeto era de autoria do então deputado Deodato Maia.[291] Evidentemente, tal projeto de lei foi inteiramente rejeitado como vários outros que foram apresentados até hoje. Apenas a título de curiosidade, no estudo sobre a evolução histórica da participação nos lucros no Brasil, ORLANDO GOMES DOS SANTOS e ELSON GOTTSCHALK incluem, também, o projeto de lei encaminhado pelo Governo Provisório à Assembléia Nacional Constituinte, em 16 de fevereiro de 1933, que dispunha para toda empresa comercial e industrial, paralelamente com o fundo de reserva docapital, e desde que este lograsse uma remuneração justa, um fundo de reserva do trabalho, capaz de assegurar, aos operários e empregados, o ordenado ou salário de um ano, se por qualquer motivo a empresa desaparecesse.[292] JOSÉ SEGADAS VIANNA lembra que, quando se elaborou a Constituição Federal de 1946, após se travar debates com o máximo interesse, foi aprovada a emenda estabelecendo que a “participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa, nos termos e pela forma que a lei determinar”, com a redação dada pelo deputado Hermes Lima. Na ocasião, os anseios de reivindicação social que brotaram em todos os espíritos em virtude de o país ter saído de uma guerra contra potências totalitárias derrotadas, se manifestaram mais intensamente no desejo de apresentar as demais nações uma nova Constituição brasileira muito mais socialmente avançada do que as suas antecessoras. Por isso quase todas as correntes políticas representadas na Constituinte deram seu apoio à ideia da participação obrigatória dos empregados nos lucros da empresa. Houve, segundo JOSÉ SEGADAS VIANNA, manifestações favoráveis não só dos deputados do Partido Trabalhista Brasileiro como dos representantes de todas as correntes, inclusive os de tendências mais conservadoras. Pronunciaram-se a favor da participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, Arruda Câmara, Eduardo Duvivier, Prado Kelly, Caires de Brito, Adroaldo Mesquita, Flores da Cunha, Gurgel do Amaral e Munhoz da Rocha, além de outros, sendo de destacar a atuação de PAULO SARASATE FERREIRA LOPES. Mas, para cumprir o que a Constituição estabelecera, não se chegou a um denominador comum.[293] Informa, ainda, JOSÉ SEGADAS VIANNA que, logo após a promulgação da Constituição de 1946, o deputado petebista de São Paulo, Berto Condé, apresentou em 07.11.1946, o Projeto n° 96, que na verdade ladeava a questão, estabelecendo a participação societária e não, a participação direta. No mesmo dia, JOSÉ SEGADAS VIANNA apresentou o Projeto n° 104, que foi a primeira tentativa para assegurar a participação nos termos previstos na Constituição, mas até mesmo ele, posteriormente, reconheceu que seria difícil sua aplicação. Em 22.03.1947, foi apresentado o Projeto n° 5, do deputado Daniel Faraco e, em 01.08.1947, o projeto do deputado comunista João Amazonas. Como relator na Comissão de Legislação Social na ocasião, o deputado PAULO SARASATE FERREIRA LOPES, com base nos projetos existentes, apresentou, em 1948, um substitutivo, que recebeu o n° 1.038.[294] Como linhas mestras do Projeto n° 1038, do deputado PAULO SARASATE FERREIRA LOPES, estavam expressos em seus principais dispositivos os seguintes conceitos essenciais: a) o que é empresa; b) o que é trabalhador; c) o que se deve entender por “lucros da empresa”; d) o que se deve admitir como capital; e) a taxa de remuneração do capital; f) a percentagem dos lucros atribuída aos empregados; g) o prazo para aquisição do direito de participação; h) os elementos a considerar na distribuição pelos empregos da sua parte nos lucros; i) o mecanismo da distribuição; j) a limitação das quantias a receber e a destinação dos excedentes; e l) a forma de efetuar o pagamento. Outros preceitos fixavam a competência da Justiça do Trabalho para julgar os dissídios resultantes da aplicação do sistema, o prazo de prescrição etc.[295] JOSÉ SEGADAS VIANNA relata que os opositores à ideia, sem que declarassem abertamente seu ponto de vista, passaram a usar de todos os recursos legislativos para bloquear a tramitação do projeto. Em 01.06.1948, ele era aprovado pela Comissão de Legislação Social e remetido à Comissão de Indústria e Comércio, que só o aprovou em 5 de outubro de 1948. Indo a plenário, recebeu emendas, voltando à Comissão de Legislação Social, tornando a plenário em 15.11.1949, sendo arquivado em face do término da sessão legislativa. Mas, segundo ele, a via crucis não terminara. Desarquivado o projeto na sessão seguinte, foi mandado a imprimir em 5 de novembro de 1951 e remetido à Comissão de Legislação Social que, em parecer do deputado Celso Peçanha, aprovou um substitutivo e, no dia 15, a requerimento do líder do Partido Social Democrata, deputado Gustavo Capanema era novamente aprovado em primeira discussão. Colocado na Ordem do Dia para votação, em segunda discussão, no dia 20.02.1952, foi ela adiada e, tendo sido apresentadas emendas, foi devolvido às Comissões de Legislação Social e de Indústria e Comércio. Criada uma Comissão Especial para opinar, apresentou esta 24 subemendas, substitutivas das emendas do plenário. Aprovado o substitutivo dessa Comissão, em 03.11.1952, o projeto foi remetido ao Senado, onde ficou até a promulgação da Constituição de 1967, sem lograr aprovação ou rejeição.[296] Ainda assim, como destaca FLORIANO CORREA VAZ DA SILVA, juiz do trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, o mais famoso de todos os projetos versando sobre participação nos lucros foi justamente o Projeto n° 1.038/1948, apresentado pelo deputado PAULO SARASATE FERREIRA LOPES.[297] Acrescenta JOSÉ SEGADAS VIANNA que, nesse entretempo, o problema da participação do trabalhador no lucro das empresas foi objeto de vários projetos ou incluído em projetos de maior envergadura, como o do Código do Trabalho de Carlos Lacerda. Com o advento da Revolução de 1964, Castelo Branco, como um dos últimos atos de seu governo, encaminhou mensagem que tomou o n° 34/1967, regulando a integração do trabalhador na vida das empresas, através da partilha de lucros e da constituição de “ações de trabalho”.[298] Todavia, quarenta e oito anos se passaram e não houve uma lei regulando a participação do trabalhador nos lucros da empresa. Somente em 29.12.1994, foi emitida a Medida Provisória n° 794, regulando a matéria, porém o seu texto foi reproduzido sucessivamente por várias Medidas Provisória, até a última Medida Provisória n° 1.982-77, de 23.11.2000, a qual foi, finalmente, convertida na Lei n° 10.101, de 19.12.2000, que dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa e dá outras providências. Na realidade, o princípio básico subjacente à ideia da participação, que originariamente correspondia a uma preocupação de corrigir desigualdades mais gritantes na distribuição dos rendimentos, conferindo ao trabalhador um provento adicional a se sobrepor ao seu salário, evoluiu depois no sentido de fazer dele um partícipe não apenas dos resultados, como também da vida da própria empresa, nela integrando-se com vistas à sua realização profissional e pessoal. No entanto, tão generosos objetivos aceitos em princípio por parcelas significativas da intelectualidade e da opinião pública passaram, segundo FÁBIO NUSDEO, a encontrar, na prática, dificuldades não desprezíveis. Se a integração na empresa podia se fazer de forma gradual e dentro de limites que lhe não trouxessem maiores abalos, tanto em sua estrutura, quanto em sua administração, o mesmo já não se poderia dizer da participação nos lucros. Na sua opinião esta implica sempre uma transferência de recursos, ainda quando eles não saiam da própria empresa. Tal transferência pode trazer conseqüências inesperadas e indesejadas, seja para ela, empresa, seja para os seus próprios colaboradores, destinatários da medida. Para FÁBIO NUSDEO, o problema reveste delicadeza ainda maior no caso dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, dada a sua notória penúria de capitais e baixo nível cultural, entreoutras características.[299] Quiçá, por isso os legisladores sempre relutaram em aprovar medida obrigatória e definitiva dessa envergadura. Outrossim, também no Brasil, verificou-se manifestações do clero em favor da participação nos lucros. Por exemplo, em 1945, na Pastoral Coletiva do Episcopado Brasileiro pronunciou-se no sentido de que “as empresas industriais não deveriam esquecer que não é apenas o capital empregado que lhes permite prosperar, mas também o trabalho dos seus operários. Não seria, pois, razoável que estes tivessem, além dos justos salários, qualquer distribuição eqüitativa na participação nos lucros da mesma?”.[300] JOSÉ SEGADAS VIANNA lembra que, em 1967, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil divulgou uma mensagem, que era subscrita por sacerdotes considerados conservadores, como os cardeais D. Jaime de Barros Câmara e Mota, de São Paulo; arcebispo D. José, de Mariana; D. Vicente Scherer, de Porto Alegre; e vários outros, preconizando uma reformulação no conceito de empresa, que deveria ser estruturada em forma societária e, no seu pronunciamento, as mais altas autoridades do clero indicavam a necessidade da “integração de todos os que participavam de empresas na sua vida, na sua propriedade, nos seus lucros, nas suas decisões”. Era, segundo JOSÉ SEGADAS VIANNA, o que muito antes D. Hélder Câmara vinha apontando como uma necessidade para a paz social e, àquele tempo, o acusavam de socialista por suas ideias avançadas.[301] Em 1980, o PAPA JOÃO PAULO II, em visita pelo Brasil, também fez veementes pronunciamentos sobre o problema social e, ao discursar para 120.000 pessoas no Estádio do Morumbi, em São Paulo, referiu-se especificamente ao problema salarial ao afirmar que deve-se “reajustar o salário até o ponto em que se possa dizer que o trabalhador, participa real e eqüitativamente na riqueza é uma exigência legítima”. Posteriormente, na sua Encíclica Laborem exercens (“Através do Trabalho”), de 15.09.81, reafirmou o ponto-de-vista exposto por vários de seus antecessores que pregaram a co- propriedade nas empresas e, quanto à participação nos lucros, porém, colocou-se em discreta posição, declarando que, independentemente da viabilidade imediata da participação dos trabalhadores na gestão e nos lucros da empresa, a posição do homem dentro do processo da produção precisa ser modificada, ou seja, JOÃO PAULO II deixou bem claro que o problema da viabilidade da participação dos trabalhadores nos lucros da empresa teria que ser examinado.[302] 4.4 DISTRIBUIÇÃO FACULTATIVA E DISTRIBUIÇÃO OBRIGATÓRIA DOS LUCROS AOS EMPREGADOS Buscamos no Direito comparado a grande lição no sentido de que a participação dos empregados nos lucros pode ser efetivamente obrigatória ou facultativa, conforme seja ela regulada e imposta pela soberania do Estado ou fique confiada ao critério dos empresários e aos seus entendimentos com os trabalhadores, através de contratos individuais ou de convenções coletivas,[303] isto é, a participação facultativa ou convencional é a em que o direito do empregado de participar nos lucros da empresa nasce do contrato de trabalho (autonomia individual) ou da convenção coletiva (autonomia coletiva).[304] Em suma, ao examinarmos diferentes ordenamentos jurídicos estrangeiros chegamos a conclusão de que a participação nos lucros pode ter origem legal (participação obrigatória), contratual ou derivar de mera liberalidade do empregador (participação facultativa), o que confirma as colocações a respeito dessa questão que expomos no capítulo anterior. Utilizando outras palavras, pode-se dizer que a participação obrigatória dos empregados nos lucros da empresa é o compulsory profit sharing, isto é, participação nos lucros compulsória ou estabelecida por imposição legal. Como vimos, FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA esclarece que a participação nos lucros é obrigatória quando ocorre como eficácia de fato jurídico, em virtude de incidência de regra jurídica sobre suporte fático em que há os elementos “empresa”, “empregadores”, “empregados” e “lucros”, sendo que a eficácia de tal fato jurídico compõe-se do direito de participar, do dever de dar participação, da pretensão a participar e da obrigação de prestar o quanto da participação ao empregado. Portanto, a participação obrigatória nos lucros não pode ser a participação decorrente: a) da líbito dos empregadores, ou seja, da liberalidade da empresa; b) de dever moral; ou c) de ato unilateral ou de convenção, isto é, em virtude de negócio jurídico. Inclusive, deve-se frisar que a participação em virtude de negócio jurídico gera direito e dever, pretensão e obrigação de prestar, enquanto que a participação em virtude de lei cria direito e dever, pretensão e obrigação, independente de qualquer convenção ou ato unilateral. A participação obrigatória constituí direito cogente (racionalmente necessário), não fica a líbito das empresas admiti-la ou não, isto é, há de haver em qualquer empresa, que apure lucros.[305] Todavia, quando a regra jurídica apenas obriga a participação dos empregados nos lucros, ficando à autonomia apenas das empresas ou à autonomia das empresas e dos empregados edificar o seu plano, ainda assim a participação nos lucros é considerada obrigatória. Em virtude disso, segundo FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, constituí, pois, participação facultativa nos lucros quando o ato de concessão é conteúdo de autonomia da vontade, isto é, quando, como visto, decorre: a) da líbito dos empregadores (por exemplo, quando e o empregador fixar ou pré-fixar o que se distribuirá de bonificação de fim de ano ou gratificação de balanço, nas indústrias); b) de dever moral; ou c) de ato unilateral ou de convenção, isto é, em virtude de negócio jurídico.[306] No entanto, se a lei estabelece que será obrigatória a participação nos lucros quando a empresa incluir este direito dos empregados em seus estatutos ou deliberarem conceder participação, ainda assim a participação nos lucros é considerada facultativa. Inclusive ARNALDO SÜSSEKIND lembra que, no Brasil, sobretudo no comércio, não é raro o empregado participar dos lucros da empresa em virtude de ato de iniciativa patronal que passa a constituir cláusula do respectivo contrato de trabalho.[307] “GRATIFICAÇÃO DE BALANÇO - EXPECTATIVA DE DIREITO - FRACIONAMENTO. Na gratificação que tem como fonte a apuração dos resultados da empresa no ano anterior, seja participação nos lucros ou gratificação de balanço, o que prevalece é a intenção da empresa em premiar aqueles que contribuíram com seu trabalho para melhores resultados finais. A liberalidade passa a ser a expectativa e direito indiscutível quando efetivamente concedida. Ao empregado que fez jus à vantagem, porque colaborou com os resultados da empresa no ano em referência, são devidos os valores correspondentes ao período dedicado ao sucesso da empresa; portanto, em 12 avos”.