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CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 1 AULA 7: DIREITOS FUNDAMENTAIS – DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS (CF, ART. 5˚) – Parte I 1) INTRODUÇÃO Nessa unidade iniciamos o estudo dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. Segundo a definição de Peces-Barba, colhida da obra de André Ramos Tavares, os direitos fundamentais (nominados pelo autor direitos subjetivos fundamentais) são entendidos como: Faculdade de proteção que a norma atribui à pessoa no que se refere à sua vida, à sua liberdade, à igualdade, à sua participação política ou social, ou a qualquer outro aspecto fundamental que afete o seu desenvolvimento integral como pessoa, em uma comunidade de homens livres, exigindo o respeito dos demais homens, dos grupos sociais e do Estado, e com a possibilidade de pôr em marcha o aparato coativo do Estado em caso de infração. A Constituição Federal tratou da matéria especialmente em seu segundo título, nos art. 5o a 17, subdividindo os direitos e garantias fundamentais em cinco modalidades: direitos individuais e coletivos (Capítulo I); direitos sociais (Capítulo II); direitos de nacionalidade (Capítulo III); direitos políticos (Capítulo IV); e direitos vinculados à participação nos partidos políticos e à sua formação e estruturação (Capítulo V). Esse elenco, todavia, não é taxativo, pois há diversos direitos fundamentais contemplados em outros dispositivos do texto constitucional, a exemplo do princípio da anterioridade tributária, classificado entre os direitos fundamentais de caráter individual, e que encontra prescrito no art. 150, III, b, da CF. Além disso, o art. 5o, § 2o, da CF, prescreve que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Considerando essas três perspectivas, podemos falar em (a) direitos fundamentais formalmente constitucionais, subdivididos em direitos fundamentais catalogados e direitos fundamentais fora do catálogo; e (b) direitos fundamentais materialmente constitucionais. Os direitos fundamentais formalmente constitucionais são aqueles taxativamente previstos na Constituição, em qualquer de seus dispositivos, podendo ser subdivididos em direitos fundamentais catalogados e direitos fundamentais fora do catálogo. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 2 Os direitos fundamentais catalogados são aqueles previstos na parte do documento constitucional especialmente destinada à matéria, a saber, nos art. 5o a 17, que compõem o Título II da nossa Constituição. Os direitos fundamentais fora do catálogo são aqueles previstos de forma esparsa, em outros dispositivos constitucionais, a exemplo dos direitos da criança e do adolescente, previstos no art. 227 da Constituição. Os direitos fundamentais materialmente constitucionais são aqueles que não foram previstos na Constituição, estando prescritos na legislação ordinária. É bom que se destaque: tais direitos, porque não previstos no texto da Constituição, não gozam de hierarquia constitucional, cedendo passo perante qualquer dos dispositivos da CF, seja qual a matéria por ele disciplinada. A EC 45/2004, entretanto, veio permitir que esses direitos, quando prescritos em tratados e convenções internacionais de direitos humanos, passem a gozar de estatura constitucional, desde que preenchidos os requisitos do art. 5o, § 3o, que será objeto de análise ao final dessa unidade. Isto posto, passemos ao exame dos direitos fundamentais tratados no art. 5o da Constituição. Introdutoriamente, deve-se destacar o caput do 5o assevera: Art. 5o. todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Ora, é evidente que o constituinte originário, aí, disse menos do que queria, ao circunscrever os direitos arrolados no art. 5˚ aos estrangeiros residentes no país. É um típico caso de contradição lógica que o intérprete constitucional deve solucionar sem que haja contradição jurídica com a sistemática geral adotada pela Constituição, daí resultando que o dispositivo em questão não protege somente os estrangeiros que residam no país, mas todos, brasileiros e estrangeiros, que se encontrem em nosso território, mesmo que aqui não residam. Alexandre de Moraes, analisando o dispositivo, afirma que “a expressão residentes no Brasil deve ser interpretada no sentido de que a Carta Federal só pode assegurar a validade e gozo dos direitos fundamentais dentro do território brasileiro, não excluindo, pois, o estrangeiro em trânsito pelo território nacional, que possui igualmente acesso às ações, como o mandado de segurança e demais remédios constitucionais”. Feita a observação, vamos adentrar na análise do art. 5˚da Constituição. 2) PRINCÍPIO DA ISONOMIA O princípio da igualdade ou da isonomia, numa primeira visão, impõe tratamento jurídico idêntico a todos que se encontrem em situação idêntica ou similar. A seu respeito, sete pontos merecem ser especialmente destacados. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 3 O primeiro é que, em certo sentido, ele constitui um aprofundamento do princípio da legalidade, adiante analisado. Enquanto o princípio da legalidade constitui basicamente uma garantia formal aos indivíduos, que só poderão ter seus direitos e obrigações criados por lei, o princípio da igualdade tem caráter nitidamente material, pois ele se volta para o conteúdo das normas da lei, para o teor de suas disposições. São inúmeras as aplicações específicas deste princípio que encontramos ao longo do texto constitucional, a exemplo do art. 4˚, VIII, que estabelece a igualdade racial, o art. 5˚, I, que estabelece a isonomia entre homens e mulheres, o art. 5˚, VIII, que contempla a igualdade de fé religiosa, o art. 150, II, que prevê a igualdade tributária, entre outros. Ademais, a Constituição contempla este princípio não somente em termos normativos, pois diversas de suas disposições estatuem os direitos sociais e econômicos, cuja efetivação depende, principalmente, de uma atuação positiva e concreta do Estado, com vistas à consecução da igualdade material. Como segundo ponto, respeitar o princípio da igualdade significa não somente tratar igualmente os que se encontrem em situações equivalentes, mas também tratar de maneira desigual aqueles que se encontrem em situações desiguais, na medida de suas desigualdades. Assim, tanto satisfaz o princípio conferir tratamento idêntico aos que, dentro de certo contexto, possuem características idênticas ou bastante próximas, quanto estabelecer um tratamento diferenciado para aqueles que, nesse contexto, apresentam características que legitimem tal diferenciação. Assim, este é o terceiro ponto a ser enfatizado: admite-se tratamento discriminatório entre pessoas, desde que haja razoabilidade para tanto, a partir do enfoque finalístico de certo instituto estabelecido em lei. Dessa forma, critérios diferenciadores que, num primeiro momento, seriam tidos por inconstitucionais frente ao princípio da igualdade, num segundo momento são considerados com ele compatíveis, a partir da constatação de que foram estabelecidos com base em critérios razoáveis e que sua fixação se deu em virtude das finalidades legítimas buscadas pela norma. Porexemplo, no que tange aos requisitos estabelecidos em lei para a investidura em cargos públicos, serão eles compatíveis com o princípio da isonomia, quando forem fixados com base em parâmetros objetivos e razoáveis e encontrarem justificativa na natureza e nas atribuições do cargo a que se referem. Não se vislumbra qualquer razoabilidade num critério diferenciador que exclua de um concurso público para o preenchimento do cargo de analista de sistemas os candidatos acima de determinada faixa etária. Em sentido contrário, há razoabilidade, se tal critério for previsto para o concurso de agente da Polícia Federal. Na lição de Alexandre de Moraes: CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 4 A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de modo não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com os critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. O quarto ponto de destaque refere-se às duas acepções em que pode ser aplicado o princípio: frente ao legislador (igualdade na lei), o qual está impedido de instituir tratamento legislativo diferenciado, salvo se houver razoabilidade para tanto; e frente ao aplicador da norma (igualdade perante a lei), que não pode, ao aplicá-la a um caso concreto, fazê-lo de forma diferenciada com relação aos seus destinatários. No segundo sentido destina-se o princípio, precipuamente, ao administrador e ao magistrado. Com relação ao Poder Judiciário, a própria Constituição institui instrumentos para uma interpretação uniforme das normas jurídicas: o recurso extraordinário, interposto perante o Supremo Tribunal Federal, que visa assegurar a uniformização na interpretação da própria Constituição; e o recurso especial, interposto perante o Superior Tribunal de Justiça, que busca uniformizar