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O PERU DE NATAL (MÁRIO DE ANDRADE) Narrador: O nosso primeiro Natal de Família, depois da morte de meu pai acontecia cinco meses antes, foi de consequências decisivas para a felicidade familiar. Felizes, gente honesta, sem crimes, lar sem brigas internas, porém, meu pai de natureza cinzenta, sempre lhe faltara o gosto material, meu pai quase dramático, o puro-sangue dos desmancha-prazeres. Juca: Mãe, vamos ao cinema? Mãe: Onde já se viu ir no cinema? Estamos com luto pesado! Narrador: A dor já estava sendo cultivada pelas aparências, e eu, que sempre gostara apenas regularmente de meu pai, mais por instinto de filho que por espontaneidade de amor, me via a ponto de aborrecer o bom do morto. Então tive uma ideia: Juca: Neste natal quero comer peru! Narrador: A tia solteirona e santa diz: Tia: Não podemos convidar ninguém, estamos de luto! Juca: Mas quem falou em convidar alguém? Que mania... Quando é que a gente já havia comido peru em nossa vida? Peru aqui em casa é prato de festa, vem toda parentada do diabo! Mãe: Meu filho, não fale assim! Juca: Pois falo e pronto! Narrador: Descarreguei minha gelada indiferença pela nossa parentada infinita, vinda de bandeirantes, que pouco me importa, era o momento para desenvolver minha teoria de doido, já que todos os meus familiares me intitulam de “doido”. Juca: Já pensou!? Minha mãe e minhas três irmãs só comiam o que sobrava do enterro do peru, exaustas de tanto trabalhar, para provarem num naco de perna, vago, escuro, perdido no arroz alvo. Isso era o que minha mãe comia, depois que catava tudo pro velho e para os filhos. Narrador: Pensei! Vou fazer esse peru! Irmã: É louco mesmo! Narrador: comprou-se o peru, fez-se o peru; E depois de uma Missa de Galo bem mal rezada, se deu o mais maravilhoso natal. Fiquei observando minha mãe e minhas irmãs olhando a mesa posta e de conto de olho, muito sossegada, minha mãe cortava fatias do peito da ave, finas entorpecida numa quase pobreza sem razão. Juca: Não senhora, corte inteiro! Só eu como tudo isso!] Narrador: Era mentira. O amor familiar era incandescente em mim, que até era capaz de comer pouco, só pra que os outros quatro comessem demais. Aquele peru comido a sós, redescobria em cada um o que a quotianidade abafara por completo, amor, paixão de filhos. Deus me perdoe, mas estou pensando em Jesus... Juca: Eu que sirvo! Irmã: É louco mesmo, pois porque havia de servir, se sempre mamãe servira naquela casa! Mãe: Se lembre de seus manos, Juca! Narrador: Quando que ela havia de imaginar que aquele gordo pedaço era para ela. Minha mãe maltratada, que sabia de tudo, porém, se calava. Juca: Mamãe, este é para a senhora! Narrador: Foi quando ela não se conteu com tanta emoção e chorou, minha tia também enredou num refrão de lágrimas. E minha irmã que jamais tinha chorado, abriu a torneirinha em lágrimas. Principiou-se o silêncio, lutuoso e o peru estava perfeito. Começou a competição entre o peru e o meu pai, ambos mortos, defuntos, porém, a imagem de meu pai não parava de ser o centro das atenções. Mãe: Só falta seu pai... Juca: É mesmo... Meu pai que queria tanto a gente bem, nossa família, que morreu de tanto trabalhar pra nós, papai lá no céu há de estar contente, como uma estrelinha brilhante no céu. Narrador: O único morto agora, era o peru, pois meu pai figura integra, uma estrelinha brilhante no céu, agora descansa com Jesusinho e toda família agora está amena, numa felicidade, num encontro e nosso natal saiu como puro e emocional, assim foi, com minha mãe feliz e minhas irmãs alegres por ter comido o então Peru de Natal.
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