[308] Há autores que condenam com veemência a participação obrigatória nos lucros da empresa, por considerá-la absurda e impraticável,[309] porém, como menciona MOZART VICTOR RUSSOMANO, outros autores aconselham, pelo menos de início, que se adote a participação facultativa; só depois, quando o costume houver cristalizado o regime de participação nos lucros, a lei deve nascer, para consagrar a realidade. Segundo ele, este entendimento constituí também um erro grave e profundo.[310] O escritor, advogado e patrono belga EDMOND PICCARD (Bruselas, 15.12.1836 - Namur, 19.02.1924), destaca, por sua vez, que,se é certo que o costume, direito em estado cartilaginoso, antecedeu a lei, que é direito ossificado, na formação jurídica das sociedades humanas; se é verdade que esse fenômeno de consubstanciação ainda se repete, nos agrupamentos modernos - não é menos exato que a lei, como fonte formal imediata do direito objetivo, pode criar o costume.[311] Daí MOZART VICTOR RUSSOMANO acreditar que isso se torna mais possível, sobretudo no Direito do Trabalho, uma vez que nesse ramo do Direito não se pode esperar pelo consentimento tácito das sociedades para se seguir adiante, na renovação dos cânones econômicos que regem a vida das classes, especialmente se se considerar que esta disciplina conclui com base em interesses econômicos (visceralmente egoístas) e que as categorias humanas economicamente predominantes podem embargar, nas nações capitalistas, o desenvolvimento natural dos ideais populares. Para MOZART VICTOR RUSSOMANO, a participação facultativa corresponde, pois, praticamente, à participação inexistente. Apesar de haver uma pequena minoria patronal sempre pronta a ouvir os reclamos do operariado, a verdade ainda é aquela velha, contundente, dolorosa verdade apontada pelo revolucionário e chefe de Estado russo, responsável em grande parte pela execução da Revolução Russa de 1917, líder do Partido Comunista, e primeiro presidente do Conselho dos Comissários do Povo da União Soviética VLADIMIR ILITCH LENIN ou LENINE: “a história nos demonstra que nenhuma classe dominante, até hoje, abriu mão de seus privilégios e de suas prerrogativas, apenas, por amor ao próximo, por amor à justiça e por amor à paz humana”.[312] Portanto, na opinião de MOZART VICTOR RUSSOMANO, a participação deve ser obrigatória. Todavia, se ela deve ser obrigatória, deve haver uma fiscalização efetiva sobre a contabilidade das empresas, a fim de que não se processe a burla ao Direito. Inclusive, para ele, este constitui o ponto nevrálgico da questão, uma vez que na elasticidade das escriturações comerciais reside, precisamente, os argumentos principais contra a adoção do sistema.[313] Sobre isto esclarece TOLSTOI CLADERCIANO KLEIN que a elasticidade das escriturações comerciais deve evitar que se processem mutações ou variações patrimoniais, pois, estas, contabilmente consideradas, são as maiores válvulas para disfarces de despesas - diminuição de lucros. Por isso TOLSTOI CLADERCIANO KLEIN, sopesando as dificuldades da fiscalização, prefere o regime de fundos de participação.[314] Como foi dito antes, muitos não pensam assim, o Juiz Togado do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região ROBERTO BARRETTO PRADO, por exemplo, entende que as empresas se diversificam de modo extremo, no que toca às suas condições de existência e funcionamento, sobretudo no que diz respeito à capacidade econômica e financeira. Para ele, é inútil, pois, diante da diversidade da realidade que se nos apresenta, querer impor sistemas rígidos de conduta, no que toca à organização interna dos empreendimentos, que só serviriam para opor barreiras intransponíveis ao desenvolvimento e progresso do país. Acrescenta que a participação dos empregados nos lucros da empresa, em benefícios de interesse geral ou em dinheiro distribuído a cada um deles, constitui problema de conveniência, variável segundo as diversas situações concretas, e que pelos interessados diretos pode e deve ser resolvido. Portanto, na opinião de ROBERTO BARRETTO PRADO, a participação dos empregados nos lucros da empresa deve ser facultativa.[315] No Brasil, a Constituição de 1946 e a seguinte determinavam a participação obrigatória do trabalhador nos lucros da empresa, nos termos e pela forma que a lei regulasse, todavia estes textos constitucionais jamais tiveram a necessária regulamentação, de modo que os empregadores só concediam participação nos lucros aos empregados se assim entendessem conveniente, ou seja, por falta de regulamentação, a participação obrigatória transformou-se, na prática, em mera participação facultativa, com exceção de alguns casos particulares. Algumas leis especiais e estatutos sociais de companhias têm tornado obrigatória a participação dos empregados nos lucros de algumas empresas, isto é, têm sancionado expressamente a concessão de participação nos lucros aos seus empregados. Geralmente referem-se a participação nos lucros de sociedades de economia mista, como por exemplo, o art. 51 do Estatuto Social da PETROBRÁS,.[316] etc. Todavia, no geral, a participação dos empregados nos lucros das empresas ocorre por meio de Convenção Coletiva de Trabalho. Por exemplo, pelo quinto ano consecutivo os empregados da Caixa Econômica Federal –CEF recebem a Participação nos Lucros e Resultados Social – PLR/Social, a qual determina a distribuição de 4% (quatro por cento) do lucro líquido de forma linear entre todos os trabalhadores. Esse pagamento da Participação nos Lucros e Resultados – PLR e do valor adicional, foram conquistados pela categoria na campanha de 2013. Ademais, a Caixa Econômica Federal –CEF também tem de pagar a regra básica da Participação nos Lucros e Resultados – PLR, prevista na Convenção Coletiva de Trabalho, que correspondente a 90% (noventa por cento) do salário mais R$ 1.694,00. Se o total apurado na distribuição dessa regra for inferior a 5% (cinco por cento) do lucro apurado, o valor a ser pago deve ser aumentado até atingir esse percentual ou 2,2 salários do empregado, limitado a R$ 19.992,46, o que ocorrer primeiro. Desse total é descontada as parcelas pagas antecipadamente. Os empregados também recebem a parcela adicional da Participação nos Lucros e Resultados – PLR que equivale à distribuição linear de 2,2% do lucro líquido com teto de R$ 3.388,00. Desse montante é descontada a antecipação que tiver sido feita. Além disso, os empregados da Caixa Econômica Federal –CEF ainda pagam menos imposto de renda retido na fonte sobre a Participação nos Lucros e Resultados – PLR, sendo a isenção é total para valores até R$ 6.270,00, com descontos menores acima desse montante. Outrossim, WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA lembra que a distribuição facultativa dos lucros pelo empregador aos empregados vem sendo adotada, por força de convenções coletivas e contratos individuais, nos países mais civilizados, tais como a França, a Itália, a Espanha, a Alemanha, a Inglaterra, os Estados Unidos, a Áustria, a Holanda, a Noruega, Portugal etc.[317] Nesses países, portanto, na atualidade, a participação nos lucros é sempre de origem convencional, apesar de no passado, como vimos, se ter pensado em participação obrigatória nos lucros, principalmente na França (1919), na Tcheco-Eslováquia (1920), na Itália (1921), na Noruega (1922), em Portugal (1923), na Nova Zelândia (1924), na Bélgica, na Inglaterra e outros países, dos quais alguns chegaram mesmo a legislar. Todavia alerta ERNESTO R. KATZ que, com exceção da Alemanha, Inglaterra, Holanda e Estados Unidos, onde se verificou relativo sucesso, essa experiência não vem apresentando, de um modo geral, o desenvolvimento que seria de se esperar. Uma ou outra empresa individual prospera, mas a verdade é que esse sistema não adquiriu maior importância e relevo na paisagem econômica contemporânea.[318] Para o economista FRANÇOIS PERROUX, tal ocorre porque ainda perdura a hostilidade do empregado para com a empresa, decorrente da dificuldade de controle dos lucros e da impossibilidade dos empregados participarem das perdas sociais, da modicidade dos lucros e conseqüente dificuldades de um justo critério de sua distribuição e, finalmente, da longa duraçãodo exercício, em geral, anual, que não permite aos empregados acompanharem os resultados obtidos pelo empreendimento.[319] Portanto, entre os que se opõem à ideia de participação obrigatória nos lucros é corrente o argumento de que ela faria baixar os níveis de produção e, ainda, seria um contra-estímulo aos investimentos e ao espírito de iniciativa dos empresários. No entanto, em outras nações o sistema de participação facultativa é largamente aplicado por iniciativa das próprias empresas, já que as leis do país não as obrigam a isso. O advogado e professor chileno CARLOS AUGUSTO VIAL ESPANTOSO (Lima, 22.02.1900 - Santiago, 03.05.1995), antigo ministro da Fazenda na República do Chile (27.02.1950-15.10.1950), abordando o tema da participação nos lucros, depois de examinar em profundidade a doutrina que a fundamenta e a justifica, realizou um balanço das experiências já realizadas e apontou resultados surpreendentes dos sistemas de participação nos lucros, que vão configurando a moderna empresa em formas eqüidistantes dos velhos modelos do capitalismo liberal e dos novos do dirigismo estatal ou da socialização das empresas de produção.[320] Na Inglaterra, mais de quatrocentas empresas trabalham em regime de participação. E o resultado foi positivo. É suficiente citar um exemplo: a fábrica Hoover, em 1947, entregou aos seus operários, a título de participação nos lucros, ações no valor de 40 mil libras. E, cinco anos depois, as mesmas ações eram cotadas no mercado em mais de dois milhões de libras, o que atestava, com eloqüência, a prosperidade da empresa. Na Holanda, em 1951, mais de 250.000 operários já trabalhavam com participação nos lucros. E entre os estabelecimentos que distribuíam parcelas dos seus lucros, a fábrica Philips de material elétrico não sofreram qualquer retrocesso ou parada no desenvolvimento da sua prosperidade. Nos Estados Unidos da América do Norte, em 1948, criou-se o Conselho de Indústria com Participação. Eram, de início, 51 (cinquenta e uma) empresas com 35.000 operários. Em 1952, o número de operários, que trabalhavam em regime de participação, elevou-se para 780.000 e para quase 800 (oitocentos) o número das empresas. E entre estas, as mais prósperas. Outrossim, o Senado norte- americano procedeu a um inquérito, a fim de investigar os resultados da participação dos empregados nos lucros da empresa. E o respectivo relatório mostrou as vantagens e as conveniências do sistema, notadamente, no tocante à estabilidade do empregado e aos reduzidos índices de greve. Daí a observação do professor de historia do College of William and Mary, Williamsburg (Virginia) JUDITH EWELL: “quando numa área onde se aplica a participação, área já imensa, nenhuma greve se registra, fica demonstrado que esse sistema é o antídoto da luta de classe e da instabilidade social”.[321] Segundo os dados concretos anunciados pelo Conselho norte-americano das indústrias que trabalhavam em regime de participação nos lucros os frutos do sistema eram os seguintes: a) 60% (sessenta por cento) a mais na remuneração global dos trabalhadores em confronto com os melhores salários pagos em outras indústrias do mesmo ramo; b) 40% de aumento da eficiência na produção por empregado; c) entre 30% (trinta por cento) a 40% (quarenta por cento) de redução nos preços para o consumidor de artigos manufaturados; d) renovação do quadro de empregados muito reduzida e, em certos casos, totalmente eliminada; e) grande número nas sugestões dos trabalhadores quanto às inovações consideradas favoráveis à vida da empresa; f) redução das queixas e das greves, que se tornaram cada vez mais escassas; g) virtual desaparecimento da vigilância que se tornou desnecessária; h) número crescente de trabalhadores qualificados que desejavam ingressar nas empresas sob regime de participação nos lucros; e, finalmente, i) como resultado do sistema, apontava-se o clima de compreensão de cooperação e de ordem, que presidia a vida da empresa, onde, a final, os agitadores não tinham função a exercer. Esses são exemplos de resultados das experiências conhecidas com o regime da participação facultativa dos empregados nos lucros das empresas.[322] Esclarece, ainda, ROBERTO BARRETTO PRADO que, enquanto persistir a desconfiança e mesmo hostilidade entre o empregado e o empregador, qualquer reforma social torna-se inoperante, precária ou de valor muito limitado. E como quebrar essa hostilidade? Segundo ele, a única solução que se encontra, no plano jurídico, vem a ser, justamente, a maior integração do empregado na empresa. Deve-se obter isto, segundo ele, tentando-se, aos poucos, despertar a consciência da comunidade de interesse entre todos aqueles que juntos trabalham para idênticos objetivos.[323] Por isso a participação facultativa é a mais recomendada. Ademais, a distribuição obrigatória dos lucros entre os empregados existia ou existe apenas na legislação de alguns países latino-americanos. Ao que consta, adotaram esse sistema o México, o Chile, a Argentina, a Venezuela, o Peru, a Colômbia (neste país, desde 1923 que se procurava prevalecer a participação obrigatória), a Bolívia e o Equador. Todavia salienta CRISTOFORO ARCISZEWSKI DE ESTANISLAU FISCHLOWITZ que essas medidas foram certamente o resultado das situações inflacionárias existentes nos países subdesenvolvidos, que impelem os legisladores a descobrir formas de aumentar salários dos empregados, de maneira a contrabalançar os lucros fáceis e excessivos que freqüentemente se constatam.[324] Já ORLANDO GOMES DOS SANTOS e ELSON GOTTSCHALK argumentam que os países em fase de desenvolvimento, que não contam com extensa rede de convenções coletivas, apelam para a participação obrigatória ou legal, regulando-a em caráter geral ou especialmente para determinadas empresas.[325] Por outro lado, CRISTOFORO ARCISZEWSKI DE ESTANISLAU FISCHLOWITZ coloca-se entre os autores que combatem a participação obrigatória, alegando que: a) esta espécie de participação não é instrumento de paz social, mas meio de se criar uma fonte permanente de conflitos e atritos entre as duas classes produtoras; b) ela provocaria a descapitalização; c) provocaria, também, a constante migração artificial dos trabalhadores das empresas com menores coeficientes de rentabilidade para as de lucros mais elevados; d) a participação obrigatória criaria, ainda, insustentáveis contrastes entre os rendimentos dos trabalhadores que, exercendo o mesmo emprego, se encontrassem a serviço de empresas mais ou menos lucrativas; e e) constituiria entraves ao influxo de investimentos estrangeiros.[326] ARNALDO SÜSSEKIND também afirma que o sistema da participação obrigatória, ou participação imposta por lei, em poucos países é aplicado. Esclarece ele que não se verificou a generalização desse sistema porque os patrões, de um modo geral, não o desejam, pois não querem discutir os seus lucros com os respectivos empregados, e estes, em grande parte, também não se interessam pela participação, já que preferem extrair dos seus salários qualquer condição aleatória.