a interpretação da legislação federal. O quinto ponto digno de nota é que a própria Constituição estabelece discriminações em diversos de seus dispositivos, como no art. 7o, XX, o qual determina que lei deverá proteger o mercado de trabalho feminino, por meio da concessão de incentivos específicos. Nessa hipótese, e em qualquer outra fixada pelo texto constitucional, não se pode vislumbrar qualquer ofensa ao princípio da isonomia, pois todas as disposições diferenciadoras contidas na Carta Magna forem construídas em função de critérios tidos por razoáveis pelo legislador constituinte originário. Ademais, o princípio da igualdade, como todos os demais princípios constitucionais, tem sua intensidade e dimensão traçadas na Constituição, de forma que todas as discriminações constantes em seu texto não devem ser tidas como exceções a ele, mas como compondo sua configuração constitucional. O sexto ponto a ser enfatizado é o limite à atuação do Poder Judiciário no contexto do princípio da isonomia. Imaginemos que uma lei, ao estabelecer determinado benefício, o faz de forma discriminatória, dele excluindo, sem qualquer razoabilidade, um elevado número de pessoas. Em termos teóricos, poder-se-ia entender que o magistrado, frente a um caso desta natureza, poderia, quando julgasse não haver razoabilidade para a discriminação, estender o tratamento mais benéfico àqueles por ele não normativamente alcançados. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 5 Ocorre que nossa jurisprudência, capitaneada pelo STF, não admite tal atuação por parte do Poder Judiciário, pois entende que, ao admitir-se este poder, estar-se-ia convertendo o magistrado em verdadeiro legislador positivo, já que ele estaria, efetivamente, criando direito novo, instituindo uma nova regra jurídica, em ilegítima usurpação das atribuições constitucionais do Poder Legislativo. O Judiciário inegavelmente possui competência para reconhecer a inconstitucionalidade da disposição segregadora, por ofensa ao princípio da isonomia, mas daí a suprir a lacuna legislativa é um grande passo. A Constituição não conferiu ao Poder Judiciário competência para atuar como legislador positivo, inovando no ordenamento jurídico, mas exclusivamente como legislador negativo, expurgando do ordenamento jurídicos normas eivadas de algum vício em seus elementos de validade. Portanto, frente a um caso como o acima exposto, ao Judiciário caberia tão somente declarar a inconstitucionalidade parcial da norma, no que tange à não-extensão do benefício a determinadas pessoas. Ao agir assim, o Judiciário reconheceria que a norma apresenta vícios de inconstitucionalidade, sem exercer ilegitimamente as funções do Poder Legislativo. E, ademais, não prejudicaria o grupo de pessoas a quem foi conferido o benefício, pois a norma seria declarada inconstitucional tão somente quanto aos indivíduos para os quais não foi reconhecida a mesma vantagem. Por fim, o último ponto a ser destacado no contexto deste princípio são as chamadas ações afirmativas. Segundo André Ramos Tavares: Ações afirmativas são medidas privadas ou políticas públicas, objetivando beneficiar determinados segmentos da sociedade, sob o fundamento de lhes falecerem as mesmas condições de competição em virtude de terem sofrido discriminações ou injustiças históricas. Só se confirmam como ações afirmativas legítimas até alcançarem o objetivo almejado e constituírem um patamar de neutralidade relativamente a esse grupo. Não se trata de mera ação compensatória (por perdas já ocorridas), mas de verdadeira concessão de preferências, de benefícios (atuais e com objetivo certo: incremento de oportunidades) (original não- destacado). Exemplo de ação afirmativa foi a apelidada “Lei Garotinho”, que destinou 50% das vagas das universidades públicas cariocas para os candidatos oriundos de escolas públicas, e 40%, para os afrodescendentes. É extremamente controversa a constitucionalidade de ações desta natureza. Dentre as principais críticas, afirma-se que a pessoa irá auferir benefícios só pelo fato de pertencer a determinado grupo, sem se levar em consideração, ou considerando-se apenas em termos secundários, as suas qualificações pessoais. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 6 Para uma tomada de posição na questão, é necessário relembrar o art. 3o, IV, da Constituição, que inscreve como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação.” O dispositivo tem o intuito de impedir que a pessoa seja prejudicada pela mera circunstância de ter determinada origem, pertencer a determinada raça, ter determinada cor, idade ou ser do sexo masculino ou feminino, dentre outras formas de discriminação. Ele visa, precipuamente, portanto, a proteger os indivíduos contra as diferenciações, o que nos autorizaria, num primeiro momento, a concluir que ele não proíbe que, com base em um ou mais critérios nele elencados, fosse estabelecido tratamento mais benéfico (embora não se tenha como negar que os não-abrangidos pelo tratamento estão sendo prejudicados). Pelo exposto, percebe-se que a questão é tormentosa, não se podendo adotar ainda quaisquer conclusões definitivas a respeito.Com relação ao caso específico trazido como exemplo, vale destacar que o Poder Judiciário tem reconhecido a constitucionalidade de leis que instituem privilégios para pessoas de determinada etnia, a exemplo do que ocorreu com a “Lei Garotinho”. 3) IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; Dentro do estudo do princípio da isonomia, é dado especial destaque à análise da aplicação do princípio à relação homens/mulheres, principalmente no que concerne às condições para que possa ser conferido tratamento diferenciado para um dos sexos. A Constituição é expressa ao indicar o caráter relativo desta igualdade, ao declarar que ela se verifica “nos termos desta Constituição”. E a Constituição, efetivamente, estabelece tratamento diferenciado em diversos de seus dispositivos, alguns deles aplicáveis exclusivamente às mulheres. É o caso do art. 7o, XVIII, que prevê a licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; ou do art. 7o, XX, segundo o qual a lei protegerá o mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos. Em outros de seus dispositivos, a Constituição estabelece regramento diferenciado para homens e mulheres, como o art. 40, III, a e b, e o art. 201, § 7o, I e II, que, ao estabelecerem requisitos para a aposentadoria, trazem limites de idade e de tempo de contribuição distintos para homens e mulheres; ou o art. 143, § 2o, que isenta as mulheres do serviço militar obrigatório em tempos de paz. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 7 Apesar da rigidez constitucional (nos termos desta Constituição), a doutrina, a exemplo de Alexandre de Moraes, admite que outras diferenciações, além das constantes na Constituição, possam ser acolhidas pela aplicação do princípio, e, portanto, possam ser legitimamente estabelecidas diretamente na legislação infraconstitucional. Como visto acima, a própria essência deste princípio consiste em que, além de dever ser conferido tratamento idêntico àqueles que se encontrem em situação idêntica ou semelhante, também pode ser estabelecido tratamento diferenciado para aqueles que se encontrem em situações díspares, desde que haja motivo legítimo para a diferenciação e esta seja estabelecida de forma razoável. Um exemplo é a reserva legal para as mulheres de cargos em penitenciárias destinadas exclusivamente ao encarceramento de pessoas do mesmo sexo, pois a finalidade da norma é obter um ambiente carcerário menos propício à promiscuidade sexual. 4) PRINCÍPIO DA LEGALIDADE II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; O conteúdo do princípio, como se conclui da redação do dispositivo, é que apenas a lei, regularmente elaborada pelo órgão competente para tanto, ou instrumento normativo a ela equiparado, é instrumento idôneo para inovar na ordem jurídica, criando direitos e obrigações para os indivíduos e, assim, afetando sua esfera jurídica. Qualquer fonte normativa de inferior hierarquia (decretos, atos normativos administrativos) é inconstitucional para essa finalidade. Devemos considerar que”lei”, nesse contexto, abrange todos os atos normativos primários previstos no art. 59 da Constituição, a saber: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. O princípio da reserva legal tem íntima vinculação com o princípio da legalidade, caracterizando-se, todavia, por ser mais preciso que este, pois tem lugar nas hipóteses constitucionais em que exige obrigatoriamente que o regramento de determinadas matérias se dê por meio de determinado ato normativo primário. Dessa forma, quando a Constituição estatui que as qualificações profissionais para o exercício de determinado trabalho, ofício ou profissão serão reguladas por lei (art. 5o, XII); que os direitos decorrentes de despedida arbitrária ou sem justa causa serão regulados por lei complementar (art. 