[327] Além disso, lembra JOÃO RÉGIS FASSBENDER TEIXEIRA que o maior de todos os argumentos da classe empresarial contra esse instituto e que quase sempre fica oculto é o temor à fiscalização nas escritas a que a participação nos lucros leva, por parte dos empregados e de seus sindicatos.[328] No mesmo sentido, o advogado, escritor membro do Ministério Público e professor brasileiro EVARISTO DE MORAES FILHO (Rio de Janeiro, 05.07.1914-) diz que, na verdade, não se verifica o regime de participação obrigatória nos lucros na pauta de reivindicação mais forte dos trabalhadores em qualquer parte do mundo. Não se tem notícia de greves reivindicatórias deste favor ou regalia. Preferem os trabalhadores um regime de salários mais altos e garantidos, deixando para o empresário os riscos e as preocupações a respeito da possibilidade de lucros compensadores da empresa e seu destino. Por sua vez, em sua imensa maioria, os empregadores não vêem com bons olhos tal regime, receosos do passo adiante dado pelos empregados, na cogestão e na fiscalização da vida financeira da empresa, com a disposição e o esvaziamento dos lucros que deviam ou podiam ser reinvestidos.[329] Enfim, PAULO SARASATE FERREIRA LOPES também é contrário a participação obrigatória nos lucros. Diz ele que instituindo a participação com tão elevados intuitos, correremos, sem o desejar, o risco de influir negativamente na economia nacional, com os desequilíbrios que poderão resultar na vida de muitas empresas. E um dos principais desequilíbrios que a participação obrigatória traz é, sem sombra de dúvida, o sério risco de exclusão total ou parcial do lucro do sócio, ao ponto de não haver qualquer razão para investir seus cabedais na empresa.[330] Ademais, lembra FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA que a redução dos lucros aptos ao pagamento dos dividendos, provocada pela participação obrigatória, a ponto de se excluir, no todo ou em parte, a justa remuneração do capital, tanto quanto os impostos “confiscatórios”, é desapropriação total ou parcial, sem indenização.[331] Lembramos que a determinação da justa remuneração do trabalho é tentada, incessantemente, por empregados, por empregadores e pela intervenção do Estado. A determinação da justa retribuição da iniciativa ou é prevista em lei para os empreendedores, ou tentada pelos donos das empresas e pelos que têm a iniciativa. A determinação da justa remuneração do capital ou se faz partindo-se do lucro próximo da taxa de juros, que é aquele que permite continuar-se nas operações da empresa, ou de lucro que justifique a inversão na indústria ou no comércio, em vez do empréstimo a juros, ou de outros meios de inversão. A justa remuneração do capital nada tem, por exemplo, com a justa remuneração da iniciativa (por exemplo, da direção, que é o preço do esforço dos dirigentes da empresa ou serviço, ainda que percebam outros proventos como trabalhadores ou como capitalistas), com o que se paga em matéria-prima e com os salários. A baixa remuneração do capital, aquém da taxa que se obteria por empréstimo é injusta: o capital evade-se de onde não lhe pagam aquilo que os próprios mutuários pagariam.[332] 4.5 COMPATIBILIDADE DA PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS COM O CONTRATO DE TRABALHO Parece haver unanimidade dos autores, entre os quais o jurista francês GEORGES ERNEST BRY,[333] o jurista francês MARCEL FERDINAND PLANIOL (Nantes, 23.09.1853 - Paris, 31.08.1931), [334] o jurista francês e professor da Faculdade de Direito de Nancy PAUL DURAND (Alger, 1908 – Agadir, 1960),[335] o destacado jurista e professor da Universidad Nacional Autónoma de México MARIO DE LA CUEVA Y DE LA ROSA (Ciudad de Mexico, 1901 – Ciudad de Mexico, 1981),[336] o jurista italiano e professor da Accademia Nazionale dei Lincei FRANCESCO SANTORO-PASSARELI (Altamura, 19.07.1902 – Roma, 04.11.1995),[337] o advogado e jurista clássico NÉLIO REIS,[338] professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal da Bahia JOSÉ MARTINS CATHARINO,[339] ARNALDO SÜSSEKIND[340] e JOSÉ SEGADAS VIANNA,[341] sobre o entendimento de que a participação nos lucros da empresa é perfeitamente compatível com o contrato de trabalho, ou seja, esta espécie de retribuição para o empregado não transforma o seu contrato de trabalho em contrato de sociedade. A primeira vista, talvez se veja como irrelevante o debate a respeito dessa questão, porém não é. Realmente, havia o temor de que a participação do trabalhador nos resultados auferidos pela empresa transformasse o contrato de trabalho em contrato de sociedade. Todavia, como dito, a grande maioria dos juristas afasta esta possibilidade, inclusive a de que o contrato de trabalho converter-se-ia em um contrato misto, isto é, um contrato ao mesmo tempo de trabalho e de sociedade. A opinião predominante é no sentido de que a participação nos lucros não é mais do que uma condição, que pode ser imposta por lei (nos países onde vigora legislação própria) ou por convenção coletiva ou acordo entre as partes do contrato de trabalho (principalmente nos países onde não se regulamentou a matéria em lei). Daí porque os proventos advindos dessa participação devem ser considerados como salário. ARNALDO SÜSSEKIND, a seu turno, esclarece que o trabalhador pode ser, ao mesmo tempo, sócio e empregado da empresa, entretanto essa dupla qualidade decorrerá de duas relações jurídicas distintas: o contrato de sociedade e o contrato de trabalho.[342] “O empregado estável que entra como sócio da firma não perde aquela condição anterior, máxime se continua a exercer as mesmas funções, o que faz supor a existência paralela das duas situações”;[343] “O sócio-acionista que apenas possui uma parcela mínima do acordo social de uma sociedade em comandita por ações, dedicando sua atividade a ela de maneira absorvente, continuada, mediante uma remuneração ajustada nos próprios estatutos, e sujeito ao arbítrio da direção suprema, não pode ter definido o seu status pelo de sócio, mas, sim, pelo de empregado”.[344] Acrescenta ARNALDO SÜSSEKIND que, quando existir apenas uma relação, haverá empregado se este trabalhar juridicamente subordinado à administração da empresa, bem como haverá contrato de sociedade se o trabalho dos seus participantes configurar a affectio societatis, isto é, se configurar a comunhão de direitos e obrigações para atender às finalidades da empresa.[345] No contrato de trabalho, a participação nos lucros decorre de uma norma, legal ou contratual, constitui uma forma de remuneração do empregado e não implica na absorção dos prejuízos sofridos pelo empreendimento. Já no contrato de sociedade, a participação nos lucros decorre da fusão (ou da centralização, na terminologia de KARL HEINRICH MARX) de capitais, isto é, constitui a remuneração do capital; esta participação societária, como salienta ORLANDO GOMES DOS SANTOS, obriga a participação nas perdas, assumindo todos os contratantes as responsabilidades e os riscos do empreendimento. Mais do que simples cooperação, a associação das pessoas, para lograr um fim comum, identifica seus interesses e conjuga seus esforços, no mesmo plano hierárquico.[346] Da mesma maneira, ORLANDO GOMES DOS SANTOS e ELSON GOTTSCHALK esclarecem que, com efeito, nada obsta a que esta forma de retribuição do capital ou da atividade de uma pessoa, adequada ao contrato de sociedade, seja aplicada ao contrato de trabalho, desde que se não acompanhe a correspectiva partilha nas perdas. Segundo eles, a relação de emprego não se desvirtua, quando um dos elementos - precisamente a remuneração - assume forma assimilável ao modo de percepção de vantagens atribuído pelo contrato de sociedade. Portanto, o empregado assim remunerado não se converte em sócio.[347] O trabalhador que participa nos lucros da empresa, em virtude de ajuste contratual, é chamado, no Brasil, de “interessado”. Esta denominação é utilizada pela própria Consolidação das Leis do Trabalho – CLT ao prescrever no art. 63 que “não haverá distinções entre o empregado e o interessado, e a participação noslucros ou comissões, salvo as de caráter social, não exclui o participante do regime deste capítulo” (Duração do Trabalho).[348] E se assim o legislador trabalhista prescreveu foi porque o interesse do trabalhador que participa nos lucros da empresa não desnatura o contrato de trabalho, muito pelo contrário, constitui simples suplemento salarial, variável e aleatório. “Suscitando-se dúvidas na execução do contrato, o Ministério do Trabalho, de acordo com parecer do Sr. Consultor Jurídico, resolveu que se excluíssem da aplicação da Legislação do Trabalho os quotistas e se declarasse que são alcançados pelo Capítulo II da Consolidação das Leis do Trabalho os interessados. Não há nesse entendimento vulneração dos princípios legais. O caso, em suas linhas principais, foi objeto de decisão desta Turma, no julgamento do recurso extraordinário n° 6.250. A ementa dessa decisão é expressa: ‘A qualidade de interessado atribuída ao empregado, para efeitos de participação nos lucros da empresa, não lhe tira a condição de salariado, competindo assim à Justiça do Trabalho a solução das suas relações contratuais com o empregador’. Já era essa, aliás, a lição de Carvalho de Mendonça, que, estudando o contrato de preposição comercial, dizia: ‘o salário do preposto pode também consistir em uma comissão sobre os negócios que promover para o patrão’. Estão aí, nessa passagem, duas dentre as diversas modalidades que pode apresentar a participação: a comissão sobre vendas, de prática mais corrente, e o interesse dos lucros verificados anualmente. Isso, acrescenta o mestre, ‘não torna o preposto sócio do patrão. Semelhante ajuste é condição aleatória do contrato de preposição. Aceitando a promessa, o preposto corre o risco de ter o seu trabalho mal retribuído ou de não ter retribuição’ (Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. II, n° 464). Dito está, pois, muito claramente, que o empregado não passa a sócio só porque seja interessado, mesmo nos lucros sociais apurados, anualmente”.[349] Portanto, ressalta ARNALDO SÜSSEKIND que somente deixará de haver contrato de trabalho quando se caracterizar o contrato de sociedade; aí, então, não haverá empregado, porém, sócio. E, ainda assim, cumpre que cada caso seja examinado com o devido cuidado, a fim de inferir-se se o contrato de sociedade representa mero instrumento de fraude à lei, fantasiando relação de emprego realmente existente.[350] “O que importa considerar é que a só participação nos lucros da empresa não transforma o empregado em sócio, já que o principal característico da sociedade não reside nessa participação, mas na existência da affectio societatis. Verificando-se, pois, que apesar de sua participação nos lucros, o pseudo-sócio de indústria não é senão um trabalhador subordinado, sendo tal subordinação incompatível com a existência da affectio societatis, a conclusão é que não se configura, na verdade, um contrato de sociedade”.[351] Como nos chama a atenção ORLANDO GOMES DOS SANTOS e ELSON GOTTSCHALK, vale ressaltar, também, que a participação nos lucros não confere ao empregado, sob este fundamento, o exercício de um poder de controle sobre a gestão econômica da empresa. A participação nos lucros, como foi sobejamente demonstrado, não apaga no interessado o status de empregado e o controle da gestão da empresa, ao menos no mundo capitalista em que vivemos, é apanágio exclusivo do acionista que detém a maioria das ações ou do proprietário individual ou coletivo da empresa. Mencionam, ainda, eles que o controle operário, mesmo em alguns países que adotaram a participação nos lucros sob formas mais avançadas (por exemplo, Alemanha, França e Itália), não atribui ao pessoal da empresa que o exercita pelos órgãos delegados um poder de gestão no setor econômico, mas apenas um direito de consulta, de ser ouvido (droit de regard), reservando-se ao chefe de empresa a unidade da direção econômica e administrativa.[352] Como podemos ver, a participação nos lucros não descaracteriza o contrato laboral, pois trata-se de uma mera parte variável que amplia o salário do empregado; parte esta incerta, que depende de acontecimentos futuros. Somente deixará de haver contrato de trabalho quando se caracterizar o contrato de sociedade; aí, então, não haverá empregado, porém sócio. Do mesmo modo, conforme se pode extrair do contido no art. 63 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, somente quem recebe lucros de caráter social é sócio. O interessado ou empregado que participa dos lucros nessa qualidade não é sócio e nem recebe lucros de caráter social. Outrossim, o disposto no art. 63 da CLT é suficiente para estabelecer que o empregado que, nesta qualidade, participa dos lucros da empresa não se transforma em sócio, ou seja, continua sendo empregado regido pelo regime trabalhista, previsto na CLT. 4.6 NATUREZA JURÍDICA DA PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E DA PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS DA EMPRESA Como já vimos, antes da vigência da Constituição Federal de 1988 predominava o entendimento no sentido de que a participação nos lucros da empresa constituía mera cláusula, de índole salarial, integrante do próprio contrato de trabalho. E, por conseqüência, o fruto dessa participação devia ser conceituado como salário. Mencionava ARNALDO SÜSSEKIND que, expressa ou tacitamente ajustada, em instrumento individual ou coletivo, os proventos decorrentes da participação direta nos lucros da empresa representavam salário, inclusive por força do art. 63; do §1°do art. 457,[353] do §2° do art. 466, [354] e do §4° do art. 478,[355] todos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.[356] Entretanto, as importâncias levantadas pelos trabalhadores, oriundas do “Fundo de Participação”, criado pela Lei Complementar n° 7, de 07.09.1970, instituidora do “Programa de Integração Social”, não constituía e nem constitui salário, apesar de corresponderem a participação dos lucros, porque há disposição explícita negando-lhes a natureza salarial (parágrafo único, art. 10 da Lei Complementar n° 7, de 07.09.1970).[357] A natureza da participação nos lucros era, portanto, considerada como salarial. Entretanto, mesmo assim, existiam alguns autores que entendiam, ainda que frente ao conteúdo da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e da jurisprudência formada sobre esse assunto, ser societária e não salarial a natureza da participação dos empregados nos lucros da empresa. Entre eles, o deputado CAIRES DE BRITO alegava que “ninguém pode auferir lucros sem ser sócio”.[358] Menciona MOZART VICTOR RUSSOMANO que o sistema legal, consoante estes escritores, implanta, ao lado do contrato individual de trabalho, um novo contrato, dependente, em parte, do primeiro, acessório e secundário, mas, que é um inegável contrato de sociedade. Pelo primeiro, o trabalhador é empregado da empresa, ganha salário, fica sujeito a todas as condições regulamentares e disciplinares. Pelo segundo, transforma-se em sócio, fiscalizando, propondo medidas, administrando, enfim, a empresa. Outros, além disso, descem aos detalhes, garantindo que o trabalhador, no regime de participação nos lucros, por tudo e em tudo, se equipara ao sócio industrial, na sociedade de capital e indústria, pois não sofre as conseqüências de um eventual déficit, nem entra com nenhum elemento, a não ser seu próprio trabalho, para a formação da sociedade.[359] Apesar da postura desses autores e de, realmente, existir algumas semelhanças entre o empregado que participa nos lucrose o sócio de indústria, um não se confunde com o outro e o entendimento predominante, antes da Constituição de 1988, com o endosso de vários julgados do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, era o de que a participação nos lucros constituía apenas uma cláusula integrante do contrato de trabalho, de natureza estritamente salarial, constituindo, pois, salário os frutos dessa participação. “A parcela participação nos lucros da empresa, habitualmente paga, tem natureza salarial, para todos os efeitos legais”;[360] “SALÁRIO - GRATIFICAÇÃO - PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS DA EMPRESA - INTEGRAÇÃO. A gratificação pela participação nos lucros, instituída nos estatutos da empresa, é evidentemente de natureza salarial, devendo integrar o salário para cálculo das férias, 13° salário e as verbas rescisória”;[361] “A participação nos lucros habitualmente paga tem natureza salarial para todos os efeitos legais, conforme preceitua a Súmula 251/TST, mas também é correto que não alcança situações futuras, para as quais o pagamento está sempre condicionado à existência de lucros”;[362] “A gratificação por lucros integra o salário-base indenizatório pelo seu duodécimo, considerada a permanência de sua paga na vigência do contrato de trabalho então rescindido”;[363] “Participação nos lucros e gratificações por tempo de serviço têm natureza remuneratória e integram o salário do trabalhador para todos os fins legais. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido na parte em que se conheceu”;[364] “Paga habitualmente, a gratificação de participação nos lucros é salarial. Adquirido o direito pelo trabalho no curso do exercício correspondente, pouco importa que haja sido realizada a reunião que autorizou seu pagamento antes ou após o rompimento do contrato. Revista não conhecida”;[365] “Participação nos lucros: mesmo sendo mera liberalidade da empresa, tem caráter salarial, se paga permanentemente”;[366] e “O sistema de pagamento de participação nos lucros da empresa não pode ser suprimido se concedido por anos a fio, integrando as condições do contrato de trabalho dos empregados”.[367] Para que a participação nos lucros não tivesse natureza salarial, lembra MOZART VICTOR RUSSOMANO, era necessário o ânimo, a intenção de se celebrar um pacto de natureza societária (affectio societatis). Sem este requisito a participação nos lucros restringia-se a uma mera cláusula do contrato de trabalho.[368] E uma vez que era considerada eminentemente de natureza salarial, a participação nos lucros, funcionava como todas as demais gratificações e incorporava-se ao salário para efeitos gerais e sobre esta incidia descontos relativos ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, à contribuição para a Previdência Social e ao Imposto de Renda, sem exceção.[369] Lembra, ainda, MOZART VICTOR RUSSOMANO que, além da affectio societatis, para existir o contrato de sociedade, é preciso, portanto, que o sócio participe, indistintamente, dos lucros, das perdas e da administração da empresa.[370] ARNALDO SÜSSEKIND reforçava esse entendimento acrescentando que sendo a participação nos lucros de caráter aleatório, ou seja, dependia de acontecimentos futuros (incerto), constituiria presunção contrária à existência da relação de emprego o fato de não constituir ela suplemento do salário garantindo ao trabalhador. Assim, uma vez caracterizados os elementos integrantes do contrato de trabalho, obrigatoriamente, ter-se-ia que concluir pela natureza salarial da remuneração do empregado estipulada exclusivamente à base de participação nos lucros auferidos anualmente.[371] Todavia, todos esses entendimentos que sustentam a natureza salarial da participação nos lucros entram, atualmente, em frontal conflito com o inciso XI do art. 7° da Constituição de 1988.[372] Prescreve este dispositivo constitucional que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais “participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”. Quando o legislador constituinte literalmente fez inserir a ressalva “desvinculada da remuneração”, é evidente que objetivou combater o excesso de encargos sociais, atualmente situados em patamar superior a cem por cento do total da remuneração recebida pelo empregado. Porém, para tanto, teve que retirar, pelo menos aparentemente, a natureza salarial da participação dos empregados nos lucros. Assim, pois, a incidência de ônus indiretos sobre a remuneração, como por exemplo contribuição previdenciária, contribuição para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS etc., não alcançam a verbas distribuídas aos empregados à título de participação nos lucros. Da mesma forma, em conseqüência dessa ressalva, os valores relativos à participação nos lucros não se incluem no cálculo dos direitos trabalhistas do empregado, tais como férias integrais, férias proporcionais, 13° salário, comissões etc. Como vimos, a Constituição Federal de 1988, segundo ARION SAYÃO ROMITA, “corrige” a orientação jurisprudencial de atribuir natureza salarial aos valores pagos pelo empregador a título de participação nos lucros. Para ele, é louvável a iniciativa do constituinte, porque a incorporação compulsória desses pagamentos ao salário desestimula o empregador a conceder o benefício.[373] Na opinião de um dos mais prestigiados professores de direito francês, titular da Faculdade de Direito e Ciências Econômicas de Paris, GÉRARD LYON-CAEN (1919 – 13.04.2004), a princípio, todos os benefícios atribuídos ao empregado, em virtude da existência do vínculo empregatício, possuem natureza salarial, inclusive a participação em lucros.[374] Todavia, acrescentam OCTÁVIO BUENO MAGANO e ESTÊVÃO MALLET que nada obsta a que o legislador, por razões de política econômica- social, disponha de outro modo. Inclusive, citam, como exemplo, que, no nosso ordenamento jurídico já havia o precedente do abono de férias que, nos termos do art. 144 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,[375] não integra a remuneração do empregado para os efeitos da legislação do trabalho e da Previdência Social.[376] Citam, também, a Ordenação francesa n° 86-1134, de 21.10.1986, onde se estabelece que “as somas atribuídas aos salários na aplicação de acordo de interesses não têm o caráter de elemento do salário para aplicação da legislação do trabalho e da seguridade social e não entram no cômputo para a aplicação da legislação relativa ao salário mínimo crescente”.[377] Há de se destacar que, conforme menciona ABÍLIO NETO, na legislação portuguesa encontra-se previsto que a participação nos lucros é considerada de natureza salarial quando o empregado não percebe outro tipo de remuneração, todavia deixa de ter esta natureza quando se assegura outro ganho certo de caráter remuneratório.[378] Inclusive, talvez inspirado nessa disposição normativa portuguesa, OCTAVIO BUENO MAGANO, professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, concluiu que, a rigor, é possível a generalização de modelo em que o trabalhador, como verba de natureza salarial, receba apenas o salário mínimo, auferindo, porém, em troca, participações asseguradoras de ganhos finais superiores aos atuais. Este modelo, segundo ele, na prática, traria, por conseqüência, enorme incentivo à produtividade, aumentar-se-ia substancialmente a renda do trabalhador e reduzir-se-iam drasticamente os elevadíssimos encargos sociais,para ele, principal fator de disseminação, cada vez mais abrangente, do mercado clandestino de trabalho.[379] MARLY ANTONIETA CARDONE, a seu turno, opina no sentido de que a participação nos lucros ou nos resultados da empresa não constitui uma condição de trabalho, tal qual conceituada pelo art. 611 e seu §1° da CLT.[380] Para ela, a participação nos lucros ou nos resultados remunera, não o trabalho contratado, mais sim a colaboração do empregado e o instrumento que materializa o acordo de participação configura-se como um contrato acessório ao contrato de trabalho.[381] Com isto, ela colocou-se em posição de apoio a posição originariamente adotada por FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, o qual frisou que a participação nos lucros segundo o texto constitucional, é direito criado por lei, direito acessório do contrato de trabalho, como a participação nos lucros, na chamada associação em participação, o é, posto que fundada em negócio jurídico.[382] De qualquer forma, mesmo o legislador constituinte tendo considerado a participação nos lucros não vinculada a remuneração, principalmente para efeito de incidência de encargos sociais, a nosso ver, não há como fugir ao fato de ter natureza remuneratória supletiva condicional, decorrente da prestação de serviços ao empregador, à título de colaboração com a empresa. No caso, entendemos que a participação nos lucros ou nos resultados não deixa de ter caráter remuneratório e supletivo, uma vez que pressupõe uma relação de trabalho anterior do interessado com a empresa e recebimento de salário contratado (não se admite que o empregado seja remunerado apenas pela participação nos lucros), bem como, de uma forma ou de outra, visa aumentar condicionalmente a sua remuneração e aumentar a produção global da empresa. A participação nos lucros ou nos resultados refere-se a contraprestação pela diferença de serviços prestados entre aqueles normalmente executados e aquele realmente prestados ao empregador, sem os quais não existiria o aumento da produção. Assim, a participação nos lucros indiscutivelmente refere-se a remuneração de serviços extraordinários que permitiram o aumento na produção, portanto trata-se de remuneração supletiva, pois decorre de serviços extraordinários e da mesma relação de trabalho. “RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. o Eg. Tribunal Regional se manifestou acerca de todos os aspectos essenciais ao deslinde da controvérsia, de forma a possibilitar o julgamento das questões trazidas pela reclamada no recurso de revista. Portanto, a decisão, apesar de contrária ao interesse da parte recorrente, apresentou solução judicial para o conflito, configurando-se efetiva prestação jurisdicional. Recurso de revista não conhecido. PRESCRIÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS DECORRENTES DA NÃO-APLICAÇÃO DE NORMA COLETIVA. Não há que se falar em aplicação da Súmula nº 294/TST quando, ainda que se trate de pedido de prestações sucessivas e decorrentes de norma coletiva, não há alteração do pactuado, mas descumprimento de obrigação prevista nas normas coletivas. Recurso de revista não conhecido. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. NATUREZA JURÍDICA. ACORDO COLETIVO. POSSIBILIDADE. A jurisprudência da C. SDI é no sentido de não deter natureza salarial o pagamento da participação nos lucros ou resultados na empresa, reconhecendo como válida a norma coletiva que, expressamente, retratando a vontade de sindicato profissional e empresa, dispôs que o pagamento da participação nos lucros, relativa ao ano de 1999, seria feito de forma parcelada e mensal. Ressalva de entendimento deste Relator. Precedente da c. SDI. Recurso de revista conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. HORAS IN ITINERE. TEMPO GASTO ENTRE A PORTARIA DA EMPRESA E O LOCAL DO SERVIÇO. TRAJETO INTERNO. DEVIDAS. O tempo despendido pelo empregado no trajeto interno do estabelecimento empresarial, da portaria até o seu posto de serviço, configura-se como hora "in itinere" e deve ser pago como sendo horas extraordinárias, já que é considerado tempo à disposição do empregador. Inteligência da Orientação Jurisprudencial nº 36 da SBDI-1- Transitória do TST. Recurso de revista conhecido e provido. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA. "Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário do registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários. Se ultrapassado esse limite, será considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal." Inteligência da Súmula nº 366/TST. Recurso de revista conhecido e provido. DIFERENÇAS SALARIAIS. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. INTEGRAÇÃO. Prejudicado o exame da pretensão, ante o julgamento do recurso da reclamada, em que excluída a parcela da condenação”. [383] A participação nos resultados, a nosso ver, pode ter mais de uma natureza, isto é, puramente salarial, quando paga como prêmio ou retribuição pela produção pessoal do empregado e remuneratória supletiva condicional, decorrente também da prestação de trabalho em virtude de relação de trabalho anterior, quando paga por empregador ou organização sem fins lucrativos. Portanto, a natureza da participação nos lucros e a natureza da participação nos resultados são definidas no plano político, apesar de a realidade demonstrar uma inapelável natureza remuneratória, ou seja, ligada a contraprestação do trabalho assalariado. Por isso o professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal de Pernambuco EVERALDO GASPAR LOPES DE ANDRADE, ao abordar a participação dos trabalhadores nos lucros, admitia que, no plano normativo, pode ocorrer três hipóteses: a) a participação nos lucros ser considerada salário e integrativa da remuneração para todos os efeitos legais; b) a participação nos lucros não ser parte integrante da remuneração (é o caso do inciso XI do art. 7° da nossa Constituição de 1988); e c) a natureza da participação nos lucros ser parcial ou, em determinadas circunstâncias, previamente ajustada, isto é, convencionar-se em contrato ou convenção se uma parcela da participação nos lucros será parte integrante ou não da remuneração do empregado.[384] 4.7 AS FORMAS DE PARTICIPAR NOS LUCROS OU NOS RESULTADOS DA EMPRESA Conforme a classificação citada pelo professor NÉLIO REIS, a participação nos lucros pode se apresentar sob diversas modalidades, classificadas segundo vários aspectos: a) quanto à origem; b) quanto ao lucro; c) quanto à forma de distribuição; d) quanto aos empregados beneficiados; e e) quanto à modalidade do pagamento.