7o, I); que a remuneração do servidor público só poderá ser fixada ou alterada por meio de lei específica (art. 37, X); estamos frente a hipóteses de incidência do princípio da reserva legal. Concordamos com o Professor José Afonso da Silva, quando afirma que a diferença essencial entre o princípio da legalidade e o princípio da reserva legal é que o primeiro reporta-se a uma questão de hierarquia de normas CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 8 jurídicas, enquanto o segundo refere-se a uma questão de competências definidas no texto constitucional. Efetivamente, o princípio da legalidade significa dizer que as espécies normativas hierarquicamente inferiores à lei não possuem idoneidade constitucional para inovar na ordem jurídica. Já o princípio da reserva legal reporta-se à espécie legislativa exigida pela Constituição para o regramento específico de determinada matéria. Este também é o entendimento de Gabriel Dezen Junior. O Professor Vicente Paulo trata de forma diversa a matéria. É sua a seguinte lição: O princípio da legalidade determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5o, II). O vocábulo “lei”, no tocante ao princípio da legalidade, deve ser entendido no sentido amplo, alcançando não só a lei em sentido estrito (lei formal, aprovada pelos Poderes Legislativo e Executivo), mas também outras normas jurídicas previstas no nosso ordenamento (leis em geral, decretos legislativos, resoluções, decretos do Chefe do Executivo, portarias, instruções normativas etc.). Em verdade, a prescrição do princípio da legalidade é a seguinte: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de norma jurídica, legitimamente editada no Estado brasileiro. O princípio da reserva legal tem sentido estrito, significando afirmar que determinada matéria só pode ser disciplinada por lei em sentido formal (aprovada pelos Poderes Legislativo e Executivo) ou por ato normativo que tenha força de lei (como a medida provisória, por exemplo). Desse modo, temos o princípio da reserva legal quando a Constituição Federal determina que determinada matéria só possa ser disciplinada por lei em lei estrito (lei ordinária, lei complementar, lei delegada ou medida provisória). Um bom exemplo para ilustrar o princípio da reserva legal é o art. 5o, XII, da Constituição Federal, que estabelece a possibilidade de violação das comunicações telefônicas “nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer”. Note-se que, neste caso, não é qualquer norma jurídica que poderá estabelecer as hipóteses e a forma em que a inviolabilidade das comunicações telefônicas poderá ser afasta. Atos normativos infralegais – decreto, regulamentos etc. – não poderão tratar dessa matéria, por força da reserva legal. Resumindo: o princípio da legalidade tem alcance mais amplo, porém menor densidade (pode ser satisfeito por normas jurídicas em geral); o princípio da reserva legal tem alcance restrito, porém maior densidade (só pode ser satisfeito por lei formal ou atos normativos com força de lei). Dentro da reserva de lei, a doutrina distingue a reserva absoluta da relativa. A reserva legal absoluta significa que uma matéria será regrada por lei e apenas por lei, não se admitindo delegação de competência para que o Poder Executivo trate parcialmente da matéria por meio de atos infralegais. Já na reserva relativa admite-se a que a lei trate apenas dos CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br9 pontos principais de certa matéria, delegando expressamente ao Poder Executivo a competência para complementá-la, por meio de atos infralegais, a partir dos parâmetros nela fixados. Esta última hipótese diz respeito aos chamados decretos delegados (ou regulamentos autorizados) que vêm sendo paulatinamente admitidos em seio doutrinário e jurisprudencial, desde que estejamos frente a matérias que envolvam normas técnicas, que a lei traga as balizas dentro das quais a complementação normativa será feita e seja expressa quanto à delegação de competência. Por fim, temos a chamada reserva legal qualificada, que ocorre quando a Constituição, além de exigir lei para regular dada matéria, fixa também as condições ou as finalidades que devem ser observadas pela norma legal reguladora. É o que se verifica, por exemplo, no caso do art. 5o, XII, da CF, que remete à lei a disciplina para a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mas apenas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. O Texto Maior está predeterminando as finalidades possíveis para a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, a ser regulada por lei, contemplando o dispositivo uma hipótese de reserva legal qualificada. Uma palavra sobre o decreto autônomo, considerando-se este como o ato normativo editado pelos chefes de Poder Executivo que teria aptidão para inovar na ordem jurídica, em matérias ainda não disciplinadas em lei. Pelo que acima foi exposto, é fácil de se concluir que este instrumento normativo, genericamente falando, afronta o princípio da legalidade, sendo, por conseguinte, inconstitucional. Ocorre que a Emenda à Constituição 32/2001 alterou o art. 84, VI, da CF, autorizando o Presidente da República a dispor diretamente (independentemente de lei) sobre (a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos e (b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos. Como a doutrina considera que essa prescrição corresponde a duas hipóteses de utilização do decreto autônomo, temos que considerar que esta figura é constitucional apenas em tais hipóteses, representando, no mais, violação do princípio da legalidade. 5) LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; Um dos mais amplos direitos fundamentais consagrados na Constituição, o direito à liberdade de manifestação do pensamento, respeitados os demais direitos fundamentais, não segue qualquer norma de forma ou de fundo. Qualquer um pode manifestar seu pensamento sobre qualquer coisa por CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 10 qualquer meio de expressão, desde que se identifique ao manifestar-se, como precaução indispensável contra declarações levianas ou infundadas, as quais podem ensejar responsabilização, como reza a seguir o artigo quinto da Constituição. 6) DIREITO DE RESPOSTA E INDENIZAÇÃO V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; O inciso em questão confere a verdadeira extensão do direito anteriormente analisado: qualquer um pode falar sobre o que bem entender sobre quem ou que quer que seja. Mas, por outro lado, ao atingido pela manifestação do pensamento, corresponda ela ou não a um ilícito penal, são ressalvados os direitos à resposta e à indenização por dano material, moral ou à imagem, os quais são assegurados pela obrigação do autor da manifestação de identificar-se. Trata-se, pois, de dois direitos autônomos. O primeiro, o direito de resposta ou réplica, deve ser “proporcional ao agravo”, o que deve ser compreendido como “proporcional à manifestação”. Assim, se esta foi por escrito, escrita deverá ser a resposta, se foi oral, oralmente será respondida, se foi veiculada em um jornal, no próprio jornal será rebatida, e assim por diante. Não está acobertada pelo direito de resposta eventual ofensa ao autor da manifestação. O ofendido tem o direito de defender-se contra as declarações de que foi alvo, não de tornar-se também um ofensor. Ademais, em caso de manifestação na imprensa falada (rádio, televisão) ou escrita (jornais, revistas), a responsabilidade pela divulgação da resposta é do órgão de comunicação, não do autor da manifestação. O segundo direito abarca a indenização por dado material, moral ou à imagem. Os danos materiais abrangem os prejuízos suportados pela pessoa a título de danos emergentes e de lucros cessantes, ou seja, acoberta os prejuízos decorrentes diretamente da manifestação e todos os lucros que em função dela o atingido deixou de auferir. Os danos morais referem-se ao dano psicológico, ao sofrimento causado ao atingido pela manifestação e independem, para seu cabimento, de a declaração ter chegado a conhecimento público. Os danos à imagem, por fim, acobertam os danos produzidos à pessoa em suas relações sociais, pelo decréscimo do juízo, da opinião que sofre a pessoa por parte daqueles com quem ela se relaciona. A jurisprudência pátria é pacífica quanto à autonomia entre os danos morais e materiais, podendo o ofendido ter reconhecido o direito à indenização apenas por um deles ou por ambos, de forma cumulativa. A Súmula no 37 do STJ, em sua simplicidade, é clara sobre a possibilidade de cumulação: “Indenização por dano material e moral. São cumuláveis.” CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 11 E o mesmo STJ, sobre a possibilidade de indenização por danos exclusivamente morais, afirmou o seguinte (Resp no 8.768-0/SP): Dano moral puro. Caracterização. Sobrevindo, em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização. Mesmo as pessoas jurídicas fazem jus à indenização por danos morais (STJ, Súmula 227). Por fim, Gabriel Dezen Junior afirma que “é questionável a possibilidade de indenização por danos morais difusos ou coletivos, quando o bem lesado pertence a uma coletividade, como consumidores, portadores do vírus de certa doença, portadores de determinada deficiência física, pessoas de mesma etnia”. Alexandre de Moraes, por sua vez, entende cabível indenização por danos morais mesmo em se tratando de interesses difusos ou coletivos. 7) LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; O dispositivo contempla três direitos: o de ter liberdade de consciência ou de crença, o de ter liberdade no exercício dos cultos religiosos, e o de ter os locais onde os cultos e suas liturgias são realizados protegidos contra quaisquer agressões, na forma da lei. Perceba-se que os dois primeiros direitos encontram-se previsto em norma constitucional de eficácia plena, e o último em norma constitucional de eficácia limitada. O Professor Gabriel Dezen Júnior esclarece que não se confundem crença e consciência; porque a segunda é uma orientação filosófica, como o pacifismo, além de uma consciência livre poder optar por não ter crença nenhuma, como no caso dos ateus e agnósticos; enquanto que crença se vincula inelutavelmente à religião, à fé em princípios e dogmas ligados a uma visão individual de divindade e de vida terrena e extraterrena. Sobre a liberdade de culto, afirma José Afonso da Silva que: A religião não é apenas sentimento sagrado puro. Não se realiza na simples contemplação do ente sagrado,não é simples adoração a Deus. Ao contrário, ao lado de um corpo de doutrina, sua característica básica se exterioriza na prática de ritos, no culto, com suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às tradições, na forma indicada pela religião escolhida. Na síntese de Pontes de Miranda: “compreendem-se na liberdade de culto a de orar e de praticar os atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como o recebimento de contribuições para isso” (sem destaques no original). CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 12 Assim, nenhuma dúvida resta quanto à abrangência da proteção, alcançando tanto os cultos proferidos em ambientes fechados como em locais abertos ao público em geral. Deve-se observar que o exercício dos cultos não é absoluto, devendo ser compatibilizado com os demais direitos individuais. Assim, pode ser limitado por lei, que poderá estabelecer, entre outras restrições, o horário dentro do qual podem ser realizados, de forma a não perturbar o repouso noturno, ou mesmo impedir sua realização em áreas com restrições a barulho, como as próximas a hospitais e asilos. 8) ESCUSA DE CONSCIÊNCIA VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir- se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; O dispositivo consagra o direito à escusa de consciência por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, em complemento ao direito consagrado no inc. VI do mesmo artigo, que assegura a liberdade de consciência ou de crença. Não há qualquer restrição à natureza da obrigação (civil ou militar) que pode ser dispensada mediante o exercício à escusa de consciência, embora, sem dúvida nenhuma, o exemplo mais comum seja a dispensa do serviço militar obrigatório. Ao lado do serviço militar, pode-se citar, também, as obrigações de alistamento eleitoral, de voto e de participação no tribunal do júri. Aquele que se valer da escusa não estará sujeito, em linha de princípio, à restrição de qualquer direito. Pode ocorrer, entretanto, que haja previsão em lei ordinária nacional de prestação alternativa à prestação originariamente exigida. Neste caso, se o indivíduo negar-se a satisfazer as duas prestações, a originária e a alternativa, poderá sofrer privação em algum de seus direitos. Segundo Gabriel Dezen Junior, a privação de direitos deve ter caráter temporário, pois uma penalidade de caráter permanente caracterizaria afronta ao inc. XLVII, b, do art. 5˚ da CF, que veda as penas de caráter perpétuo. Deve-se salientar que a penalidade pressupõe que a prestação alternativa esteja fixada em lei de caráter nacional, editada pela União, sendo qualquer ato normativo hierarquicamente inferior inapto para essa finalidade. 9) DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; O dispositivo em apreço estabelece o direito à liberdade de expressão, manifestação direta do direito à liberdade, previsto em termos genéricos no CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 13 caput do art. 5o e assegurado a todos aqueles que se encontrem em território brasileiro. A liberdade de expressão garantida pelo texto constitucional, quanto aos instrumentos pelos quais pode ser veiculada, é a mais ampla possível. Assim, todo e qualquer instrumento, seja oral, escrito, mímico, por meio de desenhos, pinturas, fotografias está abrangido no dispositivo. Da mesma forma, todos os meios de transmissão da atividade estão nele albergados, tais como jornais, livros, revistas, rádio, televisão, cinema, internet etc. Quaisquer que sejam os meios e os instrumentos de transmissão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, veda-se de forma absoluta a censura e a licença. A licença é um ato prévio à manifestação da atividade, e a censura, conforme sua modalidade, pode ser a ela anterior ou posterior. A Constituição veda essas duas figuras, admitindo somente a classificação para efeitos indicativos (art. 21, XVI), que tem por finalidade informar aos responsáveis por menores, em regra seus pais, se determinado programa é ou não adequado para determinada faixa etária ou tipo de público. Mero aconselhamento, sem qualquer feição proibitiva. É de se esclarecer que, estando ou não a internet entre as cogitações do legislador constituinte originário, ela atualmente está incluída entre os meios aptos à liberdade de expressão e, portanto, também está protegida pelo texto constitucional. O legislador constituinte desejou proteger um valor, a liberdade de produção e manifestação intelectual, artística, científica e de comunicação, estando todos os meios idôneos a tal manifestação resguardados pelo inc. IX do art. 5o. Assim, a Constituição vedou, de forma taxativa, a possibilidade de as criações humanas sofrerem cerceamento por parte do Poder Público, ou mesmo de particulares. A censura era instituto, de larga utilização no regime ditatorial, pelo qual se impunham severas e ilegítimas restrições às criações humanas, impedindo a divulgação de trabalhos que não se enquadrassem na ideologia então dominante. Atualmente, não há mais que se falar em censura. Seja a prévia, pela qual se impede a publicação ou apresentação dos trabalhos que não se enquadrem em determinados parâmetros, como quando se nega autorização para a publicação de um artigo ou para a realização de um espetáculo teatral; seja a posterior, pela qual se impede a continuidade da divulgação do trabalho, por meio da apreensão de livros, jornais ou revistas. Isto não impede, entretanto, que existam controles, não sobre o trabalho em si, seu mérito, seu conteúdo, mas sobre os requisitos formais concernentes à criação de pessoas jurídicas em determinadas áreas de produção artística, intelectual, científica ou comunicação. É isto que ocorre no caso de empresas jornalísticas e de radiofusão sonora (rádios) e de sons e imagens (emissoras de televisão), segundo disciplinamento da própria Constituição, nos art. 220 e seguintes, no capítulo destinado à Comunicação Social. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 14 O art. 222, por exemplo, determina que a propriedade de empresa jornalística e de radiofusão sonora de sons e imagens é privativa de brasileiros natos e naturalizados há mais de dez anos, ou de empresas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede no país, o que constitui o primeiro, e mais importante, requisito para a criação dessas empresas. E o art. 223 da CF, por sua vez, expressamente estabelece que compete ao Poder Executivo, com a participação do Poder Legislativo na maioria das hipóteses, outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiofusão sonora de sons e imagens. Do exposto, pode-se concluir que, em se tratando de empresas jornalísticas e de radiofusão sonora de sons e imagens, é legítima a exigência de “licença” para o funcionamento, já que a mesma consta do texto constitucional. Todavia, uma vez concedida a licença, é vedado ao Poder Público qualquer ato de ingerência no conteúdo das publicações, salvo, evidentemente, em caso de ofensa a outro direito fundamental previsto na Constituição, em especial os direitos de que trata o inciso seguinte, que passamos a analisar. 10) INVIOLABILIDADE DA VIDA PRIVADA, DA HONRA E DA IMAGEM X - são invioláveis a intimidade,a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Como todo e qualquer direito fundamental, o direito à liberdade de expressão deve ser interpretado em consonância com os demais direitos fundamentais previstos na Constituição. O legislador constituinte originário foi claro ao estatuir que, se de um lado existe o direito à liberdade de expressão, do outro, este direito fundamental não pode violar o direito à intimidade, à honra, à vida privada e à imagem das pessoas, sob pena de indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação. Segundo Alexandre de Moraes: Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam grande interligação, podendo, porém, ser diferenciados por meio da menor amplitude do primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do segundo. Assim, intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc. Gabriel Dezen Junior, por sua vez, declara que intimidade é: A esfera mais íntima, mais subjetiva e mais profunda dos ser humano, com suas concepções pessoais, seus gostos, seus problemas, seus desvios, suas taras. Vida privada é uma forma de externar essa intimidade (...) CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 15 Podemos considerar que a intimidade refere-se à esfera mais secreta da vida de cada um, ao passo que a vida privada nada mais é do que uma forma de externalização desta esfera secreta em locais afastados do contato com estranhos, a exemplo do domicílio da pessoa. O Professor Alexandre de Moraes apresenta uma consideração interessante, afirmando que deve ser dada uma interpretação mais restrita ao direito de intimidade e de vida privada dos políticos e artistas em geral, pois os primeiros estão sujeitos a um especial controle pelo povo e pelos meios de comunicação, enquanto que a própria atividade dos segundos requer uma exposição constante à mídia. É evidente que o estilo de vida destes profissionais, a sua constante exposição à mídia, faz com que seja maior a curiosidade do público em geral sobre aspectos de suas vidas particulares. De qualquer forma, não se lhes nega direito à indenização quando suas esferas particulares sofrerem violação por terceiros em grau superior ao que sua peculiar situação autoriza, uma vez que a norma em análise não faz qualquer ressalva quanto à amplitude do direito à intimidade ou privacidade das pessoas que se dedicam à vida pública, como os artistas e os políticos. Como antes apontado, a doutrina entende que é maior o espectro de publicização que deve ser admitido nestes casos, mas, ainda assim, não pode ser negado aos profissionais que têm maior contato com o público o direito ao respeito de sua intimidade e vida privada. O direito à honra distancia-se levemente dos dois anteriores, podendo referir-se ao juízo positivo que a pessoa tem de si (honra subjetiva) e ao juízo positivo que dela fazem os outros (honra objetiva), conferindo-lhe respeitabilidade no meio social. O direito à imagem também possui duas conotações, podendo ser entendido em sentido objetivo, com relação à reprodução gráfica da pessoa, por meio de fotografias, filmagens, desenhos, ou em sentido subjetivo, significando o conjunto de qualidades cultivadas pela pessoa e reconhecidas como suas pelo grupo social. Todas essas esferas jurídicas são protegidas contra atos que as violem, dando ao prejudicado direito à indenização por danos materiais ou morais originados da violação. Nas palavras de Gabriel Dezen Junior, segundo a norma: Os danos indenizáveis são o material (representado pelos danos causados e pelos lucros não obtidos por causada da ofensa), moral (à intimidade da pessoa, independente de ter sido a ofensa conhecida por qualquer outra pessoa, bastando que se sinta ofendida) e à imagem (dano produzido contra a pessoa em suas relações externas, ou seja, à maneira como ela aparece e é vista por outras pessoas). As indenizações pedidas pelas três linhas são acumuláveis, o que significa que podem ser pedidas na mesma ação e somadas para o pagamento final (original não- destacado). Das palavras do autor, infere-se pela desnecessidade de que haja algum dano à reputação do ofendido para que surja o direito à indenização por CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 16 danos morais. Dentre as esferas protegidas pela norma, duas delas, a intimidade e a vida privada, concernem aos aspectos mais íntimos e particulares da vida de cada um, que admitem violação, independentemente de qualquer dano à reputação. A norma protege não apenas a imagem que terceiros possam ter da pessoa, a partir de aspectos de sua intimidade e vida privada, mas também estas esferas jurídicas em si mesmas, assegurando ao indivíduo um domínio particular, indevassável a terceiros, a não ser por sua própria vontade. Qualquer violação deste domínio, chegue ou não ao conhecimento público, atinja ou não sua reputação, pode ensejar indenização por danos morais. É importante salientar que o Supremo Tribunal Federal vem pacificamente reconhecendo que a indenização por danos morais pode ser cumulada com a indenização por danos materiais, ou ser dela independente. Em outros termos, é possível haver indenização por danos morais, mesmo quando inexistente qualquer dano material na hipótese. Em reverso, pode ser reconhecido o direito à indenização por danos materiais, mesmo quando inexistentes danos morais. Duas esferas distintas de responsabilização, portanto. Os Tribunais vêm decidindo que as pessoas jurídicas fazem jus à indenização por dano moral extrapatrimonial, quando violados alguns dos atributos acima relacionados, como a honra ou a imagem. É o que se observa, por exemplo, neste julgado do STJ (Resp no 60.033/MG), no qual o Tribunal afirma que “a honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo protesto indevido de título cambial, cabendo indenização pelo dano extrapatrimonial daí decorrente”. O STF reconhece direito à indenização por danos morais no caso de publicação não autorizada de fotos, mesmo que a reputação da pessoa não sofra lesão, já que o mero desconforto ou constrangimento é indenizável. O Tribunal, em algumas hipóteses, também reconheceu direito a esta indenização para os familiares de pessoas falecidas, em função do sofrimento causado pela perda do ente querido. Ademais, o Tribunal entende que o direito à intimidade impede que o investigado em ação de paternidade possa ser coagido a realizar exame de DNA. A seguir, analisaremos os sigilos bancário e fiscal dentro do contexto do direito à intimidade e vida privada. A questão da possibilidade ou não da quebra de sigilo bancário deve ser analisada com base no inc. X do art. 5˚. A partir dele, questiona-se se o direito ao sigilo bancário, por estar contemplado dentro do direito à intimidade e à vida privada, pode ser excepcionado em alguma hipótese, já que o inc. XII do mesmo artigo, adiante analisado, admite, numa leitura literal, apenas a quebra do sigilo das comunicações telefônicas. Se reconhecida a possibilidade de ser excepcionado o direito ao sigilo dos dados bancários, questiona-se se algum outro órgão ou autoridade, além das autoridades judiciárias, teria competência para autorizar o rompimento, e em quais hipóteses pode ser dada esta autorização. As mesmas indagações são pertinentes no que toca ao sigilo fiscal. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL– CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 17 Alexandre de Moraes afirma que a inviolabilidade dos dados bancários e fiscais não é absoluta, podendo ser afastada quando obedecidos os seguintes requisitos: 1º) em caráter de absoluta excepcionalidade, quando existirem fundados indícios do cometimento de prática delituosa por parte daquele que sofre a investigação 2º) autorização judicial ou de Comissão Parlamentar de Inquérito (CF, art. 58, § 3º); 3º) indispensabilidade de dados constantes em determinada instituição financeira, Receita Federal ou Fazenda Pública; 4º) individualização do investigado e do objeto da investigação; 5º) obrigatoriedade de permanência do sigilo com relação a terceiros estranhos à investigação ou ao processo; 6º) utilização dos dados somente para a investigação ou instrução processual que lhe deu causa. Com relação ao Poder Judiciário não há dúvida na matéria: as autoridades judiciárias têm poder para determinar a quebra de ambos os sigilos, no transcurso de um processo judicial regularmente instaurado. De se ressaltar, apenas, que a determinação da quebra deve observar as regras de competência funcional, não podendo, por exemplo, um magistrado de primeiro grau determinar a quebra desses dois sigilos num processo de competência originária do respectivo Tribunal. A seguir, devemos desmembrar a análise da matéria, tratando da possibilidade ou não de quebra dos sigilos bancário e fiscal pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, pelo Ministério Público e pela Administração Pública. As comissões parlamentares de inquérito, nos termos do art. 58, § 3º, da CF, “terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”. Embora o STF, ao interpretar a norma, tenha negado aos membros das CPI’s alguns dos poderes inerentes à magistratura, admitiu