[385] A classificação quanto à origem, vimos que pode ser contratual, convencional (tácita ou expressa) e legal, sendo as duas primeiras, facultativas, e a terceira, obrigatória. Portanto, os comentários que passaremos a expor se restringirão aos demais mais critérios de classificação. Não há menor dúvida de que os juristas franceses sempre promoveram esforços para estabelecer as modalidades, quanto ao pagamento, pelas quais os empregados podem participar na distribuição do lucro das empresas. Por sinal, o jurista espanhol e professor da Facultad de Derecho de la Universidad de Sevilla CARLOS GARCIA OVIEDO (Sevilla, 1884 – Sevilla, 1955) extraiu dos estudos desses tratadistas franceses uma interessante classificação deste instituto, levando-se em consideração as formas do pagamento. A classificação apresentada por CARLOS GARCIA OVIEDO pareceser a mais aceita pelos juristas brasileiros. Diz ele que, quanto ao pagamento, são quatro as formas pelas quais pode revestir a participação: a) participação com percepção imediata ou direta; b) participação com percepção eventual, mediata, diferida ou indireta; c) participação com percepção mista; e d) participação em ações.[386] A participação imediata ou direta é assim chamada porque ela traduz benefício de proveito direto dos empregados. A participação com percepção imediata ou direta, na opinião de FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, é a participação nos lucros que vai da empresa ao empregado, ainda que a quota seja inalienável, temporária ou vitaliciamente. Diz ele que verifica-se esta modalidade de participação quando a solução da dívida de participação nos lucros é efetivada em dinheiro, tal como ocorre com os portadores de ações, ou sócios, ou dono da empresa. E assim opinou com base em seu entendimento no sentido de que “o modo de solução diferente do pagamento em dinheiro e a conversão nem sempre importam tornar-se indireta a participação nos lucros”.[387] Já FÁBIO NUSDEO menciona que participação direta verifica-se quando se atribui aos assalariados uma parcela dos resultados da empresa, parcela essa suscetível de ser levantada em espécie, a qualquer momento, pelos seus titulares.[388] E ARNALDO SÜSSEKIND entende que a participação direta é a mais usada no momento e consiste no pagamento anual ao empregado da percentagem que lhe corresponde nos lucros da empresa.[389] Por exemplo, na empresa com 200 (duzentos) empregados que distribui 10% (dez por cento) de seus lucros para estes, cada um perceberá o equivalente a 0,05% do lucro líquido apurado no exercício. MOZART VICTOR RUSSOMANO entende por participação direta aquela a que se paga ao empregado, imediatamente, a parte que lhe cabe nos lucros obtidos durante o exercício comercial. Também na sua opinião, prefere-se, de modo geral, a participação direta, porque dá ao obreiro ideia nítida de que seus esforços estão sendo recompensados e não traz ao empregador maiores preocupações quanto à aplicação eficiente dos lucros que pertencem aos seus subordinados hierárquicos. Para ele, evita-se, ainda, que a empresa, sob o pretexto de fazer aquela aplicação, aumente seu patrimônio, com ampliação de suas propriedades imobiliárias e com aperfeiçoamento de suas instalações. A participação direta, entretanto, permite que o trabalhador pouco ponderado e pouco instruído, vendo crescer a fonte de seu rendimento, esqueça as coisas indispensáveis a si e à sua família, caindo em gastos supérfluos.[390] Dentro da participação direta, MOZART VICTOR RUSSOMANO também cita duas soluções diferentes: a) se entrega ao empregado, globalmente, aquilo a que o mesmo fez jus durante o ano; ou b) se divide essa quantia em doze partes iguais, que lhe vão sendo entregues todos os meses, no decurso do ano subseqüente. Este segundo caminho é apontado por aqueles que, reconhecendo a desvantagem da participação direta (gastos excessivos), pretendem superá-la, forçando o trabalhador a dispor, pouco a pouco, dos lucros que lhe pertencem.[391] FÁBIO NUSDEO opina que a participação direta, importa, com efeito, antes de mais nada, numa sangria de recursos para a empresa que, assim, pode vir a se descapitalizar e a ter o seu desenvolvimento comprometido, quando não coarctado. Por outro lado, constata-se estatisticamente que, quanto menor o nível de renda de qualquer grupo, maior a sua propensão marginal a consumir. Esta poderá mesmo chegar a se tornar igual à unidade, ou seja, cada acréscimo de rendimento destinar-se-á, em sua totalidade ou em sua maior parte, ao consumo, sendo nula ou reduzidíssima a parcela voltada para a poupança e posterior investimento. Segundo ele, fácil seria perceber o quanto é inconveniente tal estado de coisas em termos de um processo de desenvolvimento da economia, pois, malgrado as divergências entre as diversas teorias ou escolas que porfiam por lhe dar uma explicação cabal, o certo é que nenhuma delas lhe nega, como uma de suas bases, um fluxo crescente de investimentos adequadamente direcionado. Assim, para ele, ainda quando se pudesse imaginar alguns dos assalariados poupando e investindo boa parte do que viessem a receber, subsistiria sempre o problema crucial de uma correta aplicação. Esta, pulverizada ou mal direcionada, perderia qualquer sentido, tanto em termos de progresso e segurança individual de cada trabalhador, quanto no que tange ao âmbito mais largo do crescimento global do sistema econômico. Ademais, a alta propensão ao consumo traz consigo uma forte pressão de caráter inflacionário, capaz de anular pela alta dos preços, quando materializada, o benefício antes conseguido.[392] Todavia, em muitos países está consagrada a participação direta. Melhor exemplo disso podemos encontrar entre os “tigres asiáticos”. Na Coréia do Sul e em Taiwan (Formosa), países que empregam, sozinhos, 90% (noventa por cento) de toda a população ativa dos “tigres asiáticos” (Hong Kong, Cingapura, Coréia do Sul e Taiwan), funciona, por exemplo, o regime de estabilidade no emprego, aquele que só permite a uma pessoa ser mandada embora do serviço em caso de falta grave. Ali também está em vigor uma legislação que garante a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas. Esta legislação estabelece que, no fim do ano, 10% (dez por cento) de todos os lucros amealhados devem ser repartidos entre os empregados. No início, afirma CHIN CHING HWEI, secretário-geral da Federação Chinesa do Trabalho, muitos empresários achavam que essa legislação iria prejudicá-los. Segundo ele, hoje todos compreendem que essa medida transforma cada empregado numa pessoa diretamente interessada no desempenho da empresa. O dinheiro assegurado por essa legislação está longe de ser uma soma simbólica. Graças a esse mecanismo, no final de 1987, os operários da indústria automobilística da Coréia do Sul voltaram para casa com três salários extras no bolso; em alguns casos, esse valor equivalia a quase 3.000 dólares. Em Taiwan, as empresas da área eletrônica chegaram a distribuir quatro salários a mais para seus funcionários por conta de sua participação nos lucros.[393] A participação direta, como vimos, refere-se ao recebimento do quantum relativo a participação nos lucros em espécie, isto é, em dinheiro. Todavia muitas vezes a participação não ocorre em espécie ou exclusivamente em espécie. Muitas vezes ocorrem combinações da participação nos lucros com algum modo de solução, ou de conversão, que, em alguns casos, ainda assim não descaracteriza a participação direta, porém, em outros casos, essas combinações levam a participação a tornar-se indireta. Por exemplo, já mencionamos antes que, na França, onde a participação nos lucros mais cedo se desenvolveu no século XIX, de ordinário se combinou com a aquisição de patrimônio, ou com o fundo de pensões. A participação com percepção eventual ou indireta pode consistir na capitalização da percentagem devida, em estabelecimentos bancários ou de seguro, para ser abonada ao empregado, quando alcançar determinada idade, ou aos seus herdeiros, em caso de falecimento.[394] Ou seja, ao contrário da participação direta, a participação indireta caracteriza-se pela transformação daquela parcela em quotas ou certificados de investimento a serem aplicados na própria unidade ou então a constituírem um fundo para inversão em outras empresas através do mercado de capitais.[395] Menciona FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA que ocorre a participação indireta quando a soluçãoda dívida de participação é efetivada em dinheiro que fique, durante certo tempo, a juros na empresa ou é efetivada em ações ou em dinheiro a ser convertido em empresas que sejam complementares da que distribui lucros (por exemplo, a empresa gráfica para servir à fábrica que necessita de trabalhos gráficos em suas atividades).[396] Isto é, trata-se de participação indireta quando o trabalhador preferir que a participação nos lucros seja capitalizada pela empresa, ao invés de ser distribuída. Inclusive este critério foi aquele estabelecido pelo legislador francês. Informa SÉRGIO PINTO MARTINS que, na França, o trabalhador pode deixar o produto da participação que teria nos lucros da empresa com o próprio empregador, durante um certo período de tempo, de cinco ou seis anos. Teria o trabalhador um incentivo compensatório ou a isenção do imposto de renda por ele devido. Seria, em sua opinião, uma medida apropriada, visando evitar que as empresas viessem a ficar descapitalizadas e com isso viessem a desestimular os investimentos, pois os lucros distribuídos são recursos que deixam de ser investidos na empresa.[397] Devemos esclarecer que conversão é o ato ou efeito de mudar uma coisa em outra de forma e/ou propriedade diferente ou, ainda, trocar uma coisa por outra de valor equivalente (converter papel-moeda em ouro, converter marcos em dólares etc.) e inversão é ato ou efeito de aplicar ou investir capitais em alguma coisa. Daí podemos dizer que a inversão em bens ou a conversão em bens, inclusive propriedades em comum pro diviso, é sempre admissível, se não quebra a exigência de ser a participação nos lucros objeto de relação jurídica entre trabalhador e o empregador. Um dos mais aconselháveis métodos, segundo FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, é o de paga em ações, ou em terrenos, ou casas, mediante prévia aprovação do plano.[398] Dentro da modalidade de participação indireta, há, ainda, o sistema pelo qual os lucros a serem distribuídos para os empregados ficam depositados em um fundo especial, de ordinário fiduciário irrevogável (por exemplo, a fundação), para distribuição após se cumprir certos requisitos. Menciona FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA que esse sistema refere-se ao defered- distribution or trusteed type, onde se acham quase todas as espécies de participação indireta.[399] Para MOZART VICTOR RUSSOMANO, a participação indireta ocorre quando a percentagem devida aos trabalhadores é aplicada em incentivos que beneficiam, indiretamente, o empregado, tais como: ambulatórios, assistência hospitalar, gabinetes dentários, restaurantes, distribuição de gêneros de primeira necessidade, escolas, creches etc.[400] A participação indireta assim considerada, para ORLANDO GOMES DOS SANTOS e ELSON GOTTSCHALK, é também chamada de sistema de participação diferida, ou seja, na participação diferida o lucro a ser distribuído entre os empregados não lhes é entregue, mas aplicado em obras e serviços sociais de utilidade para os mesmos.[401] No entanto, MOZART VICTOR RUSSOMANO alerta que a participação indireta é inaceitável, sobretudo, em países como o nosso, onde os operários possuem baixo nível intelectual. Segundo ele, nunca teriam eles a exata noção das vantagens que lhes estariam sendo propiciadas; não se sentiriam, pois, estimulados no desempenho de seus deveres funcionais.[402] Menciona, ainda, FÁBIO NUSDEO que o caso de algumas modalidades de participação indireta são o mais recomendado para evitar a sangria dos recursos das empresas. Acrescenta ele que na hipótese, por exemplo, de os recursos formarem um fundo para investimentos em outras empresas ou, de maneira genérica, para aplicação no mercado de capitais sana-se o problema macroêconomico do desvio de numerário para o consumo, porém, permanece para a empresa o da sangria de recursos. Todavia uma segunda modalidade de participação indireta corresponderia à reinversão dos recursos atribuídos aos assalariados na própria empresa de onde se originaram. Inquestionavelmente, esta é, segundo ele, a que mais se aproxima do ideal de transformar a unidade produtora do sistema de mercado numa comunidade de trabalho e de interesses. No entanto, alguns óbices de natureza econômica se antepõem, sobretudo quanto à segurança e à rentabilidade dessas aplicações, cujos resultados poderão, em certos casos, frustrar as expectativas neles depositadas. É sabido que, sobretudo em fases de expansão, mormente quando esta é financiada por instituições financeiras especializadas, tais como, investimento ou de desenvolvimento, exige-se uma política extremamente conservadora de distribuição de dividendos, o que leva, na prática, a esterilizar por alguns anos as aplicações feitas na própria empresa. Com isto, outras empresas, cuja situação econômica já esteja consolidada ou que, pura e simplesmente, sejam mais rentáveis, passam a se afigurar como melhores empregadoras, gerando um deslocamento de mão-de-obra, o qual longe de servir ao desiderato de integração irá dificultar o seu atendimento.[403] Sobre o lucro invertido, FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA lembra que a economia distingue quanto: a) às inversões objetivamente necessárias a melhoramentos e expansão dos serviços ao público, com ou sem probabilidade de incremento de lucros futuros; b) às inversões objetivamente necessárias para melhoramentos e expansão da empresa, sem probabilidade de lucro futuro; e c) às inversões subjetivamente necessárias para melhoramentos e expansão das empresas. Onde não há incremento de lucro futuro não há inversão que se deva tratar como lucro invertido, aumentativo do capital ou do valor da empresa. Os lucros podem, por destinação, deixar de ser lucros. A destinação a melhoramentos e expansão dos serviços que não incrementou lucro futuro é exemplo disso.[404] Por isso acreditamos ser discutível a qualidade de participação dos empregados nos lucros quando a inversão realizada visa melhoramentos e expansão de serviços sem probabilidade de lucro futuro, uma vez que nesta hipótese não há que se falar em lucro invertido. Contudo, para MOZART VICTOR RUSSOMANO, não está na participação direta, o meio mais eficaz de se defender o empregado da sua própria ignorância, porque, de qualquer forma, ele poderá continuar aplicando o rendimento excedente, embora ganho em parcelas menores. Segundo ele a solução ideal do problema estaria em uma iniciativa intermediária, em uma fórmula mista de participação.