que as comissões têm poderes para determinar por ato próprio, sem necessidade de autorização judicial, a quebra dos sigilos bancário e fiscal. Tal posição pode ser vislumbrada na decisão proferida no MS nº 23.639- 6/DF, quando a Corte entendeu que “a quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico de quaisquer pessoas sujeita à investigação legislativa pode ser legitimamente decretada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que este órgão estatal o faça mediante deliberação adequadamente fundamentada e na qual indique a necessidade objetiva de adoção dessa medida extraordinária”. Quanto ao Ministério Público, não lhe é reconhecida a mesma prerrogativa, apesar de seus membros, nos termos do art. 129, VI, da CF, terem poderes para “expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva”. Entende nossa jurisprudência que, CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 18 apesar da disposição constitucional, não tem competência o Ministério Público para determinar por ato próprio a quebra dos sigilos bancário e fiscal. Entretanto, admite o STF uma hipótese em que é válida a requisição direta do Parquet ao órgão ou entidade detentora da informação: quando a questão envolve a aplicação de dinheiro ou verbas públicas por instituição financeira, caso em que o princípio da publicidade da Administração Pública (art. 37, caput) autoriza o uso pelos membros do Ministério Público de seu poder de requisição direta, tal como previsto no art. 129, VI, da Constituição. Por fim, com relação às autoridades administrativas, não se encontra no texto constitucional qualquer norma que lhes permitam, por ato próprio, determinar a quebra dos sigilos bancário e fiscal. Em face disso, negava nossa jurisprudência a possibilidade de as autoridades administrativas excepcionarem o sigilo fiscal ou bancário de pessoas físicas ou jurídicas objeto de investigação. O Superior Tribunal de Justiça, quanto aos dados bancários, decidiu, no Resp nº 37.566-5/RS, que o sigilo bancário do contribuinte não pode ser quebrado com base em procedimento administrativo-fiscal, por implicar indevida intromissão na privacidade do cidadão, garantia esta expressamente amparada pela Constituição Federal (art. 5º, inciso X) (...). Apenas o Poder Judiciário, por um de seus órgãos, pode eximir as instituições financeiras do dever de segredo em relação às matérias arroladas em lei. Ocorre que a Lei Complementar nº 105/2001, em seu art. 6º, autoriza a Administração fazendária a requisitar diretamente às instituições financeiras informações protegidas pelo sigilo bancário de contribuintes que se encontrem sobre investigação. Consoante o dispositivo, “as autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.” Além disso, a Lei Complementar nº 104/2001, que acrescentou o § 1º ao art. 198 do Código Tributário Nacional, autorizou a quebra do sigilo fiscal pelas Administrações fazendárias, mediante “solicitação de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que comprovada a instauração regular de processo administrativo no órgão ou entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administração”. A Lei Complementar 105/2001, apesar de impugnada perante o STF, permanece em vigor. Deste modo, devemos concluir que, nos termos nela dispostos, as autoridades fiscais têm competência para requisitar diretamente às instituições financeiras os dados bancários de pessoas físicas ou jurídicas sob investigação. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 19 Já a Lei Complementar 104/2001 destina-se à Administração Pública em geral, permitindo, nos seus termos, que qualquer autoridade administrativa, mediante o procedimento apropriado, tenha acesso a informações protegidas pelo sigilo fiscal, mediante solicitação à Administração fazendária competente. 11) INVIOLABILIDADE DOMICILIAR XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; Inicialmente, deve-se compreender a extensão do conceito “casa” no dispositivo em apreço, o qual abrange não somente a residência familiar da pessoa, mas ainda qualquer outro local, com finalidade residencial ou profissional, que não tenha entrada franqueada ao público (casas de praia, sítios de recreio, escritórios e lojas comerciais, quanto às suas dependências privativas). Ainda, o conceito abrange não só os locais utilizados pelo indivíduo a título permanente, mas também aqueles em que ele se encontra a título transitório, como os quartos de hotéis e de pensões. Em segundo, deve-se atentar para o fato de que a proteção domiciliar não se destina ao proprietário do bem, mas ao morador do mesmo, que pode ser o locatário, àquele a quem o proprietário emprestou o bem, o hóspede de um hotel etc. A proteção alcança, indistintamente, brasileiros e estrangeiros, estendendo-se também às pessoas jurídicas, como meio de proteção à pessoa física. Em qualquer desses casos, a lei protege a “casa” das invasões de terceiros, sejam particulares ou agentes do Poder Público, ressalvados os casos previstos no próprio dispositivo.Assim, em caso de desastre, ou para prestar socorro, autoriza-se a entrada na casa, seja de dia ou de noite, tenha-se ou não anuência do morador ou autorização judicial. O mesmo se aplica no caso de flagrante, delito, que autoriza o ingresso de dia ou de noite, independente de consentimento de quem quer que seja. Todavia, a permissão não abrange todos os tipos de flagrantes arrolados no art. 302 do Código de Processo Penal. Segundo o CP, como modalidades de flagrante, podemos elencar o (1) flagrante próprio, aquele em que o agente é surpreendido cometendo uma infração penal ou imediatamente após cessar seu cometimento (CPP, art. 302, I e II); o (2) flagrante impróprio, quando o agente é perseguido logo após cometer o ilícito, em situação que faça presumir que ele é efetivamente o autor do delito (CPP, art. 302, III); e o (3) flagrante presumido, quando o agente é encontrado logo depois com instrumentos, objetos, armas ou documentos que levem a presumir que ele é o autor do delito (CPP, art. 302, IV). CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 20 Dentre estas modalidades, a Constituição autoriza o ingresso apenas nas hipóteses de flagrante próprio ou impróprio, desautorizando-o para o flagrante presumido. Ela exige que o delito ocorra no local rotineiramente protegido contra ingresso de terceiros, ou que haja perseguição contínua ao delinqüente até este local. No caso do flagrante presumido, a pessoa não é vista cometendo o delito ou acabando de cometê-lo, nem é perseguida logo após; é apenas encontrada num momento posterior, em posse de objetos que façam presumir ter sido ela a autora do ato ilícito. Ora, para “encontrá- la” na sua casa é necessário antes nela ingressar, fazendo-se, necessário, para tanto, autorização do morador ou do Poder Judiciário. Deve-se ressaltar que Gabriel Dezen Junior afirma que é lícita a invasão nas quatro espécies de flagrante. Desse modo, na hipótese de flagrante presumido, e em qualquer outra hipótese não mencionada acima, a Carta só autoriza o ingresso, e somente de dia, mediante determinação judicial. A doutrina não tem um entendimento uniforme sobre o que seria “dia” para fins de ingresso em casa alheia. Alguns entendem que se deve adotar a regra do Código de Processo Civil, que considera dia o período compreendido entre seis e vinte horas, enquanto outros consideram dia como o período em que há luz solar. Assim, o que importa para os que advogam este entendimento, entre os quais nos incluímos, é que ainda esteja claro quando da entrada. Gabriel Dezen Junior salienta que o período diurno é exigido para o ingresso na casa, não para a permanência nela, que poderá, então, adentrar no período noturno. A determinação judicial exigida no final do dispositivo é exemplo típico da chamada reserva de jurisdição, ou seja, situações em que se faz indispensável a atuação do Poder Judiciário, autorizando determinada conduta, sem a qual ela é ilícita. Nem mesmo Comissão Parlamentar de Inquérito possui poderes para determinar a invasão do domicílio. Como salienta Vicente Paulo, comentando a matéria: Esse dispositivo pôs termo à possibilidade de determinações administrativas de busca e apreensão de documentos, que são atualmente absolutamente inconstitucionais. Sob a vigência do atual texto constitucional, buscas e apreensões só são legítimas se determinadas pelo Poder Judiciário. Assim, por exemplo, ressalvadas as situações excepcionais apontadas no art. 5o, XI, da Constituição, as autoridades administrativas (auditores-fiscais da Receita Federal, auditores do Ministério do Trabalho e outras autoridades congêneres) somente poderão adentrar nas dependências dos administrados se munidos de ordem judicial autorizativa (mandado de busca e apreensão judicial). Ainda que diante de fortes indícios de que, no interior do estabelecimento, haja provas contundentes da prática de fraudes, não poderá a autoridade executar a busca e apreensão administrativa, sem autorização do Poder Judiciário. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 21 Ressalte-se, por fim, que no estado de sítio (não no de defesa) a Constituição no art. 139, V, autoriza a busca e apreensão domiciliar por ordem de autoridade administrativa. 12) SIGILO DA CORRESPONDÊNCIA, DAS COMUNICAÇÕES TELEGRÁFICAS, DE DADOS E DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; O art. 5o, XII, da CF determina a inviolabilidade de quatro sigilos: de correspondência, de comunicações telegráficas, de dados e de comunicações telefônicas, alcançando tanto as pessoas físicas como as jurídicas, nacionais ou estrangeiras. Quanto ao sigilo das comunicações telefônicas, porém, abre uma exceção, e autoriza a interceptação telefônica, no caso de investigação penal ou ação penal em curso (só quando se trata de crime ou contravenção penal, portanto); mediante ordem judicial (nunca por ordem do delegado ou do promotor); e obedecidas outras condições a serem estabelecidas em lei. Portanto, com relação às comunicações telefônicas, a norma contempla um caso de reserva de jurisdição conjugado com uma reserva legal qualificada, ou seja, estabelece as situações em que a legislação complementar poderá autorizar a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, e exige uma ordem judicial, caso a caso, para que ele seja efetivamente quebrado. Desde já devemos diferenciar interceptação telefônica de gravação clandestina. Interceptação telefônica é a captação e gravação de conversa telefônica por terceira pessoa, sem a ciência de qualquer dos interlocutores. Tal conduta é a tratada no inc. XII do art. 5o da CF. Já as gravações clandestinas são aquelas em que a captação e a gravação da conversa pessoal, ambiental ou telefônica é feita por um dos interlocutores ou por terceiro com seu consentimento, sem conhecimento pelos demais participantes da relação dialógica. Tal conduta caracteriza afronta o inc. X do art 5o da CF, que protege a intimidade e a vida privada do indivíduo. A Constituição estabelece os três requisitos para a interceptação telefônica: 1o) edição de lei, prevendo as hipóteses em que poderá ser autorizada a quebra, e dos requisitos para que ela seja efetivada; CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 22 2o) ordem judicial (reserva de jurisdição), o que significa que nenhuma outra autoridade, nem mesmo um membro do Ministério Público, pode determinar diretamente a quebra do sigilo das comunicações telefônicas; 3o) finalidade de investigação criminal ou instrução processual penal (reserva legal qualificada). A Lei no 9.296/96 regulou o inciso XII do art. 5o. Segundo o STF, todas as interceptações telefônicas feitas em data anterior à edição desta lei são inconstitucionais e, portanto, absolutamente desprovidas de qualquer efeito jurídico. Sinteticamente, as principais regras da lei são as seguintes: 1o) a lei regulou não apenas as interceptações telefônicas, mas também a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática (e-mail, faz, telex etc); 2o) só se autoriza a interceptação (1) se houver indícios razoáveis de autoria ou participação no delito, (2) se o delito for punido com pena de reclusão, e (3) se não existirem outros meios probatórios por meio dos quais possam ser obtidas as mesmas informações. Quantoao segundo requisito, admite a doutrina que os elementos probatórios colhidos durante a interceptação possam ser utilizados para a persecução penal mesmo contra crimes punidos com detenção, desde que tenham conexão com o ilícito penal objeto da investigação e que justificou a interceptação, este sim necessariamente punível com reclusão. 3o) a quebra somente pode ser determinada por juiz, o qual pode agir de ofício, sem provocação, ou mediante requerimento da autoridade policial, durante o inquérito policial, ou do membro do Ministério Público, no curso do inquérito ou da investigação processual penal; 4o) uma vez formulada a solicitação, o magistrado terá o prazo fatal de vinte e quatro horas para se manifestar a respeito. Se concordar com o pedido, deverá também definir a forma de execução da medida, pelo prazo máximo de quinze dias, prorrogável por igual período, se comprovada sua indispensabilidade. A interceptação será dirigida pela autoridade policial, podendo o membro do Ministério Público acompanhá-la, se entender conveniente. Uma vez encerrada a gravação e feita sua transcrição, serão tais peças encaminhadas ao juiz competente, bem como um auto circunstanciado descrevendo sinteticamente as operações realizadas durante a diligência; 5o) toda a diligência corre em segredo de justiça, bem como as provas por seu intermédio colhidas, sigilo que se estende ao processo judicial eventualmente existente. Uma vez completada a diligência, se já houver processo judicial em curso, o conteúdo da prova deve ser disponibilizado ao defensor do acusado. Evidentemente, o defensor ou seu acusado não devem ser previamente cientificados da interceptação, sob pena de restar imprestável sua execução. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 23 Pode-se notar que nosso sistema adota o sistema de verificação prévia da legalidade da interceptação telefônica, pois os requisitos para sua válida realização são verificados pela autoridade judicial, antes da quebra ser autorizada. Mais alguns pontos merecem destaque especial: 1˚) o STF firmou o entendimento de que as comissões parlamentares de inquérito, por ato próprio, podem requisitar a quebra do sigilo telefônico, garantindo-se seu acesso às informações constantes das contas telefônicas, mas não têm poder para requisitar diretamente a interceptação telefônica (a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, a escuta e a gravação das conversas telefônicas no momento em que são realizadas), fazendo-se indispensável, nesta última hipótese, autorização judicial; 2˚) no estado de defesa, a Constituição admite que sejam feitas restrições aos sigilos da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, e, no estado de sítio, a todos os sigilos constantes no inc. XII do art 5o (CF, art. 136, b e c, e art. 139, III); 3˚) no presente estado de desenvolvimento da teoria constitucional, não se aceita a idéia de direitos absolutos, que não possam ser excepcionados em determinadas situações. Esposando este entendimento, o STF admite, dentro de certos limites, a interceptação das correspondências, das comunicações telegráficas e de dados, sempre que elas estiverem sendo utilizadas como manto protetor para práticas ilícitas. Apresentado o tema em seus contornos mais amplos, vamos a seguir apresentar mais alguns entendimentos do STF a respeito: 1o) não se admite a interceptação da conversa telefônica entre o indiciado (durante o inquérito) ou o acusado (durante o processo) e seu advogado, salvo se houver indícios razoáveis de que este também tenha participado da infração penal; 2o) é lícita a prova obtida por meio de uma gravação de conversa telefônica que incrimine outra pessoa, e não aquela em função de quem foi autorizada a interceptação. É o caso de ser regulamente autorizada uma escuta no telefone de A, e disto resultarem provas não contra A, mas contra B, que não estava sendo investigado. O STF considera válida a utilização da prova assim colhida num processo contra B; 3o) a gravação clandestina, ou seja, a captação e gravação de conversa pessoal, ambiental ou telefônica feita por um dos interlocutores, ou por terceiros com seu conhecimento, caracteriza afronta ao inc. X do art. 5o, que protege a intimidade e a vida privada, sendo, pois, em regra ilícita. O STF repetidamente deixou claro esse entendimento, como se verifica no seguinte pronunciamento da Corte (Ação Penal 307-3-DF): A gravação de conversação com terceiros, feita através de fita magnética, sem o conhecimento de um dos sujeitos da relação dialógica, não pode CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 24 ser contra este utilizada pelo Estado em juízo, uma vez que este procedimento – precisamente por realizar-se de modo sub-reptício – envolve quebra evidente de privacidade, sendo, em conseqüência, nula a eficácia jurídica da prova coligida por este meio. 4o) é válida a prova colhida mediante a gravação de um diálogo em local aberto ao público, sem conhecimento de um dos interlocutores. Entende-se que o indivíduo, ao dialogar num espaço público, abre mão temporariamente de seu direito à privacidade, o que afasta a ilicitude da prova colhida a partir da conversa; 5o) é válida a gravação de conversa telefônica feita por terceiro, com a ciência de um dos interlocutores e o desconhecimento do outro (gravação clandestina), quando a situação caracterizar legítima defesa (uma excludente de ilicitude). O Professor Alexandre de Moraes chama esta situação, e outras similares, de “defesa das liberdades públicas fundamentais”, e ocorrem quando aquele que autorizou a gravação por terceiro teve, primeiramente, sua esfera jurídica