[405] Na participação mista, parte da percentagem destinada ao obreiro lhe é paga diretamente, em pequenas parcelas mensais, no decurso do ano subseqüente, ou integralmente em uma única parcela, a fim de que ele aplique seus rendimentos como melhor lhe pareça. Terá ele, dessa forma, uma ideia nítida e firme de que seus esforços foram bem remunerados e vantajosos para si mesmo. A outra parte, porém, seria, por exemplo, obrigatoriamente endereçada ao financiamento de serviços assistenciais, realizados pelo empregador. Como este poderia aproveitar-se da oportunidade, ampliando seus estabelecimentos com restaurantes, ambulatórios etc., sem, na realidade, fornecer aos trabalhadores aqueles serviços, há a interessante proposta de serem constituídas caixas organizadas e dirigidas pelos próprios empregados, com âmbito de ação dentro de cada estabelecimento, no máximo dentro de cada empresa, caixas essas que chamariam a si o encargo de aplicação dos fundos derivados da participação do trabalhador nos lucros patronais. Na opinião de MOZART VICTOR RUSSOMANO esta seria, sem dúvida, uma solução razoável e inteligente. Além disso, segundo ele, os próprios sindicatos poderiamrealizar essa tarefa de distribuição indireta dos lucros auferidos pelo trabalhador, o que poderia, inclusive, fortalecer o frágil e incipiente sindicalismo nacional.[406] A participação com percepção mista constitui, pois, uma combinação dos sistemas de participação com percepção imediata ou direta e participação com percepção eventual ou indireta, isto é, parte da percentagem a que o empregado tem direito lhe é entregue anualmente e outra parte é reservada para quando ocorrer a realização de certos eventos.[407] A participação mista pode, ainda, se apresentar como uma combinação dos sistemas de participação direta e participação em ações, ou seja, a distribuição se efetiva pagando-se aos empregados uma parte em dinheiro e outra parte em ações. A nosso ver, também constitui participação mista a distribuição dos lucros através da combinação dos sistemas de participação indireta e participação em ações, ou seja, a distribuição se efetiva pagando-se aos empregados uma parte em ações da companhia e outra parte da dívida de participação é efetivada em dinheiro que fica, durante certo tempo, a juros na empresa. Portanto, como vimos, podemos encontrar três modalidades distintas de participação mista: a) participação mista constituída pela combinação de participação direta e participação indireta; b) participação mista constituída pela combinação de participação direta e participação em ações; e c) participação mista constituída pela combinação de participação indireta e participação em ações. A fim de ilustrar esta modalidade, lembramos que, na Venezuela, é usado, ou pelo menos era usado, o sistema de participação com percepção mista, pois uma parte é entregue ao empregado e a outra é convertida em depósito bancário, que só pode ser levantado depois de decorridos 5 (cinco) anos. O Equador também utilizou este sistema quando estabeleceu que uma parte deve ser entregue ao empregado e outra depositada em Fundo reservado às obras de assistência social. O mesmo aconteceu no Peru, uma parte também é entregue ao empregado e outra aplicada em ações da “Caixa do Trabalho”, cujos fundos são destinados às obras de assistência e distribuição de dividendos aos empregados.[408] A participação em ações, segundo ARNALDO SÜSSEKIND, consiste no pagamento da percentagem em ações da sociedade. Ações estas que constituem títulos representativos do capital da companhia, mas que facultam ao empregado interferir na gestão dos negócios, através do exercício do direito de integrarem a Assembleia de acionistas (ações ordinárias).[409] Para FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA esta modalidade de participação nos lucros ocorre quando a solução da dívida de participação é efetivada em ações ou quotas na empresa, desde que a lei ou os estatutos prevejam a automaticidade e em dinheiro a ser convertido em ações ou quotas, quando se aumente o capital, ou se possam adquirir.[410] A pesquisa histórica revela que, até o início deste século, preferia-se, não raras vezes, a participação em ações, elevando o empregado à categoria de sócio. Todavia a experiência, de modo geral, acabou sendo abandonada. Vimos que, em 1894, apareceu o primeiro plano de participação nos lucros com pagamento metade em dinheiro e metade em ações (concedido em 1889). Tratava-se do plano da South Metropolitan Gas Company, que era, na realidade, uma participação mista. Em 1926, os empregados dessa companhia possuíam meio milhão de libras esterlinas em ações. Esse tipo de plano foi utilizado por muitas companhias. No entanto, em 1923 e em 1925, o British Trade Unions Congress condenou a inversão e a conversão em ações como “destinada a desencaminhar trabalhadores e evitar a solidariedade dos sindicatos” (designed to mislead workers and prevent trade union solidarity).[411] O que acabou desestimulando a adoção de tal regime. A realidade nos mostra que, mesmo a Constituição de 1988 desvinculando a participação nos lucros da remuneração do empregado, ela terá quase sempre natureza salarial, ou seja, contraprestação do trabalho assalariado. Todavia FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA opina no sentido de que, para a participação nos lucros não operar como simples elevação legal dos salários, seria preciso que os lucros distribuídos se invertessem ou convertessem em ações da empresa, ou se invertessem ou convertessem em alguma obra ou serviço. A percepção em ações (inversão), ou em quota que se destine a ações, por aquisição na bolsa, ou em subscrição automática em aumento de capital (conversão), é, na opinião de FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, participação direta. Todavia, no entender de vários outros autores, constitui modalidade distinta de participação nos lucros, não se confundindo absolutamente com a participação direta.[412] Nem sempre a distribuição de ações aos empregados se dá em virtude da participação nos lucros. Muitas vezes, somos levados a pensar que esta distribuição é fruto de participação nos lucros, entretanto é, na realidade, estratégia traçada pelos dirigentes empresariais em virtude de dificuldades financeiras ou necessidade de ampliar o nível de investimento, ou seja, a empresa deixa de pagar salário para entregar aos empregados ações. Por exemplo, o comandante ROLIM ADOLFO AMARO, líder empresarial das empresas de aviação regional “TAM” (Transportes Aéreos Marília) e a “Brasil Central” (Transportes Aéreos Brasil Central), declarou, há algum tempo atrás, que: - “na TAM o pessoal só pesa 20% (vinte por cento) do custo. Aqui na Transportes Aéreos Marília – TAM trabalha uma secretária para 10 (dez) pessoas. Eu não tenho condições de pagar aos meus funcionários o que o governo manda. Então eu dou ações para eles. Os funcionários já têm uns 18% (dezoito por cento) do Capital da companhia”.[413] Outro exemplo, refere-se a empresa “ACER”, do empresário STANLEY SHIH, de Taiwan, a número um da área eletrônica daquele país. Informa STANLEY SHIH que “para reforçar seu patrimônio inicial, fez um acordo com os empregados, pagando uma parte de seus vencimentos em ações da empresa. Hoje, os funcionários controlam um bom negócio: a valorização, em dez anos, supera 1.000% (um mil por cento), em valores reais”.[414] A distribuição de ações aos empregados é estratégia que freqüentemente tem o fim, como já dito, de capitalização da empresa, para reforçar seu patrimônio ou para contornar situações de graves dificuldades, transformando uma parte da remuneração do empregado em título de propriedade da empresa. Esta finalidade não difere muito da distribuição de ações como pagamento relativo a participação nos lucros, uma vez que também neste caso a distribuição de ações se destina a capitalização da empresa, forçando o empregado a investir no meio em que trabalha, isto é, entrega-se papéis negociáveis aos empregados em substituição ao dinheiro que é revertido à empresa como capital permanente. A diferença entre uma situação e outra reside no fato de que, no primeiro caso, deixa-se de pagar parcela de salário e, no segundo caso, deixa-se de distribuir, parcial ou integralmente, a participação dos empregados nos lucros da empresa devidos em virtude de ajuste contratual, convenção ou lei. Além das formas de participação no lucro vimos que o professor Nélio Reis, em seu magnífico trabalho sobre a participação dos empregados nos lucros da empresa, menciona que a participação pode ser classificada também quanto à maneira de distribuir os lucros. MOZART VICTOR RUSSOMANO diz que estas formas visam promovera distribuição da participação, após ser reservado e definido o quantum do lucro destinado aos empregados. Há que se esclarecer que a forma de distribuir refere-se a maneira pela qual se deve estabelecer a percentagem que cabe a cada um dos empregados.[415] A participação, quanto à forma de distribuição, pode ser: participação coletiva ou igualitária, participação individualizada ou proporcional a própria capacidade e participação por necessidade ou proporcional as necessidades individuais. Segundo MOZART VICTOR RUSSOMANO, a participação coletiva ou igualitária ocorre quando a distribuição é feita indistintamente, a todos os empregados da empresa, no caso de consistir apenas em aumentar os salários do trabalhador, considerados insuficientes para sua manutenção.[416] Na participação coletiva, o lucro a ser distribuído, em vez de ser partilhado, beneficia aos empregados da empresa em conjunto, tomados como uma coletividade.[417] Ou seja, nesta modalidade de participação nenhum empregado receberá mais do que outro e nem deixará de receber uma parcela padrão, uma vez que o lucro reservado à distribuição é dividido em partes iguais pelo número de empregados da empresa. Portanto, a participação coletiva funciona mais como complemento salarial do que como premiação pela produtividade e, mesmo que a distribuição ocorresse visando a premiação, o seria considerando a produtividade global da empresa e não, o desempenho individual. Aliás, o desempenho individual, no caso de participação coletiva, é irrelevante, se o desempenho da empresa como um todo não consegue produzir lucro no balanço final do exercício financeiro. Assim, pois, a participação coletiva é sempre elaborada a partir do critério da igualdade. O critério da igualdade, como vimos, determina que todos recebam exatamente a mesma coisa a título de participação nos lucros, sem distinções. Já a participação individual ou proporcional a própria capacidade ocorre quando a distribuição é feita em função da assiduidade, da capacidade técnica, da compenetração funcional ou das necessidades familiares de cada empregado. A participação individualizada não esboça apenas um mero aumento no salário, mas também a premiação aos melhores empregados.[418] Portanto, a participação individual é constituída a partir do critério da proporcionalidade, ou seja, na participação nos lucros deve haver uma proporcionalidade, sendo que cada um deveria recebê-la de acordo com a sua capacidade ou a sua produtividade. Inclusive, à título de curiosidade, lembra SÉRGIO PINTO MARTINS que pelo Projeto n° 1.039, chamado Projeto Paulo Sarasate Ferreira Lopes, que foi aprovado em 1952 na Câmara dos Deputados, mas não foi votado no Senado, seria lícito estabelecer uma forma de atribuição por pontos, mediante avaliação da chefia, de acordo com a conduta disciplinar e técnica do empregado, como também poderia haver um critério de se distribuir o lucro de acordo com metas de qualidade, tais como o número de peças rejeitadas entre as que foram produzidas pelo empregado. O que não se poderia fazer seria alterar unilateralmente esses critérios em prejuízo dos empregados: valor do salário, antigüidade, encargos de família, assiduidade e eficiência (art. 9°).[419] Evidentemente, adotando-se a modalidade de participação individual há que se considerar injusto o empregado que estivesse afastado da empresa ter direito à participação nos lucros, quando na maior parte do ano não ajudou a empresa a conseguir esses lucros, como nos casos em que o obreiro está em gozo de auxílio-doença ou de licença-gestante. Esta modalidade de participação exige um critério para verificar qual seria o empregado que mais se dedicou a obter os lucros para a empresa, em detrimento daquele que simplesmente não se esforçou e também vai obter igualmente o mesmo direito à participação nos lucros.[420] A respeito da participação individual, devemos lembrar que, quando a participação nos lucros é concedida por lei, constitui um direito subjetivo indistintamente dos empregados, que é reconhecido pela ordem jurídica. Como direito subjetivo, reconhece-se que o trabalho é um elemento digno da produção e colabora, através de sua atividade, para os lucros que estão sendo açambarcados pelos empresários, bem como demonstra uma inclinação ao reconhecimento de que o salário tem caráter alimentar e que a adoção do sistema de participação visa, ao mesmo tempo, a melhorar a situação aflitiva do proletário e a estreitar os laços de solidariedade entre operários e empregadores. Todavia as preferências se inclinam pela adoção do regime de participação nos lucros da empresa como uma recompensa ao trabalhador. E objetivando conceder-se uma recompensa ao empregado, inapelavelmente inclinar-se-á a adotar o regime do prêmio, ou seja, o regime da participação individual nos lucros da empresa. Tanto é que MOZART VICTOR RUSSOMANO menciona o fato de que, pelo regime da participação individualizada, assegura-se, certamente, duas vantagens: a) dar o prêmio a quem merece; e b) estimular o trabalhador a produzir muito, aumentando, por conseguinte, os recursos econômicos nacionais, único caminho para fugirmos a esse drama econômico-financeiro que envolve o Brasil.[421] No entanto, segundo MOZART VICTOR RUSSOMANO, o regime da participação individual tem um grave defeito, qual seja o de desnaturar o regime, transformando-o em sistema de prêmios e, possivelmente, em válvula de ressentimentos entre os próprios empregados. Nem mesmo se pode afastar a hipótese de preferência do empregador por certos trabalhadores, mais vinculados à administração e favorecidos pelas liberalidades da empresa, o que cria, por certo, ódio do operário contra os empregados e seus colegas de trabalho.[422] Ainda quanto à maneira de distribuir os lucros aos empregados, temos a participação por necessidade ou proporcional a necessidade individual do empregado, que adota o critério sócio- humanitário, ou seja, segundo este critério a partilha deve levar em conta a necessidade individual de cada trabalhador. Como exemplo, podemos citar a hipótese em que os lucros são distribuídos de maneira que os empregados com maior número de dependentes econômicos (filhos, enteados, parentes etc.) devem receber um quinhão maior que os empregados com menor número de dependentes ou que trabalham apenas para seu próprio sustento. Como se vê, nesta hipótese, o valor do quinhão que compete a cada empregado vai variar de acordo com o número de familiares que vivem à suas expensas. Segundo, ainda, NÉLIO REIS, a participação nos lucros pode ser classificada, também, quanto à fonte de sua apuração, isto é, quanto ao lucro, em geral e restrita.[423] A participação geral ocorre quando recai sobre os lucros de toda a empresa, enquanto que a participação restrita recai apenas sobre os lucros de uma parte da empresa em que trabalhe o participante. Por exemplo, se um empregado trabalha na loja comercial de uma empresa, que além desse estabelecimento comercial, possui um parque industrial para a manufatura dos produtos comercializados nas suas lojas, ele pode participar dos lucros obtidos por todos os departamentos da empresa ou dos lucros obtidos apenas pelo estabelecimento comercial onde desempenha as suas atividades. Na primeira hipótese, temos a participação geral e, na segunda hipótese, a participação restrita. Para MOZART VICTOR RUSSOMANO, encontram-se, facilmente, argumentos favoráveis tanto para a participação geral como para a participação restrita. A participação restrita (que foi aorientação da lei chilena) tem, segundo ele, a grande vantagem de colocar a distribuição dos lucros em relação direta com o poder produtivo de cada operário. Mas, para que esse alvo fosse atingido em cheio, seria, então, necessário que a distribuição fosse feita de conformidade com a produção obtida em cada departamento ou seção da empresa. Pela complexidade da produção industrial, pela fabricação em série, por outros diferentes motivos de organização moderna da empresa, para ele, nunca poderemos aferir, com precisão suficiente, o lucro de cada seção. Esclarece MOZART VICTOR RUSSOMANO que a divisão técnica do trabalho faz com que o bem produzido circule pelas diferentes seções do estabelecimento, em etapas sucessivas, que vinculam de tal maneira a atuação dos trabalhadores dos diversos setores da fábrica que se torna impossível medir os lucros obtidos pelos departamentos, isoladamente, mesmo porque a contabilidade está, sempre, centralizada no balanço da empresa.[424] Por isso, a preferência tem recaído sobre a participação geral. Na classificação de NÉLIO REIS temos, por último, as formas de participação do empregado nos lucros da empresa, quanto aos empregados beneficiados. Sob este aspecto, a participação nos lucros pode ser: total ou parcial.[425] A participação total ocorre quando todos os empregados da empresa são beneficiados pela distribuição dos lucros apurados, enquanto que a participação parcial ocorre quando apenas alguns empregados da empresa são beneficiados. Lembramos que os primeiros planos de participação dos empregados nos lucros da empresa surgiram muito antes de Monsieur Leclaire, em 1842, ter distribuídos os lucros de sua empresa aos seus empregados. Todavia esses planos baseavam-se no princípio da seleção, ou seja, somente alguns empregados participavam da distribuição. Esta seleção poderia adotar inúmeros critérios, desde a produtividade do empregado até apenas a reputação deste na praça de atuação da empresa. Portanto, em suas origens a participação era exclusivamente parcial, pois apenas alguns empregados eram beneficiados. Somente mais tarde é que se adotou a participação total, levando a distribuição dos lucros a todos os empregados da empresa, indistintamente, ou seja, abandonou-se o critério da premiação (distribuição parcial) e procurou-se consagrar o critério da complementação salarial (distribuição total). SÉRGIO PINTO MARTINS menciona, ainda, mais uma modalidade de participação nos lucros, que poderá perfeitamente ser adotada. Trata-se da participação proporcional.[426] Geralmente, a participação nos lucros não se vai desenvolvendo à medida que idealmente se vão formando os ganhos e as perdas, nem se pode dizer que o empregado é participante nos lucros e perdas. Tanto é que, se se retira no começo do período de apuração dos lucros e das perdas, ou morre, ou cai em incapacidade ou inaptidão ao trabalho, o empregado não recebe o que, ao tempo da desligação, era lucro líquido. Ele tem de receber o que corresponde ao tempo em que serviu, sobre os lucros dedutíveis, portanto sobre o quanto participável pro rata.[427] Daí se falar em participação proporcional ao tempo em que o empregado efetivamente trabalhou. Por essa modalidade, a participação nos lucros pode ser paga proporcionalmente aos meses trabalhados, conforme as circunstâncias em que se der a extinção, a suspensão ou a interrupção do vínculo empregatício do empregado. Por exemplo, se o empregado pedir dispensa da empresa, antes de dezembro ou antes de findo o semestre, conforme for o período de apuração dos lucros, ou demitido por justa causa, a distribuição deve ser proporcional, pois não se verificou a condição para percepção integral da sua parcela nos lucros, em virtude de ato daquele, a quem aproveita o seu implemento, na forma da segunda parte do art. 129 do Código Civil.de 2002.[428] Entretanto, no caso de o empregado ser demitido sem justa causa, mesmo não tendo trabalhado durante todo o período de apuração, a distribuição deve ser integral, pois foi obstado o seu implemento pela parte, a quem desfavorecer a participação no lucro, na forma da primeira parte do art. 129 do Código Civil de 2002. Vale ressaltar, ainda, que a participação proporcional não seria aplicada apenas quando o empregado se desliga-se da empresa (extinção do contrato de trabalho), seria aplicada, também, no caso em que o empregado estivesse afastado desta, tais como quando o obreiro estiver em gozo de auxílio- doença (suspensão do contrato de trabalho) ou de licença-gestante (interrupção do contrato de trabalho). Nesses casos, tanto como no caso de desligamento da empresa, há que se considerar ser injusto o empregado ter direito à participação nos lucros, quando na maior parte do ano ou do período de apuração dos lucros, não ajudou a empresa a conseguir esses lucros. Assim, mais duas modalidades devem ser acrescentadas na classificação de participação nos lucros. A primeira modalidade seria a mencionada participação proporcional que ocorreria quando o empregado recebesse apenas parte do quantum que lhe caberia na distribuição dos lucros, proporcionalmente ao tempo em que trabalhou durante o período de apuração desses lucros. A segunda modalidade seria a participação integral. Esta modalidade se verificaria quando o empregado recebesse integralmente o quantum que lhe caberia na distribuição do lucro, equivalente a todo o período de apuração. Para melhor compreensão de todas as modalidades de participação dos empregados nos lucros da empresa que mencionamos neste capítulo, abaixo apresentamos um quadro ilustrativo da classificação que adotamos em nossos estudos. CAPÍTULO 5 – A PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS OU NOS RESULTADOS DAS EMPRESAS NO BRASIL E NO DIREITO COMPARADO 5.1 A PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1946 Dissemos no capítulo anterior que a participação dos empregados nos lucros foi combatida por todos os socialismos subversivos, inclusive pelo comunismo. Isto também ocorreu no Brasil. Há mais ou menos cinqüenta anos atrás e após ter se passado vinte e sete anos desde a primeira tentativa de incluir na legislação brasileira dispositivo regulando a participação nos lucros (projeto de 1919 do deputado Deodato Maia), Artur Bernardes, como Presidente da República, versou a questão em mensagem dirigida ao Congresso Nacional. No seio da III Constituinte Republicana, que encerrou seus trabalhos a 18.09.1946, o fenômeno se repetiu: os representantes comunistas se opuseram, terminantemente, mas sem resultados, à adoção da medida por via legal. E, assim, pela primeira vez no Brasil, a participação nos lucros veio se elevar a princípio constitucional, tal como o legislador constituinte mexicano havia feito em 1917. Na verdade, lembramos novamente que a situação político e social do país, que saíra da guerra contra as potências totalitárias derrotadas, os anseios de reivindicação social que animavam todos os espíritos, o desejo de dar ao mundo o exemplo de uma Constituição socialmente avançada resultou na inclusão, naquela Carta Magna, de norma que determinava a participação obrigatória e direta, indistintamente dos trabalhadores nos lucros da empresa.[429] Sem sombra de dúvida, a previsão de participação obrigatória e direta nos lucros colocava, naquela época, o texto constitucional, no que se refere a ordem econômica e social, entre um dos mais avançados do mundo. Avanço este que não se repetiu com a mesma intensidade nas Constituições posteriores. A Constituição Política do Império do Brasil, de 1922, e a Constituiçãode 1891 foram omissas em relação a este assunto. A Constituição de 1934, apesar de não ter previsto a participação nos lucros, assegurou, pela primeira vez, vários direitos para o trabalhador que visavam melhorar as suas condições. Estabelecia o art. 121 da Constituição de 1934 que “a lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país”. Já o seu §1° dispunha que “a legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: a) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais do trabalhador; c) trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis nos casos previstos em lei; d) proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16; e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres; e) repouso hebdomadário, de preferência aos domingos; f) férias anuais remuneradas; g) indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa; h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta descanso, antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes do trabalho ou de morte; i) regulamentação do exercício de todas as profissões; e j) reconhecimento das convenções coletivas de trabalho. Com a redação dada pelo deputado Hermes Lima, a Constituição Federal de 1946, no inciso IV do seu art. 157 estabeleceu que “a legislação do trabalho e da previdência social obedecerão aos seguintes preceitos, além de outros que visem à melhoria da condição dos trabalhadores: IV- participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa, nos termos e pela forma que a lei determinar”. Não resta dúvida de que a participação nos lucros da empresa, por parte do trabalhador, obrigatória e direta, foi o ponto mais novo e audaz da Constituição de 1946, no tocante à parte econômica. Por sinal, ROBERTO BARRETTO PRADO menciona que, ao se interpretar esse dispositivo constitucional, não se deveria considerá-lo como simples norma de garantia de direito individual, mas sim como uma instituição jurídica, que o legislador constituinte previu e que a lei ordinária deveria ter regulado o seu exercício.[430] Lembra FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA que o legislador constituinte de 1946, em vez de conceber o princípio como bastante em si, apenas deixou-o com o caráter de princípio dependente de lei. Diz ele que, naturalmente, essa participação tinha de obedecer: a) à exigência de ser obrigatória e não, facultativa (a líbito do trabalhador ou do empregador), uma vez que a Constituição de 1946 a previa como direito cogente (racionalmente necessário); b) à exigência de ser direta, com isto ficava afastada a possibilidade de serem adotados outros sistemas, nos quais ela se apresenta sob a forma indireta, mista ou em ações; c) ao princípio de igualdade perante a lei ou de isonomia, inclusive na sua aplicação especial; d) ao princípio de substantividade da participação, isto é, não ser dependente de votos dos empregadores ou acionistas.[431] Todavia, muitos criticaram, na época, o texto constitucional de 1946. Lembra MOZART VICTOR RUSSOMANO que uma Constituição deve limitar-se a dar a linha geral, a grande orientação, o pensamento fundamental. O detalhe deve competir ao legislador ordinário. Dessa forma, segundo ele, a Constituição de 1946 teria sido mais jurídica se houvesse prevalecido o ponto de vista da Comissão de Constituição, defendido, aliás, pelo deputado Hermes Lima. Para MOZART VICTOR RUSSOMANO, o texto básico teria sido suficiente e oportuno se estabelecesse, apenas, a obrigatoriedade da participação, ficando para ser deliberada a posteriori a sua forma, o seu modo de efetivação, que flutuaria de conformidade com as condições específicas do momento social vivido. Na sua opinião, a inclusão, no texto fundamental de 1946, da palavra direta rejeitou, inevitavelmente, a adoção de uma fórmula mista, que é considerada útil e conveniente.[432] MOZART VICTOR RUSSOMANO defendia a participação obrigatória, tal como prevista na Constituição de 1946, uma vez que, segundo ele, a participação facultativa correspondia, praticamente, à participação inexistente. Porém, reconhecia ele que, se a participação devia ser obrigatória, conseqüentemente, devia haver uma fiscalização efetiva sobre a contabilidade das empresas, a fim de que não se processasse a burla ao Direito. Esclarece MOZART VICTOR RUSSOMANO que havia a fiscalização feita pelas autoridades do imposto de renda, que permitiria sabermos, com precisão, qual foi o resultado do balanço de cada firma. Desde que o fisco estivesse satisfatoriamente organizado, seria ele o elemento mais importante de colaboração, para se examinar o balanço, pois aquilo que seus funcionários não encontrassem de ilegal na escrita do empregador só dificilmente seria encontrado pelos próprios trabalhadores ou por seus sindicatos. Acrescenta ele que não bastava apurar, apenas, o resultado final do balanço. Importava, da mesma forma, entrar na química das despesas feitas, verificando se não houve algum investimento malicioso que tivesse absorvido os lucros da empresa. Menciona MOZART VICTOR RUSSOMANO que esbarrar-se-ia, talvez, no princípio de Direito Mercantil que consagra o sigilo dos livros comerciais. Esse preceito, no entanto, vinha sendo corroído, como não poderia deixar de ser, pela legislação que superou a fase individualista. E, desde que a escrituração do empregador não podia ser furtada aos olhos do fisco e da justiça, não poderia, também, ser escondida dos empregados, uma vez que estes, pelo regime da participação tinham interesse moral, material e jurídico nos seus lançamentos. Todavia, em uma das sessões da Comissão de Constituição, em 1946, os deputados Milton Campos e Prado Kelly apresentaram emenda no sentido de que se acrescentassem ao dispositivo da lei básica as seguintes palavras: “com as conseqüências impostas pela necessidade de fiscalização”. Esta emenda não pôde ser aceita, por haver prevalecido a opinião do professor Hermes Lima, embora a redação final do preceito tomasse outra orientação. O fato, contudo, serve para demonstrar a preocupação que animou os constituintes de 1946, que nunca hesitaram em aceitar a ideia de fiscalização, pelos trabalhadores, do movimento contábil da empresa, evitando-se, por essa vigilância, escritas falsificadas, “descargas” de balanço etc.[433] Na ocasião defendia-se muito a participação obrigatória nos lucros. Todavia os argumentos contra este instituto surgiram em avalanche, não só em nosso país, mas principalmente na doutrina estrangeira. O jurista espanhol S. J. MARTIN BUGAROLA (1908-1988), por exemplo, enumerava os seguintes argumentos contra a participação dos empregados nos lucros: a) a decepção do trabalhador, diante de uma pequena importância que lhe caberia nos lucros; b) aplicado o princípio a todos os integrantes de uma empresa, a participação constituiria um prêmio aos bons e aos maus trabalhadores, nivelando-os injustamente; e, por fim, c) que seria uma arma contra o próprio trabalhador, retirando-lhe a consciência de suas reivindicações e distanciando-odas entidades sindicais organizadas para defender seus interesses.