invadida por aquele que não sabia da gravação. A prova assim obtida é admissível em juízo, pois o primeiro está agindo na defesa de suas liberdades públicas fundamentais. É o caso de A, vítima de extorsão por B, autorizar a gravação de uma conversa telefônica entre eles por C, sem que B saiba, pois, naquele diálogo telefônico, está a comprovação do cometimento do crime de B contra A. 13) LIBERDADE DE EXERCÍCIO DE TRABALHO, OFÍCIO E PROFISSÃO XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; O direito fundamental ao livre exercício de trabalho, ofício ou profissão é contemplado em norma constitucional de eficácia contida. Dessa forma, se não houver lei regulando determinado trabalho, ofício ou profissão, ele é de livre exercício por qualquer pessoa. Uma vez editada a lei, apenas aquele que atender às qualificações nela exigidas poderá desempenhá-lo. Os ofícios de massagista e artesão, por exemplo, não tem regulação na legislação ordinária, o que significa que atualmente é livre o seu exercício por todos os interessados. Eventualmente, se no futuro for editada lei estabelecendo as condições para o exercício da atividade, apenas aqueles que preenchê-las poderão desempenhá-la. Gabriel Dezen Junior assevera que, pelo princípio da proporcionalidade legislativa, só são passíveis de regulação as profissões, ofícios e atividades que tenham relevância pública. Ressalta, ainda, que o STF declarou inconstitucional lei que permitia a delegação para particulares dos serviços de fiscalização de profissões regulamentadas, por entender que tal atividade é típica de Estado, abrangendo também os poderes tributário e punitivo, sendo, portanto, insuscetível de delegação a entidades privadas. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 25 14) LIBERDADE DE LOCOMOÇÃOXV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens O direito de locomoção, direito fundamental de primeira geração, abrange as liberdades de ir, vir e ficar, nesta compreendida a de fixar domicílio, e qualquer ato que o lesione ou o ameace de lesão é passível de impugnação mediante habeas corpus. Ademais, não se refere somente á própria pessoa, compreendendo também os seus bens. Não se trata de um direito absoluto, como a própria norma ressalta, sendo passível de exercício em termos amplos somente em tempo de paz, assim compreendida a situação de normalidade democrática e institucional. Em caso de guerra, declarada ou iminente, ou de estado de sítio (não no de defesa), a Constituição autoriza restrições ao direito de locomoção. Ademais, seu exercício deve ser compatibilizado com outros direitos fundamentais. É induvidoso, por exemplo, que a pessoa sujeita à pena restritiva de liberdade, ou aquela portadora de moléstia contagiosa, pode ter legitimamente cerceado seu direito de locomoção. Direito que se aplica a brasileiros e estrangeiros, é especialmente regulado por lei no que toca à entrada e saída do País, a qual pode ser legitimamente negada àquele que não preencher os requisitos estabelecidos, como a posse de passaporte. O direito de locomoção pode ser violado ou ameaçado tanto por particulares quanto por agentes públicos. Neste caso, o agente público, conforme o caso, pode vir a ser enquadrado em crime de abuso de autoridade, consistente em “executar medida privativa de liberdade individual sem as formalidades legais ou com abuso de poder” (Lei no 4.898/65, art. 4o, a). 15) DIREITO DE REUNIÃO XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; A Constituição é límpida ao estabelecer os requisitos para o legítimo exercício do direito de reunião: - requisitos de ordem material: reunião para fins pacíficos, sem armas; - requisito de ordem formal: prévio aviso à autoridade competente. Como pondera Gabriel Dezen Junior, “esse prévio aviso não é, ressalte-se, um requerimento ou pedido; é uma mera comunicação”. Trata-se de um comunicado à autoridade competente, para fins de assegurar CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 26 o direito de preferência à reunião no local e hora definidos, e permitir que a autoridade competente adote, se necessárias, as medidas de segurança cabíveis ao caso. Desde que pacífica e sem armas (e que não haja afronta a algum outro dispositivo constitucional), a reunião é licita e, por conseguintes, há direito subjetivo à sua realização, no local e hora determinados, a não ser que haja outra reunião anteriormente marcada para o mesmo horário e local, caso em que a autoridade competente apenas informará o fato aos interessados, cabendo a estes, livremente, determinar quando e onde se dará sua reunião. Em caso de conduta arbitrária (e inconstitucional) da autoridade, o instrumento adequado para se assegurar o direito à realização da reunião é o mandado de segurança, não o habeas-corpus, pois, segundo entendimento do STF, a liberdade de locomoção, neste caso, é apenas um direito instrumental (a liberdade de dirigir-se ao local da reunião e nele permanecer) ao direito de reunião, e não o direito propriamente violado. Por fim, deve-se notar que a presença de armas só pode ser impeditiva para a reunião se a autoridade competente tiver meios, já quando do recebimento do aviso, de comprovar tal circunstância. Caso contrário, se forem encontrados participantes portando armas já no momento da reunião, esta em regra não poderá ter seu curso impedido, devendo apenas serem retiradas tais pessoas do local do encontro, ou retidas suas armas durante o evento. 16) LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; O dispositivo em questão trata do direito à liberdade de associação, que não se confunde com o direito de reunião, anteriormente analisado, pois a reunião, por sua natureza, tem caráter episódico, eventual, ao passo que a associação tem um caráter de constância, de continuidade. Como ponto em comum, ambas tem objetivos definidos, embora os da associação sejam caracterizados pelo médio e longo prazo, visando à reunião, em regra, a finalidades mais imediatas. Podemos, desse modo, definir associação como a união voluntária de pessoas, em regra por prazo indeterminado, com vista à determinada ou a determinadas finalidades, todas lícitas, nos termos da Constituição. O próprio inc. XVII já contempla uma hipótese de associação ilícita, a de caráter paramilitar, o que é evidenciado geralmente pelo uso de armas, de uniformes, por sistemas internos de comando e subordinação semelhantes aos militares, ou mesmo pelo recurso a treinamento marcial. Entretanto, Não só a associação paramilitar deve ser tida por ilícita, mas toda aquela que viola regras dos diversos ramos jurídicos integrantes de nosso ordenamento, a exemplo do Direito Civil, Trabalhista e Penal. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 27 Deve-se ressaltar que é desnecessário que os interessados procedam ao registro formal da associação, constituindo-a em pessoa jurídica. Trata-se, no caso, de mera opção, que pode até mesmo constituir requisito para outros direitos, mas não para o próprio direito à associação. 17) CRIAÇÃO DE ASSOCIAÇÕES E COOPERATIVAS XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; O texto constitucional é claro: a criação de associações independe de autorização do Poder Público. A regra nada mais é do que uma especificação do direito à liberdade de associação, acima analisado. Ora, se é livre a associação para fins lícitos, evidentemente que sua criação independe de qualquer anuência prévia do Poder Público, e nem pode este intervir nas atividades da associação após sua instituição. Não se conclua, contudo, que se trata de dispositivo inútil, mera especificação do dispositivo anterior. É axioma pacífico na moderna hermenêutica constitucional: a Constituição não traz expressões inúteis, cabendo ao intérprete apreender seu sentido útil dentro do contexto em que estão inseridas. No caso, em questão, tal abordagem nos leva à conclusão que o legislador constituinte está, aqui, tratando da constituição formal da associação, da aquisição de sua personalidade jurídica, a qual, portanto, não está condicionada à autorização do Poder Público. Do mesmo modo, uma vez constituída a associação, é vedada qualquer interferência estatal em seu funcionamento. Já para as cooperativas a disciplina constitucional é diferente. A criação de tais entidades independe também de autorização do Poder Público, mas o exercício deste direito está condicionado à edição da lei complementar requerida no dispositivo. Trata-se, pois, de norma de eficácia limitada, nesta parte, ao contrário da norma para as associações, que é de eficácia plena. Tal lei estabelecerá os requisitos para a criação de cooperativas, como os procedimentos a serem observados na constituição, a obrigatoriedade da existência de órgãos fiscalizadores, a exigência de aplicação dos excedentes financeiros nos objetivos institucionais da entidade, entre outras condições. A lei, todavia, não poderá estabelecer
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