[434] O advogado, professor, sociólogo e político brasileiro; ALBERTO PASQUALINI (Ivorá, 23.09.1901 – Rio de Janeiro, 03.06.1960), tendo sido ideólogo e doutrinador trabalista, bem como senador da república, contestou a participação obrigatória dizendo que “de tudo isto se conclui que ao trabalhador não deve interessar a participação direta nos lucros; ela não constitui, aliás, reivindicação do trabalhador”. Na sua opinião, quantitativamente de pouco lhe servirá; qualitativamente não terá a virtude de transformá-lo em capitalista. Por que, pois, enganar e iludir os trabalhadores com miragens demagógicas? E conclui que a participação indireta, ou melhor, a reversão de parte dos lucros à coletividade, sob a forma de benefícios de ordem geral, melhor corresponderia aos postulados e às soluções da justiça social.[435] Na opinião de FÁBIO NUSDEO, a ideia de participação dos empregados nos lucros, no Brasil, adquiriu, prematuramente, foros de princípio constitucional, sem que se tivesse notícia de sequer um esquema mais amplo ou geral efetivamente aplicado. Prova disso reside no fato de nada menos de quarenta projetos terem sido apresentados a fim de regulamentar o citado inciso IV do art. 157 [“A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão aos seguintes preceitos, além de outros que visem à melhoria da condição dos trabalhadores: (...) IV- participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa, nos termos e pela forma que a lei determinar; (...)] da Constituição de 1946. Segundo ele, tal multiplicidade de projetos, se por um lado constitui uma mostra das dificuldades inerentes à matéria, por outro revela também a evolução do enfoque micro para o macroeconômico do tema.[436] No entanto, constitucionalmente criada em 1946, na forma direta e obrigatória, pendendo de regulamentação, atravessou a participação nos lucros vários governos sempre em branco. Tanto é que JOÃO RÉGIS FASSBENDER TEIXEIRA informa sobre a existência, até 1967, de uma infinidade de projetos que havia sido apresentada em vã tentativa de regulamentar o sistema. Por sinal, em 1968, o Serviço de Documentação da Câmara Federal publicou todo um volume contendo “mais de quinhentas páginas com projetos que por lá terminaram e que continuavam desgraçadamente nas gavetas”.[437] Isso, a nosso ver, comprova que a matéria, tal como encontrava-se orientada na Constituição de 1946, feria os interesses econômicos das classes dominantes, não teria como ser absorvida, na prática, pela maioria das empresas e tratava-se de uma questão de difícil regulamentação. Devemos ressaltar que a norma constitucional de 1946, que previa a participação nos lucros, caiu na inutilidade absoluta, justamente em razão de o texto não ser auto-aplicável, ou seja, dependia da votação de lei ordinária para ser posta em foi promulgada, apesar de inúmeros projetos de lei terem sido apresentados prática. Esse preceito constitucional enveredou-se pelos caminhos da ilusão em virtude de constituir, segundo o jurista brasileiro, especialista em Direito Constitucional, e professor da Universidade de São Paulo JOSÉ AFONSO DA SILVA (Silva Campos, Minas Gerais, 30.04.1925 -), “mera promessa constitucional”, portanto norma de caráter programático, que, como dito, depende de lei para efetivar-se. Porém, como era de se esperar, o legislador ordinário “não cumpriu a promessa”, ou seja, a necessária regulamentação legal jamais ao Congresso Nacional.[438] Lembra, ainda, ARION SAYÃO ROMITA, que também não se registraram manifestações de entidades representativas dos trabalhadores com reivindicação dirigida à regulação, por lei ordinária, do mandamento da Lei Maior. [439] Com isto, o preceito inserido na Constituição de 1946 acabou por ser esquecido e não efetivamente aplicado, o máximo que se conseguiu, face a programaticidade constitucional foi a conscientização de um número muito reduzido de empresários, que adotaram o regime de participação nos lucros, porém como mera liberalidade do empregador em favor de seus empregados. 5.2 A PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967 E NA EMENDA CONSTITUCIONAL N° 1, DE 1969 Lembra PAULO SARASATE FERREIRA LOPES que a limitação no sentido de condicionar a efetivação da participação obrigatória e direta dos empregados nos lucros da empresa a promulgação de lei ordinária, prevista na Constituição de 1946, redundou em que “ficasse a sua regulamentação dormindo um sono de vinte anos, nos arquivos parlamentares”,[440] até que se acabou podando este texto constitucional, deixando que se imperasse a ineficácia total durante toda a sua vigência. Todavia, a ilusão ressurgiu na Constituição Federal de 1967, mas com roupagens bem distintas das que foram utilizadas pelo legislador constituinte de 1946. A Constituição de 1967, alterando o texto da Constituição de 1946, assegurou aos trabalhadores, além de outros direitos, que, nos termos da lei, visassem à melhoria de sua condição social, “a integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, nos casos e condições que forem estabelecidos” [inciso V do art. 158 (“A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social: ... V- integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, no casos e condições que forem estabelecidos; ...”)]. Comentando esse dispositivo constitucional de 1967, FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA fez longo esclarecimento dizendo que o movimento de igualização econômica no mundo, posterior e em continuação aos movimentos de igualdade perante a lei e aos de liberdade (em contradição com a concepção materialística de desigualdade crescente) determinou as reclamações de maior salário, a criação de intensas e enérgicas organizações do trabalho e a conseqüente intervenção do Estado na política do trabalho. Ao mesmo tempo, essas medidas, legislativas, judiciárias ou de execução, através de comissões, conselhos e decisões ministeriais, atuaram na mentalidade dos empregados, causando a diminuição de produtividade individual deles.[441] Na opinião de FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, o Estado pôs-se, então, em situação incômoda: de um lado, o seu papel, e não só o seu interesse, em obra de paz e de coordenação, que os fatos lhe impunham, para que a produção, o bem-estar geral, e o próprio Estado não fossem sacrificados; de outro lado, o fato psicológico-econômico do decréscimo de produção por indivíduo. As medidas sugeridas, para se atenuar, se não corrigir, essa suspensão do impulso a subir, entre os empregados, às camadas dirigentes das indústrias, que o liberalismo econômico desenvolvia, foram muitas; e uma delas, iniciada por alguns reformistas e industriais do começo do século XIX e retomada por alguns industriais de decênios passados, que previam ou viam o estímulo do lucro nos empregados, foi a da participação dos empregados nos lucros. Toda experiência, que se tem a respeito, provém, portanto, de século de puro liberalismo econômico, sem que se possa generalizar qualquer ensinamento: a adoção fora esporádica, transitória; e quase sempre dependeu da indústria, do bom êxito dos primeiros passos e de critérios de participação, que, conforme vimos, longe estavam de qualquercoeficiente percentual igual para todos os empregados, ou, sequer, para todos os que pertenciam à mesma categoria. A escolha dos futuros “interessados”, segundo a tradição venerável do comércio português da Europa e do além-mar, era feita pelos donos da casa de comércio ou de indústria, pelas qualidades de caráter, espírito de continuidade e de produtividade individual. Os seus resultados foram memoráveis. Porém o que se poderia colher de informes para a elaboração de regras jurídicas de participação nos lucros, seria quase nada. Não fora mais do que a técnica de seleção de empregados, vigente sob o liberalismo econômico, transplantada à seleção de continuadores das firmas comerciais e industriais.[442] Todavia o crescimento das empresas, com milhares de empregados, em vez de alguns poucos, dilui a oportunidade de ascensão de empregados a empregadores. Em virtude disso, a partir dessa época, excitara a ânsia de aumento sur place de salários, isto é, sem ascensão dos empregados. Além disso, houve a eliminação de toda a conduta para proveito futuro e por deslocamento para cima, sendo substituída pela política do aumento constante de salário. Lembra FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA que, desde então, já havia desaparecido a produtividade por orgulho de mão- de-obra e já se fora a produtividade pelo receio de perda de emprego, ou, pelo menos, de demora em reemprego (as garantias da legislação trabalhista foram o maior fator eliminativo dessa produtividade pelo temor de despedida). Era natural, portanto, que se voltasse a pensar ou, pelo menos, o Estado voltasse a pensar em regras jurídicas que fizessem aumentar a produtividade, com o esperado aguilhão da participação nos lucros. Daí novas tentativas de se legislar a respeito, inclusive o surgimento da regra jurídica constitucional do inciso V do art. 158 da Constituição de 1967.[443] No art. 158 da Constituição Federal de 1967 elevou-se a participação nos lucros a um dos direitos dos trabalhadores, colocando-a como um dos elementos da integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa. Certamente, o legislador constituinte pretendia com isto tentar atenuar a luta de classes, admitindo, com alguns reformadores sociais, que se pode interessar o empregado na sorte da empresa e na sua escala de lucros. Mas entre o sonho e a realidade vai uma distância muito grande e dificilmente a integração social pretendida pelo legislador constituinte, na prática, deixará em plano secundário o conflito, ou seja, a pressão pela obtenção de maiores salários. Por outro lado, a Constituição de 1967 abandonou a obrigatoriedade da participação nos lucros inserida na Constituição de 1946, isto é, a partir da Constituição de 1967, a legislação ordinária poderia estabelecer a participação obrigatória ou facultativa, e abandonou, também, a obrigação de a participação nos lucros ser paga ao empregado apenas pela modalidade da participação direta, abrindo, com isto, caminho para a possibilidade de a lei estabelecer outras formas de pagamento da participação nos lucros (participação indireta, participação mista ou participação em ações). Por outro lado, defendia- se o entendimento de que, pelo texto de 1967, assegurava-se apenas o direito dos trabalhadores à participação nos lucros, portanto não deveria ficar esta dependendo da liberalidade do empregador. Porém, fora isto, o resto a Constituição de 1967 entregou ao legislador ordinário, ou seja, tudo mais poderia ser regulado em regras jurídicas dispositivas ou interpretativas, inclusive a autonomia das empresas ou das empresas e dos empregados para elaborar seu próprio plano de participação. Assim, esta autonomia poderia ser maior ou menor, isto dependeria apenas do que resolvesse a lei ordinária, por influência das correntes políticas predominantes no Poder Legislativo. Comenta ARION SAYÃO ROMITA que, ao não se aludir expressamente a participação obrigatória e direta nos lucros, adotou-se na Constituição de 1967 a concepção economista-produtivista típica do regime capitalista, o que talvez explique o desinteresse que as classes trabalhadoras sempre manifestaram pelo instituto, já que jamais reivindicaram, através da atividade sindical, a promulgação de lei ordinária que viesse dar atuação à regra constitucional, além de não se empenharem pela inclusão de cláusula específica nas convenções coletivas de trabalho.[444] Em outras palavras, o inciso V, do art. 158 da Constituição de 1967, segundo FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA tratava-se de texto constitucional bastante em si e de regra que apenas adotava três conceitos (o de participação nos lucros, o de trabalhador e o de direito contra o empregador) deixando à legislação ordinária as regras jurídicas sobre limites objetivos e subjetivos, quer do direito, da pretensão e das ações, quer do exercício deles.[445] Na realidade, a experiência indicava que a dificuldade para se promulgar uma lei ordinária regulando o preceito inserido na Constituição de 1946 decorria possivelmente do fato de tornar obrigatória e direta a participação dos trabalhadores nos lucros da empresa. Para muitos, esta imposição resultou tornar totalmente inoperante a norma programática de participação nos lucros. Por isso, o legislador constituinte de 1967 entendeu por bem afastar esta imposição. De forma que a Constituição de 1967 adotou redação um pouco mais feliz, aumentando a possibilidade de, afastando as dificuldades, se promulgar uma regulamentação do texto constitucional. Para ROBERTO BARRETTO PRADO, admitia- se que os empregados participassem obrigatoriamente dos lucros da empresa, mas no sentido de que deviam ser partes na resolução sobre o destino a ser dado aos lucros. Para ele, situação dos empregados, nesse particular, seria análoga à dos sócios. Estes também participavam obrigatoriamente dos lucros sociais e nem por isso sempre recebiam dividendos, pois que pode haver conveniência em não se distribuir os lucros.[446] Menciona, ainda, ROBERTO BARRETTO PRADO que, o advogado, professor, embaixador e secretário de Estado de São Paulo Antonio Queirós Filho (1910-1963), quando deputado federal por São Paulo em 1954, procurou contornar as dificuldades, em interessante e criterioso projeto que apresentou. A distribuição de lucros seria obrigatoriamente devida, na base mínima de 30% (trinta por cento) sobre os lucros tributáveis pelo imposto de renda, deduzidos 12% (doze por cento) do capital aplicado, inclusive reservas. Caberia ao empregador, conjuntamente com o Conselho de Representantes dos Empregados, resolver sobre o critério de distribuição dos lucros, atendendo ao salário, tempo de serviço, assiduidade e merecimento do trabalhador. Em não havendo acordo entre os interessados, à Justiça do Trabalho cumpriria dirimir a controvérsia. Todavia a falha do projeto, segundo ROBERTO BARRETTO PRADO consiste na obrigatoriedade de distribuição dos lucros. Esta, segundo ele, há de ser facultativa, atendendo-se às possibilidades extremamente variáveis das empresas. Igual falha, talvez compelidos pelos termos expressos constantes da Constituição de 1946, nota-se nos projetos de Daniel Faraco (n° 5, de 1947), de Paulo Sarasate Ferreira Lopes (n° 1.039, de 1948), de Juarez Távora (n° 531, de 1963) e também no anteprojeto do professor Cesarino Júnior, de 1967.[447] Tal como o inciso IV do art. 157 da Constituição de 1946, o inciso V do art. 158 da Constituição de 1967, também obrigava a se promulgar lei ordinária sobre participação no lucros, para que, na prática, pudesse ser aplicado eficazmente o dispositivo